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Responsabilidade pós-contratual

05/07/2016 às 16:42

Resumo:


  • A responsabilidade pós-contratual é conhecida como "responsabilidade (ou culpa) 'post pactum finitum'".

  • É a aplicação da responsabilidade civil após o término do contrato, abrangendo o dever de responsabilização pelos danos ocorridos após a extinção do contrato.

  • Deriva da aplicação do princípio da boa-fé objetiva, presente não apenas na execução do contrato, mas também na fase pós-contratual, regendo o comportamento ético das partes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Existe responsabilidade após o término de um contrato? Há possibilidade de responsabilização das partes mesmo depois da cessação do contrato, em atenção à aplicação do princípio da boa-fé objetiva?

A responsabilidade pós-contratual também é chamada de responsabilidade (ou culpa) "post pactum finitum".

Trata-se da aplicação da responsabilidade civil depois de terminado o contrato.

Segundo Lissandra de Ávila Lopes, a responsabilidade pós-contratual “caracteriza-se pelo dever de responsabilização pelos danos advindos após a extinção do contrato, independentemente do adimplemento da obrigação”. Assim, para a autora “pode-se dizer que a responsabilidade pós-contratual é uma projeção da responsabilidade pré-contratual, guardando-se as devidas particularidades”[2].


FASES CONTRATUAIS (PRÉ-CONTRATUAL, CONTRATUAL E PÓS-CONTRATUAL)

Conforme aduz Amanda Cruz Vargas[3], “a relação contratual não consiste somente na celebração de um contrato e no seu respectivo cumprimento”, pois “ela envolve diversas fases, diferentemente caracterizadas”.

Segundo Ademir de Oliveira Costa Júnior[4], o contrato é “uma sucessão de atos destinados a uma finalidade”. Para o autor, esta consideração permite a identificação de fases contratuais, de “três momentos do processo contratual”, que são: a fase pré-contratual, a fase contratual propriamente dita e a fase pós-contratual.


APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ

A responsabilidade pós-contratual advém da aplicação do princípio da boa-fé objetiva da teoria geral dos contratos.

Este princípio está positivado no artigo 422 do Código Civil, que determina expressamente que a boa-fé deve reger não só a execução do contrato (a fase contratual), mas também a conclusão do contrato (a fase pós-contratual). Nas palavras do referido dispositivo legal: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

O doutrinador Paulo Lôbo afirma que a melhor doutrina ressalta que a boa-fé também é aplicável antes da celebração do contrato (fase pré-contratual)[5].

Sobre a aplicação do princípio da boa-fé antes, durante e após o contrato, é o Enunciado 25 da Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, com o seguinte teor: “O art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação, pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”.

Pelo princípio da boa-fé objetiva, os contratantes precisam observar um padrão ético de conduta na formação, na execução e após a conclusão do vínculo contratual. Entende-se que este princípio cria no contrato deveres gerais de conduta (deveres anexos, deveres conexos), além das cláusulas escritas (criadas pela autonomia da vontade das partes). Os principais deveres gerais são o dever de informação (que envolve o acesso à informação contratual e a compreensão dessas informações), o dever de assistência (pré e pós-contratual) e o dever de cooperação (ligado ao princípio da solidariedade – as partes devem cooperar para que o contrato seja cumprido da melhor forma).

De acordo com Maurício Jorge Mota, citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[6]:

“A pós-eficácia das obrigações constitui portanto um dever lateral de conduta de lealdade, no sentido de que a boa-fé exige, segundo as circunstâncias, que os contratantes, depois do término da relação contratual, omitam toda conduta mediante a qual a outra parte se veria despojada ou essencialmente reduzidas as vantagens oferecidas pelo contrato. Esses deveres laterais de lealdade se consubstancializam primordialmente em deveres de reserva quanto ao contrato concluído, deveres de segredo dos fatos conhecidos em função da participação na relação contratual e deveres de garantia da fruição pela contraparte do resultado do contrato concluído.”

Assim, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirmam que “tudo gira, pois, em torno da necessidade de se proceder segundo um comportamento ético e probo esperado pelas partes, uma em face da outra”.[7]

Para Bruno Rodrigues Motta, a responsabilidade pós-contratual é “um dever anexo, acessório aos deveres principais constantes do contrato, podendo inclusive não ser escrito, decorrendo de pura hermenêutica legal e axiológica”[8].

Deste modo, conforme explica Lissandra de Ávila Lopes[9], ocorre a responsabilização pós-contratual com o descumprimento de deveres gerais de conduta (deveres anexos, deveres conexos) do contrato.


RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL

Ainda de acordo com Lissandra de Ávila Lopes[10], “a responsabilidade pós-contratual insere-se no âmbito das responsabilidades contratuais”. Para a autora, a responsabilidade pós-contratual não está na seara da responsabilidade extra-contratual, pois há “o inadimplemento dos deveres contratuais acessórios de lealdade, informação e proteção, continuando, portanto, o vínculo contratual em razão de persistirem também os efeitos do contrato”. Explica a autora que “o mesmo não se pode afirmar em relação à responsabilidade pré-contratual, uma vez que extinta a obrigação, cessam os efeitos do contrato. Nesse caso, tem-se a responsabilidade como sendo extracontratual”.


CASUÍSTICA

Na ordem jurídica brasileira, há poucos julgados envolvendo a culpa “post pactum finitum”.

A título de exemplo, cita-se jurisprudência recente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

CONSUMIDOR. AÇÃO ESTIMATÓRIA. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO NOVO. REGISTRO ANTERIOR EM NOME DE TERCEIRA PESSOA. INFORMAÇÃO OMITIDA DURANTE AS NEGOCIAÇÕES. BOA-FÉ. DEVERES ANEXOS. PERDA DE VALOR DE MERCADO. ABATIMENTO PROPORCIONAL DO PREÇO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O acervo informativo descortinado, sobretudo pelos documentos de fls. 13v e 14v, permite concluir que, na forma asseverada pela consumidora demandante, o carro adquirido como novo já teria sido registrado em nome de terceira pessoa. Patenteado, com isso, o descumprimento contratual, imputável à vendedora, que entregou à consumidora produto diverso daquele negociado, com valor de mercado reconhecidamente inferior ao preço pago. 2. O imperativo de boa-fé, por seus deveres anexos de lealdade, proteção e informação, deve balizar o comportamento das partes contratantes, desde a fase de aproximação (pré-contratual), passando pela execução do contrato e protraindo seus efeitos para a fase pós-negocial (post pactum finitum). A omissão de informação relevante, apta a influenciar na escolha do contratante e repercutir no valor de mercado do veículo, representa inequívoca violação dos deveres acessórios, abrindo, para o contratante, a possibilidade de buscar a rescisão do contrato ou o abatimento proporcional do preço pago. 3. Descumprido o dever essencial de informação, e, operada a entrega de bem qualitativamente inferior àquele escolhido e adquirido pelo consumidor, mostra-se procedente a pretensão estimatória – que deita raízes na actio quanti minoris – tendente a ensejar o abatimento proporcional do preço. 4. Comporta manutenção a sentença, que, valendo-se das regras da experiência comum, com fundamento no permissivo do art. 5º da Lei dos Juizados, reconhece a perda do valor de mercado do veículo e arbitra a indenização respectiva com base na tabela FIPE. 5. Apelo conhecido e desprovido. Condenada a recorrente vencida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, que arbitro em 20% (vinte por cento) do valor da condenação, ex vi do art. 55 da Lei nº. 9.099/95.

(TJ-DF – ACJ: 20140020305187 DF 0700865-74.2014.8.07.0016, Relator: LUIS MARTIUS HOLANDA BEZERRA JUNIOR, Data de Julgamento: 16/12/2014, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 18/12/2014. Pág.: 263) (grifo nosso)

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Bruno Rodrigues Motta[11] indica alguns casos de aplicação da responsabilidade pós-contratual no direito empresarial, no direito do trabalho e no direito do consumidor. No direito empresarial cita que, no caso de franchising, há a impossibilidade, de o franqueado, após a extinção do contrato, aplicar o know-how obtido para desempenhar atividade concorrente ao antigo franqueador. No direito do trabalho indica, por exemplo, a “impossibilidade do ex-empregador de compilar “listas negras”, objetivando “marcar” o trabalhador que ingressa com Reclamação Trabalhista”. Por fim, no direito do consumidor, o autor exemplifica “artigo 10, §1º, CDC, prevê o popular recall, consistente no reparo ou na retirada de produtos ou serviços do mercado, ou dos próprios consumidores, quando, após a colocação no mercado, o fornecedor toma conhecimento que apresente nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança”.

No âmbito do direito civil, exemplificam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: “a extinção de um contrato da prestação de serviços advocatícios ou médicos não fulmina o dever de sigilo gerado pelo vínculo estabelecido”. No âmbito do direito do trabalho, os autores também explicitam: “(…) não é pelo fato de que terminou a relação de emprego que um trabalhador esteja autorizado a revelar segredos a que somente teve acesso por força da relação contratual mantida”[12].


CONCLUSÃO

Enfim, diante de todas estas conceituações e exemplos, conclui-se que a responsabilidade pós-contratual é acarretada pela subsistência do vínculo entre as partes, mesmo após o fim do contrato, em virtude do princípio da boa-fé objetiva, que determina que as partes devem manter um comportamento ético e probo uma em relação à outra não apenas nas fases pré-contratual e contratual, mas também depois do seu término, pois o real objetivo do negócio realizado não pode ser frustrado sob a desculpa de que a obrigação tenha formalmente se extinguido, haja vista que o negócio jurídico não pode se tornar uma mera operação formal, sob pena de perder a sua essência.

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Sobre a autora
Renata Valera

Advogada. <br><br>Currículo online em: https://sites.google.com/site/curriculorenatavalera<br><br>Sites:<br>- http://renatavalera.jusbrasil.com.br<br>- https://renatavalera.wordpress.com<br>- https://sites.google.com/site/renatavalera

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALERA, Renata. Responsabilidade pós-contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4752, 5 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42795. Acesso em: 22 dez. 2024.

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