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A Seguridade Social assistencial e o enfoque contributivo da Previdência

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01/05/2024 às 08:50
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10. O FGTS e a possibilidade ou não de contribuição desse fundo ao sistema da seguridade social

O fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS) foi criado pela Lei n° 5.107/66 para substituir a garantia do emprego prevista nos Capítulos V e VII do Título IV da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). No entanto, quando de sua criação, o FGTS não era um regime obrigatório, cabendo aos empregados optarem por ele ou não (art. 1° da referida lei).

A partir da Constituição Federal de 1988, o fundo de garantia do tempo de serviço passou a ser direito de todos os trabalhadores urbanos e rurais (art. 7°, III), ficando ressalvado o direito adquirido dos trabalhadores que, à data da promulgação da Constituição, já tinham o direito à estabilidade no emprego nos termos do Capítulo V do Título IV da CLT (art. 14. da Lei n° 8.036/90).

O FGTS é regido por normas e diretrizes estabelecidas por um Conselho Curador, composto por representação de trabalhadores, empregadores e órgãos e entidades governamentais (art. 3° da Lei n° 8.036/90), sendo que compete a esse Conselho estabelecer as diretrizes e os programas de alocação de todos os recursos do FGTS, de acordo com os critérios definidos na Lei n° 8.036/90, em consonância com a política nacional de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana estabelecidas pelo Governo Federal (art. 5º, inciso I). O art. 9°, § 2º da Lei refere que os recursos do FGTS deverão ser aplicados em habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana, devendo as disponibilidades financeiras ser mantidas em volume que satisfaça as condições de liquidez e remuneração mínima necessária à preservação do poder aquisitivo da moeda. O art. 26. do referido diploma legal dispõe que é competente a Justiça do Trabalho para julgar os dissídios entre os trabalhadores e os empregadores decorrentes das regras do FGTS, mesmo quando a Caixa Econômica Federal e o Ministério do Trabalho e da Previdência Social figurarem como litisconsortes.

Pelo exposto, é de se concluir que o FGTS tem natureza trabalhista, já que ingressou entre os direitos dos trabalhadores em substituição ao instituto da estabilidade por tempo de serviço. Trata-se de uma espécie de poupança, assegurada pelo empregador ao empregado, a fim de lhe garantir, em especial, a subsistência em caso de desemprego involuntário ou, como ensinam Motta e Barchet (2007, p. 343), o FGTS consiste em uma reserva financeira que serve de garantia mínima para o trabalhador, um fundo financeiro pessoal para o trabalhador, que lhe permite custear despesas extraordinárias, que escapam à possibilidade de pagamento com seu salário normal, além de servir de parâmetro para a definição do valor da multa indenizatória por despedida arbitrária ou sem justa causa, até que seja editada a lei complementar referida no art. 7°, inciso I, da Constituição da República de 1988.

Contudo, os valores depositados nesse fundo precisam ter alguma rentabilidade, como toda poupança tem. Para isso, optou o legislador em aplicar os recursos em habitação, saneamento básico e infra-estrutura urbana, cobrando por isso, sendo que o § 1º do art. 9° da Lei n° 8.036/90 exige que a rentabilidade média das aplicações deverá ser suficiente à cobertura de todos os custos incorridos pelo Fundo e ainda à formação de reserva técnica para o atendimento de gastos eventuais não previstos, sendo da Caixa Econômica Federal e dos demais órgãos integrantes do Sistema Financeiro da Habitação – SFH o risco de crédito.

Assim, os recursos do FGTS são utilizados para a realização de políticas públicas relacionadas com a política nacional de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infra-estrutura urbana estabelecidas pelo Governo Federal, sendo que essa destinação como instrumento de crédito (finalidade econômica e financeira) de baixo custo visa garantir direitos sociais, ao mesmo tempo em que garante a rentabilidade mínima dos valores investidos no Fundo, com a garantia do capital.

Diante dessas constatações, conclui-se que os recursos do FGTS não poderiam ter destinação assistencial, já que o dinheiro aplicado precisa retornar com rentabilidade, mesmo que mínima, aos trabalhadores empregados (especialmente porque costumam precisar dele em momentos de crise, para garantir o sustento e possibilitar a continuidade da vida profissional), como se investidores fossem, sendo um sistema contributivo de capitalização. A aplicação assistencial impediria esse retorno, já que a seguridade social é um sistema contributivo de repartição, ou seja, não há nenhuma garantir de receber de volta o investimento feito, que, na realidade, é um gasto.

Assim, diferentemente da contribuição previdenciária, que o segurado paga sem saber se um dia usufruirá das prestações, o FGTS é recolhido mensalmente pelo empregador, tendo o empregado a garantia de que receberá aquela quantia quando se enquadrar em uma das hipóteses de saque previstas em lei, não sendo possível aplicar seus recursos em investimentos inseguros ou em dispêndios sem retorno, como seria com a seguridade social.


Considerações Finais

O sistema de seguridade social no Brasil, instituído pela Constituição da República de 1988, trata-se de um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. A Seguridade Social visa garantir os meios de subsistência básicos do indivíduo, não só, mas principalmente para o futuro, sendo extremamente relevante para a redução da pobreza no país.

Contudo, esse sistema vem enfrentando dificuldades, tendo esse artigo focado especialmente nos dilemas da previdência social. Segundo Chiarelli (2007, p. 192), a principal enfermidade do atual sistema da previdência social é o aumento da longevidade, já que, quanto mais vive o beneficiário, maior o tempo em que terá que ser sustentado pelo sistema.

Diante disso, questiona-se: será que o sistema de previdência social pública somente é viável em países subdesenvolvidos, em que a expectativa de vida é menor?

Apesar de uma resposta positiva a essa indagação ser atrativa, não se acredita nisso. Um sistema amplo de seguridade social como o existente no Brasil é justo, diante da perspectiva social da questão, que, por cobrir riscos futuros, requer a interferência estatal, para efetivamente garantir a cobertura; e também é possível, dependendo apenas de uma melhor gestão, com a tomada de atitudes imediatas diante de algumas falhas.

Rocha (2003, p. 33) defende que em um contexto econômico desfavorável, no qual fica cada vez mais evidente que os bens da vida, assim como os recursos estatais, não são suficientes para atenderem a todas as carências humanas, torna-se imperioso aprofundar a reflexão sobre o funcionamento global dos sistemas de prestação estatal, detectando-se quais são as necessidades sociais mais relevantes e cujo atendimento deve ser prioritário (princípio da seletividade e da distributividade na prestação dos benefícios e serviços), a fim de que a interpretação obtida não seja distorcida e acabe por comprometer ainda mais a satisfação das legítimas expectativas dos cidadãos mais necessitados.

O sistema da seguridade social planejado para o Brasil pode e precisa perdurar, em atenção aos objetivos e fundamentos da nossa Carta Magna, que são cláusulas pétreas. Todavia, a sustentabilidade desse sistema depende das ações que o envolvem terem embasamento nos princípios constitucionalmente estatuídos, os quais devem conduzir o trabalho legislativo e não serem corrompidos por uma atuação administrativa e judiciária assistencial e sem visão de futuro.


Referências Bibliográficas

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ROCHA, Daniel Machado. Breves comentários sobre as normas gerais de direito previdenciário que tratam da contagem recíproca do tempo de contribuição e a sua concretização jurisprudencial, p. 11-34. In. ROCHA, Daniel Machado (org.). Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

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SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 17ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.


Notas

2 Todos os dados estatísticos apresentados até aqui se encontram em: BRASIL. Ministério da Previdência Social. Informe de Previdência Social: Evolução Recente da Proteção Social e seus Impactos sobre o Nível de Pobreza: Outubro de 2008: Volume 20: Número 10.

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3 Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u615019.shtml>. Acesso em: 29 ago. 2009.

4 Em 12/05/2010, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso especial nº 1.108.298/SC, sob o regime do art. 543-C do CPC c/c a Res. n. 8/2008-STJ (recurso especial repetitivo), entendeu que, para a concessão de auxílio-acidente fundamentado na perda de audição, é necessário que a sequela seja ocasionada por acidente de trabalho e que haja uma diminuição efetiva e permanente da capacidade para a atividade que o segurado habitualmente exercia, conforme dispõe o art. 86, caput e § 4º, da Lei n. 8.213/1991, sendo que o segurado que não comprova o efetivo decréscimo na capacidade para o trabalho que exercia terá seu pedido de concessão do mencionado benefício indeferido. Assim restou ementada a decisão:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA A DA CF. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO 8/08 DO STJ. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE FUNDAMENTADO NA PERDA DE AUDIÇÃO. REQUISITOS: (A) COMPROVAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A ATIVIDADE LABORATIVA E A LESÃO E (B) DA EFETIVA REDUÇÃO PARCIAL E PERMANENTE DA CAPACIDADE DO SEGURADO PARA O TRABALHO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. PARECER MINISTERIAL PELO IMPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL DO INSS PROVIDO, NO ENTANTO.

1. Nos termos do art. 86, caput e § 4o. da Lei 8.213/91, para a concessão de auxílio-acidente fundamentado na perda de audição, como no caso, é necessário que a sequela seja ocasionada por acidente de trabalho e que acarrete uma diminuição efetiva e permanente da capacidade para a atividade que o segurado habitualmente exercia.

2. O auxílio-acidente visa indenizar e compensar o segurado que não possui plena capacidade de trabalho em razão do acidente sofrido, não bastando, portanto, apenas a comprovação de um dano à saúde do segurado, quando o comprometimento da sua capacidade laborativa não se mostre configurado.

3. No presente caso, não tendo o segurado preenchido o requisito relativo ao efetivo decréscimo de capacidade para o trabalho que exercia, merece prosperar a pretensão do INSS para que seja julgado improcedente o pedido de concessão de auxílio-acidente.

4. Essa constatação não traduz reexame do material fático, mas sim valoração do conjunto probatório produzido nos autos, máxime o laudo pericial que atesta a ausência de redução da capacidade laborativa do segurado, o que afasta a incidência do enunciado da Súmula 7 desta Corte.

5. Recurso Especial do INSS provido para julgar improcedente o pedido de concessão de auxílio-acidente, com os efeitos previstos no art. 543-C do CPC e na Resolução 8/2008 (recursos repetitivos).

(STJ, Terceira Seção, REsp nº 1.108.298/SC, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Data do Julgamento: 12/05/2010)

5 A Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio Grande do Sul é um exemplo disso, em que, pela experiência prática com a atuação na Procuradoria Federal, é possível afirmar que 90% dos processos são julgados com votos de meia página, em que apenas se confirma a sentença pelos seus próprios fundamentos e se condena o recorrente em honorários advocatícios, ou seja, sem qualquer análise minuciosa do mérito, atitude mínima que se espera de uma segunda instância do Judiciário.

6 Precedentes do STJ: AgRg no Ag 1.101.490-RS , julgado em 26/5/2009; REsp 991.030-RS, DJ 15/10/2008, e AgRg no Ag 399.531-RJ, DJ 9/2/2004.

7 A antecipação dos efeitos da tutela em ações previdenciárias é medida extremamente comum (mesmo que o segurado tenha passado recentemente por perícia médica junto ao INSS), especialmente quando a ação tramita na Justiça Estadual, o que é confirmado pelo expressivo número de agravos de instrumentos interpostos pela Procuradoria Federal junto aos Tribunais Federais Regionais versando sobre a questão.

8 Notícia veiculada no site do Superior Tribunal de Justiça em 28/06/2009. Disponível em: <https://www.stj.gov.br:80/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=92658>. Acesso em: 28 jun. 2009.

9 Ver mais informações no site do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106332>. Acesso em: 10 jul. 2012.

10 A Proposta de Emenda à Constituição – PEC n° 278/2008, que tramita na Câmara dos Deputados, trata da questão.

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Sobre a autora
Cirlene Luiza Zimmermann

Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Professora de Direito na Universidade de Caxias do Sul - UCS. Coordenadora da Revista Juris Plenum Previdenciária. Procuradora Federal - AGU. Autora do Livro “A Ação Regressiva Acidentária como Instrumento de Tutela do Meio Ambiente de Trabalho”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. A Seguridade Social assistencial e o enfoque contributivo da Previdência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7609, 1 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42330. Acesso em: 19 dez. 2024.

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