Modalidades de investigação policial no Direito Brasileiro

08/09/2015 às 22:10
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O presente trabalho tem como objetivo explanar as mais importantes modalidades de investigação policial no direito brasileiro. O tema é importante pelo fato de o Brasil possuir alto índice de violência, que cresce de forma alarmante no país.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo explanar as mais importantes modalidades de investigação policial no direito brasileiro. O tema é importante pelo fato de o Brasil possuir um alto índice de violência, que cresce de forma alarmante nas grandes e pequenas cidades. Explosões de caixas eletrônicos, arrastões em cidades interioranas, cujo clima de paz é uma nostálgica imagem do passado, células criminosas que comandam de dentro das penitenciárias toda sorte de ataques às forças policiais e à sociedade, inovações tecnológicas que contribuem com o modus operandi cada vez mais sofisticados e complexos. O legislador criou, dessa forma, uma série de mecanismos de combate ao crime, em especial o crime organizado, e que serão objeto de análise neste arrazoado. A pesquisa é pertinente ao universo das investigações policiais, sem intuito de esgotar o tema, porém apresentando-o objetivamente. É tema pertinente à ciência do Direito Penal e do Processo Penal, consubstanciado por uma pesquisa bibliográfico-exploratória e elaborada a partir de material já publicado em livros e artigos, bem como de textos disponibilizados na internet. O presente artigo intenta trazer familiaridade para o leitor comum, a fim de que este possa extrair as várias nuances que o rumo de uma investigação policial pode tomar. Para tanto traz uma abordagem com viés qualitativo, o qual se evidencia pelo embasamento detalhado de informações, sempre fundamentadas.

Palavras-Chave: Criminalidade. Investigação Policial.  Modalidades Investigativas. Flagrante Prorrogado. Entrega Vigiada. Infiltração de Agentes. Organizações Criminosas.

1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos tem havido no país uma onda de violência, oriunda especialmente de grupos criminosos organizados. O combate à violência por meio de leis como a dos crimes hediondos, o qual regulou o art. 5º, XLIII da Constituição Federal da República de 1988 (CF/88), com o fim de tornar mais gravosa a punibilidade para certos crimes, não se fez acompanhar de medidas concomitantes que atacassem o mal em sua gênese, razão que acarretou a superlotação de presídios país afora, e o afloramento, diante das barbas do Estado, de grupos criminosos oriundos do sistema prisional, setor da segurança pública historicamente carente de políticas sérias e eficazes por parte do Poder Público.

Em 1995 surgiu a Lei 9.034, denominada Lei de Repressão ao Crime Organizado, a qual trata de modalidades investigativas como a infiltração de agentes em organizações criminosas e o flagrante diferido ou ação controlada (mais conhecido como flagrante prorrogado). A Infiltração de agentes também é modalidade investigativa a qual se insere no contexto de combate aos crimes de tráfico de drogas (Lei 11.343/2006), e será oportunamente analisada.

A diferenciação entre as espécies de flagrante será importante para que se compreenda as particularidades existentes entre elas, especialmente entre a entrega vigiada e o flagrante prorrogado. Também é objeto desse arrazoado a famosa e não menos importante delação premiada. A interceptação das comunicações telefônicas, medida cautelar a que as forças policiais recorrem para enfrentamento do crime também será objeto de análise.

Em que pese as forças competentes de investigar a ação criminosa não raro agirem limitados por decorrência de estrutura precária de trabalho, fato é que a sociedade merece uma resposta à crescente onda de violência, uma vez que é o próprio Estado Democrático de Direito quem reclama essa atuação investigativa.

2. DESENVOLVIMENTO

Primeiramente, cumpre conceituar o que é investigação policial.  A investigação policial ou criminal ou inquérito policial é um procedimento administrativo pré-processual, de cognição sumária, cujo objetivo imediato é averiguar o delito e sua autoria, fornecendo elementos para que o Ministério Público apresente a ação penal, ou pugne pelo seu arquivamento caso faltem elementos que a justifiquem. Em Capez (2012, p.111), “é o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (art. 4º CPP)”.

Nucci (2007, p.127) argumenta que:

[...] esse objetivo de investigar e apontar o autor do delito sempre teve por base a segurança da ação da justiça e do próprio acusado, pois, fazendo-se uma instrução prévia, através do inquérito, reúne a polícia judiciária todas as provas preliminares que sejam suficientes para apontar, com relativa firmeza a ocorrência de um delito e o seu autor. O simples ajuizamento da ação penal contra alguém provoca um fardo à pessoa de bem, não podendo, pois, ser ato leviano, desprovido de provas e sem um exame pré-constituído de legalidade.

Nos termos do Código de Processo Penal brasileiro – CPP, quem realiza as investigações criminais é a polícia judiciária, conforme se depreende da leitura do art. 4º do referido diploma (BRASIL, 1941): “A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.

A polícia judiciária tem previsão constitucional, inserida que está no rol do art. 144, inciso IV da CF/88. Conforme Nucci (2007, p.129):

O nome polícia judiciária tem sentido na medida em que não se cuida de uma atividade policial ostensiva (típica da Polícia Militar para a garantia da segurança nas ruas), mas investigatória, cuja função se volta a colher provas para o órgão acusatório e, na essência, para que o Judiciário avalie no futuro. 

É na figura do delegado de polícia que se encontra a chefia dos procedimentos investigatórios. Conforme lembram Corrêa Junior, Bivar et al. (2011, p.26):

A investigação criminal é regida pelo principio da não exclusividade, ou seja, no sistema brasileiro, admite-se que mais de um órgão a faça. Entretanto, em relação ao inquérito policial propriamente dito, em face do principio da autoridade, apenas a autoridade policial pode presidi-lo.

Não obstante a sistemática processualista adotada pela vigente constituição consagrando o princípio do contraditório como cláusula pétrea, nos procedimentos investigativos levados a cabo pela polícia judiciária predomina a característica da sigilosidade (NUCCI, p.150). Assim prevê o art. 20 do CPP (BRASIL, 1941): “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. (grifo nosso). Não se submete, pois, à publicidade que rege o processo. São também características dos procedimentos investigatórios:

  1. forma escrita: característica sacramentada no art. 9º CPP (BRASIL, 1941): “Todas as peças do Inquérito Policial serão, num só, processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”;
  2. inquisitório: conforme mencionado acima, os procedimentos investigatórios não se produzem com o crivo do contraditório, não se permitido ao indiciado a ampla oportunidade de defesa, oferecer recursos ou opor suspeição à autoridade policial, dentre outras alegações que somente serão possíveis durante a instrução criminal;
  3. discricionário: como procedimento pré-processualÍstico, o inquérito não tem o rigor procedimental da persecução em juízo, competindo ao delegado de polícia conduzir as investigações da forma que melhor lhe for conveniente, inclusive rejeitando diligências que lhes sejam direcionadas pelas partes, conforme bem assim registra o art. 14 do CPP (BRASIL, 1941): O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade;
  4. oficiosidade: à exceção dos casos em que se exige a representação da vítima para que se inicie a persecução criminal (art. 5º, § 4º e 5º CPP), a autoridade policial deve agir ex officio, sem aguardar a provocação de quem quer que seja, quando do conhecimento da notitia criminis (CAPEZ, p.118);
  5. oficialidade: a pretensão punitiva do Estado materializa-se por meio de órgãos públicos e seus agentes, cumprindo ao delegado de polícia a autoridade para tal fim (CAPEZ, p.118);
  6. indisponibilidade: a autoridade policial não pode determinar o arquivamento do inquérito policial, conforme previsão expressão no CPP (BRASIL, 1941), em seu art. 17: “A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito”;
  7. incomunicabilidade do indiciado: esta característica é tida pela maior parte da doutrina como não recepcionada pela CF/88 (NUCCI, p.152). O argumento mais forte para tal conclusão reside no art. 136, § 3º, IV da carta magna segundo a qual na vigência de estado de defesa é vedada a incomunicabilidade do preso. Se vedada a incomunicabilidade em situações em que resta configurado o estado de exceção, a incomunicabilidade não subsiste, portanto, em um simples procedimento investigatório tal como se dá no inquérito policial.

Para a análise das modalidades de investigação presentes no direito brasileiro, cumpre fazer-se a distinção das espécies de flagrante arroladas na legislação processual penal. Primeiramente, cumpre informar que flagrante significa tanto o que é manifesto ou evidente, quanto o que se pode observar no exato momento em que ocorre (NUCCI, p.543). Nos termos do art. 302 do CPP (BRASIL, 1941), considera-se em flagrante delito quem:

        I - está cometendo a infração penal;

        II - acaba de cometê-la;

        III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

        IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Os incisos I e II do artigo mencionado evocam o chamado flagrante próprio ou perfeito, o qual ocorre naquela situação em que o agente é surpreendido no exato momento da infração ou acaba de cometê-la. É, pois, o flagrante propriamente dito.

O inciso III do artigo em análise traz à baila o que se conhece na doutrina por flagrante impróprio ou quase flagrante. Este ocorre nas hipóteses em que o agente não é preso no exato instante da prática criminosa, vindo a se evadir do local, mas sendo perseguido logo após pela autoridade policial, qualquer pessoa do povo ou até mesmo a vítima do ato delituoso.

O inciso IV do artigo mencionado, por sua vez, traz o que se conhece por flagrante presumido, e não deixa de ser um caso de flagrante impróprio (NUCCI, p. 547). Ocorre naquelas ocasiões em que, embora o suspeito não tenha sido perseguido, é encontrado portando instrumentos, armas, objetos ou outra prova que demonstre, por presunção, ser ele o autor da infração penal.

A diferença entre as espécies de flagrante será necessária em razão do que se discute na doutrina e na jurisprudência acerca do flagrante provocado (ou preparado) e do flagrante forjado, modalidades não aceitas como forma de investigação policial. O chamado flagrante preparado (ou provocado) não é admitido no processo penal, por ser a conduta do suposto autor do delito obra do agente provocador. A vontade do agente que comete o ilícito existe perfeitamente, porém viciada, eis que instigada por uma simulação (CORREA JUNIOR et al, 2011, p. 277).

No flagrante provocado ou preparado, não haverá a consumação do delito, razão porque o judiciário refuta essa modalidade de investigação. Interessante, no entanto, a exceção no caso da lei de drogas. A Lei 11.343/2006 prevê como crime de tráfico de entorpecentes

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, TRAZER CONSIGO, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. (grifo nosso)

Em razão de a eventual conduta precedente já configurar delito consumado, não há se falar em ilegalidade da ação policial caso este, passando-se por viciado e com o fim de comprar drogas, dê voz de prisão ao traficante. Caberá, nessa hipótese, a autuação do meliante em flagrante não em razão da venda da substância tóxica, mas sim porque trazia consigo ou tinha em depósito substância entorpecente destinada ao comércio ilícito. É conduta, portanto, anterior a ação policial e justificadora do flagrante.

O flagrante forjado não se confunde com o flagrante preparado (CORREA JUNIOR, et al. p. 277). A jurisprudência, contudo, não faz uma distinção entre flagrante forjado e flagrante provocado, como assim procede na doutrina. Nesse sentido, segue o acórdão da 2ª Câmara Especial Criminal do Tribunal de Justiça do Piauí.

Ementa: PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGAÇAO DE FLAGRANTE PREPARADO. INOCORRÊNCIA. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. MEIOS DE PROVAS INDÔNEOS. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Não se pode confundir o flagrante forjado com o esperado, no qual a polícia espera pela prática da infração penal, sem que haja a instigação/induzimento para que o agente pratique a infração penal. (grifo nosso)

A doutrina entende por flagrante forjado a hipótese em que policiais ou mesmo algum particular criam provas de um crime inexistente. Fato atípico, pois. (NUCCI, p.549-550). A título de exemplo, seria a hipótese em que é colocada na bolsa de alguma mulher visitante de parente preso na penitenciária quantidade de substância entorpecente no intuito de se criar falsa prova de crime de tráfico de entorpecente.

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A prisão que se procede sob as circunstâncias de um flagrante forjado, além de ilegal, imputa ao forjador responder, se policial, ao crime de abuso de autoridade. Caso o forjador seja um particular, responderá por denunciação caluniosa (CORREA JUNIOR, et al. p.277).

Além dessas modalidades de flagrantes anteriormente arroladas, temos também como meio de combate à criminalidade duas importantes modalidades de investigação policial: a entrega vigiada e a ação controlada.

A entrega vigiada é modalidade investigativa própria da lei de drogas (11.343/2006). Conforme prelecionam Correa Junior, Bivar et. al (2011, p.118), a entrega vigiada pode ser definida como uma técnica de investigação pela qual a autoridade judicial permite que um carregamento de drogas enviado ocultamente em qualquer tipo de transporte possa chegar ao seu destino sem ser interceptado, a fim de ser identificado o remetente, o destinatário e os demais participantes dessa manobra criminosa. Tem previsão legal no inciso II, do art. 53, in verbis:

Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: [...] a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível. (grifo nosso)

A entrega vigiada requer autorização judicial para ser considerada válida. Não se deve confundir entrega vigiada com flagrante prorrogado, este uma diligência prevista na lei 9.034/95 (crime organizado). Neste, a autoridade policial pode prender em flagrante os membros do crime organizado no momento mais oportuno e conveniente do ponto de vista de produção da prova. O flagrante prorrogado possui as seguintes expressões sinônimas: ação controlada, interdição policial, flagrante diferido, postergado, discricionário, retardado (CORREA JUNIOR, et al. p.118).

Capez (2012, p.317-318) adota entendimento no sentido de que essa modalidade de flagrante só é possível para casos em que restam configuradas ações praticadas por organizações criminosas. Mas tal entendimento não é a melhor doutrina, conforme assim entendem Correia Junior, Bivar et al. (2011, p.278), uma vez que a figura do flagrante prorrogado é corriqueira na apuração de vários crimes, principalmente nos chamados crimes permanentes (a exemplo do seqüestro e cárcere privado, previsto no art. 148 do código penal brasileiro).

Não se deve confundir a ação controlada com o chamado flagrante esperado, pois, neste, o agente é obrigado a efetuar a prisão em flagrante no primeiro momento em que ocorrer o delito, sem escolher momento posterior que considere mais adequado (CAPEZ, p.318). No flagrante prorrogado, a contrário sensu, o agente tem a discricionariedade quanto ao momento da prisão.

A Lei 9.034/1995 adota a nomenclatura ação controlada, cuja previsão no art. 2º, II, da referida lei assim informa:

[...] a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculado, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações. (grifo nosso)

A ação controlada não requer autorização prévia da justiça para efeito de que se revista da legalidade necessária à investigação policial (CORREA JUNIOR, et al., 2011, p.119). Ambas, a Lei 9.034/95 e a Lei 11.343/2006 prevêem, ainda, a infiltração de agentes de polícia ou da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) como forma de se combater dois grandes problemas da sociedade moderna que são o crime organizado e o tráfico de drogas.  O crime organizado anda de mão dada com o tráfico de drogas, oportunidade em que as modalidades investigativas para combate a essas mazelas se imiscuem.

Nos termos informados por Correa Junior, Bivar et al. (2011, p.120, apud COBRA, 1997) entende-se por infiltração:

[...] o trabalho de agente de polícia consistente na sua introdução em determinado meio, sem que sua real atividade seja conhecida, para nele trabalhar ou viver, temporariamente, como parte integrante do ambiente, com a finalidade de descobrir ou apurar alguma coisa.

Muita crítica se faz a tal instrumento seja pelo fato de que a Lei 9.034/95, ao inserir tal modalidade investigativa no direito brasileiro – influenciada pelo direito italiano, o fez sem adequá-la à realidade político-social do país (AMARAL, 2012); seja pela forma como se responde aos problemas que tocam à questão da violência, o que leva o legislador a editar leis quase sempre ao sabor do clamor social e, não raro, contaminada da seiva da inconstitucionalidade. Tanto é verdade que a referida lei inicialmente autorizava a infiltração de agentes sem previsão de autorização judicial como requisito à concessão da medida, oportunidade em que restou vetada a lei nessa parte. Pois é cediço que “A Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV da CF/88). Posteriormente, com a edição da Lei 10.217/2001 é que foi sanado esse problema, com a inclusão do inciso V no art. 2º da Lei 9.034/95: “infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial” (grifo nosso). A lei de drogas, em seu art. 53, I, assim informa: “A infiltração por agentes de polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes”. Por órgãos especializados pertinentes, conforme anteriormente informado, entende-se os agentes da Polícia Civil, da Polícia Federal e os agentes da Agência Brasileira de Inteligência.

Há de se ter em conta que, ao agente infiltrado não se permite participar de ações que induzam a prática de crimes. Para Amaral (2012) esse é um dos maiores entraves no que diz respeito ao instituto da infiltração. Assinala que não há previsão legal informando quais ações poderão ser tomadas pelo agente infiltrado. Amaral (2012) também faz uma crítica que merece aqui ser destacada:

[...] entendemos que esse tipo de criminalidade, para ser combatido eficazmente, demanda um aprimoramento e uma melhor qualificação dos integrantes da nossa segurança pública, que hodiernamente está tão vilipendiada e renegada, fato constatado pelas inúmeras greves desse setor, tudo isso decorrente dos baixos salários e das péssimas condições de trabalho dos policiais brasileiros, em especial os integrantes das polícias estaduais, fatos que dificultam o combate até mesmo da criminalidade menos aprimorada.  

Para revestir-se de legalidade, a infiltração de agentes deve observar alguns requisitos, como bem demonstram Jesus, D. de; Bechara, F. R. (2005):

a) a atuação do agente infiltrado precisa ser judicialmente autorizada;

b) a atuação do agente infiltrado o qual comete a infração penal deve ser uma conseqüência necessária e indispensável para o desenvolvimento da investigação, além de ser proporcional à finalidade perseguida, de modo a evitar ou coibir abusos ou excessos;

c) o agente infiltrado não pode induzir ou instigar os membros da organização criminosa a cometer o crime, o que configuraria um delito provocado, o qual, devido à sua impossibilidade de consumação, é impune tanto em relação ao sujeito provocado como ao provocador, mas a este poderia ser imputado o crime de abuso de autoridade, a depender da análise do caso concreto. O STF já se manifestou no sentido de que “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação” (Súmula 145 do STF).

Resta ainda lembrar que a lei não autoriza a atuação como agente infiltrado aos membros do ministério público, aos particulares ou outra entidade que não apenas supramencionadas. Deve-se entender como agente policial, nessa seara, o agente da Polícia Civil ou Federal, conforme o caso.

Conforme já demonstrado, a sociedade tem sentido o efeito devastador da criminalidade, desde suas formas mais simples à organizada, razão que leva o legislador a criar formas de persecução criminal aptas ao combate mais eficaz desses crimes. Nesse contexto, foi editada a lei 9.296/1996, que trata da interceptação de comunicações telefônicas. No entender de Capez (2013, p.487):

Interceptação provém de interceptar – intrometer, interromper, interferir, colocar-se entre duas pessoas, alcançando a conduta de terceiro que, estranho à conversa, se intromete e toma conhecimento do assunto tratado entre dois interlocutores.

 O art. 5º, XII CF/88 já reclamava regulação em face da garantia da inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas. Assim:

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (grifo nosso).  

Capez (2013, p.485-486) assinala que a expressão “no último caso”, prevista na Carta Magna tem gerado discussões sobre a possibilidade de a quebra do sigilo se estender para a hipótese de transmissão de dados, já que o termo destacado se refere apenas às comunicações telefônicas. Lembra o ensino de Damásio de Jesus, segundo o qual nenhum direito é absoluto, restando perfeitamente factível a quebra do sigilo no que toca também à transmissão de dados. Assim:

[...] A circunstância de a CF expressamente só abrir exceção no caso de comunicação telefônica não significa que o legislador ordinário não possa permitir a interceptação na hipótese de transmissão de dados. Não há garantias constitucionais absolutas. Se assim não fosse, o CP não poderia admitir a prática de homicídio em legitima defesa (arts. 23, II, e 25), uma vez que a Carta Magna garante a ‘inviolabilidade do direito à vida’ sem ressalva.

Não se compartilha aqui do entendimento exarado por Greco Filho (1996) sobre esse ponto quando afirma que “A garantia constitucional do sigilo é a regra e a interceptação a exceção, de forma que a interpretação deve ser restritiva quanto a esta”, não autorizando, por conseqüência a interceptação de dados telefônicos, menos ainda as telegráficas. Todavia, o legislador e o operador de direito não devem se apegar a uma leitura positivista do texto constitucional sem atentar para o fim pela qual a norma foi criada, qual seja: a de adaptar formas mais eficazes para combater a audácia de grupos criminosos. Estes, sem limites para a prática de crimes, criam meios cada vez mais sofisticados e, não raro, revestidos de violência cinematográfica.

O que se tutela com a interceptação das comunicações telefônicas, telegráficas e de dados é um bem maior, qual seja: o Estado Democrático de Direito. É com esse fundamento, inclusive, que se aceita o sistema da delação premiada. Nos termos informados por Capez (2012, p.434),

a delação premiada consiste na afirmativa feita por um acusado, ao ser interrogado em juízo ou ouvido na polícia, o qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação como seu comparsa.

A Delação Premiada, também denominada colaboração voluntária, está prevista de forma esparsa na legislação brasileira.  Senão, vejamos:

  1. Art. 8º, p. único lei 8.072/90 (crimes hediondos), in verbis:

O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços. (grifo nosso)

  1. Art. 159, §4º CP (extorsão mediante seqüestro), in verbis:

Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (grifo nosso)

  1. Art. 6º, lei 9.034/95 (Lei de combate ao crime organizado), in verbis:

Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria. (grifo nosso)

  1. Art. 25, §2º lei 7.492/86 (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional), in verbis:

Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (grifo nosso)

  1. No que toca ao crime de lavagem de dinheiro (lei 9.613/1998), dispõe o § 5º do art. 1º:

A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (grifo nosso)

  1. Art. 13 e 14 lei 9.807/99 (Lei que dispõe sobre o programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas):

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal [...] (grifo nosso)

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços. (grifo nosso)

Conforme se depreende das citações em lei (BRASIL, 1940, 1986, 1990, 1995, 1998, 1999) essa forma de investigação é extremamente esparsa no direito brasileiro, configurando importantíssimo instrumento de persecução criminal e elucidação de crimes pelas autoridades policiais. Não obstante haja quem considere a delação premiada uma atitude antiética e contrária aos princípios constitucionais mais elevados (BAPTISTA, 2010), merece destaque o que Nucci (2007, p.413) pensa sobre a questão da ética quando se está em confronto o Estado Democrático de Direito e o universo criminoso:

[...] no universo criminoso, não se pode falar em ética ou em valores moralmente elevados, dada a própria natureza da prática de condutas que rompem com as normas vigentes, ferindo bens protegidos pelo estado [...] O crime praticado por traição é grave, justamente porque o objetivo é a lesão a um bem jurídico protegido; a delação seria a traição de bons propósitos, agindo contra o delito e em favor do Estado Democrático de Direito [...]

E arremata:

Pensamos ser a delação premiada um instrumento útil, aliás, como tantos outros já utilizados, legalmente, pelo Estado, como a interceptação telefônica, que fere a intimidade, em nome do combate ao crime.

Em se tratando do criminoso, sobretudo daquele que faz do crime um estilo de vida e integrante de organizações criminosas, não se pode permitir ao Estado ficar preso a regras que engessem sobremaneira a atuação deste no combate à criminalidade, pois a audácia dos que vivem à margem da lei desconhece limites, não sendo razoável que se lhes dêem tratamento igual ao de um cidadão de bem.  Em havendo qualquer conflito de princípios, prevalece in dúbio pro societate.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil vive uma onda de violência nas grandes e pequenas cidades que refletem a sensação por parte do agente criminoso de que o crime compensa. É preciso combater o mal, mas para isso não bastam leis. De que adianta, a exemplo do instituto de infiltração de agentes no meio criminoso, se a policia, especialmente a dos estados, encontra-se sucateada? Também é preciso uma reforma do sistema prisional, a qual se mostra de extrema necessidade, pois os grupos criminosos que emergem do sistema de execução penal são mais uma evidência de que por leis e apenas por elas não basta para que se alcance a pacificação social. Fala-se também em redução da menoridade penal. Esta é outra faceta da criminalidade que tentam corrigir modificando leis. Isso é um grande engano.

Destarte, as forças policiais competentes têm buscado agir com os meios que possui em seu poder para fazer frente ao avanço da criminalidade. A polícia recorre a todas essas modalidades de investigação e o faz sem medir esforços para a proteção do bem jurídico da paz social. Pois o que se está em jogo é o Estado Democrático de Direito. Nessa seara, não cabem argumentos que tentam desqualificar os meios de investigação policial legalmente previstos, a pretexto de restarem desguarnecidos os princípios constitucionais. Para o indivíduo à margem da lei não se deve dar o mesmo tratamento que se dá ao cidadão de bem, este, em última análise, o maior prejudicado pelo infortúnio da violência que insiste em assomar à superfície.

É imperioso que o se aplique aos meliantes o princípio segundo o qual é preciso tratar os desiguais na medida de sua desigualdade. Patente a constatação de que o individuo à margem da lei merece tratamento mais severo do Poder Público, sem que lhe seja negado direitos, mas também sem que as garantias do processo penal redundem na perda de direitos do cidadão de bem e da sociedade. Em outras palavras, as garantias fundamentais não devem servir como escudo da desordem e do caos, os quais invariavelmente refletem sobre outros direitos igualmente reconhecidos, como o são o direito de ir e vir, e de conviver em sociedade.

5. REFERÊNCIAS

AMARAL, E. C. Aspectos controvertidos da infiltração de agentes públicos nas organizações criminosas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 99, abr 2012. Disponível em http://www.ambito juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11456. Acesso em: 16 mai 2013.

BAPTISTA, Bruno de Souza Martins. A inconstitucionalidade da delação premiada no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 15n. 250713 maio 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14848>. Acesso em: 17 mai 2013.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sumula nº 145. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em: 14 abr. 2013.

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Sobre o autor
Miguel Gustavo P. Guércio

Pós graduado em Direito e Jurisdição Lato Sensu – Área de Concentração Civil pela Escola da Magistratura/Instituto Processus, em Brasília. Pós graduado em Direito Público Lato Sensu pela Faculdade Projeção, em Brasília. Licenciado em Letras (PBSL) pela Universidade de Brasília. Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior de Brasília – IESB. Ex-agente de atividades penitenciárias do Distrito Federal. Exerce o cargo de Técnico Judiciário no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, em Brasília.<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo Científico apresentado ao Curso de Pós-Graduação em Direito Público, da Faculdade Projeção (Brasília), como parte das exigências para obtenção do título de especialista.

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