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A improbidade administrativa e a Lei de Licitações e Contratos Administrativos

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01/06/2003 às 00:00
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SUMÁRIO: A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. O CÓDIGO PENAL E A LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. A LEI DE LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. BIBLIOGRAFIA.


A sociedade deve adaptar-se ao novo século e milênio, envolvida, que está, por novos mercados e blocos comerciais, profundas mutações político - sociais, quebras de tabus, até então intocáveis, violência incontida, devassidão moral, queda e criação de novos impérios econômicos e Estados, numa globalização jamais concebida e por descobertas tecnológicas e científicas, que exigem do legislador e do operador do direito mais que meros expedientes legislativos, senão intensa arte de ourivesaria, na elaboração legislativa e busca de novas fórmulas, porque o verdadeiro direito é aquele que anda de mãos dadas com a justiça social e com a nova realidade que desponta, para não se apartar de vez do homem e fenecer solitária.

As conquistas tecnológicas deste século alçaram o ser humano a um patamar inimaginável. Contudo, esse progresso não foi acompanhado do aprimoramento espiritual e moral. Grassa a impunidade desenfreada. Leis existem em demasia. Nunca se legislou tanto em tão pouco tempo. Normas surgem a cada minuto, como se fossem o apanágio para todos os males. As medidas provisórias, que substituíram os decretos – leis, não se mostram adequadas, pelo abuso na sua utilização, e porque contrariam os pressupostos constitucionais, sem embargo de ser um instrumento mais democrático do que o foi o famigerado decreto-lei, exatamente, por sua maleabilidade, e por permitir ao Poder Legislativo emendá-la, rejeitá-la, no todo ou em parte, e transformá-la em projeto de lei de conversão, merecendo, porém, profunda remodelação, para se adaptar às necessidades de um Estado moderno e ágil.

Não obstante, o equívoco maior reside exatamente na inaplicabilidade das leis, visto que são repetitivas ou, então, casuísticas, formando um emaranhado incompreensível e impedindo seu melhor conhecimento por parte dos juristas, quanto mais da população.

A estrutura de um novo modelo de Estado, para um Brasil do terceiro milênio, não é a mesma deste anoitecer de século, não podendo a sociedade aquietar- se, sob pena de contribuir para seu desmantelamento total.

Nesta ocasião, o direito é mais solicitado e então o profissional das áreas jurídicas busca lapidar com o cinzel da sabedoria as arestas e agruras que afligem o homem moderno.


A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A Lei 8429, de 2 de junho de 1992, – Lei do Colarinho Branco - e a legislação complementar têm em vista precipuamente sancionar a improbidade administrativa, com fonte direta na Constituição vigente, abrangendo o enriquecimento ilícito, o prejuízo ao Erário e o atentado aos princípios da Administração. Sucede às Leis 3164, de 1º de junho de 1957, e 3502, de 21 de dezembro de 1958. Contempla ainda, com outras disposições legais, a evolução patrimonial dos agentes públicos.

Essa lei, fruto do Projeto do Poder Executivo, foi ampliada no Legislativo, tomando a feição atual, e substitui as anteriores, de forma mais completa e coerente.


FONTE CONSTITUCIONAL

A fonte originária encontra sua sede, na Constituição Federal, sobressaindo-se os artigos 14, § 9º, 15, inciso V, e 37, caput, § 4º, 85, V.

A Lei Maior (art. 85, V) delineia os crimes de responsabilidade do Presidente da República, entre os quais, o ato contra a probidade na administração.

O tema é de tal relevância, que a Constituição veda a cassação de direitos políticos, mas autoriza a perda ou a suspensão de direitos políticos, no caso de improbidade administrativa, nos termos do § 4º do citado artigo 37, c/c o inciso V do artigo 15 da CF.

A ordem da Carta Maior não deixa margem a qualquer dúvida, quanto à sua aplicação, ficando as autoridades competentes munidas de imenso instrumental jurídico.

O Ministério Público e os Tribunais de Contas têm um papel relevante e decisivo na guarda da coisa pública, no combate à corrupção e fiscalização do cumprimento da Carta Magna e da lei, e estão dotados de preciosa ferramenta, para o cumprimento das determinações constitucionais. Se até então não havia legislação adequada, atualmente, conquanto apresente alguns defeitos, não há que negar total pertinência do arcabouço legal.

A doutrina tem pinçado falhas, na Lei 8429, como apregoa Marcelo Figueiredo; entretanto, não há lei perfeita, como produto de cultura que é, devendo o operador do direito aplicá-lo, da melhor forma, desbastando-o com o cinzel da sabedoria. Para Toshio Mukai, esta lei é totalmente inconstitucional.

Salvo algumas erronias, que consideramos dignas de correção legislativa, esse diploma, se corretamente, aplicado, realmente atingirá o desideratum desejado.

O artigo 1º demonstra, à saciedade, a elasticidade desse diploma legal, de sorte que qualquer ato de improbidade praticado por agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer das esferas de poder, inclusive dos Territórios, está sujeita à sua incidência.


SUJEITO ATIVO

Qualquer agente público poderá vir ser o sujeito ativo.

O agente público vem conceituado no artigo 2º, sendo todo aquele que, exercendo, mesmo que transitoriamente, ou sem remuneração, por eleição, contratação, designação ou qualquer outra forma de vínculo, mandato, cargo ou função nas entidades indicadas no artigo 1º.

Sua abrangência é a mais ampla possível e compreende todas as esferas de poder: Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas também o é todo aquele que, não sendo agente, concorra ou induza para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie, sob qualquer forma direta ou indireta. Aplicam-se a este essas normas, no que couber. Qualquer pessoa que não tenha vínculo com a administração, concorrendo para a prática do ato ou dele auferindo benefícios, está sujeito às amarras da lei.

A administração pública direta, indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, eficiência, moralidade, publicidade e todos os demais previstos na Constituição, advertindo o § 4º do artigo 37 que os atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o ressarcimento do erário público, sem prejuízo da ação penal cabível.

A Constituição não mais se refere à administração fundacional, mercê da Emenda 19, de 1998. Isto porque a fundação está compreendida na Administração indireta e despicienda é sua menção. E a administração pública é bastante ampla, compreendendo, para os efeitos desta lei, também a empresa incorporada ao patrimônio público e a entidade, para cuja criação ou custeio o Tesouro haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual.

O sujeito passivo é toda pessoa jurídica de direito público interno – União, Estados, Distrito Federal, Municípios e autarquias. A lei inclui o Território. Também o são os entes públicos ou privados que participe direta ou indiretamente do dinheiro público, de seu patrimônio ou da receita anual.

Assim, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, fazendo parte da administração indireta, não estão alijadas da esfera de ação da lei, bem como as entidades, para cuja criação o Tesouro Público haja contribuído ou contribua com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Neste caso, a sanção patrimonial limita-se aos prejuízos causados aos cofres públicos.

Estão também sujeitos às penalidades da lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de órgão público.


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A ementa da lei é pobre no enunciado, ao dispor sobre as sanções aplicáveis nos casos de enriquecimento ilícito. A improbidade é mais rica no seu conteúdo legal.

A improbidade não é novidade, visto que ela existe, desde que o homem povoa a Terra. Não obstante, a sociedade sempre procurou amenizar essa mácula, combinando instrumentos legais, na área administrativa e na área penal e civil, nem sempre com o êxito desejado.

Improbidade é desonestidade e relaciona-se com a conduta do administrador e pode ser praticada não apenas pelo agente público, lato sensu, senão também por quem não é servidor e infringe a moralidade pública.

A lei é precisa e determina, em cumprimento aos cânones constitucionais, o zelo pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. Entretanto, essa relação não é exaustiva.

A probidade administrativa está intimamente ligada à moralidade administrativa. Também os princípios da boa-fé, da lealdade e da boa administração compõem o leque legal. A Lei 8.429/92 define os atos de improbidade administrativa e esta ocorre, quando se praticam atos que ensejam enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou atentam contra os princípios da administração, definidos no artigo 37, entre os quais está incluída a moralidade, ao lado da legalidade, da impessoalidade e da publicidade, além de outros que, mesmo não apontados, explicitamente, no referido preceito, distribuídos por toda a Constituição, também se aplicam à condução dos negócios públicos. Esses atos implicarão na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, de conformidade com a forma e a gradação prevista na lei. Esta tem, segundo o § 4º do citado dispositivo, sanções próprias que não excluem a penas criminais.

O ato de imoralidade, na opinião da melhor doutrina, afronta a honestidade, a boa fé, o respeito à igualdade, as normas de conduta aceitas pelos administrados, o dever de lealdade, a dignidade humana e outros postulados éticos e morais. Qualquer cidadão pode propor ação popular, com o objetivo de anular ato lesivo à moralidade administrativa, Não terá que arcar com as custas judiciais nem está sujeito à sucumbência, a não ser que fique comprovada a má-fé.

A improbidade traduz a má qualidade de uma administração, pela prática de atos que implicam em enriquecimento ilícito do agente ou em prejuízo ao erário ou, ainda, em violação aos princípios que orientam a pública administração.

Desde que se comprove a ocorrência da lesão ao patrimônio público, por ação ou omissão dolosa ou culposa do agente ou do terceiro, dar-se-á o total ressarcimento do dano. O dolo pressupõe a intenção de praticar o ato. No direito penal, ocorre o dolo quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo. Na esfera civil, Clovis Bevilaqua define-o como o artifício ou expediente astucioso empregado para induzir alguém à prática de ato, que o prejudica, e aproveita ao autor do dolo ou a terceiro. O agente age culposamente, quando o faz por imperícia, negligência ou imprudência. Observe-se, no entanto, que se aplicam as sanções desta lei, ainda que não haja ocorrido dano ao patrimônio público, e independentemente da aprovação ou rejeição das contas, pelo órgão de controle interno ou pelos Tribunais ou Conselhos de Contas.

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O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, nas ações populares, há que se comprovar, pelo menos, que houve lesão aos cofres públicos, não sendo suficiente a violação ao princípio da moralidade pública, notadamente se se tratar apenas de vícios formais. No entanto, o Supremo Tribunal Federal também assentou que na maioria das vezes a lesividade decorre da própria ilegalidade do ato, de conformidade com aresto relatado pelo Ministro Marco Aurélio (apud Probidade Administrativa, de Marcelo Figueiredo cit.).

Na verdade, não é preciso que ocorra dano ao Erário, para que se caracterize a improbidade, pois esta é apenas uma das espécies do gênero improbidade.

O agente ou terceiro beneficiário dos bens ou de valores acrescidos ao patrimônio, que deu origem ao enriquecimento ilícito, ficará sujeito à perda desses bens.

Sem embargo da grita geral contra a lei, esta, com precisão matemática, fornece o conceito de improbidade administrativa, qual seja auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades já mencionadas, elencando a lei mias doze incisos, o que demonstra o extremo cuidado do legislador.

A Lei 8429/92 também traz o entendimento do ato que causa lesão ao erário, distinguindo daqueles que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Esse diploma legal refere três espécies de atos ímprobos na administração:

a) atos que importam em enriquecimento ilícito.

b) atos que produzem prejuízo ao erário.

c) atos que atentam contra os princípios da administração pública.

a) A primeira espécie de atos de improbidade administrativa produz o enriquecimento ilícito e compreende os seguintes (artigo 9º):

I) auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função ou emprego, ou atividades nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;

II) receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

III) perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1º por preço superior ao valor de mercado;

IV) utilizar, em obra ou serviço particular, veículo, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer atividade ilícita, ou aceitar promessas de tal vantagem;

VI) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;

VII) adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII) aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade.

IX) perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza.

X) receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado.

Xl) incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.

XII) usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.

Enriquecimento ilícito é a obtenção de vantagem econômica ou patrimonial não autorizada por lei. Todas as modalidades são dolosas, porquanto o sujeito ativo tem consciência do ilícito. Este também é o pensamento de Marino Pazzaglini Filho, Márcio Rosa e Waldo Fazzio Júnior.

O núcleo do tipo reside nas expressões: auferir, isto é, tirar, colher, obter, perceber, utilizar, adquirir, aceitar, incorporar, usar.

O sujeito ativo é o agente público em sentido lato ou o terceiro que concorra ou induza para a prática do ato improbo.

Todas as hipóteses desse artigo autorizam não só a responsabilização civil do agente e do terceiro beneficiado, mas também a penal, v.g., o peculato (artigo 312 do Código Penal), a concussão (artigo 316 do Código Penal), a corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal).

O Anteprojeto do Código Penal prevê como crime o ato de improbidade:

Art. 318. Praticar o funcionário público ato de improbidade, definido em lei, lesivo ao patrimônio público:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.

Parágrafo único. Aplica-se a pena independentemente das sanções civis ou administrativas.

As infrações catalogadas no artigo 9º estão intimamente entrelaçadas com a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 8666/93 e alterações posteriores), nas hipóteses dos incisos II, III, IV).

Os crimes de responsabilidade dos prefeitos estão descritos no Decreto – lei 201, de 1967, e aplicam-se concomitantemente com as infrações previstas ma lei de improbidade administrativa.

A figura do inciso I é típica do artigo 327 do Código Penal.

As figuras previstas no inciso V estão catalogadas no Código Penal e na legislação penal esparsa, como por exemplo na Lei de Contravenções Penais, na lei de narcotráficos, na lei de usura etc.

No inciso VI, verifica-se que estão em jogo grandes interesses, já que se trata de obras de vulto e contratos de elevado valor econômico. A citada Lei de Licitações e Contratos Administrativos contempla o crime de fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública – da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato que dela decorra, elevando arbitrariamente o preço, vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria deteriorada ou falsificada, entregando uma mercadoria por outra, alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida, tornando por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato (artigo 96).

b) A segunda espécie de atos de improbidade causa prejuízo ao erário (artigo 10), v.g.:

1) facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.

2) permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei.

3) doar a pessoa física ou jurídica, bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie.

4) permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bens integrantes do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta Lei, ou ainda a prestação de serviços por parte delas, por preço inferior ao de mercado.

5) permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado.

6) realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantias insuficientes ou inidôneas.

7) conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie.

8) frustrar a licitude do processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente.

9) ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento.

10) agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público.

11) liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.

12) permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente.

13) permitir que se utilizem, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

A lei é cristalina, quando trata dos atos de improbidade que causam prejuízo ao erário (tesouro, fazenda pública). A improbidade administrativa, neste caso, manifesta-se, pela ação ou omissão dolosa (voluntária) ou culposa (involuntária) que produza perda patrimonial, desvio, apropriação, malbarato ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades discriminadas no artigo 1º.

O erário é o fisco, a fazenda pública, o tesouro, refere-se ao aspecto econômico – financeiro. O patrimônio público é mais abrangente, pois abarca os bens de valor econômico – financeiro e também os de valor histórico, estético, cultural, artístico e turístico. A lei que regula a ação popular – Lei 4717/65 – e a Lei de Improbidade Administrativa traçam o conceito de patrimônio público.

A diligência é fundamental na condução das funções e dos negócios públicos.

Não importa que o agente não tenha agido com dolo. Se for apurada sua culpa e agiu ilicitamente, dando causa à perda patrimonial, será ele enquadrado nas sanções do artigo 12, sem prejuízo das outras penalidades, em que estiver incurso.

Os incisos III e IX também estão intimamente entrelaçados com a Lei 8666/93 e com a Lei Complementar 101/2000.

O artigo 167 da Constituição proíbe o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual. A Lei 8666 impede a contratação sem previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços as serem executados no exercício financeiro em curso. A Lei Complementar 101 registra que a lei orçamentária não consignará dotação de investimento com duração superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual ou em lei que autorize a sua inclusão, consoante o disposto no § 1º do artigo 167 citado.

Frustrar a licitude do processo licitatório e dispensá-lo indevidamente constituem não apenas atos de improbidade, mas também crime previsto na Lei 8666/93.

Consultem-se os artigos 89 e 90 da Lei 8666/93: artigo 89 (dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses legais ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa e à inexigibilidade). Também está incurso nas penas desse dispositivo quem comprovadamente haja concorrido para a consumação da ilegalidade ou dela beneficiou-se, para contratar com o Poder Público); artigo 90 (frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.

O Professor Vicente Grecco, ao comentar os crimes previstos na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, deplora, com muita razão, o descalabro do legislador, com relação à técnica legislativa, que deixa muito a desejar.

Realmente, a conceituação é defeituosa, cheia de lacunas e imprecisa, o que leva, na prática, a tornar-se mais um lei que nasce morta, no campo penal.

O inciso X configura os ilícitos civis, mas o agente poderá também estar cometendo delitos contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, previstos na Lei 8137, de 1990.

O inciso XI proíbe que o agente permita, facilite ou concorra para que terceiro se enriqueça de forma ilícita. O legislador, com isto, procura fechar os caminhos que conduzam à improbidade.

A orientação pretoriana tem destacado que o administrador público municipal (obviamente, aplica-se a qualquer administrador público) se deve ater às destinações das verbas previstas na lei orçamentária, devidamente tituladas e codificadas. A objetividade jurídica do delito de aplicação indevida de verbas não é só boa versação do patrimônio público, mas também o acatamento aos plano administrativos a que se devem jungir os governantes. Todavia, já ficou decidido que a norma do artigo 315 do Código não pune irregularidades administrativas, porém, o comportamento do administrador que desvia numerário de meta especificada em lei, requisito em que não se materializa nos casos em que o orçamento da pessoa jurídica de direito público não é aprovado por lei, mas por decreto do Executivo.

A jurisprudência tem-se pronunciado, no sentido que se excluem da incriminação pequenas doações ocasionais, recebidas por funcionários, em razão de suas funções. Em tais casos, confirma o Poder Judiciário, não há de sua parte consciência de aceitar retribuição por um ato funcional, que é elementar do dolo no delito, nem haveria vontade de corromper.

c) A última espécie de atos de improbidade administrativa refere-se aos que atentam contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (artigo 11), destacando-se, ainda, os que seguem:

a) praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.

b) retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.

c) revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deve permanecer em segredo.

d) negar publicidade aos atos oficiais.

e) frustrar a licitude de concurso público.

f) deixar de prestar contas quando obrigado a fazê-lo.

g) revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço da mercadoria, bem ou serviço.

O Estado deve ser ético, por excelência, mas os agentes públicos, também devem sê-lo, sem dúvida. A moralidade é o fundamento de todo arcabouço.

O artigo 37 do Texto Maior giza os princípios a que está submissa a Administração: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que se não esgotam, posto que o caput desse artigo menciona outros que seguem, indicados nos incisos indicados.

Qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições constitui também ato de improbidade.

Não obstante, o caput desse preceito não esgota as hipóteses, visto que remete para os sete incisos arrolados.

A Administração Pública deve pautar-se de acordo com os sãos princípios e o agente público deve estar atento ao bem-estar da comunidade e ao interesse público.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 21156-0-SP, julgado em 19.9.94 e relatado pelo Ministro Milton Pereira, sentenciou que o desvio de poder pode ser aferido pela ilegalidade explícita (frontal violação ao texto legal) ou por comportamento censurável do agente, valendo-se da competência própria para atingir a finalidade alheia àquela abonada pelo interesse público em seu maior grau de compreensão e amplitude. Pela apreciação da motivação do ato administrativo, se revelado o mau uso da competência e da finalidade e despojada esta do superior interesse público, tem-se o ato viciado, violando a moralidade administrativa. O ato então deve ser imediatamente desfeito.

A alínea c do artigo 2º da lei, que regula a ação popular, declara nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades que ela menciona, na hipótese de ilegalidade do objeto.

Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício constitui ato de improbidade e atenta contra os princípios da Administração.

O agente que deixa, por exemplo, de promover a publicação dos contratos administrativos, na forma que determina o parágrafo único do artigo 61 da Lei 8666/93, infringe a lei de improbidade, em pelo menos duas disposições dessa norma: incisos II (retardar...) e IV (negar publicidade aos atos oficiais).

O artigo 94 deste diploma legal considera crime devassar o sigilo da proposta apresentada, em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de fazê-lo e o inciso III do artigo 11 da Lei 8429, sob comento, considera ato de improbidade revelar fato ou circunstâncias de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em sigilo.

A violação de sigilo funcional, que se traduz na revelação de fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revclação, é crime previsto no Código Penal (artigo 326). Também o é a violação do segredo profissional, previsto este crime no artigo 154 do Código Penal.

A prestação de contas é dever do administrador, quando obrigado a fazê-lo; é o mandamento legal. Em se tratando de bens alheios, esse dever torna-se um munus público.

Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, na apelação cível 145.916 – 1/2, da 7ª Câmara, julgou lesiva à moralidade administrativa a alienação de lotes de terrenos pertencentes à Municipalidade, contíguos à outros de propriedade do Prefeito e, posteriormente, por ele adquiridos, evidenciando-se manifesto interesse particular. Neste caso, ficou caracterizado o desvio de poder.

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Sobre o autor
Leon Frejda Szklarowsky

Falecido em 24 de julho de 2011. Advogado, consultor jurídico, escritor e jornalista em Brasília (DF), subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, editor da Revista Jurídica Consulex. Mestre e especialista em Direito do Estado, juiz arbitral da American Association’s Commercial Pannel, de Nova York. Membro da membro do IBAD, IAB, IASP e IADF, da Academia Brasileira de Direito Tributário, do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, da International Fiscal Association, da Associação Brasileira de Direito Financeiro e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Integrou o Conselho Editorial dos Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas, da Editora Revista dos Tribunais, e o Conselho de Orientação das Publicações dos Boletins de Licitações e Contratos, de Direito Administrativo e Direito Municipal, da Editora NDJ Ltda. Foi co-autor do anteprojeto da Lei de Execução Fiscal, que se transformou na Lei 6830/80 (secretário e relator); dos anteprojetos de lei de falências e concordatas (no Congresso Nacional) e autor do anteprojeto sobre a penhora administrativa (Projeto de Lei do Senado 174/96). Dentre suas obras, destacam-se: Execução Fiscal, Responsabilidade Tributária e Medidas Provisórias, ensaios, artigos, pareceres e estudos sobre contratos e licitações, temas de direito administrativo, constitucional, tributário, civil, comercial e econômico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. A improbidade administrativa e a Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4191. Acesso em: 10 mai. 2024.

Mais informações

Texto publicado, apenas em parte, em vários repositórios, destacando-se a coletânea coordenada pelos Professores Léo Alves da Silva e Alson Pereira da Silva, Editora Brasília Jurídica, 2000; e na Revista L&C Revista de Direito e Administração Pública, Editora Consulex, nº 24, de junho de 2000.

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