1. Noções sobre empresa
Para o estudo do Direito de empresa, utiliza-se o Código Civil como regra geral, e a legislação extravagante; também vige parte do Código Comercial, que não foi revogado totalmente. O Código Comercial que era vigente até a promulgação do Código Civil de 2002, fundava-se na Teoria dos Atos de Comércio, que teve sua origem na França, no qual comerciante era aquele que exercesse atos de comércio e deles fizessem sua profissão habitual. Com maestria aduz Fran Martins: “Mas a verdade é que, se a caracterização do comerciante ficou a depender da prática habitual de certos atos de comércio, nem todas as pessoas que praticam atos de comércio são consideradas comerciantes”.
O atual Código Civil adotou a Teoria da Empresa, desenvolvida na Itália, da qual empresário significa aquele que exerce atividade de forma organizada para produzir ou circular bens e serviços, como consta no art. 966 do Código Civil:
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
Como é possível verificar da leitura do artigo, o objeto do conceito é notadamente mais amplo do que o da Teoria dos Atos de Comércio.
2. Papel da empresa na sociedade
As empresas possuem uma importância ampla no meio social, servindo para a produção de bens, serviços e demais objetos que atendam as necessidades que o usam como destinatário final, vale dizer, consumidores. Com a realização de suas atividades as empresas geram lucro, por ser este é um de seus fins, e fazem com que a riqueza circule entre os que se envolvem neste processo, quais sejam os donos, colaboradores, trabalhadores, o próprio Estado e a sociedade como um todo.
A empresa, como toda propriedade, deve atender à função social, ou seja, realizar suas atividades sempre em consonância com os interesses sócio-econômicos do meio da coletividade na qual se insere, sempre se amoldando ao interesse público. Em consonância com tal entendimento, dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXIII “a propriedade atenderá a sua função social”.
Em síntese, a empresa e seus exercentes não devem exclusivamente visar o lucro, mas também ater-se aos reflexos que tal exercício origina para a sociedade.
3. Falência empresarial
A empresa em impossibilidade de solver seus débitos, consequentemente não possuindo capacidade de se manter erguida, por ser um empreendimento sem viabilidade econômica poderá sofrer procedimento falimentar, sendo este um processo draconiano de execução coletiva, onde o rol de credores do falido recorrerá em juízo para, em um processo uno, executar o patrimônio do devedor empresário insolvente com o fim de receber o que lhe é devido. É a famosa “quebra“.
Esta situação jurídica, provocada em casos extraordinários, decorre de sentença judicial, onde o juiz após analisar os fatos, determinará que esta cumpra obrigações patrimoniais, como por exemplo vender seus bens, para pagar os débitos que levaram à instalação do procedimento.
Dentro do processo de falência a empresa o devedor é afastado das atividades que exercia, com o fim de proteger o direito dos credores e demais interesses relacionados a atividade de determinada empresa.
4. Preservação da empresa no processo falimentar
O universo econômico tem forte influência sobre a existência e comportamento da sociedade, desde os primórdios da civilização até a forte globalização atual. Com a possibilidade de se tornar insolvente, de ser declarada falida, a sociedade que se beneficiava da atividade exercida por determinada empresa, passa a sofrer em conjunto com a mesma os resultados infortunísticos que o mau empreendedor experimenta, transcendendo a esfera particular da empresa e atingindo os seus usuários. Como pode ser observado no seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça, os interesses por trás da recuperação de uma empresa vão além do interesse exclusivo do empresário, vejamos:
“É inegável que o comércio possua o condão de gerar renda, emprego, arrecadação de tributos e, portanto, não pode ser tutelado apenas no interesse de credores particulares. Ao revés, a proteção jurídica do empresário deve ter em mira aspectos outros, notadamente aqueles de cunho social, eis que o empresário não exerce sua atividade em seu exclusivo interesse. Assim, não se pode desconsiderar a importância da atividade empresarial para a sociedade como um todo, é inviável supor que todo e qualquer crédito possa servir de suporte ao pedido falimentar.”
Uma empresa que entra em crise, a depender de seu porte, pode causar a dificuldade em demais ramos e para demais pessoas, como o aumento do desemprego, a diminuição na oferta de mercadorias, a prejudicialidade na arrecadação de tributos, dentre outros resultados maléficos causados pela extinção da empresa. Desse modo, é necessária a intervenção do Estado para sanar tais conseqüências danosas, utilizando de meios que sejam suficientes para atenuar os prejuízos que o instituto da falência causa em diversos setores.
Credores, trabalhadores, consumidores, Estado e sociedade possuem interesse na manutenção da empresa, preservando sua unidade de produção, pois estes se beneficiam da atividade econômica que a empresa exerce. Com a continuação da empresa, possibilita-se assim que esta cumpra com sua função social, de essencial valia para a coletividade.
Vale transcrever jurisprudência afirmando a importância do aludido princípio no processo de falência, reafirmando o que foi dito em linhas anteriores:
“STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 920140 MT 2007/0016802-7 (STJ)
Data de publicação: 22/02/2011
Ementa: COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE FALÊNCIA. DECRETO-LEI Nº 7.661 /45. VALOR ÍNFIMO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. INDEFERIMENTO. I. O Superior Tribunal de Justiça rechaça o pedido de falência como substitutivo de ação de cobrança de quantia ínfima, devendo-se prestigiar a continuidade das atividades comerciais, uma vez não caracterizada situação de insolvência, diante do princípio da preservação da empresa. II. Recurso especial conhecido, mas desprovido”.
5. Recuperação de empresas
Aduz Fran Martins:
“Em linhas gerais, a recuperação tanto judicial como extrajudicial, previstas na legislação, visam ao exaurimento dos meios instrumentais para se evitar a falência da empresa em crise, mantendo os empregos, a arrecadação, fornecedores e acima de tudo o nome com o respectivo conceito no mercado.”
Em 2006, com a vigência da nova Lei de Falência, substituiu-se a concordata pela recuperação de empresas, demonstrando, desta forma, a importância da preservação da empresa na atualidade, possuindo esta lei esparsa mecanismos para reerguê-la em seus aspectos econômicos e financeiros que acarretaram sua “quebra”.
Vale transcrever passagem explicativa do instituto, escrito em obra de Ricardo Negrão, que assim descreve:
“Ao atuar preponderantemente sobre a empresa em seu aspecto funcional, os novos instrumentos legais de recuperação em juízo trabalham com os seguintes princípios:
• Supremacia da recuperação da empresa (aspecto funcional) sobre o interesse do sujeito da atividade (aspecto subjetivo), permitindo-se o afastamento do empresário e de seus administradores, se sua presença comprometer a eficiência do processo (LRF, art. 64).
• Manutenção da fonte produtora (aspecto objetivo) e do emprego dos trabalhadores (aspecto corporativo), que se verifica com ações efetivas de preservação dos elementos corpóreos e incorpóreos (LRF, art. 66) e vedação à venda ou retirada de bens de propriedade de credores titulares da posição de proprietário fiduciário, de arrendador mercantil, proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, durante o período de suspensão (LRF, art. 49, § 3º).
• Incentivo à manutenção de meios produtivos à empresa, concedendo privilégio geral de recebimento em caso de falência, aos credores quirografários que continuarem a prover bens e serviços à empresa em recuperação (LRF, art.67, parágrafo único).
• Manutenção dos interesses dos credores (LRF, art. 47), impedindo a desistência do devedor após o deferimento do processamento do pedido de recuperação (LRF, art. 52, § 4º), submetendo à assembleia de credores toda deliberação que afete o interesse dos credores (LRF, art. 35, I, f).
• Observação dos princípios da unidade, universalidade do concurso e igualdade de tratamento dos credores como diretrizes para as soluções judiciais nas relações patrimoniais não reguladas expressamente pela lei (LRF, art. 126). “
Em resumo, a recuperação de empresas visa a continuidade da atividade pela empresa que se encontra em crise, protegendo aqueles a ela relacionados, podendo para isto utilizar-se de mecanismos judiciais ou não, como no caso da recuperação extrajudicial.
6. Considerações finais
Partindo da nítida importância da atuação de uma empresa na sociedade, e tendo em vista os seus fins lucrativos, que faz com que a riqueza circule, sua manutenção no meio social é de extrema necessidade para aqueles que de alguma forma por ela são atingidos, podendo se exemplificar tal afirmação com o número de empregos que a criação e preservação de uma empresa gera, a quantidade de consumidores que fazem uso dela para satisfazer seus desejos pessoais, a tributação que o governo recolhe após a incidência de taxas nas atividades daquela, etc.
A preservação da atividade empresarial, tida como princípio que materializa a função social da empresa, visa harmonizar os interesses individuais daqueles que atuam em seu exercício e igualmente os interesses sociais, de caráter público, em observância à supremacia do interesse geral da sociedade, sem haver conflito com direitos individuais.
O princípio da preservação da empresa, como princípio de aplicação geral, almeja que as organizações econômicas viáveis se mantenham em atuação, fazendo com que não resultem os prejuízos que geram a extinção da empresa pela falência. Busca, portanto, a garantia da continuidade da empresa quando de grande relevância para a sociedade e para a economia.
7. Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. UYEDA, Massami. Recurso Especial N° 1.089.092 – SP (2008/0203816-1). Disponível em: http://www.stj.gov.br
BUDNHAK, Gerson Odacir; SANTOS, Silvana Duarte dos. Princípio da preservação da empresa: um enfoque jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2614, 28 ago. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17291>. Acesso em: 7 jun. 2015.
CARNEIRO, Paloma Torres. Função social da empresa. http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10318&revista_caderno=16
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MARTINS, Fran, Curso de Direito Comercial, 37ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2014.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa : volume 3. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. v. 2, p. 286.