Evidenciada a existência de débito fiscal, devidamente inscrito pela autoridade administrativa, e ressaltando o fato de dívidas legitimamente lançadas gozarem de certeza e liquidez, assumindo a função de prova pré-constituida; conforme a norma insculpida no artigo 204 do CTN. Faz-se necessário cogitar sobre a possibilidade de aplicação do princípio da bagatela ou insignificância, fundado no brocardo de minimis non curat praetor, perante a patente ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado, após uma análise do desvalor do resultado da conduta.
Conforme indica a lei 10.522 de 2002, alterada em seu artigo 20 pela lei nº 11.033 de 2004 os débitos cujo montante desviado apurado e inscrito como Dívida Ativa da União for inferior ou igual a R$ 10.000,00 devem ser arquivados. Esta determinação surge como ratificação legal à Medida Provisória de número 1.973-63, de 23 de Julho de 2000², a qual versa sobre cadastro informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências.
Este valor se justifica, e apesar de incompatível com as bagatelas registradas nos demais tipos penais (como no furto), tem sua escusa justificada por pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada¹ o qual calculou que “o custo de uma execução fiscal é de R$ 5,6 mil, mas a chance de a Fazenda reaver a quantia devida é de 25%”.
Conclui-se que seria antagônico promover uma execução em que o valor arrecadado fosse ínfimo se comparado ao total empenhado na consecução desta quantia, devendo-se admitir, inclusive a baixa probabilidade de êxito na promoção do feito. Devendo ser declarada a exclusão da tipicidade do delito de bagatela em comento, conforme o sentido do STJ: REsp 234.271, REL. Min. Edson Vidigal, DJU, 8-5-2000, p. 115.
O cenário supracitado conduziu as cortes brasileiras a comungarem sobre o tema, como se nota na ortodoxa opinião apontada nos julgados que seguem:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTAMENTO. VALOR DO TRIBUTO ILUDIDO. SUPERIOR A R$ 10.000,00. PORTARIA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Afasta-se a alegação de cerceamento do direito de defesa ou ofensa ao princípio da colegialidade, uma vez que a legislação processual permite ao relator, neste STJ, o julgamento monocrático do recurso, quando a decisão recorrida estiver em confronto com a jurisprudência desta Corte sobre a matéria (art. 557, § 1º-A do Código de Processo Civil, c/c o art. 3º do Código de Processo Penal). 2. A Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.112.748/TO, relator Ministro FELIX FISCHER (DJe 13/10/2009), firmou orientação de que, no crime de descaminho, o princípio da insignificância somente afasta a tipicidade da conduta se o valor dos tributos elididos não ultrapassar a quantia de dez mil reais, estabelecida no art. 20 da Lei 10.522/02. 3. Por ocasião da apreciação do REsp. 1.393.317/PR, relatado pelo Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ (DJe de 2/12/2014), a Terceira Seção consolidou o entendimento de que a publicação da Portaria MF 75/2012, por não possuir força legal, não tem o condão de modificar o patamar para aplicação do princípio da insignificância. 4. Na hipótese dos autos, o montante do tributo sonegado é superior a R$ 10.000,00, razão pela qual não tem aplicação o princípio da insignificância. 5. Agravo regimental improvido.
(STJ - AgRg no REsp: 1502711 PR 2014/0338243-9, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 16/06/2015, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/06/2015)
EMENTA: RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DO TRIBUTO ILUDIDO. PARÂMETRO DE R$ 10.000,00. INAPLICABILIDADE DA PORTARIA N. 75/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA.
1. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.112.748/TO, curvou-se ao entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que incide o princípio da insignificância no crime de descaminho quando o valor do tributo iludido não ultrapassar o montante de R$ 10.000, 00, de acordo com o disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002. Ressalva pessoal do relator. 2. A partir da Lei n. 10.522/2002, o Ministro da Fazenda não tem mais autorização para, por meio de portaria, alterar o valor para arquivamento sem baixa na distribuição. Tal alteração somente poderá ser realizada por meio de lei. 3. O valor estabelecido pela Portaria n. 75/2012 do Ministério da Fazenda não retroage para alcançar delitos de descaminho praticados em data anterior à sua vigência. 4. Recurso especial provido.
(STJ - REsp: 1400392 PR 2013/0287147-3, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 04/09/2014, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/11/2014)
Tais limites são amplamente utilizados nas cortes brasileiras, e apesar de o princípio da bagatela focar sua análise no aspecto material e não in abstrato, a lei prevê um critério preliminar ao estudo fático da conduta.
Conclui-se que a atipicidade estampada no caso em epigrafe é justificável, não constituindo fator estimulante à prática do crime de descaminho, já que apenas a via penal é posta em detrimento, na medida em que a via civil e tributária permanecem ativos na repreensão da conduta.
Entretanto, associado ao combate do ilícito na via administrativa, faz-se mister um aparato fiscalizatório e uma política alfandegária eficiente no combate desta repreensível atividade. Capaz de por si só afetar a arrecadação estatal e promover uma imagem negativa da repreensão estatal.
Referências Bibliográficas:
1 - http://www.conjur.com.br/2014-nov-18/insignificancia-vale-crimes-10-mil-secao-stj
2 - Fernando Capez; Curso de Direito Penal, Vol. 3, 3ª Edição, p. 603.