CONCLUSÃO
Retomando as questões propostas no início deste ensaio, a fim de se consolidar o que foi expendido, devem ser destacadas as seguintes conclusões.
A) Recorrendo a defesa, buscando não apenas a absolvição do réu, senão também a anulação da sentença em razão de erro de procedimento que prejudica a própria defesa, a correta ordem de apreciação das matérias consiste em que o pleito absolutório de todas as imputações seja analisado antes do pleito de anulação.
B) No que tange à outra indagação formulada – se tal ordem dependeria de pedido expresso formulado pela defesa em seu recurso (ou até mesmo pela acusação, quando na defesa dos interesses do acusado) –, é certo que, mesmo que a absolvição não tenha sido pretendida, havendo recurso de quaisquer das partes, deve o Tribunal analisá-la e sempre antes de apreciar eventual erro de procedimento que tenha causado prejuízo à defesa.
Aliás, o próprio error in procedendo que prejudica a defesa, desde que constitua nulidade absoluta, pode ser reconhecido de ofício pelo Tribunal, não necessitando ter sido objeto do apelo.
Portanto, tal ordem independe do fato de haver recurso em que o pleito absolutório e até mesmo o de cassação em razão de nulidade absoluta constituam o seu objeto.
C) No que pertine à atuação da defesa técnica, ao arrazoar e formular os pedidos nos recursos interpostos, ao contrário do que rotineiramente se vê na prática jurisdicional e nos gabaritos dos concursos, deve, em primeiro lugar, expor as razões para a absolvição do réu e assim requerê-la. Apenas na eventualidade de não se acolher o pleito de absolvição de todas as imputações feitas, formulado em sede principal na peça recursal, pretender a anulação da sentença, sempre de forma subsidiária.
Também em seguida, não havendo a absolvição de todas as imputações e não sendo anulada a sentença, ainda subsidiariamente, requerer a reforma do decisum no que tange aos aspectos relacionados à dosimetria penal.
Demais disso, nos recursos manejados, deve a defesa abandonar o emprego, de forma incorreta, do termo “preliminares” para designar os vícios de procedimento que a prejudiquem, que, frise-se, apenas serão expostos após as razões para a absolvição.
Nesse particular, também os gabaritos propostos nos concursos públicos reclamam os mesmos ajustes.
D) Por derradeiro, em caso de recurso da acusação, exclusivo ou não, logicamente as matérias atinentes à absolvição do réu e ao reconhecimento de nulidade absoluta que prejudique a defesa devem ser analisadas na mesma ordem indicada (porque a absolvição deve anteceder a anulação a pretexto de salvaguardar os interesses do réu).
Somente quando o Ministério Público apontar erro de procedimento que tenha prejudicado a acusação (e não o réu) – matéria que somente pode ser apreciada pelo Tribunal no contexto do efeito devolutivo, como objeto do seu recurso –, tal erro e eventual anulação da sentença dele decorrente se apresentarão como antecedente lógico à absolvição, já que, uma vez afastado o vício verificado ao longo do feito, poderá a acusação lograr êxito no pleito condenatório eventualmente fracassado.
Portanto, a única matéria que antecede a análise da absolvição, como já assentado, se liga a eventual erro de procedimento ensejador de nulidade que tenha prejudicado a acusação. E tal análise, repise-se, não pode ser realizada fora das hipóteses em que constitua objeto do recurso da própria acusação, sob pena de violação à vedação à reformatio in pejus, consagrada no art. 617. do CPP (Súmula do STF, Verbete nº 160).
Em resumo, quando a acusação houver recorrido pretendendo a anulação da sentença por vício de procedimento que lhe tenha prejudicado, cuidará o Tribunal, em primeiro lugar, dessa matéria.
A seguir (ou, não havendo recurso da acusação com esse objeto, em primeiro lugar) – como também já elucidado no quadro apresentado –, cuidará da absolvição do réu, tendo sido suscitada ou não por quaisquer das partes, e, logo após, de erro de procedimento que tenha prejudicado a defesa, como indicado no quadro acima.
REFERÊNCIAS
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______ et al. Coleção provas discursivas respondidas e comentadas – Direito Penal. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
BLAJCHMAN, Miguel (Org.). Questões discursivas: direito processual penal. Rio de Janeiro: Questões Discursivas, 2014.
CESPE/UnB. Defensoria Pública da União. Disponível em: <https://www.cespe.unb.br/concursos/dpu_14_defensor/arquivos/grupo_2_padroes_de_respostas_definitivo.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2015.
LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 1965.
MIRABETE. Código de processo penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Que significa “não conhecer” de um recurso, RJ 224, jun. 1996.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Questões prejudiciais e coisa julgada. Tese de concurso para a docência livre de direito judiciário civil apresentada à congregação da faculdade de direito da UFRJ. Rio de Janeiro: Forense, 1967.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 14ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2013.
Notas
1 A fim de delimitar o objeto do presente artigo, talvez ainda que não com contornos rígidos, é certo que as considerações seguintes, além de se aplicarem à apelação, se relacionam aos embargos infringentes e de nulidade e aos recursos excepcionais que lhes sucedam, bem como aos recursos previstos na primeira fase do procedimento especial do Tribunal do Júri. Não se aplicam, entretanto, à apelação prevista no art. 593, III, do CPP1, pelo seu regime jurídico diferenciado instituído pelo próprio Texto Maior.
2 No contexto deste artigo, o termo deve ser relacionado às hipóteses de negativa de autoria e materialidade, mais benéficas ao réu e que têm o condão de vincular as esferas administrativa e civil.
3 Já tendo nos deparado com as questões abordadas neste ensaio ainda nos primeiros anos de estudo, cotidiana e novamente nos defrontamos com tais temas ao combatermos as decisões judiciais no exercício do cargo de Defensor Público perante diversos juízos com competência criminal no Estado do Rio de Janeiro. Apenas abarcando a competência Criminal, já atuamos nas 5ª, 14ª e 26ª Varas Criminais da Capital, 1ª Vara Criminal/Júri de Belford Roxo, 2ª Vara Criminal de Duque de Caxias, 1ª Vara Criminal de São João de Meriti, Vara Criminal/Júri de Macaé, 2ª Vara Criminal de Campos dos Goytacazes, 2ª Vara Criminal de Volta Redonda, 1ª Vara Criminal/Júri de Resende, 2ª Vara Criminal de Resende, 1ª Vara Criminal/Júri de Itaperuna, 1ª e 2ª Varas de Três Rios, 1ª e 2ª Varas de Japeri, 1ª e 2ª Varas de Bom Jesus do Itabapoana, 2ª Vara de São Fidélis, 2ª Vara de São João de Barra, Vara Única de Paty do Alferes, Vara Única de Paraty, Vara Única de Conceição de Macabu, Vara Única de Quissamã, Vara Única de Cordeiro, Vara Única de Bom Jardim, Vara Única de Itatiaia, Vara Única de Porto Real, Vara Única de São Francisco do Itabapoana e Vara Única de Italva/Cambuci.
4 Por natural, tais exames disseminam e consolidam a prática que ora se aborda de forma crítica.
5 Sobre o tema, Leciona Pacelli, por todos, que “uma coisa é o juízo de admissibilidade do recurso, e outra é o juízo de mérito do recurso. No primeiro, examina-se o seu conhecimento; no segundo, o seu provimento, ou não. E mais: mérito do recurso também é diferente do mérito da ação penal, ainda que, muitas vezes, o seu objeto seja o mesmo. O mérito do recurso é o pedido que nele se contém, por meio do qual se delimita a quantidade e a qualidade da matéria a ser apreciada, quando, então, poderá ou não coincidir exatamente com o mérito da ação penal (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 801).
6 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Questões prejudiciais e coisa julgada. Tese de concurso para a docência livre de direito judiciário civil apresentada à congregação da faculdade de direito da UFRJ. Rio de Janeiro: Forense, 1967. p. 22.
7 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Que significa “não conhecer” de um recurso, RJ 224, jun. 1996. p. 1.
8 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 14. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 744.
9 E nesta mesma ordem, como se vê já a seguir, foram apresentados os temas: primeiro as razões que conduziriam à absolvição e apenas a seguir os motivos que ensejariam a anulação do processo.
10 “APELAÇÃO CRIMINAL – DIRIGIR SOB O EFEITO DE SUBSTÂNCIA PSICOATIVA QUE DETERMINE DEPENDÊNCIA – MACONHA – DESACATO – PRELIMINAR – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – MÉRITO – ABSOLVIÇÃO – INVIÁVEL – PROVAS ROBUSTAS – TESTEMUNHAS – LAUDO PERICIAL – APLICAÇÃO ISOLADA DE PENA DE MULTA – REPRIMENDA INADEQUADA – PRELIMINAR REJEITADA – RECURSO DESPROVIDO – 1. Em matéria processual penal prevalece o princípio pas de nullité sans grief, pelo qual não se declara nulidade, seja esta relativa ou absoluta, sem a efetiva ocorrência de prejuízo, ou, ainda, quando o ato processual não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa, nos termos do art. 563. do Código de Processo Penal. 2. O delito de conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de substância psicoativa que determine dependência é de perigo abstrato, sendo satisfatória para sua caracterização que se constate que o motorista conduziu veículo automotor após o consumo de substância psicoativa, o que está provado por testemunhas e prova pericial. 3. A conduta do réu que, consciente e deliberadamente, desrespeita e ofende policial militar no exercício de suas funções amolda-se com perfeição ao tipo penal do desacato (art. 331. do Código Penal). 4. Inadequada a aplicação isolada da pena de multa quando esta não é capaz de cumprir com as funções de repressão e prevenção do crime, ensejando a impunidade do réu. 5. Preliminar rejeitada. Recurso desprovido”. (TJDF, APR: 20090111229728, Rel. Silvânio Barbosa dos Santos, 2ª T.Crim., J. 13.11.2014, Publ. DJe 24.11.2014. p. 121. – grifou-se)
APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E CORRUPÇÃO ATIVA – PRELIMINAR – CERCEAMENTO DE DEFESA PELA REJEIÇÃO DO PEDIDO DE INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA – REJEIÇÃO – MÉRITO – ABSOLVIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS – PALAVRA DOS POLICIAIS – VALIDADE – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO, REJEITADA PRELIMINAR – Não há nulidade na decisão do magistrado que indefere o pedido de instauração de incidente de dependência toxicológica, quando observar a inexistência de indicativos suficientes de comprometimento da higidez mental do acusado, mesmo que este se declare usuário de drogas.” (TJMG, APR 10701120180925001/MG, Relª Márcia Milanez, Câmaras Criminais/6ª Câmara Criminal, J. 25.02.2014, Publ. 06.03.2014. – grifou-se)
“Apelação criminal. Preliminar. Nulidade. Denúncia que deixa de requerer condenação. Falta de interesse. Inexistência de prejuízo à defesa. Mérito. Insuficiência de provas. 1ª apelação improvida. 2ª apelação provida. A ausência de pedido de condenação na exordial acusatória não inquina de nulidade o feito, porquanto, sendo esta nulidade de natureza relativa, indispensável a demonstração de prejuízo à defesa, o que não se observa nos autos. A não formulação de requerimento de condenação também não aponta falta de interesse, porquanto se encontra este bem demonstrado, em consonância com a função constitucional do Parquet, nos argumentos aduzidos na inicial. O conjunto probatório existente nos autos dá a certeza do envolvimento do 1º apelante no empreendimento delituoso anunciado na exordial acusatória. O mesmo, contudo, não se pode afirmar com relação ao 2º apelante. É que, consoante depoimentos testemunhais colhidos na instrução criminal, bem como de escala de serviço juntada aos autos, o referido apelante estava de plantão na noite em que o crime ocorreu. Assim, nega-se provimento à 1ª apelação e dá-se provimento à 2ª apelação, absolvendo-se o 2ª apelante.” (TJMA, APR: 247832004/MA, Rel. Mário Lima Reis, J. 30.05.2006, São Luís – grifou-se)
“Apelação Criminal. Preliminares. Falta de Fundamentação da Sentença. Inocorrência. Ausência de Defesa ao Recorrente Não Acolhimento. Reconhecimento fotográfico. Matéria de mérito. Latrocínio. Caracterização. Circunstâncias Judiciais Corretamente Analisadas. Apelo desprovido. 1ª Preliminar – Inexiste nulidade na sentença que oferece exposição sucinta da acusação e da defesa e indicação dos motivos em que se fundou a decisão. Inteligência do art. 381. do CPP. 2ª Preliminar – Não há que se falar em defesa deficiente quando o causídico, dentro das possibilidades que lhe oferece o processo, com réu revel, cumpre satisfatoriamente sua missão. 3ª Preliminar – matéria que se confunde com o mérito. 4º Mérito. Delito devidamente caracterizado e materialidade consubstanciada pelo laudo de fls. 18. Reconhecimento fotográfico que merece guarida, vez que não existem nos autos elementos a desmerecer sua credibilidade. Decisão condenatória que não se fundou apenas no reconhecimento.” (TJES, APR: 19039000211/ES 19039000211, Rel. Adalto Dias Tristão, J. 29.10.2003, Primeira Câmara Criminal, Publ. 10.11.2003. – grifou-se)
11 AKERMAN, William et al. Coleção provas discursivas respondidas e comentadas – Direito Penal. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.
12 AKERMAN, William; CAMARGO, Eduardo Aidê Bueno de; GOMES, Roberto. Coleção provas discursivas respondidas e comentadas – Processo Penal. Salvador: JusPodivm, 2015.
13 BLAJCHMAN, Miguel (Org.). Questões discursivas: direito processual penal. Rio de Janeiro: Questões Discursivas, 2014. p. 73.
14 Não desconhecemos que boa parte da doutrina sustenta que a nulidade não seria tecnicamente uma sanção, mas o próprio vício do ato. Todavia, tal controvérsia não constitui o objeto do presente artigo e, por isso, não pretendemos marcar posição, adotando, de forma rigorosa, esta ou aquela corrente sobre o tema.
15 Isso sem considerar que há diversos julgados indicando que a ausência do laudo definitivo não ensejaria a anulação do feito, mas a absolvição do réu, em razão da ausência de provas da materialidade delitiva.
16 BLAJCHMAN, Miguel. Op. cit., p. 83.
17 Disponível em: <https://www.cespe.unb.br/concursos/dpu_14_defensor/arquivos/grupo_2_padroes_de_respostas_definitivo.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2015.
18 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Op. cit., p. 801.
19 RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 743.
20 Em relação à significação do termo absolvição, como já assentado, deve ser relacionada às hipóteses de negativa de autoria e materialidade, mais benéficas ao réu e que têm o condão de vincular as esferas administrativa e civil. Todavia, se é certo que tais situações, embora encontradiças na prática, talvez não sejam as mais comuns, não menos certo é o fato de que ainda mais raramente o réu manifesta interesse em recorrer de uma decisão absolutória apenas com o escopo de alterar a fundamentação do decisum e obter a vinculação das demais esferas (relativamente independentes).
21 Se as formas estabelecidas pela lei não são um fim em si mesmas, mas instrumentais, visando a proteger algum interesse, deve-se sempre verificar se o ato atingiu o seu fim ou malferiu o interesse de uma das partes, causando-lhe prejuízo (RANGEL, Paulo. Op. cit., p. 707-708).
22 Nesse sentido, é firme a jurisprudência pátria, citando-se, por todos os julgados, os seguintes: “APELAÇÃO – TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO POR LESÃO GRAVE, TENTATIVA DE ESTUPRO – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL, EM QUE SE REQUER O RECONHECIMENTO DA CONSUMAÇÃO DO ROUBO QUALIFICADO POR LESÃO CORPORAL GRAVE – PROVIMENTO – AUSÊNCIA DE RECURSO DA DEFESA – PROVA COLIGIDA NOS AUTOS QUE SE REVELA RESTRITA, DUVIDOSA E INSUFICIENTE A ENSEJAR UM DECRETO CONDENATÓRIO QUANTO AO CRIME DE ESTUPRO – APLICAÇÃO DA REFORMATIO IN MELLIUS – ABSOLVIÇÃO – Agente que, simulando portar arma, invadiu residência, e determinou as vítimas, pai e filha, que lhe entregassem dinheiro e cartões. Durante a empreitada criminosa falou que estupraria a vítima, causando reação no pai, iniciando-se uma luta corporal, que redundou em grave lesão na vítima. A vítima mulher conseguiu buscar socorro, interrompendo a empreitada criminosa. Consumação do roubo qualificado por lesão corporal grave. O delito de roubo qualificado pela lesão corporal grave é crime complexo, composto por dois elementos constitutivos, que isoladamente constituem figuras penais autônomas, um crime contra a pessoa e um crime contra o patrimônio. Nos crimes complexos a tentativa só ocorre quando os delitos que o compõem permanecem na forma tentada. No caso em exame, o crime de lesões corporais graves se consumou enquanto a subtração patrimonial restou na forma tentada. Assim, há de reputar-se plenamente caracterizado o momento consumativo da conduta praticada pelo apelado. Da absolvição do acusado. Não obstante a ausência de recurso defensivo, não há como ratificar a sentença prolatada pelo MM. Juiz a quo, na medida em que a prova produzida pelo Ministério Público revelou-se restrita, duvidosa e insuficiente a ensejar um decreto condenatório quanto ao aventado crime. As provas apontam que o recorrido sequer iniciou qualquer ato executório para a prática do crime de estupro, apenas falou que a estupraria. O recurso exclusivo do Ministério Público não tem o condão de impedir a absolvição, em razão da possibilidade de aplicação do princípio da reformatio in mellius em nosso sistema processual penal. Recurso a que se dá provimento. Absolvição de ofício do acusado por insuficiência de provas, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, quanto ao crime de estupro” (grifou-se).
“APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA – COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (ART. 344. DO CP) – RECURSO EXCLUSIVO DA ACUSAÇÃO PRETENDENDO A MAJORAÇÃO DA REPRIMENDA E O AGRAVAMENTO DO REGIME PRISIONAL – ANÁLISE, DE OFÍCIO, DO CONJUNTO PROBATÓRIO UTILIZADO PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO – RÉ QUE TELEFONOU PARA A VÍTIMA E PROFERIU AMEAÇAS – INEXISTÊNCIA DE PROVA ACERCA DO ELEMENTO SUBJETIVO ESPECÍFICO DO TIPO PENAL – AUSÊNCIA DE TEMOR DA VÍTIMA – APLICAÇÃO DA REFORMATIO IN MELLIUS – CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO PARA ABSOLVER A ACUSADA – PREJUDICADO O RECURSO.” (grifou-se)
23 Nesse sentido: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 35. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 2013. p. 512; LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 978; MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Rio de Janeiro: Forense, v. IV, 1965. p. 276; MIRABETE. Código de processo penal interpretado. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1590.
24 REsp 753.396/RS, Relª Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, J. 11.04.2006, DJ 08.05.2006, p. 281.
25 Mesmo em relação às nulidades ditas absolutas, como a decorrente da incompetência do juízo, incide o verbete em destaque: “Informativo nº 298 Título Verbete 160 da Súmula e Nulidade Absoluta Processo HC 80263 Artigo Concluído o julgamento de habeas corpus em que se impugnava, por ofensa ao Verbete 160 da Súmula do STF (‘É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de ofício."), decisão do STJ que mantivera acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o qual, acolhendo a preliminar de incompetência absoluta do juízo estadual suscitada no parecer do Ministério Público perante aquela Corte – e não suscitada pelas partes na apelação e nas contrarrazões ao recurso –, anulara a sentença absolutória proferida pela justiça estadual, determinando o processamento dos autos na justiça federal (v. Informativo 237). O Tribunal, por maioria, entendendo que o conceito de nulidade disposto no Verbete 160 compreende a nulidade absoluta da sentença proferida por juiz incompetente, deferiu em parte a ordem de habeas corpus para assentar que não cabia ao Tribunal de origem concluir pela incompetência da justiça comum e para determinar que se prossiga no julgamento de mérito da apelação do Ministério Público. Vencido o Min. Moreira Alves, que indeferia o pedido. HC 80.263-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, 20.02.2003. (HC 80263). Também neste julgado, do Pretório excelso, o termo preliminar foi equivocadamente empregado, como destacado ao longo do texto, por se tratar de um recurso apreciado pela Corte, e não de ação penal originária”.
26 Nesse sentido, Norberto Avena ressalta a inexistência de efeito translativo na apelação no que pertine à possibilidade de contrariar os interesses do réu, restringindo tal possibilidade apenas aos casos de reexame necessário (art. 7º da Lei nº 1.521/1951). (AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro. Processo penal esquematizado. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. p. 1201).
27 Não obstante as divergências doutrinário-jurisprudenciais acerca da distinção entre nulidades absolutas e relativas e da necessidade de demonstração de prejuízo em qualquer hipótese, as nulidades relativas devem ser alegadas oportunamente e, portanto, constituir o objeto do recurso defensivo, não podendo ser conhecidas de ofício. Isso, porém, não altera sua posição no quadro apresentado, ocupando a mesma ordem das nulidades absolutas no esquema proposto.
28 O fato de o vício de procedimento não poder ser conhecido antes de se analisar a possibilidade de absolvição do réu de todas as imputações, conforme se expõe, não significa que não possa ser conhecido de ofício, o que resta autorizado pelo sistema processual penal em vigor, uma vez que viável a concessão de habeas corpus de ofício. Autorizando o conhecimento de ofício da nulidade absoluta, tem-se Aury Lopes Jr., para quem “as nulidades (absolutas) podem ser conhecidas a qualquer tempo, ainda que a parte não alegue, e assim pode fazer o tribunal desde que a favor do réu (ex officio)” (LOPES JR. Aury. Op. cit., p. 979).