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Da exclusão do condômino nocivo:

uma perspectiva civil-constitucional

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22/09/2015 às 08:44
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CONCLUSÃO

De acordo com as diretrizes da Constituição da República de 1988, assim como a propriedade, o condomínio edilício deve atender à sua função social.

Tratando-se de um complexo de propriedade individual e coletiva, busca-se, pois, a melhor e possível conciliação dos interesses daqueles que o integram.

Nosso ordenamento jurídico prevê então direitos e deveres aos ocupantes das habitações estruturadas em condomínio horizontal, abarcando tanto os proprietários, possuidores e detentores, como os visitantes.

Incentiva-se a realização da função social de cada unidade autônoma, bem como da parte comum, o que não se verifica sem uma mútua cooperação.

Nessa relação, tão peculiar, as condutas devem pautar-se na dignidade, justiça social, igualdade substancial, solidariedade, entre outros valores. Garantindo-se aos condôminos, principalmente, segurança pessoal e de seus bens, sossego e saúde.

Para que esse princípio não se torne mero preceito moral, a legislação, em contrapartida, prevê meios reais de concretizá-lo, responsabilizando aqueles que incorrerem em “mau uso da compropriedade”.

O mau uso, que só poderá ser aferido caso a caso, dada à flexibilidade do conceito, em síntese, consiste no uso excepcional ou anormal da propriedade, gerando ingerências no direito alheio. Ora restringe as vantagens que o prédio oferece ao seu ocupante, ora admite a estranho essa vantagem, saltando aos olhos sua contrariedade ao direito.

Trata-se, portanto, de um agir abusivo, desarrazoado, constituindo um ilícito civil, a ensejar responsabilização. Afinal, a utilização de um direito para fins opostos aos que orientam seu nascimento, não pode ter outra resposta do ordenamento se não a sua repulsa.

Nossa legislação lista algumas hipóteses de mau uso, cominando penas pecuniárias.

Em caso mais extremo, na eventualidade do condômino ou possuidor que, por seu comportamento antissocial, vier a gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, permitiu a lei seu constrangimento a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

Atentou-se o legislador para o fato de que nem todos os danos decorrentes de ilícito civil são reparáveis por pecúnia.

Os direitos não patrimoniais, principalmente, exigem tutela qualitativa diversa, sob pena de se impossibilitar uma atuação reativa do sistema para, de fato, evitar a continuação ou a repetição das agressões aos valores e princípios protegidos pelo direito.

Se um condômino, mesmo depois de constrangido a pagar multas gradativas, continuar exercendo seu direito de propriedade de forma ofensiva aos demais, criando uma situação de insuportabilidade de convivência, perfeitamente cabível a exigência pelo proprietário ou possuidor da exclusão do condômino nocivo da unidade condominial.

Mostrando-se o sistema de penas pecuniárias ineficaz, em casos extremos, enquanto a perda da propriedade parece por demais gravosa, violando, pois, o princípio hermenêutico da proporcionalidade, a exclusão do condômino nocivo, com a manutenção de seu patrimônio, por período a ser definido consoante situação concreta, apresenta-se como razoável e compatível com nosso ordenamento jurídico.

Do contrário, inadmitindo-se a medida mais séria de exclusão para o infrator contumaz que utiliza seu direito de forma arbitrária, caprichosa ou inconsequente, estar-se-ia premiando o exercício abusivo do direito do condômino tido como nocivo, em detrimento do direito de todos os demais em exercício legítimo. Situação em total descompasso com o próprio Direito. 

Ademais, a função do direito contemporâneo, nessa perspectiva, é otimizar instrumentos para que o dano não ocorra, para que o ilícito não se perfaça.

Nosso ordenamento exige que o exercício de um direito não viole direito alheio ou cause dano a outrem, que sejam observados os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Assegura, ainda, ao proprietário ou possuidor de um prédio o direito de fazer cessar as interferências provocadas pela utilização de propriedade vizinha prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam.

Em caso de ameaça ou lesão a direito da personalidade, é cabível se exigir sua cessação, bem como, eventuais perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Além disso, a vida privada da pessoa natural é inviolável, devendo o juiz adotar, a requerimento do interessado, as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma.

Conta-se com o procedimento específico para ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, no qual, se procedente o pedido, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de resultado prático equivalente, pode o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se preciso com requisição de força policial. Rol exemplificativo que não exclui a possibilidade de afastamento de convivência de condômino.

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Atendidos os requisitos de relevante fundamento da demanda e justificado receio de ineficácia do provimento final, pode-se, ainda, antecipar os efeitos da tutela de mérito.

Ora, a Constituição da República declara que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Logo, inexistindo direitos e garantias sem deveres correspondentes, implicitamente, reconhece-se a situação inversa, ou seja, a aplicação imediata das normas definidoras de deveres.

Não se pode, nestas condições, admitir que a falta de autorização legal expressa sobre a possibilidade de exclusão de condômino obstaculize a aplicação direta e imediata das normas constitucionais.

Aplicando-se as normas materiais e processuais à luz dos mandamentos constitucionais, atentando-se às circunstâncias fáticas peculiares, não há porque se limitar a proteção dos direitos fundamentais do comproprietários a um sistema de multa ineficaz, em casos extremos, sob pena de desrespeito à própria dinâmica social.


REFERÊNCIAS:

ANGÉLICO, Américo Isidoro. Exclusão do condômino por reiterado comportamento anti-social à luz do novo código civil. Revista de Direito Privado, São Paulo: RT, nº 17, 2004.

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CHAVES, Antônio. Direitos de Vizinhança – Uso nocivo da propriedade. Revista dos Tribunais, São Paulo : RT, nº 689.

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LÔBO, Paulo Luiz Netto,Leituras Complementares de Direito Civil – O Direito Civil-Constitucional em Concreto. Obra coletiva organizado por Cristiano Chaves de Farias. Editora Jus Podivm, Salvador – 2007.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICTORASSO, Lorena Junqueira Victorasso. Da exclusão do condômino nocivo:: uma perspectiva civil-constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4465, 22 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42524. Acesso em: 12 mai. 2024.

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