Efeitos da crise econômica e politica no mercado de trabalho.

A flexibilização, a desregulamentação e a informalidade batem à porta e pedem passagem

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16/08/2015 às 11:38
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Este texto apresenta uma análise critica de alguns efeitos da crise econômica e política do Brasil atual no mercado de trabalho e as consequências da informalidade, além dos problemas ocasionados pelo desvirtuamento do MEI, com a elevada flexibilização dos direitos.

RESUMO: este texto apresenta uma análise crítica de alguns efeitos da crise econômica e política do Brasil atual no mercado de trabalho e as consequências da informalidade, além de problemas com o MEI, com a elevada flexibilização dos direitos, com a desregulamentação e com a terceirização da mão de obra.


O ano de 2015 começou com números assustadores para a classe operária brasileira. Uma pretensa crise econômica e política assolou o país, sobretudo após o início das diversas operações policiais de combate à corrupção e, com isso, o mercado de trabalho formal se deteriorou. Os números de pessoas demitidas não pararam de crescer desde 2014, e continuam em 2015, com péssimas projeções para 2016. As empresas fecharam os postos de trabalho e até os próprios estabelecimentos, remetendo ao mercado informal milhares de brasileiros.

UMA REVISTA SEMANAL NOTICIOU QUE, NO PRINCIPAL CENTRO ECONÔMICO DO PAÍS[2] , O DESEMPREGO É CRESCENTE: “DESEMPREGO NA GRANDE SÃO PAULO SOBE PARA 13,2% EM JUNHO. SEGUNDO DIEESE, DESOCUPAÇÃO AVANÇA PELO QUINTO MÊS SEGUIDO E É PUXADA PRINCIPALMENTE PELO FECHAMENTO DE VAGAS NO SETOR DE SERVIÇOS”.

A notícia, por si, é assustadora, pois significa que pessoas até então com emprego formal e com o mínimo de proteção legal, com direitos trabalhistas assegurados pelas diversas leis e, sobretudo, pelo art. 7º da Constituição Federal foram e são remetidas ao desemprego ou à informalidade, potencializando o exército de reservas ou “aquecendo” a economia informal. E, nestes momentos de desespero econômico, muitas pessoas “fazem qualquer coisa para não passarem fome” e “se submetem a condições não dignas de trabalho para se manterem”.

Porém, outras duas notícias veiculadas pela imprensa nacional elevam significativamente a preocupação sobre qual será o futuro do mercado de trabalho formal no Brasil, mesmo após o período da pretensa crise econômica e política. Vejamos:

1.“Com o emprego em baixa, 2015 virou o ano do 'bico'. Vagas desaparecem e brasileiros recorrem à informalidade para conseguir pagar as despesas; mercado perde postos com carteiras assinadas pela primeira vez em doze anos[3]”;

2.“O Brasil já possui 5 milhões de Microempreendedores Individuais (MEI), categoria empresarial que caminha para se tornar a maior do país. Criado como alternativa à informalidade seis anos atrás, os cadastros do MEI recebem hoje, em média , 97 inscrições por hora de pessoas buscando se legalizar como empresários. Hoje o número de MEIs só perde para o de Micro e Pequenas Empresas, que é próximo de 6,5 milhões. Mas a expectativa do governo federal é de que nos próximos três anos o volume desses Microempreendedores Individuais esteja próximo dos 10 milhões”. [4]

Estas duas notícias conjugadas evidenciam a precarização para qual caminha a economia formal no Brasil, ao menos quanto à mão de obra. Pois, se há um aumento da informalidade para fins laborais alinhado ao crescimento da formalização de MICROEMPREENDEDORES INDIVIDUAIS (MEI), significa que mais e mais pessoas, deixam de ser trabalhadores e passam a ser “pseudoempresários”, pois, em tese, passam a ser donos de seus próprios negócios e, assim, tentam manter a economia ativa.

“Data vênia”, argumento falacioso e investido de perigo econômico e social! 

A criação e o desenvolvimento da legislação trabalhista teve e tem como foco a proteção do ser humano trabalhador contra os avultantes números da exploração econômica e humanitária, já que é certo que o “trabalho  não é mercadoria”[5]. Esclarecendo, as normas laborais protetivas instituíram um mínimo intangível que pode ser compreendido como o “núcleo duro” dos direitos fundamentais do ser humano trabalhador, com direitos e garantias que não permitem o retrocesso social (como férias com 1/3, 13º salário, salário mínimo, condições de trabalhos aceitáveis, meio ambiente do trabalho equilibrado e sadio, limitação na jornada de trabalho, FGTS e outros). Núcleo este que o poder econômico deve observar para não ferir (de morte) a dignidade humana[6].

Porém, a notícia veiculada informa que há, na atualidade, a constituição desenfreada da MEI[7] como mecanismo de combate à crise econômica e como saída para o desemprego.

O MEI[8], que é um cadastro on-line  realizado pela pessoa física e com o qual a mesma passa a contribuir para o sistema previdenciário, a ter a possibilidade de regularizar sua situação fiscal se receber o valor de R$ 5.000,00 ao mês e a contar com direitos sociais (previdenciários),  foi uma facilidade que o sistema econômico nacional criou para o mercado informal e para atividades típicas do trabalhador autônomo e de baixa renda.

São exemplos típicos de MEI: vendedor ambulante de produtos alimentícios, vendedor de bijuterias e artesanatos, vidraceiro, verdureiro, vendedor de cosméticos e artigos de perfumaria, torneiro mecânico, tatuador, taxista, tecelão, serralheiro, relojoeiro, tapeceiro, sapateiro sob encomenda e/ou que vende artigos de sua produção, sorveteiro ambulante , pedreiro, pedicure, pescador, pintor, pizzaiolo em domicílio, pipoqueiro, cozinheira,  contador/técnico contábil,  criador de animais, domésticos,  dedetizador, depiladora, alfaiate, açougueiro, adestrador de animais, animador de festas, artesão em gesso, artesão em madeira,  astrólogo, azulejista, “babysitter”, (dono de) bar, cabeleireiro, dentre outros tantos.

A proposta estatal de incentivar as constituições de MEIs deve ser analisada com ressalvas, pois é necessário considerar que, para cada caso mencionado de MEI, é certo que o mercado informal está menor, porém, na mesma proporção, o mercado formal de trabalho deixará de contar com o profissional que se cadastrou no sistema, sendo extremamente prejudicial para o trabalhador e para seus direitos sociais não contar com a efetiva rede protetiva do direito do trabalho, já que, para o sistema formal, ele agora é MEI, com inscrição no CNPJ, e emite nota fiscal, caracterizando-se como um “pseudoempresário” (lembrando que o MEI não tem FGTS, não tem férias com 1/3, não tem 13º salário, não tem limitação de jornada e horas extras, não tem PLR e proteção à saúde e outros tantos, por menos aposentadorias especiais).

Ocorre que o MEI nunca, repito, nunca, poderá ser utilizado para a substituição da mão de obra efetiva dos trabalhadores, como preleciona  o entendimento abstraído da lei nº 123/2006 (alterada pela lei nº 128/2008) e dos arts. 2º e 3 º da CLT todos combinados com o art. 9 do mesmo diploma[9], ou seja, o uso do MEI para substituir empregados efetivos da empresa configura fraude à legislação trabalhista e é uma hipótese ilegal de terceirização da mão de obra[10].

Contudo, o  atual cenário econômico e as notícias relatadas anteriormente demonstram que não é esta a realidade evidenciada pelas pessoas neste momento de crise. Ou seja, a quantidade de inscrições como MEI se eleva à medida em que o desemprego aumenta e a informalidade cresce, e, como mecanismo de uma política pública, há o incentivo pelo Estado da formalização da pessoa como MEI, o que cria a falsa expectativa da pessoa possuir um número de CNPJ, seu empreendimento e, assim, ser dona “de seu próprio negócio”, deixando a classificação de desempregado para ser “empresário” e “sair da crise”.

      Isso é retórica e não realidade. O “marketing” utilizado para que a pessoa deixe o “status” de desempregado é muito bom, porém, poucos são aqueles que conseguem prosperar nessa nova janela aberta naquele momento da vida profissional, pois nem sempre os sonhos conseguem se materializar[11]. E há uma grave consequência: a ausência de garantia de direitos sociais (trabalhistas, previdenciários, de saúde e de assistência social) para a pessoa que deixa o mercado de trabalho e, após não conseguir o sucesso como “empresário”, é devolvido ao mercado sem qualquer amparo. Além do mais, parte das MEIs não irá avançar, já que os negócios têm grandes chances de não darem certo (como exposto, os índices de mortalidade das pequenas empresas e empresários no Brasil, nos primeiros anos de existência, são elevados).

 Porém, esta constatação, do crescimento nos números de MEIs, sem que boa parte delas prospere, e da pessoa ficar a mercê da própria sorte, não é de causar estranheza, uma vez que o mercado formal sempre teve (e tem) como pauta política os elevados encargos e custos que repousam sobre a folha de pagamento, e, ainda, tornou-se normal que órgãos empresariais e ligados à indústria sejam totalmente a favor da terceirização no Brasil, quer em atividades-meio quer em atividades-fim da empresa, relegando à sorte e à miséria um grupo significativo de trabalhadores, pois o empresariado-empregador não quer ter o ônus social de suportar a massa operária formal.

Ora, é certo que o atual cenário econômico e político não é favorável à proliferação de vagas de trabalho formais, mas é mais certo ainda que muitas empresas se aproveitam da situação econômica apresentada para  sucatear e precarizar as relações de trabalho, e, assim, o empresariado tem a possibilidade de aumentar seu lucro com a tomada de um serviço (ou mão de obra) extremamente barata, que é o serviço do MEI, e relega ao MEI e ao governo o resgate social e futuro deste grupo de pessoas.

Em tese, não se trata de terceirização direta, mas da contratação de empresas prestadoras de serviços, porém, o equívoco reside em não reconhecer nesse tipo de atividade e pacto a fragilidade social ou mesmo a terceirização em atividades-meio.

Com efeito, é possível constatar que a terceirização para toda e qualquer atividade já está em curso na economia atual, sob o pretexto de não permitir com que uma massa de pessoas “morram de fome”, e, assim, ao abrir e constituir uma MEI, preste serviços a outras empresas sem configurar o vínculo de emprego direto, mesmo para algumas atividades consideradas como fim da empresa, conforme as pretensões do mercado econômico.

É preocupante e assustador que o sucateamento do trabalho ocasione a ruptura de garantias sociais calcadas há anos em diversas legislações. A massa operária não se dá conta do movimento vagaroso que o poder econômico realiza em momentos de crise. Toda “logística” do mercado econômico é voltada para o aumento do lucro, ou seja, o benefício econômico de um grupo restrito em detrimento ao prejuízo de muitos que deixam a proteção laboral e passam à informalidade ou a ocupar atribuições de “pseudoempresários” (isto é a “teoria da mais valia”).

Diante deste quadro, é possível a seguinte constatação e a análise para os próximos meses e anos:

1.Esta massa operária que foi ou será dispensada nos anos de 2014 a 2016 em função da atual crise econômica e política do país não será totalmente reabsorvida pelo mercado formal daqui alguns anos;

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2.Os trabalhadores que se cadastraram como MEI, embora fora da informalidade, são típicos trabalhadores terceirizados, com baixa remuneração e formação, e, sobretudo, não são empresas, e, assim, não podem ter a responsabilidade social e econômica de “fazer o Brasil girar” e de aquecer a economia;

3.O setor de serviços, para o qual as MEIs são constituídas, é o mais sensível quando há crises como a atual, o que ocasiona o agravamento dos prejuízos econômicos, uma vez que o MEI irá utilizar todos seus recursos financeiros no seu negócio, que tende a não “vingar” no momento de crise, remetendo o MEI a um cenário econômico pior do que aquele de quando entrou no sistema (já que agora estará sem o “capital de giro”, que geralmente constitui uma reserva econômica que possuía);

4.Os empresários e industriais estão aproveitando o atual cenário para potencializar e precarizar (mais do que o normal) as relações sociais e trabalhistas, e, assim, reduzem salários, reduzem os postos de trabalho formais, automatizam algumas vagas, terceirizam outras e contam com diversos mecanismos aleatórios e legais para não contratarem trabalhadores, que acabam sendo “custos” para a contabilidade empresarial;

5.A carga tributária, que, de fato, é a grande vilã para o empresariado nacional, não sofrerá significativas mudanças, pois a “máquina do Estado Brasileiro” não pode cortar receitas no momento de “crise econômica”, e, assim, para obter o mesmo lucro (quiçá maior), o empresário corta  postos de trabalho e atribui a responsabilidade à crise econômica e política;

6.O governo republicano e neocapitalista nacional incentiva a formalização de trabalhadores como MEI e outras formas de constituições de empresas para a prestação de serviços, porém, ocorre um “efeito bumerangue”, pois este grupo de trabalhadores que deixa de ser desempregado para fins estatísticos tenderá a necessitar do Estado num futuro próximo (quando de suas aposentadorias, por exemplo), e, assim, resta configurada fraude ao sistema laboral e protetivo e há uma tendência aberta e explícita para sucatear, ainda mais, os direitos trabalhistas e sociais (se é que é possível), com aprovações de leis que incentivem a prática da prestação de serviços civis, como o MEI ou, ainda, com leis como a ampliação da terceirização da mão de obra para atividades-fim da empresa.

Como prova efetiva destas alegações, há notícia veiculada na imprensa[12] no dia 25 de junho de 2015:

“Com a deterioração do mercado de trabalho e sucessivas derrotas do pacote de ajuste fiscal no Congresso, o governo passou a projetar um salto do deficit da Previdência Social neste ano. De R$ 43,6 bilhões calculados na versão original do Orçamento, feita no ano passado, o rombo esperado nas contas do INSS foi elevado em 67%, para R$ 72,8 bilhões com as novas estimativas de receitas e despesas divulgadas nesta sexta (22). Trata-se de um aumento de 28,4%, bem superior à inflação, em relação aos R$ 56,7 bilhões do ano passado. Como percentual do PIB, o deficit sobe de 1% para 1,2%, maior patamar em seis anos.”

Como alternativa para este cenário, será necessário que a própria  massa operária se reorganize, que os movimentos sindicais se conscientizem (quer de sua função de proteção ao hipossuficiente, quer em consideração à redução nas suas fontes e receitas); e, ainda, que os grupos excluídos do mercado de consumo se atentem à potencialização da “mais valia” e, assim, rompam com esta lógica perversa que ocorre no mercado e na economia nacional, sob o argumento da desoneração por meios alternativos de pactuação do trabalho (como o uso desenfreado das MEIs), sob pena de, num futuro não muito distante, as leis trabalhistas protetivas  serem estudadas como uma “subárea da disciplina e matéria de história do direito” e a “carteira de trabalho” ser um documento a ser exposto no museu. Mais do que nunca a frase de Karl Marx está presente e deveria ser levantada como bandeira pela classe operária: “trabalhadores do mundo, uni-vos”[13].

Esclarece-se ao leitor que não se prega comunismo, socialismo ou qualquer outro sistema, por menos se defende o fim do capitalismo, mas é certo que o caminho da desregulamentação, da ampla flexibilização dos direitos trabalhistas e da irrestrita terceirização são e sempre serão mecanismos prejudiciais ao ser humano e ao ambiente social, gerando consequências nefastas na atualidade e piores num futuro próximo. No atual momento não há ampla efetividade da norma laboral e a tendência é esta efetividade diminuir, e a culpa é de toda a sociedade, do mercado e dos poderes constituídos, ou seja, de todos nós!

A crítica ao uso desenfreado do MEI é uma constatação pontual em relação ao desvirtuamento do instituto utilizado por empresários malfeitores e gananciosos neste momento de crise nacional, que vislumbraram uma forma extremamente barata de promover a terceirização indireta e fugir dos encargos trabalhistas e das obrigações sociais, aumentando, ainda, a rotatividade de trabalhadores e da mão de obra, uma vez que não há estabilidade nos relacionamentos laborais. No mais, o sistema merece boas considerações e manifestações.

O retrocesso social está em curso e é otimizado pelas crises econômicas e políticas atuais e futuras, já que todas são cíclicas. Infelizmente o “trabalho ‘tende’ voltar a ser mercadoria” e o “ser humano ‘tende’ a ser coisa”.

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Sobre o autor
Aarão Miranda da Silva

Advogado sócio do escritório Miranda advogados, professor de cursos de graduação e pós-graduação, especialista e mestre em direito. Autor de diversos artigos e livros jurídicos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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