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As sociedades no novo Código Civil

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            Com a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei 10.406/02), fica revogada a primeira parte do antigo Código Comercial de 1850 ("Do Comércio em Geral"), que tratava das sociedades comerciais. Cabe lembrar que, conforme artigo 2031 das Disposições Finais e Transitórias, as associações e sociedades têm o prazo de um ano para se adaptarem às disposições do novo Código Civil.


PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES

TEORIA DOS ATOS DE COMÉRCIO X TEORIA DA EMPRESA

            O Direito Comercial disciplinava apenas as empresas que praticavam os chamados atos de comércio (interposição habitual na troca, com o fim de lucro). Seguindo a orientação jurisprudencial, foi substituído pelo conceito mais amplo e atual de Direito Empresarial, que regulamenta as empresas que praticam qualquer atividade econômica organizada, exceto a intelectual, para a produção ou a circulação de bens ou serviços.

            A conseqüência prática disso foi que as empresas prestadoras de serviço, anteriormente sociedades civis, passam a ser, dependendo do caso, sociedades empresárias ou, simplesmente, empresas, regidas pelo Novo Código Civil (NCC).

            P. jurídica:
          - Associações (sem fins econômicos)
          - Sociedade (com fins econômicos

            I- Não personificadas:
          A - Sociedade em comum(irregular)
          B - Sociedade em conta de participação (oculta)

            II- Personificadas:
          A - Nome coletivo
          B - Comandita simples
          C- Sociedade anônima
          D- Comandita por ações
          E- Responsabilidade limitada


ASSOCIAÇÕES

            O artigo 53 do NCC dispõe: "Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos". Nessas entidades, os associados ou sócios devem convencionar se respondem ou não subsidiariamente pelas obrigações sociais (artigo 46, V).


SOCIEDADES SIMPLES

            A sociedade simples é a pessoa jurídica que realiza atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (§ único do artigo 966). Exemplo típico de sociedade econômica não-empresária é aquela constituída por profissionais do mesmo ramo como, por exemplo, a dos advogados, médicos ou engenheiros, configurando-se como sociedade simples (artigos 966 e 981) cujo contrato social é inscrito no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, salvo quando se tratar de sociedade de advogados que se inscreve apenas na OAB (artigo 16 da Lei 8.906/94).

            Diversamente, o Novo Código Civil considera empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços (artigo 966).

            Dessa forma, o indivíduo que trabalha por conta própria, mesmo com a ajuda de colaboradores e de outros profissionais do mesmo ramo, como ocorre em um consultório médico, um escritório de contabilidade ou advocacia (sociedades de profissionais), enquadra-se no conceito de sociedade simples, enquanto o hospital, a empresa de contabilidade que ministra cursos e a empresa do ramo imobiliário (atividade organizada) caracterizam sociedades empresariais.

            O limite entre a sociedade simples e a empresarial é muito tênue, sendo que essas disposições somente encontrarão compreensão e extensão claras no futuro com o entendimento jurisprudencial. Certamente, nos casos concretos, há que se definir o que seja a atividade "organizada" do empresário.

            O que se pode afirmar é que, da mesma forma que o direito anterior, o NCC determina que sempre será considerada empresária a sociedade por ações, conhecida também como sociedade anônima, e simples, a sociedade cooperativa.

            Por fim, cabe salientar que, nos termos do artigo 983, as sociedades simples, assim como as sociedades empresárias, poderão ser constituídas sob qualquer tipo societário (nome coletivo, comandita, limitada).


ANTIGAS SOCIEDADES CIVIS

            O novo Código Civil acabou com a dicotomia até então existente entre sociedades civis e sociedades comerciais. Pela nova definição do código, as sociedades ou são empresárias, devendo ter seus atos constitutivos inscritos no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial), ou não-empresárias, devendo o seu contrato social ser inscrito no Registro Civil das Pessoas Jurídicas (Cartórios de Títulos e Documentos).

            As antigas sociedades civis deverão enquadrar o seu objeto social como empresarial ou não empresarial, conforme a definição já exposta. Caso desempenhem atividade empresarial, deverão constituir-se segundo um dos tipos societários regulados nos artigos 1039 a 1092 do NCC, quais sejam, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples, sociedade limitada e sociedade em comandita por ações.

            Caso não desempenhe atividade empresarial, a sociedade será considerada simples, sendo regulada pelos artigos 997 a 1038 do NCC. Contudo, a lei dá às sociedades simples a possibilidade de constituírem-se segundo um dos tipos societários mencionados acima. Dessa forma, poderá existir uma sociedade não empresária constituída sob a forma de sociedade limitada e registrada no Cartório de Registro de Títulos e Documentos.

            Concluindo, as sociedades prestadoras de serviços são consideradas empresárias pelo NCC, devendo os seus atos constitutivos ser registrados na Junta Comercial do Estado. Somente encontram-se fora do conceito de empresas aquelas sociedades que não exercerem profissionalmente atividade econômica organizada para a prestação de serviços.


SOCIEDADES EMPRESÁRIAS

            São aquelas que se enquadram no conceito de empresa, devendo ter inscrição no Registro Público das Empresas Mercantis (Junta Comercial) do Estado em que se encontra estabelecida.

            Pode ser empresário qualquer pessoa capaz (maior de 18 anos ou emancipado), que possa exprimir validamente suas vontades (mentalmente são), sem impedimento legal (ex: juízes, certos funcionários públicos, etc).

            O NCC trouxe uma polêmica novidade, marido e mulher podem ser sócios de uma mesma empresa, desde que não sejam casados sob o regime de comunhão universal ou de separação obrigatória de bens (ex: maiores de 65 anos). Para as sociedades já constituídas, cabe aos sócios discutir a validade dessa norma ou alterar o regime matrimonial de bens.


TIPOS DE SOCIEDADES

            a) SOCIEDADE EM NOME COLETIVO: tipo societário pouquíssimo utilizado, pois exige que os sócios sejam pessoas físicas, com responsabilidade solidária e ilimitada por todas as dívidas da empresa, podendo o credor executar os bens particulares dos sócios, mesmo sem ordem judicial.

            Nome da empresa: firma ou razão social (não podendo utilizar nome fantasia ou denominação), composta pelo nome dos sócios, podendo ser acrescentada a expressão "& Cia" ao final (ex: José e Maria ou José, Maria & Cia).

            b) SOCIEDADE EM COMANDITA SIMPLES: também pouco utilizado, sendo formada a empresa por sócios comanditados (participam com capital e trabalho, tendo responsabilidade solidária e ilimitada) e comanditários (aplicam apenas capital, possuindo responsabilidade limitada ao capital empregado e não participando da gestão dos negócios da empresa). Empresa de capital fechado (não negociável em Bolsa).

            Nome: firma ou razão social (devem figurar apenas os sócios comanditados, sob pena de responsabilidade solidária e ilimitada do sócio que constar na razão social).

            c) SOCIEDADE ANÔNIMA: espécie mais utilizada que as anteriores, principalmente nos casos de grandes empresas, onde o capital encontra-se dividido em ações e cada acionista é responsável apenas pelo preço de emissão de suas próprias ações (responsabilidade limitada e não solidária). Os acionistas controladores respondem por abusos. Não está regulamentada no NCC, mas em lei esparsa (Lei 6.404/76)

            Possui várias espécies de títulos (ações, partes beneficiárias, debêntures e bônus de subscrição), é regulamentada por diversos órgãos (Assembléias Gerais e Especiais, Diretoria, Conselho de Administração e Conselho Fiscal), devendo publicar seus atos no Diário Oficial e em jornal de grande circulação editado no local da sede da companhia (atos arquivados no registro do comércio).

            Nome: denominação ou nome fantasia (não utiliza firma ou razão social), acrescidos da expressão "S/A" ou antecedido da expressão "Companhia" ou "Cia".

            d) SOCIEDADE EM COMANDITA POR AÇÕES: também em processo de extinção, é regida pelas normas relativas às sociedades anônimas (artigos 280 e seguintes da Lei 6.404/76), salvo a restrição de que somente os acionistas podem ser diretores ou gerentes (sócios comanditados, nomeados no estatuto e destituídos por 2/3 do capital), respondendo ilimitadamente pelas obrigações da empresa, enquanto os sócios comanditários (demais acionistas não gerentes ou diretores) possuem responsabilidade limitada ao capital social. Assim como as S/As, pode ser empresa de capital aberto (ações em Bolsa de Valores).

            Nome: denominação ou nome fantasia, firma ou razão social, acrescidas da expressão "Comandita por Ações" ou "C/A".

            e) SOCIEDADE LIMITADA: mais de 90% das empresas no Brasil são Ltdas, pois nesse tipo de sociedade a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas cotas, mas responde solidariamente pela integralização do capital social, referente à parte não integralizada pelos demais sócios. Foi a espécie societária mais afetada com o NCC (artigos 1.052 a 1.087), pois era regulamentada por apenas 18 artigos do Decreto 3.708/19, o que dava ampla liberdade e flexibilidade ao contrato social dessas empresas.

            Nome: denominação ou nome fantasia, firma ou razão social, acrescidas da expressão "Ltda".

            Principais alterações:

            1.Casos omissos: aplicam-se as normas referentes às Sociedades Simples. Como alternativa, podem adotar as normas da Lei das S/As, desde que expresso no contrato social (é somente nesta hipótese em que surge a obrigatoriedade da publicação dos atos, como prevê o artigo 289 da Lei das S/As);

            2.Majoração do capital social: possível somente quando já integralizado todo o capital subscrito, tendo os sócios preferência sobre as novas cotas, mas existe a possibilidade de aquisição por terceiros, desde que não haja oposição de mais de 1/4 do capital social;

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            3.Redução do capital social: permitido somente em dois casos, ou seja, quando houver perdas irreparáveis (prejuízos subsequentes, corroendo o capital da empresa) ou quando se considerar que o capital é excessivo em relação ao negócio da empresa (capital social alto demais para a atividade da empresa). Se algum credor se sentir prejudicado, poderá se opor em até 30 dias da publicação na imprensa (obrigatória) da ata da assembléia em que se decidir pela redução;

            4.Administração: o diretor não é mais chamado de sócio-gerente, mas de administrador. Se o contrato social permitir administradores não-sócios, a designação deles dependerá de aprovação unânime dos sócios (nos casos de capital não totalmente integralizado) ou de 2/3 do capital social (após efetuada a integralização). Para a destituição do cargo de administrador, também é necessário 2/3 do capital social (entretanto, incoerentemente, o NCC exige 3/4 do capital para modificar o contrato social);

            5.Conselho Fiscal: novidade do NCC, consistente na faculdade das Ltdas, assim como ocorre nas S/As, instituirem o referido conselho (no contrato social), composto por 3 membros (eleitos anualmente entre os sócios ou terceiros), cuja função é analisar as demonstrações financeiras da empresa, apresentadas pelo administrador. Os acionistas minoritários, que representem pelo menos 1/5 do capital social, tem o direito de indicar um dos 3 membros desse conselho;

            6.Reuniões e assembléias: outra novidade no NCC, muito criticada pelos especialistas em Direito Empresarial, traz a obrigatoriedade da realização de assembléia para sociedades com mais de 10 sócios (salvo nos casos em que todos os sócios chegarem a um acordo, por escrito e assinado, sobre o assunto debatido), convocada por meio do Diário Oficial e de um jornal de grande circulação (publicação por 3 vezes). Nas empresas com até 10 sócios, pode ser feita uma reunião comum, com regras estipuladas no contrato social (na omissão do contrato, vigora a obrigatoriedade da assembléia).

            7.Deliberações: quórum mínimo de presença representando 3/4 do capital social (primeira convocação) ou com qualquer número de sócios (segunda convocação). Ao contrário da legislação anterior (que exigia maioria simples do capital), hoje são necessários: a) mais de 3/4 do capital para modificar o contrato social (inclusive incorporação, fusão, dissolução da sociedade); b) mais da 1/2 do capital para pedido de concordata, designação, remuneração e destituição de administradores (na nomeação de administrador não sócio, 2/3 ou a unanimidade caso o capital não estiver totalmente integralizado); c) maioria dos votos dos presentes, nos demais casos (salvo estipulação diversa em contrato);

            8.Responsabilidade dos sócios: apesar de limitada ao capital social, a responsabilidade dos sócios poderá ser ilimitada nos casos de desvio de finalidade da empresa, confusão patrimonial entre a empresa e os sócios, ilegalidade e abuso dos administradores, casos em que haverá a desconsideração da pessoa jurídica, respondendo os sócios com seus bens particulares. Mesmo em se tratando de transferência de cotas, até 2 anos após oficializada essa transferência, o sócio responde, juntamente com o beneficiário, pelas dívidas contraídas pela empresa quando ele ainda fazia parte da sociedade;

            9.Exclusão de sócio: desde que a maioria dos sócios (representando mais de 1/2 do capital social) entenda que o sócio a ser expulso está pondo em risco a continuidade da empresa e que haja previsão de exclusão por justa causa no contrato social, podem eles tomar a cota do sócio expulso para si ou repassá-la a terceiros, devendo o sócio excluído receber o valor que houver integralizado de sua cota, descontadas eventuais despesas (ex: juros pelo atraso na integralização). Deve ser realizada a exclusão em assembléia convocada exclusivamente para essa finalidade, respeitada a obrigatoriedade da ciência do acusado em tempo hábil para comparecer e se defender.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Garcia Ashikaga

advogado especialista em Direito Tributário pela PUC. Professor de cursos na Aduaneiras

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASHIKAGA, Carlos Eduardo Garcia. As sociedades no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 80, 21 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4255. Acesso em: 18 abr. 2024.

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