A proteção das competências constitucionais dos Tribunais de Contas como instrumento de garantia da eficácia das suas decisões

14/09/2015 às 06:08
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A proposta da produção textual é demonstrar que a eficácia das decisões dos tribunais de contas depende, incondicionalmente, do monitoramento, por parte desses tribunais, do cumprimento das determinações contidas nos comandos decisórios.

I – INTRODUÇÃO

Em meados do ano de 2013, quando eclodiram as manifestações populares que tomaram as ruas de todo o país, a sociedade, por via de consequência, mas não como intento inicial, foi instada a refletir sobre temas que não conhecia bem ou nada sabia a respeito.

De lá para cá, muito se tem discutido, sobretudo no seio da sociedade civil organizada, acerca das razões ensejadoras da ineficiência estatal na prestação de serviços públicos considerados relevantes, como saúde, educação e segurança pública.

Destinatária direta dos efeitos da má prestação desses serviços, a população passa a questionar: de quem é a culpa? Por que a iniciativa privada funciona bem, mas a pública não funciona a contento?

Não raras vezes, a sociedade, no afã de identificar a causa das mazelas sociais, tenta transferir a responsabilidade de quem tem o dever de bem prestar os serviços públicos para aquele a quem a Constituição outorgou competências para fiscalizar e controlar a prestação desses serviços, delimitando, frise-se, o exercício desse controle.

A despeito de ser esse o quadro revelado por alguns segmentos da sociedade, considera-se equivocada e desprovida de sustentação a ideia fixa daqueles que atribuem, sem qualquer ressalva e repartição de culpa, a inoperância dos entes estatais à omissão dos órgãos de controle, no exercício dos seus misteres.

De fato, a regular atuação dos Tribunais de Contas é de fundamental importância no controle dos gastos públicos e, consequentemente, no combate à prática de atos de corrupção. A propósito, poucas instituições republicanas têm a sua razão de existir tão diretamente ligada ao combate à corrupção. Não se trata apenas de um órgão de controle da Administração Pública com atividade eminentemente fiscalizatória, mas de um órgão de natureza independente, que auxilia a todos os poderes da federação e, ainda, a comunidade, esta destinatária final do trabalho desempenhado pelas Cortes de Contas.

De mais a mais, o Tribunal de Contas, conforme se extrai do texto da Bíblia Política brasileira, é um órgão técnico, a quem foi conferido tratamento próprio, dentro da Constituição, tendo-lhe sido atribuída a indispensável missão de emitir pareceres prévios, julgar contas dos administradores públicos, além das atribuições diretamente ligadas ao exercício fiscalizatório, que, ao fim e ao cabo, podem desencadear no enquadramento de gestores na tão falada Lei da Ficha Limpa, no surgimento de ações penais, ações de improbidade administrativa, a serem propostas, é óbvio, pelos órgãos com legitimidade para tanto.

É justamente em razão dos resultados que podem advir das decisões dos Tribunais de Contas que se faz necessária a estruturação e instrumentalização de órgãos jurídicos, com o fito de viabilizar as defesas de cunho institucional, garantindo, por via de consequência, a manutenção da independência técnica das Cortes e, em última análise, a eficácia das decisões prolatadas.

II – A REGULAR ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS E AS LIMITAÇÕES DECORRENTES DO PRINCÍPIO DA SEGREGAÇÃO DAS FUNÇÕES

 

Infelizmente, mesmo com todo o empenho das Cortes de Contas em fazer divulgar a amplitude das competências garantidas pela Lei Fundamental da República, tem sido comum nos depararmos com várias pessoas que só conhecem a vertente repressiva desse importante órgão de controle, nada sabendo acerca da missão preventiva, educativa. É preciso que todos entendam que a finalidade maior das Casas de Contas, a missão institucional, é evitar que o dano ocorra. E é justamente por isso que ocorrem as inspeções ordinárias e extraordinárias por que passam todos os órgãos da Administração Pública, inclusive os próprios Tribunais de Contas, tudo com o objetivo de evitar que ocorra malversação de recursos públicos.  Afinal, quando se gere dinheiro público, gere-se em nome do povo, real titular do poder, a quem se deve prestar contas das ações.

Ocorre, contudo, que a atividade de controle não é algo ilimitado. Sobre ela incidem regramentos próprios, os quais, se descumpridos, deslegitimam a atividade desenvolvida pelo controlador. Essas limitações legais existem para evitar que o controlador não seja confundido com o administrador. A este incumbe a tarefa de gerir a coisa pública. Àquele, diferentemente, é outorgada a missão de fiscalizar e controlar os atos praticados por aquele que se colocou à disposição de gerir a coisa pública.

Como é cediço, os Tribunais de Contas foram criados com o objetivo de questionar os gastos públicos, não apenas sob o prisma da legalidade formal, mas, sobretudo, da economicidade, do interesse público, propondo soluções que melhor atendam aos interesses da coletividade. Não se pode desprezar, contudo, que, no exercício da atividade fiscalizatória com o viés punitivo, diversas garantias devem ser observadas, tais como aquelas ligadas ao devido processo legal, sob pena do inevitável reconhecimento da manifesta falta de legitimidade das ações fiscalizatórias, colocando em risco a credibilidade do próprio órgão fiscalizador. É em razão disso, inclusive, que se afirma que a existência de limitações no exercício das atividades dos órgãos de controle deve-se à necessidade de o controlador não se confundir com o administrador, sob pena de haver ofensa direta ao princípio da segregação de funções. Essa diferença é que precisa ser bem compreendida pela sociedade, para que não seja debitada “na conta” dos órgãos de controle, sem razão justificada, é claro, a culpa pela ineficiência da prestação dos serviços públicos.

III – A INDEPENDÊNCIA TÉCNICO-FUNCIONAL COMO SUSTENTÁCULO DE VALIDADE DAS AÇÕES DE CONTROLE

A ausência de subordinação hierárquica dos Tribunais de Contas em relação às demais instituições republicanas não se deve a outra razão senão à necessidade de independência como condição indispensável à credibilidade das inspeções, auditorias e análises dos processos que tramitam na instância de contas.

Lastreado nessa premissa, o Tribunal de Contas da União elaborou o seu Manual de Normas de Auditoria, do qual se extrai:

                        INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA

15. O termo “auxílio”, disposto no caput do artigo 71 da Constituição, não representa subordinação hierárquica do Tribunal em relação ao Congresso Nacional. A função de controle é atribuída diretamente pela Constituição, cujas disposições deixam inequívoco que se trata de um controle externo e independente. O TCU exerce competências próprias, independentes das funções do Congresso Nacional, e de suas decisões não cabem recursos ao Congresso Nacional ou a outros Poderes, se não no seu próprio âmbito.

INDEPENDÊNCIA DOS MEMBROS

20. Para assegurar a independência no desenvolvimento de suas funções, os ministros e auditores substitutos de ministros gozam de garantias previstas na Constituição Federal, de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, conforme §§ 3º e 4º do art. 73, da CF/88. Além disso, a composição colegiada do Tribunal visa a garantir a independência de suas decisões.

22. A jurisdição própria e privativa sobre as pessoas e matérias sujeitas à sua competência, conforme mencionado anteriormente, não significa que tais pessoas, entidades do governo, ou não, tenham relação de subordinação ao TCU. Particularmente, o governo, os administradores e demais responsáveis são plena e exclusivamente responsáveis por suas ações e omissões e não poderão alegar absolvição com base em verificações realizadas pelo TCU ou em opiniões de seu corpo técnico, a menos que sobre tais verificações ou opiniões tenham sido emitidos julgamentos legalmente válidos e aplicáveis nos termos da lei.

É inconcebível, seja do ponto de vista lógico, seja do ponto de vista jurídico, qualquer sistema tendente a vincular as manifestações técnicas das cortes de contas ao juízo técnico de pessoas distintas do agente controlador. Afora o descrédito de que se revestiria esse sistema, padeceria esse juízo técnico de graves vícios de nulidade, eis que totalmente dissociado do filtro basilar da imparcialidade.

A independência técnico-funcional, além de ser condição de validade do produto final das manifestações técnicas, constitui direito subjetivo do controlado, na medida em que este não pode ser considerado mero objeto processual, mas sujeito de direitos.

Lapidar é o ensinamento de J.U. JACOBY FERNANDES, para quem “nem mesmo a estrutura funcional hierarquizada, que obriga os agentes ao cumprimento de ordens, pode se sobrepor às considerações expendidas em termos de controle. É que, nesse particular, o controle emite sua manifestação como parecer técnico.” ¹ (JACOBY, 2012, p. 45)

 

Celso Antônio Bandeira de Mello, em percuciente análise feita em sua obra “Curso de Direito Administrativo”, conceitua “Parecer como sendo o opinativo de um órgão consultivo expendendo sua apreciação técnica sobre o que lhe é submetido.” (BANDEIRA DE MELLO, 2010, p. 441)

Hely Lopes Meirelles, por sua vez, leciona que “parecer técnico é o que provém de órgão ou agente especializado na matéria, não podendo ser contrariado por leigos ou mesmo por superior hierárquico. Nessa modalidade de parecer ou julgamento, não prevalece a hierarquia administrativa, pois não há subordinação no campo da técnica.” (MEIRELLES, 1990, p. 194).

Do Manual de Normas de Auditoria do Tribunal de Contas da União se extrai:

INDEPENDÊNCIA, OBJETIVIDADE E IMPARCIALIDADE

42. A credibilidade da auditoria no setor público baseia-se na objetividade dos auditores no cumprimento de suas responsabilidades profissionais. A objetividade inclui ser independente, de fato e na aparência, manter uma atitude de imparcialidade, ter honestidade intelectual e estar livre de conflitos de interesse.

43. O auditor deve manter-se afastado de quaisquer atividades que reduzam ou denotem reduzir sua autonomia e independência profissional, que não deve ser confundida com independência e autonomia funcional, bem como manter atitude de independência em relação ao fiscalizado, evitando postura de superioridade, inferioridade ou preconceito relativo a indivíduos, entidades, projetos e programas; deve ainda adotar atitudes e procedimentos objetivos e imparciais, em particular, nos seus relatórios, que deverão ser tecnicamente fundamentados, baseados exclusivamente nas evidências obtidas e organizados de acordo com as normas de auditoria, evitando que interesses pessoais e interpretações tendenciosas interfiram na apresentação e tratamento dos fatos levantados, bem como abster-se de emitir opinião preconcebida ou induzida por convicções político-partidária, religiosa ou ideológica.

44. O auditor deverá declarar impedimento ou suspeição nas situações que possam afetar, ou parecer afetar, o desempenho de suas funções com independência e imparcialidade.

MANUTENÇÃO DE INDEPENDÊNCIA, OBJETIVIDADE E IMPARCIALIDADE

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48.1. a independência, a objetividade e a imparcialidade sejam mantidas em todas as fases dos trabalhos;

É evidente, portanto, que não há como dissociar a eficácia da atividade do controle externo da independência que deve pautar a atuação das Cortes de Contas. Registre-se, por oportuno, que, em Resolução aprovada na sexagésima nona reunião da Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em 19 de dezembro de 2014, cujo teor foi publicado em 28 de janeiro de 2015, reconheceu-se que a eficácia das atividades das instituições de controle encontra-se condicionada a total independência dessas instituições das entidades auditadas, pois, somente assim, estarão as instituições de controle protegidas contra as influências externas. Transcreva-se ipisis litteris:

 

“1. Recognizes that supreme audit institutions can accomplish their tasks objectively and effectively only if they are independent of the audited entity and are protected against outside influence” (Resolution adopetd by the General Assembly on 19 december 2014, Sixt-ninht session)

Nesse panorama, dúvidas não há de que, no âmbito do Controle Externo, os pareceres técnicos demandam a qualificação técnica especializada do parecerista associada ao regramento de independência e imparcialidade, nos moldes traçados, inclusive, no Manual de Normas de Auditoria do TCU. Isso porque a qualificação técnica e a imparcialidade são garantias do jurisdicionado, eis que evidente a possibilidade de projeção de efeitos do processo de contas na esfera dos direitos subjetivos dos que se dispõem a gerir a Res Publicae, cite-se, à guisa de exemplo, a possibilidade de restrição dos direitos políticos, além da possibilidade de figurarem os gestores como réus em ações de improbidade administrativa e penais.

Como se vê, essa independência técnica, por razões lógicas, não se coaduna com os princípios de subordinação hierárquica, razão por que as manifestações técnicas devem ser lavradas por integrantes do corpo efetivo da Entidade Fiscalizadora (Tribunal de Contas), sob pena de o opinamento não se revestir de validade jurídica, tendo em vista que esses opinativos não se compatibilizam com qualquer interferência meritória externa. Ao “chefe” incumbe a determinação de feitura do parecer, mas a ele não cabe o direcionamento da manifestação, incorrendo, se assim proceder, nas sanções da Lei de Improbidade Administrativa, consoante se extrai das lições de Jacoby Fernandes, ancorado em precedentes do Supremo Tribunal Federal:

“[...] Em boa hora, o sistema jurídico tipificou como improbidade tanto a atitude daquele que influencia no parecer, quanto do que atende ao interesse escuso.³”

3. BRASIL. Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 3 jun. 1992. Seção 1, p. 6.993. Arts. 10 e 11; BRASIL. Código Penal Brasileiro. Org. Juarez de Oliveira. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. Arts. 319 e 321 (Versam, respectivamente, sobre prevaricação e advocacia administrativa). A jurisprudência vem se firmando no sentido de que o crime de prevaricação pode ser cometido em obediência a ordem de superior hierárquico, pois o acatamento de ordem do superior só isenta o subordinado se não for manifestamente ilegal: [...] outorga-se, assim, ao inferior hierárquico, uma relativa faculdade de indagação da legalidade da ordem”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão n. 126.679. Relator: Ministro Moreira Alves. (J.U.JACOBY FERNANDES, 2012, p. 47).

IV – CONFLITO DE INTERESSES ENTRE CONTROLADOR E CONTROLADO – “REPRESENTAÇÃO JUDICIAL – AÇÕES EM DEFESA DAS ATRIBUIÇÕES CONSTITUCIONAIS – AÇÕES EM CONFLITO COM O ENTE A QUE SE VINCULAM”

Inicialmente, torna-se imprescindível frisar que, a despeito de não serem órgãos personalizados, os Tribunais de Contas podem, por meio de seus órgãos jurídicos próprios, demandar e ser demandados em juízo, rótulo conceitual intitulado “personalidade judiciária”. A regra geral, contudo, é que as Cortes de Contas são representadas em juízo pelas Procuradorias dos entes aos quais se vinculam.

Há situações, entrementes, que demandarão a representação por meio de órgão jurídico próprio das Cortes de Contas, consoante se revela nos casos em que o Tribunal de Contas necessite figurar como sujeito ativo em mandado de segurança, objetivando fazer cessar eventuais embaraços ao exercício do seu mister conferido pelo legislador constituinte originário, causados, por vezes, pelos entes aos quais se vincula.

Essa possibilidade de atuação direta dos Tribunais de Contas encontra farto alicerce jurisprudencial, restando, portanto, incontroversa, senão vejamos:

“Mandado de segurança impetrado pela Presidência do Tribunal de Contas contra atos do Governador e da Assembleia Legislativa, ditos ofensivos da competência daquele Tribunal. Legitimidade ativa. Órgão Público despersonalizado e parte formal. Defesa do exercício da função constitucionalmente deferida ao Tribunal de Contas. Poder jurídico, abrangido no conceito de direito público subjetivo. Mandado de segurança cabível.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 74836/CE. Relator: Ministro Aliomar Baleeiro. Brasília, 7 de junho de 1973. Diário da Justiça [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 nov. 1973.)

“Registro, incialmente, que o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe tem legitimidade para apresentar a presente suspensão de segurança, objetivando defender a própria competência interna de punir seus membros e de proteger a instituição. Sobre o tema confira-se a SS n. 3.182/TO, do Supremo Tribunal Federal, relatada pela em. Ministra Ellen Gracie, decisão publicada em 21.6.2007. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Suspensão de Segurança n. 1919/SE. Decisão monocrática – Ministro César Asfor Rocha. Brasília, 15 dez. 2008. Disponível em: < http://www.stj.jus.br >. Acesso em 23 agosto de 2015.)

Pois bem. No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, a positivação legal e regimental atribui a Procuradoria-Geral do Estado e a Coordenadoria Jurídica do Tribunal de Contas atribuições distintas.

O §2º do artigo 85 da Lei Complementar Estadual n. 205/2011 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe) assim dispõe:

§ 2º A Procuradoria-Geral do Estado ou do Município, conforme o caso, deve ser cientificada para que, sob pena de responsabilidade solidária, promova a cobrança judicial dos débitos e multas imputados pelo Tribunal que não sejam adimplidos voluntariamente pelo apenado, no prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da publicação da súmula da deliberação no órgão oficial. (grifo nosso).

A interpretação que se extrai do sobredito dispositivo é que à Procuradoria-Geral do Estado cabe a adoção de medidas necessárias à recomposição do erário, quando a decisão do Tribunal atingir órgão estadual, além de promover a cobrança das intituladas multas administrativas, independente do ente sobre quem recaiam as multas, as quais são creditadas em favor do Fundo de Modernização do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe.  À Procuradoria-Geral do Município, por sua vez, cabe a adoção de medidas necessárias à recomposição do erário, quando a decisão do Tribunal atingir órgãos ligados ao Poder Executivo Municipal.

O §2º do artigo 36 do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe assim preconiza:

§2º À Coordenadoria Jurídica, integrante da estrutura da Diretoria Técnica, compete, em juízo, promover a defesa dos atos e decisões do Tribunal de Contas e sua efetiva aplicação, bem como, com a devida antecedência ou quando solicitado, o levantamento dos nomes dos responsáveis cujas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas tiverem sido rejeitadas por irregularidade insanável e por decisão irrecorrível. (grifo nosso)

Em igual sentido, apesar de a Norma Regimental revestir-se de melhor tecnicidade, é o texto do inciso I do artigo 3º da Resolução TC 241/2007, alterado pelo artigo 1º da Resolução TC 248/2007, ipsis litteris:

Art. 3º Integram a Diretoria-Geral as seguintes unidades:

I – Coordenadoria Jurídica, à qual compete analisar e emitir informação nos processos pertinentes a direitos funcionais dos servidores públicos previstos no art. 68, inciso III, da Constituição Estadual, o exercício da advocacia do Tribunal, exercendo o procuratório em processo judicial e extrajudicial; a emissão de parecer em processo, quando solicitado pelo Relator. (Grifo nosso)

Uma perfunctória interpretação literal do texto da Norma Regimental é o bastante para se extrair a conclusão lógica de que, no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe, é à Coordenadoria Jurídica a quem cabe, em juízo, promover a defesa dos atos e decisões do Tribunal de Contas e sua efetiva aplicação. Não se trata de competência para executar as decisões.

Temperando o entendimento, extrai-se que esses atos a que se refere o sobredito dispositivo são aqueles voltados à defesa das atribuições constitucionais, impedindo quaisquer ameaças de enfraquecimento delas.

Por outro lado, no que tange a defesa das decisões e da sua efetiva aplicação, parece-nos induvidoso que a materialização dessa competência, por parte do órgão jurídico, constitui meio indispensável à manutenção e ao fortalecimento dos comandos sentenciais lavrados a partir das decisões e deliberações do próprio Tribunal. A inação, seja quando intentada eventual ação anulatória de decisão perante o Poder Judiciário, seja quando não ocorra o cumprimento do contido nas decisões, por parte dos jurisdicionados, coloca em risco, desqualificando, por vezes, o trabalho e os esforços envidados ao longo de toda a instrução processual da instância de contas. Ao fim e ao cabo, não havendo monitoramento do cumprimento dessas decisões, a razão da marcha processual, que constitui meio, frise-se, não atingirá o seu fim precípuo.

Registre-se, por oportuno que, no ano de 2011, o Tribunal de Contas do Estado de Sergipe publicou o edital de “Concurso Público n. 01/2011”, objetivando o provimento de cargos com lotação na Coordenadoria Jurídica, exigindo, para tanto, diploma devidamente registrado, de Bacharel em Direito, reconhecido pelo Ministério da Educação, consoante se extrai do item II do prefalado chamamento editalício. Isso revela, a nosso sentir, preocupação e compromisso da Corte sergipana com a qualidade dos opinamentos jurídicos lavrados em processos de contas e com a validade e proteção das suas decisões.

Nessa toada, constata-se que essa competência atribuída aos órgãos jurídicos das Cortes de Contas é, hoje, uma realidade em diversos Tribunais de Contas Brasil afora, não apenas em razão do incontroverso entendimento jurisprudencial, mas, sobretudo, por razões lógicas e jurídicas. É o caso, por exemplo, do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, que foi mais além.

O artigo 100, inciso III da Lei Orgânica do TCE/PE e o artigo 6º, inciso III da Lei n. 15.011, de 20 de junho de 2013, incluem a Procuradoria Jurídica como Órgão Especial do Tribunal de Contas daquele Estado, integrada por procuradores providos por meio de aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Pernambuco – em sua realização, nos termos preconizados no §1º do artigo 128 da Lei Orgânica.

Os artigos 125 e seguintes da predita Lei Orgânica trazem um extenso rol de competências da Procuradoria Jurídica (PROJUR), dentre as quais o assessoramento Jurídico Superior e de representação judicial, nas hipóteses cabíveis.

 

A exigência do provimento desses cargos por meio de concurso público decorre, além de tantos outros fatores, da necessidade de garantir a independência de atuação dos seus ocupantes, no exercício da atividade de controle externo e de defesa da validade das decisões perante os órgãos do Poder Judiciário, afastando eventuais influências externas, mormente aquelas advindas das entidades auditadas.

Não foi outro o entendimento do Supremo Tribunal Federal, quando, tratando de situação análoga, manifestou entendimento no sentido de reconhecer que a atividade de fiscalização da legalidade interna dos atos da Administração Pública se incompatibiliza com os cargos “ad nutum”, senão vejamos:

“É inconstitucional o diploma normativo editado pelo Estado-membro, ainda que se trate de emenda à Constituição estadual, que outorgue a exercente de cargo em comissão ou função de confiança, estranho aos quadros da Advocacia de Estado, o exercício, no âmbito do Poder Executivo local, de atribuições inerentes à representação judicial e ao desempenho da atividade de consultoria e de assessoramento jurídicos, pois tais encargos traduzem prerrogativa institucional outorgada, em caráter de exclusividade, aos Procuradores do Estado pela própria Constituição da República. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Magistério da doutrina. – A extrema relevância das funções constitucionalmente reservadas ao Procurador do Estado (e do Distrito Federal, também), notadamente no plano das atividades de consultoria jurídica e de exame e fiscalização da legalidade interna dos atos da Administração Estadual, impõe que tais atribuições sejam exercidas por agente público investido, em caráter efetivo, na forma estabelecida do art. 132 da Lei Fundamental da República, em ordem a que possa agir com independência e sem temor de ser exonerado “ad libitum” pelo Chefe do Poder Executivo local pelo fato de haver exercido, legitimamente e com inteira correção, os encargos irrenunciáveis inerentes às suas altas funções institucionais.  (ADI 4843 MC-ED-Ref/PB – Relator Min. Celso de Mello, julgamento 11/12/2014 – PLENO)

Ao que se vê, resta hialina a necessidade de os Tribunais de Contas - aqueles que ainda não fizeram – instrumentalizarem os órgãos jurídicos, dotando-os dos meios indispensáveis ao exercício dos seus misteres, até porque do bom funcionamento deles dependem a eficácia do produto final das atividades desempenhadas por essas instituições, cuja existência é corolário do Estado Nacional e Democrático de Direito.

V – CONCLUSÃO 

O delineamento argumentativo nos permite chegar à conclusão de que, hodiernamente, a sociedade anseia por resultados que possam ser facilmente sentidos por meio da regular prestação dos serviços públicos postos à disposição da coletividade. Diante dessa carência, que, frise-se, vem sendo externalizada nas manifestações públicas, urge a adoção de medidas que possam trazer efetividade à missão institucional dos Tribunais de Contas. Essas medidas, contudo, apesar da urgência que a situação reclama, não podem se apartar do arcabouço jurídico-legal no qual deve se pautar a atuação dos órgãos de controle, mormente os regramentos que visam à proteção da independência técnico-funcional dos agentes de controle, com o fito de afastar ações judiciais tendentes a descredibilizar o produto final do trabalho desenvolvido pelos órgãos de auditoria.

Nesse sentido, alicerçado no entendimento de que o agente controlado é um sujeito de direitos, e não um mero objeto processual, propõe-se a estruturação e o fortalecimento dos órgãos jurídicos das Casas de Contas, objetivando garantir não só a blindagem das atribuições constitucionais, mas, sobretudo, a efetiva aplicação dos comandos decisórios prolatados pelas Cortes, permitindo, por via de consequência, que o cidadão mantenedor da coisa pública venha a sentir os reflexos da regular atuação dos Tribunais.

Para tanto, pelas mesmas razões que as manifestações técnicas têm a validade condicionada aos opinamentos especializados e dotados de imparcialidade, o procuratório judicial e extrajudicial, nas hipóteses cabíveis, consoante já explanado, deverá ser feito por integrantes do corpo jurídico efetivo dos Tribunais de Contas, cujo ingresso tenha se dado a partir de aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, exigindo-se como condição de ingresso o bacharelado em Direito, observando-se, ainda, quando do efetivo exercício da atividade jurídica, o teor do inciso II do artigo 1º do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, a exemplo do que ocorre no TCE/PE, tudo com o fito de garantir legitimidade à representação, diante das situações que demandarem a postulação aos órgãos do Poder Judiciário.

VI – REFERÊNCIAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010)

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. / Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. 3. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2012).

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1990).

NORMAS DE AUDITORIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO UNITED NATIONS - RESOLUTION ADOPTED BY THE GENERAL ASSEMBLY ON 19 DECEMBER 2014 – 69/228 – Sixty-ninth session.

Disponível em: < http://www.stj.jus.br >. Acesso em 23 de agosto de 2015.


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Sobre o autor
Ismar Viana

Advogado. Presidente da Comissão de Direito Administrativo e Controle da Administração Pública da OAB/SE. Analista de Controle Externo II (Auditor de Controle Externo) - Área de Auditoria Governamental - Especialidade Jurídica do TCE/SE. Graduado em Direito. Graduado em Letras (Habilitação Português/Inglês). Pós-graduado em Direito Administrativo. Pós-graduado em Direito Educacional. Professor. Parecerista.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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