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A Seguridade Social assistencial e o enfoque contributivo da Previdência

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01/05/2024 às 08:50
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6. O fator previdenciário

O fator previdenciário foi criado pela Lei n° 9.876/1999 devido à ausência na Emenda Constitucional n° 20/1998 do requisito da idade mínima para as aposentadorias concedidas no âmbito do INSS. Trata-se de uma fórmula que procura correlacionar o esforço de contribuição com o tempo esperado de duração do benefício, aplicando-se, obrigatoriamente, apenas à aposentadoria por tempo de contribuição. Quanto mais cedo e com menos tempo de contribuição ocorre a aposentadoria, menor é o fator, que aumenta quando o segurado possui tempo de contribuição e idade elevados. Logo, tem como principal objetivo postergar a idade da aposentação.

O Projeto de Lei n° 3.299/2008 busca revogar o fator previdenciário, sendo apoiado pela classe trabalhadora em geral. Contudo, além disso, o PL busca introduzir a idade mínima para a aposentadoria, o que, aliás, deveria ter sido feito já em 1999, ao invés da criação do tão criticado fator. Todavia, a classe trabalhadora apóia apenas a primeira parte do projeto, esquecendo-se que depende da segunda a sustentabilidade do sistema e a própria garantia de que poderá usufruir de benefício previdenciário quando chegar a sua vez. Tal cenário enquadra-se perfeitamente no dizer de Napoleão, conforme escreve Balzac: “o homem defende muito mais seus interesses do que seus direitos” (apud CHIARELLI, 2007, p. 201).

Assim, a extinção do fator previdenciário é medida importante, já que visa garantir o direito do trabalhador de aposentar-se com um valor de benefício mais coerente com o que vinha recebendo na ativa, situação que efetivamente garantirá seu sustento sem queda na sua qualidade de vida após a jubilação. Contudo, se não confirmada a postergação do início do benefício, com a implementação do requisito da idade mínima para a concessão da aposentadoria, novamente o prejudicado será o sistema, que representa, ninguém menos, que toda a sociedade.

Segundo noticiado pela imprensa3, em negociação realizada entre governo e centrais sindicais no dia 25 de agosto de 2009, aparentemente chegou-se a um consenso, com a ideia da criação do fator 85/95, que passaria a ser uma fórmula alternativa ao atual fator previdenciário, requerendo que a soma do tempo de contribuição e da idade do trabalhador ao se aposentar seja igual a 85 anos, no caso de mulheres, e a 95 anos, no caso de homens, para obtenção de uma aposentadoria no valor de 100% do salário de benefício (que passaria a ser a média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a setenta por cento de todo o período contributivo, apurado desde julho de 1994). Entretanto, a nova regra ainda precisa ser aprovada pelo Congresso.


7. Contribuição continuada dos aposentados

Considerando que o sistema da previdência social no Brasil rege-se pelo princípio da solidariedade, em que a contribuição de um serve para ajudar a todos, é natural a exigência de o trabalhador aposentado contribuir sobre sua remuneração no caso de permanecer em atividade, como acontece atualmente (art. 195, II, da CF/88), apesar da crítica ferrenha de doutrinadores como Martins (2006, p. 153-156). Se o sistema brasileiro caracteriza-se por ser contributivo de repartição, é decorrência lógica que aquele que contribui não o faz apenas para si (senão não teria sentido, por exemplo, o financiamento do sistema decorrente de percentual que incide sobre a receita de concursos de prognósticos, já que estes não usufruem de qualquer benefício no sistema), mas para todos os possíveis beneficiários. Assim, mesmo quem já está recebendo seu benefício continua contribuindo, não especificamente para pagar a sua própria prestação previdenciária, mas para ajudar a todos aqueles que dependem do sistema.

Já as aposentadorias e pensões concedidas pelo regime geral de previdência social estão, atualmente, isentas de contribuição para a seguridade social, nos termos do disposto na parte final do inciso II, do art. 195. da Constituição Federal de 1988. Contudo, não seria nenhum absurdo exigi-la, desde que mantida a garantia de nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado ter valor mensal inferior ao salário mínimo, prevista no art. 201, § 2º, da Constituição.

No caso dos servidores públicos inativos e pensionistas dos regimes de previdência públicos, incide tal contribuição sobre seus proventos e pensões, em atenção ao disposto no art. 40, caput, da Constituição, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 41/2003. Referido dispositivo até teve sua constitucionalidade questionada, através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n° 3105/DF e 3128/DF, contudo, foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em razão da inexistência, em nosso ordenamento, de norma jurídica válida que imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, ou, em outras palavras, da inexistência de direito adquirido ao recebimento desses vencimentos sem a incidência de contribuição previdenciária.

Dessa forma, entende-se que a expansão da base de financiamento da seguridade social para atingir os inativos e pensionistas, com a manutenção da garantia do não recebimento de benefício de valor inferior ao salário-mínimo, apresenta-se como medida possível para a sustentabilidade do Regime Geral da Previdência Social.


8. Acidente do trabalho: de quem é a responsabilidade?

Os custos da Previdência Social com os benefícios decorrentes de acidentes do trabalho têm sido elevados, motivo pelo qual a questão também merece reflexão.

O Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho de 2008 (referente apenas aos contratos de trabalho formalizados) apontou para a ocorrência no Brasil de 512.232 acidentes e 2.798 óbitos em 2006 e 653.090 acidentes (o que significa uma incidência de 22 acidentes para cada 1.000 vínculos) e 2.804 óbitos (+ de 10 óbitos por dia útil) em 2007. Além disso, consta do informativo que para cada 100 acidentados em 2007, 55 têm idade entre 16 e 34 anos, ou seja, estão no ápice da vida produtiva.

A Constituição Federal, em seu art. 7°, inciso XXII, prevê entre os direitos dos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, e no inciso XXVIII, o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

O pagamento do seguro pelas empresas reduz o impacto das eventuais indenizações sobre sua saúde financeira, ao mesmo tempo em que garante imediatidade e certeza da reparação em favor do acidentado (SANTOS, Marco, 2008, p. 145).

Mas a contratação do seguro obrigatório desobriga a empresa de atender ao outro direito dos trabalhadores, que é a redução dos riscos inerentes ao trabalho? Lógico que não! O pagamento do seguro deve servir apenas para cobrir os casos excepcionais, em que, apesar da adoção de todos os meios para elidir ou reduzir os riscos, ainda assim subsistiu algum que provocou o infortúnio.

Logo, não adotados todos esses meios à disposição do empregador para o afastamento dos riscos decorrentes da sua atividade econômica, não deve o segurador social (INSS) e, por consequência, toda a sociedade, responsabilizar-se pelo prejuízo.

Claro que o trabalhador acidentado também não pode ser prejudicado, pois isso significaria desampará-lo diante de uma contingência da vida, que é justamente o que a seguridade social busca amparar, motivo pelo qual se entende adequado que a Previdência Social de imediato conceda o benefício acidentário de direito.

Contudo, concedida a prestação, deve a Previdência Social fazer uso de um instrumento que a Lei n° 8.213/91 lhe coloca à disposição: a ação regressiva acidentária. O art. 120. da Lei de Benefícios prevê que, nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Assim, em atendimento ao seu papel, o INSS não pode se esquivar desse dever, competindo-lhe ajuizar a ação regressiva acidentária sempre que se deparar com a concessão de benefício acidentário que envolva infortúnio decorrente de negligência do empregador, para cobrar todas as prestações pagas e a pagar no benefício, valor que ressarcirá as despesas do sistema que não têm fonte de custeio prevista, já que o seguro de acidente do trabalho cobrado visa custear os gastos com os acidentes imprevisíveis e inevitáveis.

No tocante aos acidentes de trabalho, ainda importa registrar entendimento equivocado que vem sendo adotado pelo Judiciário nas ações em que se busca a concessão do benefício de auxílio-acidente sob a alegação de perda auditiva induzida por ruído. O art. 86, § 4º, da Lei n° 8.213/91 prevê que a perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.

Todavia, a simples perda auditiva, sem qualquer relevância na atividade profissional habitual do segurado e com nexo apenas parcial com o trabalho, tem sido suficiente para a concessão de milhares de benefícios de auxílio-acidente nas mais diversas comarcas da Justiça Estadual desse país.

Diante de tal constatação, entende-se que está faltando conscientização por parte do Poder Judiciário, já que os fatos representam uma afronta aos princípios constitucionais da previdência social, em prejuízo de toda a sociedade, especialmente os da prévia fonte de custeio e da seletividade e distributividade, já que o risco selecionado pelo legislador recaiu sobre a perda auditiva causada pelo trabalho e que cause redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, sendo devido o benefício apenas aos segurados que se enquadrem com exatidão na situação descrita4, já que inexiste fonte de custeio para o pagamento de benefícios concedidos sem o atendimento desses requisitos.


9. A competência jurisdicional para as causas que envolvem a previdência social

O art. 109, inciso I, da Constituição Federal de 1988 prevê a competência dos juízes federais para processar e julgar as causas em que seja parte a União e/ou entidade autárquica, como é o caso do INSS, exceto as de acidentes de trabalho. Já o § 3º do mesmo dispositivo reza que serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal (competência delegada em razão da hipossuficiência do segurado).

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No entanto, entende-se que essa delegação de competência sem a devida instrução da Justiça Comum Estadual para a matéria tem gerado distorções graves e que comprometem a sustentabilidade do sistema previdenciário.

Enquanto a Justiça Comum Federal especializou-se no julgamento dessas causas, a Justiça Estadual sequer tem tempo para elas, diante do numeroso volume de matérias que lhe são submetidas, o que leva à impossibilidade de apreciação das ações previdenciárias e acidentárias com a cautela que merecem, por envolverem um sistema do qual depende o futuro da grande maioria dos brasileiros.

Frequentemente se tem verificado a mitigação dos requisitos nas ações previdenciárias e acidentárias julgadas pela Justiça Estadual, com uma visão claramente assistencialista nas questões que envolvem a previdência social, cujo sistema é contributivo, como tivemos a oportunidade de verificar quando falamos dos acidentes de trabalho.

Isso não significa que na Justiça Federal tudo sejam flores. Muito pelo contrário, já que em muitas Varas Federais, especialmente nas de Juizados Especiais, também nos deparamos com atrocidades envolvendo o sistema da previdência social5.

A própria atuação dos Tribunais Superiores merece críticas, quando decide, por exemplo, que a revogação da tutela antecipada no trato de verba previdenciária não exige a restituição dos valores recebidos, diante de seu caráter alimentar e da não configuração de fraude ou má-fé do segurado em seu recebimento.6 Ora, se a restituição não for obrigatória, em prejuízo do toda a sociedade7, estamos diante do perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, que impede o uso do instituto da antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do art. 273, § 2°, do Código de Processo Civil.

Ainda maior reflexão merece a questão quando um Tribunal Superior usa a causa da seguridade social como estratégia de marketing, como fez o Superior Tribunal de Justiça, ao divulgar a notícia intitulada “STJ é vanguarda nos direitos da seguridade social”8. A reportagem destaca a atuação do Tribunal, dentre outros temas, no tocante à possibilidade da desaposentação:

“A situação típica é quando a pessoa se aposenta proporcionalmente, mas continua trabalhando e contribuindo para o INSS e, posteriormente, usa esse tempo para conseguir aposentadoria integral. Na primeira e segunda instância, tem sido admitida essa possibilidade, mas é exigida a devolução dos benefícios já pagos. Já o STJ tem entendido que, como a pessoa já contribuiu com a seguridade, não haveria por que devolver os benefícios pagos.”

O Decreto n° 3. 048/99, que regulamenta a Lei de Benefícios da Previdência Social, prevê em seu art. 181-B, que “as aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis.”

Quanto à matéria da desaposentação, Duarte (2003, p. 81. e 89) defende a impossibilidade da simples revisão de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição já concedida, admitindo a revogacão do ato, desde que desfeitas todas as consequências jurídicas que ele havia trazido (efeitos ex tunc), inclusive com a devolução das parcelas recebidas a esse título, ainda que tenham natureza alimentar, sob pena de se admitir enriquecimento ilícito e prejuízo para o universo previdenciário (criação de despesa não autorizada em lei, com afronta aos princípios da legalidade e da supremacia do interesse público), onde vigora o princípio da solidariedade social.

Assim, necessário um olhar menos paternalista por parte do Poder Judiciário sobre as questões previdenciárias, com especial atenção aos princípios contributivo e da prévia fonte de custeio que regem o sistema.

Felizmente, a matéria será novamente analisada pelo Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a admissão do processamento do incidente de uniformização de jurisprudência (Pet 9231) suscitado por um aposentado, contra decisão da Turma Nacional de Uniformização (TNU) que aplicou entendimento contrário ao já consolidado pela Corte Superior, que admite a renúncia à aposentadoria para fins de concessão de novo benefício, sem que para isso seja necessária a devolução ao Erário dos valores já recebidos. Assim, está suspensa a tramitação de todos os processos no país que tratam da mesma controvérsia até o julgamento no STJ, que ocorrerá pela Primeira Seção.9

Por outro lado, também é urgente a alteração da competência constitucional, seja a acidentária10, seja a delegada, requisição que ganha ênfase com a interiorização da Justiça Federal ocorrida nos últimos anos e a ser intensificada nos próximos, diante da criação de mais 230 (duzentas e trinta) Varas Federais pela Lei n° 12.011, de 4 de agosto de 2009, a serem implantadas até 2014, providências que tenderão a moralizar, pelo menos um pouco, o cenário jurídico relacionado à Previdência Social.

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Sobre a autora
Cirlene Luiza Zimmermann

Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Professora de Direito na Universidade de Caxias do Sul - UCS. Coordenadora da Revista Juris Plenum Previdenciária. Procuradora Federal - AGU. Autora do Livro “A Ação Regressiva Acidentária como Instrumento de Tutela do Meio Ambiente de Trabalho”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. A Seguridade Social assistencial e o enfoque contributivo da Previdência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7609, 1 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42330. Acesso em: 18 dez. 2024.

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