Capa da publicação Apelação criminal: ordem de apreciação dos pedidos de absolvição do réu e cassação da sentença
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Absolvição do réu ou cassação da sentença: a ordem de apreciação e de exposição das matérias em sede de apelação no processo penal

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14/08/2015 às 11:32
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Qual é a ordem de apreciação dos erros de julgamento e de procedimento no âmbito da apelação criminal? Em qual sequência devem ser apontados pela defesa técnica em seu recurso?

Resumo: Este artigo cuida da ordem de apreciação dos erros de julgamento e de procedimento no âmbito da apelação criminal, que não tem sido observada na prática dos Tribunais e nos gabaritos dos concursos públicos, bem como da sequência em que tais matérias devem ser apontadas pela defesa técnica em seu recurso.

Palavras-chave: Apelação; criminal; ordem; absolvição; nulidades.

Sumário: Introdução; 1 As questões preliminares e o mérito do recurso na prática dos tribunais e nos gabaritos dos concursos; 2 A ordem de apreciação e de exposição das matérias que constituem o mérito do recurso; Conclusão; Referências.


INTRODUÇÃO

A prática dos Tribunais no que tange à análise dos recursos1 em sede processual penal tem sido marcada, a nosso sentir, por um desvio de perspectiva.

À revelia de diversas lições de Direito Processual Penal, já tão difundidas e compreendidas, e da própria – e questionável – teoria geral do processo, os Tribunais, ao julgarem recursos em face de sentenças ou mesmo de acórdãos que se pronunciam sobre o mérito da demanda penal, insistem em denominar de preliminares matérias atinentes aos vícios de procedimentos verificados ao longo do trâmite processual.

E – o que é mais importante e grave – insistem em apreciar tais questões antes de decidirem acerca da absolvição 2 do réu, mesmo quando os vícios de procedimento foram suscitados pela própria defesa3.

Por outro lado, do mesmo mal parece padecer a atuação da defesa técnica em sede recursal, que, ao combater as sentenças e acórdãos, com frequência suscita, em primeiro lugar, as matérias de cunho processual, relacionadas aos erros de procedimento verificados, designando-as também de preliminares. Apenas a seguir, adentrando ao que, de forma restritiva, denomina de “mérito” do recurso, expõe as razões pelas quais pretende a absolvição do acusado, o que, pelos motivos adiante articulados, constitui evidente inversão da correta ordem de apresentação das matérias.

Na gênese desse fenômeno, poder-se-ia identificar uma conjunção de fatores, desde a forma como o ensino do Direito Processual Penal está moldado nos cursos de graduação, partindo sempre da teoria geral do processo – que nem sempre encontra o vértice comum a todas as searas –, até o modo como estruturado o Poder Judiciário nacional – já que os juízes acabam por reproduzir no Tribunal o raciocínio desenvolvido ao longo de anos de carreira em primeiro grau de jurisdição.

Em meio a isso, também ganha relevo a maneira como as bancas de concursos têm formulado as questões e estabelecido os seus gabaritos4, reafirmando e difundindo o desvio óptico a nosso juízo existente.

Não pretendendo atacar as causas do fenômeno, mas tão somente lançar luzes sobre o tema, debruçamo-nos, doravante, sobre o verdadeiro objeto do presente ensaio: a correção da ordem de apreciação das questões submetidas ao Tribunal havendo recurso de quaisquer das partes, bem como da ordem de exposição das matérias nos apelos da defesa técnica.


1. AS QUESTÕES PRELIMINARES E O MÉRITO DO RECURSO NA PRÁTICA DOS TRIBUNAIS E NOS GABARITOS DOS CONCURSOS

Malgrado seja tão conhecida quanto irretocável a lição de que o mérito do recurso não se confunde com o mérito do processo 5 e, por conseguinte, de que as questões que funcionam como preliminares no processo não mantêm essa característica em sede recursal, a ausência de rigor na aplicação de tais conceitos causa relevantes distorções e graves prejuízos na seara processual penal.

No estado atual da ciência processual, é indiscutível a noção de que as preliminares recursais dizem respeito apenas aos seus requisitos de admissibilidade. Todo o mais diz respeito ao mérito do recurso ou às questões de ordem pública, conhecíveis de ofício pelo órgão julgador.

Colhendo as sempre preciosas lições do ilustre mestre Barbosa Moreira, desta vez sobre a relação de preliminariedade, perfeitamente aplicáveis ao processo penal, tem-se o seguinte:

Cabendo a qualificação de “prejudiciais” às questões de cuja solução dependa o teor ou o conteúdo da solução de outras, reservar-se-á a expressão “questões preliminares” para aquelas de cuja solução vá depender a de outras, não no seu modo de ser, mas no seu próprio ser; isto é, para aquelas que, conforme o sentido em que sejam resolvidas, oponham ou, ao contrário, removam um impedimento à solução de outras, sem influírem, no segundo caso, no sentido em que estas outras hão de ser resolvidas.6 (grifou-se)

Sublinhe-se, por fundamental, que, a fim de classificar as questões como preliminares, debruçou-se o renomado jurista sobre a relação entre elas existente em dado contexto processual, e não sobre as suas características intrínsecas, porquanto sua categorização variará conforme se alterem as configurações de tais relações.

Assim, por preliminar, devem-se entender as questões prévias (ditas subordinantes) que, em dado contexto processual, condicionam a apreciação de outra posterior (ditas subordinadas), mas cuja decisão não influencia no teor da decisão da questão seguinte.

Nessa linha, em sede recursal, conforme já sublinhado, funcionam como preliminares tão somente os requisitos de admissibilidade. Aliás, o próprio Barbosa Moreira já assinalava tal dicotomia, consoante se extrai, entre outras obras, do famigerado artigo “Que significa ‘não conhecer’ de um recurso”:

Para bem responder à pergunta do título, deve-se começar por lembrar que o recurso – como aliás todo ato postulatório – pode ser objeto de apreciação judicial por dois ângulos perfeitamente distintos: o da admissibilidade e o do mérito. Ao primeiro deles, trata-se de saber se é possível dar atenção ao que o recorrente pleiteia, seja para acolher, seja para rejeitar a impugnação feita à decisão contra a qual se recorre. Ao outro, cuida-se justamente de averiguar se tal impugnação merece ser acolhida, porque o recorrente tem razão, ou rejeitada, porque não a tem. É intuitivo que à segunda etapa só se passa se e depois que, na primeira, concluiu ser admissível o recurso; sendo ele inadmissível, com a declaração de inadmissibilidade encerra-se o respectivo julgamento, sem nada acrescentar-se a respeito da substância da impugnação. Semelhante relação entre os dois juízos permite caracterizar o primeiro como preliminar ao segundo.7 (grifou-se)

Especificamente no Direito Processual Penal, com a costumeira precisão e no mesmo diapasão leciona o eminente Paulo Rangel, in verbis:

Preliminar no recurso é a análise dos requisitos do juízo de admissibilidade (intrínsecos e extrínsecos). Por isso falamos em admissibilidade dos recursos. É admissível o recurso? A resposta a essa pergunta é sempre preliminar à questão de mérito. Assim, depois que verificamos que o recurso é admissível, vamos analisar se o recorrente merece ou não o que pede. Ora, se o recorrente pede para o tribunal anular a sentença porque proferida por juiz incompetente e o tribunal, verificando ser o recurso admissível (juízo de admissibilidade positivo), passa a analisar o mérito, a questão da incompetência do juízo é mérito no recurso.8 (grifou-se)

Dessa forma, ninguém duvida de que a incompetência – para utilizarmos o exemplo dado pelo professor e Desembargador Paulo Rangel – funciona como preliminar no processo, mas constitui mérito do recurso.

Todavia, em vez de se partir dessa noção – de que tanto as preliminares do processo como o seu mérito estão no mesmo plano em sede recursal, já que consubstanciam o mérito do recurso –, o que se vê na prática dos Tribunais e até nos gabaritos dos disputados concursos públicos é a análise pelos julgadores e a exposição nas peças recursais pela defesa técnica primeiramente das matérias atinentes às nulidades processuais, como se questões prévias fossem, a que, inclusive, insistem em chamar de “preliminares”, ao arrepio da dogmática processual penal.

A fim de elucidar o que ora se afirma, analisamos, de início, hipótese em que, julgando apelação que interpusemos, requerendo – ao contrário do que rotineiramente se observa – primeiramente a absolvição do recorrente e, apenas subsidiariamente, a cassação da sentença 9, o e. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro apreciou, em primeiro lugar, o pleito de anulação e, apenas a seguir, o pedido absolutório.

Em nossas razões recursais, a matéria foi apresentada observando a seguinte ordem:

2. DA NECESSÁRIA ABSOLVIÇÃO EM RAZÃO DA INIDONEIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO CARREADO AOS AUTOS

A absolvição em razão da fragilidade do conjunto probatório trazido aos autos é medida que se impõe.

Com efeito, em momento algum, o recorrente assumiu a prática das condutas de tráfico ilícito de entorpecentes e a testemunha Andrea foi firme em afirmar que jamais vira o apelante vendendo drogas. [...]

À conta de tais fundamentos, demonstrada a inexistência de provas idôneas acerca da prática de tráfico ilícito de entorpecentes, faz-se imperiosa a absolvição da recorrente quanto ao delito do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, nos termos do art. 386, VII, do CPP.

3. DA NULIDADE ABSOLUTA DO PROCESSO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO ACUSADO E DA INEXISTÊNCIA DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DA INADEQUAÇÃO DO RITO ADOTADO

Acaso não absolvido o recorrente, do que apenas se cogita por hipótese, impõe-se a anulação do feito desde a AIJ, inclusive.

[...]

À conta de tais fundamentos, deve-se reconhecer a nulidade absoluta do processo desde o oferecimento da denúncia, por inadequação do rito adotado, em lugar do ordinário, ou, subsidiariamente, desde a audiência de instrução e julgamento, a fim de que o recorrente seja citado, a denúncia recebida e o processo retome o seu curso legal (art. 5º, LIV, da CF).

4. DA DOSIMETRIA PENAL – DO EXCESSO NO AUMENTO OPERADO NA PRIMEIRA FASE – DA APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 À ESPÉCIE – DA NECESSÁRIA REDUÇÃO MÁXIMA DE 2/3 (DOIS TERÇOS) EM RAZÃO DESSA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA

Na hipótese de se manter o édito condenatório, do que apenas se cogita à luz do princípio da eventualidade, é evidente que o aumento da pena levado a efeito na primeira fase da dosimetria mostra-se desarrazoado e excessivo. [...]. (destaques no original)

E os pedidos foram formulados no apelo da maneira seguinte:

À conta do exposto, o recorrente, através da Defensoria Pública, espera e confia que o recurso será conhecido e provido, a fim de que:

1) seja absolvido das imputações iniciais, em razão da ausência de provas hígidas da traficância, nos termos do art. 386, VII, do CPP;

2) subsidiariamente, seja anulado o feito desde o oferecimento da denúncia ou desde a AIJ, inclusive, pela flagrante violação ao devido processo legal apontada acima;

3) ainda subsidiariamente, caso subsista o decreto condenatório, o que se admite à luz do princípio da eventualidade:

3.1) seja reduzido o aumento levado a efeito na primeira fase, por se mostrar excessivo;

3.2) seja realizada a redução máxima relativa à causa de diminuição domiciliada no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, aplicável retroativamente à espécie;

3.3) seja fixado o regime aberto para cumprimento da reprimenda penal, nos termos do art. 33, § 2º, c, do CP c/c art. 387, § 2º, do CPP, c/c art. 59. do CP, ou, na pior das hipóteses, o regime semiaberto; e

3.4) seja substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44. do CP. (grifou-se)

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Todavia, mesmo diante de tal ordenação das razões e dos pedidos, o TJERJ, em acórdão cuja ementa a seguir se colaciona, manteve a tradicional sequência de apreciação das matérias ora criticada, iniciando o julgamento pela matéria atinente ao erro de procedimento e designando-a, inclusive e impropriamente, de “preliminar”:

APELAÇÃO CRIMINAL – ART. 12. DA LEI Nº 6.368/1976 – RECURSO DEFENSIVO QUE BUSCA, EM PRELIMINAR, A NULIDADE ABSOLUTA DO FEITO POR FALTA DE CITAÇÃO, PELO NÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA, POR INADEQUAÇÃO DO RITO, E AINDA, PELA ILICITUDE DAS PROVAS, EIS QUE SE DERAM EM RAZÃO DE DENÚNCIAS ANÔNIMAS – EM SEDE MERITÓRIA, PUGNA PELA ABSOLVIÇÃO DO APELANTE TENDO EM VISTA SUA NEGATIVA DE AUTORIA, O DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DE DEFESA, DEVENDO SER AFASTADO OS DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO QUE DETÊM INTERESSE EM SUA CONDENAÇÃO – SUBSIDIARIAMENTE, REQUER O REDIMENSIONAMENTO DA PENA, COM A REDUÇÃO DA FRAÇÃO UTILIZADA PARA EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE, EIS QUE EXCESSIVA; APLICAÇÃO MÁXIMA DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33. DA LEI DE DROGAS; FIXAÇÃO DO REGIME ABERTO, OU SEMIABERTO, PARA O CUMPRIMENTO DA PENA, E A SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS – PRELIMINARES QUE SE REJEITAM, DANDO-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO – 1. Preliminares que se rejeitam. Das peças dos autos verifica-se que foi procedida à citação do acusado por Carta Precatória, sendo posteriormente recebida a Denúncia, oportunidade em que foi designada a AIJ na qual não foi observada a presença do acusado para oitiva das testemunhas, ainda que devidamente requisitada por seu Defensor, ensejando, então, o Acórdão proferido por esta Colenda 7ª Câmara Criminal, que anulou o feito desde a mencionada AIJ. 2. Legitimidade e validade do processo que se originou de investigações baseadas, no primeiro momento, da chamada “denúncia anônima”, com objetivo de fazer cessar a situação de flagrância em que se encontrava o acusado, de guarda de substância entorpecente sem autorização legal ou regulamentar. 3. DO MÉRITO. 4. Autoria e Materialidade bem definidas diante do conjunto probatório apresentado, com ênfase no material apreendido, e nos depoimentos prestados em Juízo, sob o crivo do contraditório, das testemunhas de acusação, os policiais militares que efetivaram a diligência na residência do Acusado José Carlos, nada constando que desabone suas narrativas. Aplicação da Súmula nº 70 do e. TJRJ. 5. Afastamento da fração utilizada a título de exasperação da pena-base, eis que não justificada, firmando a pena-base em seu mínimo legal. 6. Possibilidade de aplicação da lei mais benéfica quanto à causa de diminuição de pena, desde que atendidos os requisitos impostos pela norma. 7. Apelante José Carlos que não atende aos requisitos objetivos impostos pela norma, eis que diante da qualidade e do quantitativo de droga apreendido, assim como das demais provas dos autos, verifica-se que o mesmo se dedica a atividades criminosas, não fazendo jus ao redutor do § 4º do art. 33. da Lei nº 11.343/2006. 8. Redimensionamento da pena, firmando-a, ao final, em 03 anos de reclusão, regime inicial aberto para o cumprimento de pena, e pagamento de 50 DM no VUM, substituída a pena corporal por duas penas restritivas de direitos, a serem estabelecidas pelo douto Juízo da Execução. 9. Deixa-se de determinar a expedição do respectivo Alvará de Soltura em favor do Apelante José Carlos, tendo em vista que o mesmo responde solto ao presente feito.

Apelação Criminal nº 0008977-74.2006.8.19.0063 (2006.063.008.875-6) Relator Desembargador Sidney Rosa da Silva. (grifou-se)

Na hipótese, como se nota, a Corte sequer observou a ordem apresentada na peça recursal, invertendo-a como se tivesse, necessariamente, que analisar a matéria ligada à nulidade antes do pleito absolutório e como se a nulidade efetivamente funcionasse como preliminar mesmo em sede recursal (inclusive assim a designou incorretamente, como visto).

Outrossim, seguindo essa mesma ordem de apreciação das matérias têm-se diversas outras Cortes de Justiça10, e até mesmo, consoante se observa a seguir, os Tribunais Superiores:

APELAÇÃO CRIMINAL – COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RATIONE MUNERIS (ART. 102, I, B, CRFB) – PRELIMINARES. EXIGÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO LEGISLATIVO PARA PROCESSAR O PREFEITO POR CRIME DE RESPONSABILIDADE – INÍCIO DO PROCESSO POSTERIOR AO FIM DO MANDATO – AUSENTE NULIDADE – CARTA PRECATÓRIA PARA OITIVA DE TESTEMUNHA – PRAZO PARA CUMPRIMENTO EXAURIDO – JULGAMENTO AUTORIZADO (ART. 222, § 2º, CPP) – NÃO OFERECIMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO – REQUISITOS DO ART. 89. DA LEI Nº 9.099/1995 – EXISTÊNCIA DE PROCESSO CRIMINAL PENDENTE – INAPLICABILIDADE DO BENEFÍCIO – PRECEDENTES – MÉRITO – CRIME DEFINIDO NO ART. 1º, XIII, DO DECRETO-LEI Nº 201/1967 – NOMEAÇÃO DE SERVIDOR QUE CONTRARIOU DISPOSIÇÃO DE LEI MUNICIPAL – ALEGAÇÃO DE ERRO QUANTO À ILICITUDE DO FATO – ATOS ADMINISTRATIVOS PREVIAMENTE PRATICADOS COM POTENCIALIDADE DE DETERMINAR O ERRO – AUSENTE DEMONSTRAÇÃO DE UNIÃO DE DESÍGNIOS DO PREFEITO COM OS DEMAIS AGENTES POSSIVELMENTE ENVOLVIDOS – ELEMENTOS COLHIDOS NO CURSO DA INSTRUÇÃO QUE REFORÇAM A DÚVIDA, NÃO AFASTADA POR OUTRAS PROVAS – APELO PROVIDO – ABSOLVIÇÃO NOS TERMOS DO ART. 386, VI, DO CPP. [...] 14. Apelação à qual se dá provimento, para absolver o Apelante, nos termos do art. 386, VI, do Código de Processo Penal.

(AP 595, Relator(a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, J. 25.11.2014, Acórdão Eletrônico DJe-027 Divulg 09.02.2015 Public 10.02.2015 – grifou-se)

APELAÇÃO DEFENSIVA − RÉUS DENUNCIADOS NOS ARTS. 214, 298 E 219, PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS DO CPM − ALEGADAS INTEMPESTIVIDADE RECURSAL E NULIDADE DO FEITO NÃO VERIFICADAS − MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA − Na contagem dos prazos processuais exclui-se o dia de início e inclui-se o dia final, prorrogando-se o prazo para o primeiro dia útil seguinte, tratando-se de feriado ou final de semana. Preliminar de intempestividade que se rejeita. Unânime. A garantia do promotor natural tem por escopo afastar a figura do acusador de exceção, situação que não ficou configurada no presente caso. Preliminar de nulidade por violação ao princípio do promotor natural rejeitada, à unanimidade. No mérito, os fatos descritos na exordial restaram devidamente comprovados nos autos. O primeiro réu imputou falsamente aos seus pares fato definido como crime, sabendo serem inverídicos, bem como desacatou superior hierárquico diante da escolta. O segundo réu propalou por meio da mídia fatos ofensivos à dignidade e capazes de abalar o crédito das Forças Armadas e a confiança que essas merecem do público. Recurso defensivo desprovido. Maioria.

(STM, AP: 631820087110011 DF 0000063-18.2008.7.11.0011, Rel. Francisco José da Silva Fernandes, J. 20.03.2012, Publ. 30.05.2012. Vol: Veículo: DJE – grifou-se)

RECURSO ESPECIAL − PENAL − VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA − VIA INADEQUADA − ART. 239. DO ECA − INÉPCIA DA DENÚNCIA − INEXISTÊNCIA − AUSÊNCIA DE DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA − SÚMULA Nº 284/STF − FALTA DE PREQUESTIONAMENTO − SÚMULAS NºS 282 E 356/STF E 211/STJ − FUNDAMENTO INATACADO − SÚMULA Nº 283/STF − REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA − SÚMULA Nº 7/STJ − EMENDATIO LIBELLI − NULIDADE − NÃO OCORRÊNCIA − [...] 7. Em se tratando apenas de emendatio libelli, e não de mutatio libelli, não é necessária a abertura de vista à defesa, pois o réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica a eles atribuída na denúncia. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido. Vencido parcialmente o Relator, que acolhia a preliminar de inépcia da denúncia. Acórdão. Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto do Sr. Ministro Relator, vencido na preliminar de inépcia da denúncia, em voto-vista regimental, no mérito, conhecendo parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negando-lhe provimento, no que foi acompanhado pela Sra. Ministra Assusete Magalhães e pelo Sr. Ministro Og Fernandes, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa parte, negar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Assusete Magalhães e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.

(REsp 1095381/PE, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, J. 01.10.2013, DJe 11.11.2013 – grifou-se)

Além da praxe jurisdicional destacada e já largamente disseminada, ressaltamos que os gabaritos propostos pelas bancas de concursos públicos igualmente indicam que, mesmo em recurso da defesa, a matéria atinente às nulidades processuais deveriam ser apresentadas antes das razões para a absolvição.

Com tal impropriedade, há muito transposta da prática judiciária para os gabaritos das provas, também nos deparamos enquanto escrevíamos as obras de Direito Penal11 e, especialmente, de Processo Penal12 da Coleção Provas Discursivas e Comentadas, da Editora JusPodivm.

De sorte a ilustrar o que afirmamos e na mesma linha dos diversos acórdãos mencionados, tem-se, por exemplo, o critério de correção utilizado no concurso para Defensor Público do Distrito Federal, realizado em 2013 pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (CESPE):

1 - Apresentação e estrutura textual (legibilidade, respeito às margens e indicação de parágrafos) – 0,00 a 1,00

2 – Desenvolvimento do tema

2.1 – Das nulidades: nulidade do auto de prisão em flagrante; ausência de defesa preliminar; ausência do réu à audiência de instrução e julgamento; nulidade da sentença pela ofensa ao princípio da identidade física do juiz – 0,00 a 7,00

2.2 – Do mérito: ausência de provas judiciais suficientes para sustentar a condenação por tráfico ilícito de entorpecentes; não configuração do crime de associação para o tráfico de entorpecentes; não configuração do crime de corrupção de menores – 0,00 a 7,00

2.3 – Da aplicação da pena: ausência de maus antecedentes; aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006; regime inicial e da substituição da pena privativa de liberdade – 0,00 a 7,00

2.4 – Dos pedidos de anulação: anulação do processo a partir do oferecimento da denúncia por ausência de defesa preliminar e colocação do réu em liberdade para responder novamente ao processo; anulação do processo a partir da audiência de instrução, devido à ausência do réu e colocação do réu em liberdade para a renovação da instrução; anulação da sentença condenatória por ofensa aos princípios da identidade física do juiz – 0,00 a 3,00

2.5 – Dos pedidos de absolvição do réu: de todos os crimes por total ausência de provas colhidas em juízo, e em razão de a condenação ter ocorrido com base exclusivamente em provas inquisitoriais obtidas na fase policial sem as garantias do contraditório e da ampla defesa; do crime de associação para o tráfico de entorpecentes por total ausência de provas quanto à efetiva presença de vínculo associativo entre ele e o adolescente que participou dos fatos; do crime de corrupção de menores em razão da não ocorrência de corrupção do adolescente – 0,00 a 2,00 [...].13 (grifou-se)

Digno de nota que, embora reproduzida a incorreção relativa à ordem de apresentação das matérias, sugerindo, como apontamos neste artigo, que os vícios ensejadores de nulidade14 devem ser ventilados antes das razões para a absolvição do réu, ao menos desta vez o chamado espelho de prova não denominou de “preliminares” as matérias que se relacionam aos erros de procedimento, optando por designá-las de “nulidades” – já que de preliminares efetivamente não se trata.

Todavia, se ali apenas a impropriedade terminológica não ocorreu, em outros espelhos, desta vez extraídos dos gabaritos das provas subjetivas para Defensor Público do Estado do Acre e para Defensor Público da União, aplicadas em 2012 e 2015, respectivamente, ambas também pelo CESPE, o termo “preliminares” foi uma vez mais incorretamente empregado:

1 – Apresentação e estrutura textual (legibilidade, respeito às margens e indicação de parágrafos)

2 – Desenvolvimento do tema

2.1 – Razões de apelação (CPP, art. 600, caput)

2.2 – Preliminares: ausência do laudo toxicológico definitivo15; não oitiva de uma testemunha de defesa; inadequação do rito da Lei nº 11.343/2006: condenação com base apenas em provas colhidas na fase policial.

2.3 – Mérito: absolvição de Robert do crime de tráfico (CPP, art. 386, V e VI); pedido de desclassificação, para ambos os réus, do crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006 para o art. 28. da mesma Lei; absolvição de ambos os réus do crime de roubo (CPP, art. 386, IV e V).

2.4 – Fixação das penas de reclusão e de multa no crime de roubo; impugnação da pena-base acima do mínimo legal (CP, art. 59); aplicação da atenuante da confissão espontânea para ambos os réus (CP, art. 65, III, d) [...].16 (grifou-se)

Espera-se que o candidato desenvolva a peça processual de acordo com o que se segue.

  1. Peça processual: razões de apelação (CPP, art. 600).

  2. Endereçamento: Tribunal Regional Federal.

  3. Prazo em dobro: 27 de janeiro de 2015. Vide art. 600. do CPP c/c art. 44, I da LC 80/1994.

  4. Preliminar: Incompetência da Justiça Federal. Nulidade absoluta. Violação ao patrimônio de agência franqueada dos Correios. Competência da Justiça Estadual. Precedentes do STJ

  5. Preliminar: violação do art. 263. do CPP c/c princípio da ampla defesa e garantia de constituição de advogado de confiança.

  6. Preliminar: falha na defesa técnica. Súmula nº 523 do STF. Defesa dativa deixou de adotar medidas processuais necessárias para salvaguardar a primeira oportunidade de contraditório, bem como de produção probatória em favor dos acusados.

  7. Preliminar: nulidade do interrogatório conjunto dos acusados. Violação do art. 191. do CPP.

  8. Mérito: atipicidade da associação criminosa, dada a inaplicabilidade da modificação do art. 288. do CP promovida pela Lei nº 12.850/2013.

  9. Mérito: desclassificação do art. 157, § 3º, do CP para art. 157, caput, do Código Penal, dado o desejo de participação em crime menos grave, nos moldes do art. 29, § 2º, do CP.

  10. Mérito: circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, d, CP) para ambos, e da menoridade para João (art. 65, I, CP).

  11. Mérito: causa de redução da pena para João, nos termos do art. 29, § 1º, do CP, dada a participação de menor importância.

  12. Mérito: impugnação ao concurso formal de crimes de latrocínio em razão de o único patrimônio atingido pertencer à empresa pública (STF HC 75006-1/SP).

  13. Pedidos: inicialmente, conhecer a peça, em razão de atendimento aos requisitos formais de admissibilidade, e julgar procedente a apelação, para, preliminarmente, declarar a nulidade de todos os atos processuais desde o recebimento da denúncia, em razão da incompetência absoluta, ou, acaso assim não se entenda, desde a desconstituição do advogado particular constituído pelos acusados e da indevida nomeação do defensor dativo, bem como dos atos de instrução processual e sentença. No mérito, pedir a absolvição dos acusados no que se refere ao crime previsto no art. 288. do CP, bem como a desclassificação da conduta imputada.17 (grifou-se)

Nesse contexto, algumas indagações devem nortear o presente artigo:

1) Recorrendo a defesa, buscando não apenas a absolvição do réu, senão também a anulação da sentença em razão de erro de procedimento que prejudica a defesa, em que ordem deve o Tribunal analisar os pleitos recursais?

2) A ordem de apreciação das matérias exige que haja pedido expresso de absolvição formulado pela defesa em seu recurso (ou até mesmo pela acusação, quando na defesa dos interesses do acusado)?

3) No que tange à atuação da própria defesa técnica, deve o apelo defensivo expor as razões relativas aos erros de procedimento antes das atinentes à absolvição?

4) Por fim, havendo recurso da acusação, exclusivo ou não, a ordem de apreciação das matérias pelo Tribunal se modifica?

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Sobre o autor
William Akerman

Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ). Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ex-Procurador do Estado do Paraná (PGE/PR). Ex-Especialista em Regulação de Aviação Civil (ANAC). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Aprovado em concurso público para Defensor Público do Estado da Bahia (DPE/BA), para Advogado do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e para Advogado da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Integrante da banca de penal e processo penal do I Concurso para Residência Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Autor e coordenador de obras jurídicas pela Editora JusPodivm. Professor de cursos preparatórios para concursos e fundador do Curso Sobredireito (@curso_sobredireito).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AKERMAN, William. Absolvição do réu ou cassação da sentença: a ordem de apreciação e de exposição das matérias em sede de apelação no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4426, 14 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41756. Acesso em: 4 nov. 2024.

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