Usucapião extrajudicial do novo CPC.

Simplicidade e celeridade nessa forma originária de aquisição da propriedade

12/08/2015 às 14:46
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A nova proposta de usucapião extrajudicial torna simples e célere a obtenção de titularidade do domínio de bens imóveis cuja posse se deu de forma pacífica, continua e revestida de boa-fé.

Já entendia Hegel, no século XIX, que os processos históricos acontecem em ascendentes movimentos de espirais, dado que se aprimoram no processo de dialética, porém não são estáticos como num ciclo. O mesmo se pode dizer dos processos legislativos, vez que eles também passam pelos mesmos processos dialéticos de transformação progressiva. Na atualidade, o Código de Processo Civil foi o dispositivo legal que passou por tais aprimoramentos que culminaram no surgimento de diversas inovações jurídicas, dentre elas a usucapião administrativa.

Antes de tudo, é preciso entender que usucapião é uma das formas de aquisição originária de propriedade. Explico: originária, pois a relação do bem com o antigo proprietário se dissolve, não havendo, pois, relação jurídica de transmissão.

Note-se, contudo, que para que ocorra a usucapião da res habilis, isto é, do bem imóvel que não é bem público, essencial é a posse mansa, pacífica, contínua e ininterrupta por determinado espaço de tempo, que varia conforme a modalidade de usucapião. Além disso, a boa-fé e o justo título também são imprescindíveis, até porque o justo título está intimamente ligado à boa-fé, haja em vista que o proprietário tem a ilusão de estar usufruindo da posse do bem de forma legítima. E por fim, o último requisito é a sentença judicial, afinal é meio pelo qual se adquire efetivamente a propriedade.

Ademais, oito são os tipos de usucapião previstas no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: usucapião extraordinária (art. 1.238, caput, CC); usucapião extraordinária reduzida (art. 1.238, parágrafo único, CC); usucapião especial rural (art. 1.239, CC); usucapião especial urbana (art. 1.240, CC); usucapião especial urbana por abandono familiar (art. 1.240-A, CC); usucapião ordinária (art. 1.242, caput, CC); usucapião ordinária reduzida (art. 1.242, parágrafo único, CC); e, usucapião coletiva (art. 1.228, §4º, CC e art. 10, Lei 10.257/01).

À parte as peculiaridades de cada modalidade, principalmente no que diz respeito ao tempo de ocupação do imóvel, é comum a todas o fato de a oficialização do domínio só ocorrer após a sentença, o que implica dizer que só pela via judicial se podia fazer valer tal direito.

Contudo, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105), sancionado em 16 de março de 2015, trouxe-se uma alternativa sem dúvida inovadora: a usucapião extrajudicial, isto é, usucapião processada diretamente em Cartório de Registro de Imóveis, previsto no art. 1.071, que se destina a acrescer o art. 216-A a Lei 6.015/1973, que trata dos Registros Públicos. Tal artigo delineia os tramites do novo procedimento.

Vale lembrar, porém, que a usucapião por meios administrativos já existe no ordenamento brasileiro desde 2009, mas só era aplicada aos projetos de regularização fundiária de usucapião especial urbana, conforme definido na Lei nº 11.977/2009. A novidade aqui é a ampliação que se deu ao instituto, haja vista que agora poderá ser aplicado às diversas modalidades de usucapião.

Muito embora, tudo se processe perante o Cartório de Registro de Imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a via judicial não é excluída, sendo ainda uma alternativa. Outrossim, o requerimento é feito pelo interessado e deverá ser instruído com a ata notarial lavrada pelo tabelião, planta e memorial descritivo, certidões negativas dos distribuidores do foro da comarca e justo título.

Destaque-se que a ata notarial deve atestar o tempo de posse do requerente, e seus antecessores, conforme requeira o caso, já que tem por finalidade servir de prova documental tanto da cadeia possessória, como da destinação do imóvel ao longo do tempo, para a caracterização do direito à propriedade.

Com relação à planta e ao memorial descritivo, tais documentos devem estar assinados por profissionais legalmente habilitados, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes. Note-se, que a consensualidade entre os sujeitos foi acrescida ao procedimento.

Quanto às certidões negativas fornecidas pelo setor de distribuição do foro da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente, nas esferas civil, penal, tributária e demais áreas, tanto na justiça estadual como federal, que servem para a verificação de que o exercício da posse foi mesmo manso e pacífico.

E, por fim, com relação ao justo título ou outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel. Contudo, na falta de justo título, outros documentos serão aceitos, desde que evidenciem os elementos da modalidade de usucapião pretendida.

São parágrafos do art. art. 216-A, introduzido na Lei de Registros Públicos pelo art. 1.071 do novo Código de Processo Civil:

§ 1o O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.

§ 2o Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.

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§ 3o O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o pedido.

§ 4o O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.

§ 5o Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis.

§ 6o  Transcorrido o prazo de que trata o § 4o deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5o deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.

§ 7o Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.

§ 8o Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.

§ 9o A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.

§ 10.  Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.”

No que concerne a tais previsões, observe-se a exigência de concordância de todas as pessoas que aparecem na matrícula e nos registros. Não poderão existir oposições. No entanto, no instituto da usucapião nunca foi necessário, tão pouco exigido, o consenso entre o requerente e o requerido. Bastava que fossem preenchidas as condições legais para que o requerente obtivesse o domínio do imóvel usucapiendo.

Ademais, o silêncio aqui será interpretado como discordância e não como anuência, consoante dita a prática, o que por sua vez pode acarretar alguns impasses, principalmente quando o silêncio da parte signifique não discordância, mas indiferença às consequências da sua manifestação expressa.

Por fim, inegável que o legislativo brasileiro, nos últimos anos, tem se esforçado na busca de soluções alternativas ao Judiciário, visando amenizar os problemas do congestionamento judicial. Nesse sentido, a nova proposta de usucapião extrajudicial tornará mais simples e célere a obtenção de titularidade do domínio de bens cuja posse se deu de forma pacífica, contínua e revestida de boa-fé. 

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