Recuperação judicial e conversão dos créditos em participação societária

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Este artigo aborda a legalidade dos planos de recuperação judicial que determinam a um ou mais credores, independentemente da classe ou subclasse a que pertençam, a obrigatoriedade de converterem seus créditos de dinheiro em ações ou quotas do devedor.

"Repudiamos as formas de associação que nos pretendem impor, jamais a livre associação." Frédéric Bastiat, 1850

I. Introdução: cenário econômico atual e o aumento da quantidade de recuperações judiciais recém impetradas.

No Brasil, a partir do ano de 2011, a atividade econômica começou a deteriorar-se com mais intensidade, em razão, em última análise, da crescente intervenção do Estado no livre mercado, capitaneada pelos ocupantes do Poder Executivo Federal e pelos membros do Legislativo que compartilham da ideologia socialista daqueles.

Mas, especialmente a partir do resultado da eleição presidencial de outubro de 2014, quando a mesma administração federal foi confirmada para os quatro anos seguintes, a falta de perspectiva de mais liberdade econômica e os necessários ajustes a serem efetuados no curto e médio prazos (alguns já praticados no início do mandato, como os aumentos da luz[1] e do combustível[2]) acentuaram a diminuição de investimentos nacionais e estrangeiros no Brasil, como se nota pelas recentes estatísticas sobre a produção de bens de capital[3], as dispensas na iniciativa privada[4], e a participação estrangeira no capital social de sociedades empresárias que atuam no país[5].

Políticas intervencionistas também, necessariamente, aumentam a burocracia, pois, quanto mais funcionários públicos para autorizar a prática de atos da vida civil e comercial, mais haverá etapas que o particular terá de cumprir perante o Estado. Além disso, diminuem a concorrência entre particulares, já que vender para o Governo tende a ser a única opção.

Consequentemente, tais políticas, ainda, incentivam a corrupção, já que a pressa da população para praticar tais atos é incompatível com a morosidade inerente à burocracia; e o fato de o Governo dominar a demanda tende a elevar a probabilidade de a Autoridade ser corrompida por um ou mais particulares que desejem ganhar a concorrência contra os demais.

Embora ainda não haja sentenças condenatórias transitadas em julgado, as provas já produzidas no âmbito da Operação Lava-Jato[6], deflagrada em março de 2014 pela Polícia Federal, parecem demonstrar que, de fato, uma considerável parcela das maiores construtoras civis do Brasil corrompeu membros da administração pública para contratarem com a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobrás, tendo alguns de seus administradores e sócios sido presos, mesmo que provisoriamente.

Esse considerável indício de corrupção acarretou o rebaixamento da nota de classificação do risco do crédito dessas construtoras por agências de “rating”. E, como a maioria dos instrumentos de captação de dinheiro (dos contratos de mútuo à emissão dos valores mobiliários diversos no mercado de capitais) contém cláusula de vencimento antecipado em decorrência do rebaixamento da nota, dívidas altíssimas delas venceram da noite para o dia sem que possuíssem dinheiro suficiente em caixa tanto para quitá-las de imediato, quanto para manter suas atividades (isto é, permanecer pagando pontualmente salários, fornecedores, tributos e outras despesas). Nesse mesmo ínterim, a Petrobrás, cujo endividamento já vinha crescendo[7], também precisou adequar suas contas à realidade, de modo que passou a atrasar inúmeros pagamentos a seus fornecedores[8], prejudicando o fluxo de caixa deles.

Todo esse declínio da atividade econômica, dos investimentos e da impossibilidade de grandes construtoras civis e da Petrobrás permanecerem contratando e pagando pontualmente estão aumentando o número de empresários insolventes no Brasil – sejam fornecedores delas, sejam elas próprias, como, apenas no início de 2015, já foram os casos de partes das sociedades integrantes dos grupos OAS[9] e Galvão Engenharia[10], bem como da Alumini Engenharia S.A.[11]

Por isso, a partir do segundo semestre de 2014, a expressão “recuperação judicial” tornou-se corriqueira nos jornais brasileiros. Essa expressão, portanto, não se tornou frequente no noticiário como consequência do insucesso empresarial no livre mercado, mas, em última análise, muito mais pelo excesso de intervenção do Estado na economia.

A recuperação judicial é um tipo de processo judicial, regulado pela Lei nº 11.101/2005 – Lei de Falências e Recuperação de Empresas, dentro do qual o devedor reúne quase todos os seus credores (exceto aqueles indicados no art. 43, §§ 3º e 4º, quais sejam, basicamente, aqueles por adiantamento de contratos de câmbio, e cujos créditos estejam garantidos pela alienação fiduciária e cessão fiduciária de bens[12]) para renegociar suas dívidas.

O resultado dessa renegociação é escrito num documento denominado “plano de recuperação judicial”, no qual, em síntese, o devedor e seus credores estabelecem as formas de pagamento e as medidas de reestruturação que aquele adotará para tornar a ser superavitário.

Todavia, há limites legais para o conteúdo do plano.

Um deles é o tema deste artigo, que consiste na impossibilidade de o plano estabelecer como única forma de pagamento a conversão dos créditos em “equity”[13] do devedor – isto é, em pedaços em seu capital social (ações ou quotas) –, exceto se a unanimidade dos credores (ou da classe ou subclasse à qual a conversão for proposta) optar por essa conversão.

Antes de prosseguirmos, atentamos, desde já, à diferença entre o plano que oferece a conversão como sendo uma das alternativas, sendo a outra o recebimento do mesmo bem pactuado na obrigação original (moeda, geralmente), na linha do que exporemos adiante; e o plano que estabelece a conversão em “equity” como única forma de pagamento a todos os credores (ou a credores de certa classe ou subclasse), sem, logo, a referida alternativa.

Ambos, contudo, possuem uma característica em comum, qual seja, o fato de um ou mais credores serem obrigados a receber “equity” em pagamento de seus créditos em moeda[14]. É essa característica que constitui o objeto deste trabalho.

II. Precedentes do Poder Judiciário brasileiro.

Em dezembro de 2014, no julgamento do agravo de instrumento nº 0039682-69.2014.8.19.0000, a 14ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manifestou-se sobre o assunto pela primeira vez, tendo decidido, por unanimidade, que é legal o plano que obrigue os credores a efetuar a conversão em ações de uma companhia aberta. A Câmara utilizou mesmos fundamentos de um julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo, de outubro 2009, preferido nos autos do agravo de instrumento nº 657.733-4/6-00, sobre o mesmo assunto. Essas são as duas únicas decisões do Poder Judiciário brasileiro sobre o tema de que se tem conhecimento.

O TJ/RJ, assim como o TJ/SP, entendeu que, se um credor é obrigado a receber ações de uma companhia aberta em pagamento, ele não estaria sendo forçado a tornar-se acionista, tanto porque poderia vender tais ações de imediato, quanto porque não teria de “participar ativamente da companhia”. E, de todo modo, haveria valores (o acórdão não menciona quais) que prevaleceriam sobre a regra constitucional de que não se pode obrigar ninguém a ser sócio, sendo que, por fim, se a conversão for a única alternativa, terá de ser aceita pelos credores e pelo Judiciário[15].

Todavia, como adiantamos acima, divergimos desse entendimento, pelos fundamentos que, para tornar o presente artigo mais didático, serão a seguir abordados em capítulos específicos.

III. Fundamentos jurídicos da ilegalidade do plano que obriga o credor a converter seu crédito em participação societária, contra sua vontade.

 

III.1. Violação do curso forçado da moeda e da identidade da coisa devida.

Se o crédito em dinheiro será convertido em ação, os credores de moeda, que são sempre a imensa maioria, serão obrigados a aceitar ação ao invés de moeda como pagamento. Isso é fato e óbvio.

Entretanto, essa forma de pagamento é vedada pelo art. 315[16], do Código Civil, que determina que as obrigações em dinheiro deverão ser pagas em moeda corrente, pelo valor nominal, o qual, por sua vez, é aquele imposto pelo Estado à moeda metálica e ao papel-moeda[17]. Ou seja, uma dívida de, por exemplo, R$ 10,00 (dez reais) tem que ser paga em tantas moedas (ou papéis-moeda) cujos valores nominais totalizem R$ 10,00 (dez reais).

Esse dispositivo, note-se, traduz o que a doutrina denomina “curso forçado da moeda”, que significa que o credor é obrigado a aceitar o padrão monetário que o Estado dote de curso legal[18] para o pagamento de uma dívida, não podendo a convenção das partes recusar o poder liberatório de tal padrão monetário[19].

No Brasil, o padrão monetário é o Real[20]. Logo, de acordo com o disposto no mencionado art. 315, a moeda metálica e o papel-moeda, emitidos pelo Banco Central[21], que expressem um valor nominal em Real (curso legal da moeda), têm que ser aceitos (curso forçado da moeda) pelo devedor para liberar o devedor de uma obrigação de pagar (de dar moeda ou papel moeda).

Portanto, neste País, de acordo com o art. 315, do Código Civil, a única coisa que credores podem ser obrigados a aceitar para o pagamento de uma dívida expressa em Real é, exatamente, a moeda e o papel-moeda, emitidos pelo Banco Central, que expressem valores nominais em Real. Logo, para pagamento de tais dívidas, os credores não são obrigados a aceitar nenhuma outra coisa, tais como ações ou quotas do capital social de uma sociedade empresária.

Além disso, o art. 313, do mesmo Código[22], também impede que o credor de moeda seja forçado a receber ações, ao estabelecer que nenhum credor poderá ser obrigado a receber prestação diversa daquela pactuada, traduzindo, esse dispositivo, o que Caio Mário da Silva Pereira denomina “princípio cardeal das obrigações de dar, qual seja, o da identidade da coisa devida: o devedor não se desobriga com a entrega de coisa diversa, ainda que seja mais valiosa”[23].

Por fim, cabe registrar que diferente é a hipótese de o credor, voluntariamente, aceitar que o devedor lhe dê em pagamento outro bem ou direito diferente daquele que haviam convencionado. O Código Civil[24] denomina essa hipótese de “dação em pagamento”, a qual ocorre quando, por exemplo, um credor de R$ 10,00 (dez reais) aceita que o devedor lhe dê uma caneta ou uma quota do capital social de uma sociedade empresária. Esse é o único caso em que o credor pode aceitar converter seu crédito de dinheiro em “equity’: se, voluntariamente, mediante o seu (credor) consentimento, aceitá-lo. Fora daí, logo, prevalece o princípio da identidade da coisa devida[25].

De todo modo, como expusemos acima, tanto em razão da norma do art. 315, quanto do 313, ambos do Código Civil, o credor de dinheiro não pode ser compelido a receber ações, em hipótese alguma, independentemente de o devedor encontrar-se sob recuperação judicial ou sob qualquer outro regime legal de insolvência.

III.2. Ser proprietário da ação é pressuposto para vendê-la.

Toda sociedade empresária[26] tem que possuir um capital social[27], que é a cifra, fixada no estatuto ou no contrato social, correspondente ao montante das contribuições prometidas pelos sócios para a formação da companhia, que somente pode ser modificada com observância das regras legais e cujo objetivo é proteger os credores da sociedade[28].

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O capital social possui diversas funções. Mas, para o presente trabalho, interessa apenas aquela de identificação dos sócios.

Os sócios recebem quotas ou ações da sociedade, as quais representam frações do capital social e são objeto do direito de propriedade que os quotistas ou acionistas detêm[29]. Essa definição está refletida, quanto às sociedades limitadas, no art. 1.055, do Código Civil[30], e, com relação às sociedades por ações, no art. 1º, da Lei nº 6.404/76[31].

Ainda sobre as sociedades por ações, repisamos que a participação societária é designada “ação”. Acionista é a pessoa titular de participação societária a companhia. Portanto, a qualidade de acionista decorre da propriedade da ação, é adquirida pela aquisição da propriedade da ação. E a perda da qualidade de acionista decorre da perda da propriedade das ações[32].

A mera possibilidade dessa propriedade durar pouco tempo, ou, de fato, vir a durar pouco tempo (com a realização da compra e da venda num lapso curto) não são fundamentos legais para se excluir a qualidade de acionista. Em outros termos, nem a lei brasileira, nem a melhor doutrina sequer cogita de condicionar a qualidade de sócio a quem for proprietário de quotas ações por um período de tempo mínimo. Se, por exemplo, alguém comprou-as e vendeu-as um minuto depois, foi acionista naquele espaço de tempo para todos os fins de direito, sem exceção (o que é diferente de a ação comprada ter restrições a certos direitos, como os políticos; de qualquer maneira, o adquirente é sócio).

Além disso, nossa lei também não relaciona qualidade de sócio com o nível de liquidez da ação ou da quota. O fato de as ações de companhias abertas possuírem mais liquidez e menos restrições jurídicas para serem vendidas do que as ações de companhias fechadas e as quotas de limitadas não permite que se qualifique o acionista da aberta como não-acionista.

Logo, se o plano de recuperação judicial estabelece que o credor converterá seu crédito em “equity”, é inequívoco que ele, no primeiro momento, imediatamente tornar-se-á proprietário de quotas ou ações do capital social da devedora.

E, como a única pessoa que pode dispor da propriedade de um bem[33], na modalidade de alienação[34] e por uma decisão voluntária do alienante, é o proprietário desse bem, as quotas ou ações de uma sociedade somente podem ser vendidas voluntariamente por quem for seu proprietário, ou seja, quem for sócio ou acionista.

Então, o credor cujo crédito for convertido em “equity” somente poder alienar as ações ou quotas que representem seu “equity” se ele tornar-se, antes, o proprietário dessas ações ou quotas.

Portanto, ser proprietários de ações ou quotas é pressuposto jurídico para vendê-las voluntariamente.

Por fim, esclareça-se que, se o plano de recuperação judicial afirmar que o credor que não desejar receber ações poderá indicar um comissário ou figura semelhante para que este torne-se proprietário delas e aliene-as de imediato e utilize a moeda recebida pela venda para pagar o credor, essa possibilidade será diferente da conversão de crédito em participação social. Neste caso, o credor será pago em moeda, todavia, num valor totalmente aleatório, já que é impossível prever-se o valor exato futuro a ser obtido com a venda das ações, havendo a possibilidade tanto de o credor receber uma quantia extremamente superior, quanto inferior do valor de seu crédito. E o credor que se sujeite a essa eventual opção deverá integrar o quórum para deliberação sobre aprovação ou rejeição do plano, como sugeriremos no capítulo 6, adiante.

III.3. Engajamento político é irrelevante para se qualificar o sócio como tal.

Como abordamos no capítulo anterior, a única condição que a legislação brasileira impõe para a qualificação como acionista é a aquisição do direito de propriedade da quota ou da ação. Por isso, ao contrário do que afirmou o aludido acórdão do TJ/RJ, o engajamento político do acionista não é condição para qualificá-lo, ou não, dessa forma.

Aliás, beira o absurdo cogitar-se, por exemplo, de que um acionista proprietário apenas de ações preferenciais sem direito de voto, e que não comparecesse às assembleias, pudesse não ser considerado acionista. Inclusive, aproveitando o exemplo da ação preferencial, observamos que Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira ensinam que sua principal função é “captar capital próprio nos mercados, associando à companhia investidores que somente têm interesse em direitos patrimoniais e não querem ou não podem exercer a função empresarial”[35], ou seja, tornar sócios aqueles que não desejam participar da vida política da sociedade.

Logo, se o crédito será convertido em ação, o credor obrigatoriamente tornar-se-á acionista, independentemente de seu engajamento sobre as decisões relativas à empresa exercida pela sociedade.

III.4. Ninguém pode ser obrigado a associar-se.

A Constituição Federal é clara em seu art. 5º, XX[36], ao proibir que alguém seja obrigado a se associar; ou que, uma vez associado, seja obrigado a assim permanecer.

E, nem a Constituição Federal, nem outra lei infraconstitucional qualquer restringe a aplicação desse dispositivo às sociedades empresárias[37], de modo que elas, sem dúvidas, sujeitam-se à tal regra constitucional.

Além disso, não há princípios ou regras constitucionais em conflito com tal dispositivo. Pelo contrário, ao ser aplicado ao livre mercado, atende as ideias de liberdade de profissão e de comércio, ideias essas que se extrai dos princípios constitucionais da ordem econômica brasileira da livre iniciativa, da propriedade privada, da função social da propriedade e da livre concorrência[38] ao, justamente, vedar que o Estado coaja uma pessoa a comerciar em conjunto com outra, dividindo com ela os riscos e custos do seu empreendimento.

Nosso entendimento é o mesmo de Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira, autores da Lei nº 6.404/76 e dois dos maiores comercialistas da História do País. Tratando expressamente da conversão do crédito em “equity” de companhia insolvente sob reestruturação, afirmam que os credores concursais têm que concordar com a conversão – e não serem coagidos à efetuá-la, afinal, como expusemos, não poderiam ser obrigados à tal, em razão, justamente, da regra constitucional da liberdade de associação. Confira-se sua lição:

Reorganização de Companhia em Situação Pré-Falimentar – A ação preferencial é ainda usada como instrumento para compor credores na reorganização negociada de empresas em situação pré-falimentar: a empresa em dificuldade normalmente necessita de capital próprio adicional, e os subscritores de novas ações não aceitam concorrer com os antigos acionistas e credores tanto na distribuição de dividendos quanto na repartição do acervo líquido, em caso de liquidação. Para compor esses interesses, em regra os credores antigos concordam em converter seus créditos em capital social e as novas ações subscritas em dinheiro têm prioridade, em relação aos antigos acionistas, na distribuição de dividendos e, se gozarem de prioridade no rateio do acervo líquido, terão – em caso de falência da companhia – o direito de receber o capital aplicado antes dos credores[39] antigos, cujas ações ficam subordinadas às da nova emissão.[40]

Diante do exposto, entendemos que, do ponto de vista jurídico, é ilegal o plano de recuperação judicial que obrigue algum credor a receber ações ou quotas da sociedade empresária devedora.

IV. Fundamentos econômicos da ilegalidade do plano que obriga o credor a converter seu crédito em participação social, contra sua vontade.

Do ponto de vista econômico, também não parece sensato obrigar os credores a receber ações. A parcela dos credores que as recebeu contra sua vontade tenderá colocá-las à venda de imediato ou, ao menos, no curto prazo.

Com isso, o preço das ações tenderá a cair, e somente não cairá se a demanda pelas ações vier a ser maior no momento de sua colocação à venda.

Todavia, grandes demandas por ações de devedores sob recuperação judicial, mesmo já com o plano aprovado, não tendem a acontecer de imediato – como, de fato, não ocorreram na imensa maioria das recuperações judiciais no Brasil –, já que, nesse primeiro momento, por menor que esteja o preço da ação, geralmente, não houve tempo hábil para a companhia sinalizar aos investidores que se tornará superavitária, e que pagará dividendos e elevará seu valor de mercado em níveis que compensem a aquisição das ações de sua emissão.

Além disso, a conversão forçada pode acarretar o “moral hazard” aos acionistas e administradores da companhia sob recuperação judicial, isto é, tentá-los a adotar comportamentos imorais, pois, se eles sabem que é possível apresentar um plano que estabeleça somente a “entrega” da companhia aos credores como forma de pagamento das dívidas, podem tender a formular um plano inexequível, ou de execução improvável, a fim de obter a aprovação, ao menos, da maioria dos credores. Com isso, livram-se – ou, ao menos, aumentam a probabilidade de livrarem-se – dos incontáveis ônus que a Lei nº 11.101/2005 impõe aos sócios e administradores da falida, transferindo-os aos novos controladores e acionistas[41].

Portanto, seja por causa da maior probabilidade de a oferta de ações de companhias sob recuperação superar a demanda; seja em razão do “moral hazard”, não nos parece vantajoso economicamente compelir credores a converter seus créditos em “equity”.

V. Proposta de solução.

Caso a conversão seja, para parte dos credores, a melhor solução, o quórum, na assembleia-geral de credores, para deliberação sobre a aprovação ou rejeição do plano deverá ser composto apenas dos credores que receberão em moeda – ou que receberão outro bem indicado no pacto original com o devedor –, sendo que, para a modificação, todos, inclusive aqueles que converterão seus créditos em “equity”, deverão participar, para se evitar que maioria dos credores que receberão em dinheiro ajustem forma de pagamento da qual os credores que converterão discordem.

Essa nossa proposta visa a evitar que, no universo dos credores de dinheiro que receberão em dinheiro, a minoria não imponha sua vontade à maioria, bem como que mesmo sua unanimidade seja obrigada a aceitar a forma de pagamento contra sua vontade.

Além disso, permite que conciliar a vontade da parcela de credores que deseja receber quotas ou ações com a vontade daqueles que não abriram mão de receber coisa diversa da que lhes é devida.

Se não houver esse quórum de deliberação separado, bastará que, diante do consentimento da maioria com a conversão, a devedora fixe unilateralmente, como alternativa de pagamento em moeda, prazos e deságios que até se aproximem do não pagamento em definitivo dos débitos (em duzentos anos, com deságio de 99,9%, por exemplo), para obter a aprovação do plano. Nessa hipótese, na prática, o plano terá concedido apenas uma opção de recebimento em moeda para os credores, a qual, mesmo recusada pela maioria (ou pela unanimidade) destes credores, terá de ser aceita por eles, fato esse que retiraria a mais importante característica do processo de recuperação judicial, qual seja, a negociação entre devedora e credores. Ainda nessa hipótese, na prática, o plano terá sido aprovado sem o quórum legal, já que a aprovação ocorrerá mesmo com o voto contrário da maioria ou da unanimidade dos credores de moeda que serão pagos em moeda.

Por fim, observamos que nossa sugestão não depende de alteração da Lei nº 11.101/2005. Bastaria que o Judiciário interpretasse o art. 45, desta Lei[42], em conjunto com todos os dispositivos legais citados ao longo deste trabalho, principalmente, os arts. 313 e 315, do Código Civil, e art. 5º, XX, da Constituição Federal, para considerar que o quórum de deliberação ou rejeição do plano não pode considerar aqueles que converterão seus créditos em “equity”.

VI. Considerações finais.

O objetivo do processo de recuperação judicial não é salvar a atividade exercida pelo devedor, nem livrar a sociedade empresária devedora da falência a qualquer custo. Não se pode buscar a fuga da falência sob qualquer pretexto, inclusive com a burla às regras constitucionais.

Se, na opinião do leitor, a nossa Constituição Federal possui regras inadequadas; se as regras de outros países permitem expressamente a conversão à revelia do credor; se as regras do processo de falência não permitem uma segunda chance ao empresário honesto que não teve sucesso numa empreitada, nem favorecem uma liquidação célere dos bens para pagar os credores, esses são outros problemas, e cabe ao leitor e à sociedade que integra, junto ao Poder Legislativo, mudar da lei.

Entretanto, enquanto ela não vier a ser alterada, não se pode admitir que ela seja desrespeitada. As regras não foram criadas para serem alvos de “jeitinhos”, como, lamentavelmente, é frequente no Brasil em todos os temas, mas, para serem obedecidas.

VII. Conclusão.

De acordo com tudo que expusemos, concluímos no sentido de que é ilegal que o plano que obrigue qualquer credor, mesmo que apenas um minoritário, a converter seu crédito de moeda em “equity”, independentemente da classe ou subclasse a que ele pertença.

Além disso, também concluímos que, se o plano oferecer a conversão dentre uma das formas de pagamento, terá que oferecer, no mínimo, uma alternativa (à conversão) de recebimento em dinheiro, e, nessa hipótese, o quórum do art. 45, da Lei nº 11.101/2005, para aprovação ou rejeição do plano, deverá considerar apenas os credores que receberão em moeda; e o quórum para modificação deverá considerar todos (os que desejarem converter e os demais), até que se chegue a uma nova versão, a ser submetida apenas aos credores a quem o plano ofereceu a mesma coisa devida pela obrigação original (moeda, na maioria dos casos; e excluídos aqueles que converterão seus créditos em “equity”, repise-se). Se, nessa assembleia-geral de credores, o plano vier a ser rejeitado, a falência terá de ser decretada, como impõe o art. 56, §4º, da Lei nº 11.101/2005[43].

VIII. Referências Bibliográficas.

 

BARBOSA, Marcelo. Direito das companhias. Coordenadores: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira. 1ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

BASTIAT, Frédéric. A lei. 3ª Ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito societário. 11ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

FILHO, Alfredo Lamy. Direito das companhias. Coordenadores: Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira. 1ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do direito civil. Volume II. 20ª ed. Rio de Janeiro, Forense: 2005.

<ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicadores_ibge/2015/pme_201502pubCompleta.pdf>. Acesso em 27 abr. 2015.

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<http://veja.abril.com.br/noticia/economia/alto-endividamento-faz-moodys-rebaixar-nota-da-petrobras/>. Acesso em 27 abr. 2015.

<http://www.bcb.gov.br/?SERIEFIND>. Acesso em 27 abr. 2015.

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Sobre o autor
Bruno Valladão Guimarães Ferreira

Mestrando em Direito Comercial pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela PUC-Rio.

Informações sobre o texto

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