Norma revogada: cabimento de ADPF (entendimento do STF)

17/09/2015 às 10:45
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O entendimento do STF acerca do cabimento de ADPF em face de norma revogada.

No controle concentrado ou abstrato de constitucionalidade, analisa-se a compatibilidade de normas com a  Constituição, ou melhor, com o bloco de Constitucionalidade (Constituição, Emendas Constitucionais e o Decreto n. 6.949/09).

Nesse sentido, a ADI (ação direta de inconstitucionalidade) e a ADC (ação declaratória de constitucionalidade) têm como objeto leis ou atos normativos federais e estaduais, ou apenas federais, no segundo caso, posteriores ao parâmetro utilizado. Assim, o STF verificará se a norma impugnada é ou não constitucional, consoante o procedimento da Lei 9.868/99.

Por outro lado, a ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) tem função mais ampla, abordando os atos do poder público que violem preceitos fundamentais e também a controvérsia judicial sobre leis ou atos normativos federais, estaduais/distritais, municipais e até mesmo anteriores à Constituição Federal, conforme dispõe o artigo 1º, “caput” e seu paragráfo único da Lei 9.882/99. Importante lembrar que na ADPF incide o denominado princípio da subsidiariedade (art. 4º, §1º, Lei 9.882/99), segundo o qual a ADPF somente será utilizada se não houver outro meio capaz de sanar a lesão[1].

No que tange às normas revogadas, objeto desta discussão, ressalta-se que o STF, por vezes, decidiu que em ADI e ADC, a revogação da norma impugnada implica na perda do objeto da medida judicial, porquanto não há como se verificar se uma norma é ou não constitucional se não existe mais no ordenamento jurídico. Logo, a ação é julgada extinta sem resolução do mérito. Isso é o que se extrai da ementa abaixo trancrita:

“EMENTA Ação direta de inconstitucionalidade. Medida provisória convertida em lei. Crédito extraordinário. Eficácia da norma. Exaurimento. Prejudicialidade. 1. A Medida Provisória nº 477, de 29 de dezembro de 2009, convertida na Lei nº 12.240/2010, abre crédito extraordinário, em favor de diversos órgãos e entidades do Poder Executivo e reduz o orçamento de investimento de diversas empresas. Os créditos dessa natureza têm vigência temporalmente limitada ao exercício financeiro para os quais foram autorizados, salvo se editados nos últimos quatros meses desse exercício, circunstância em que sua realização é postergada para o exercício financeiro seguinte. 2. Como a medida provisória objeto desta ação foi publicada em 29 de dezembro de 2009, verifica-se que a utilização do crédito extraordinário ali constante limitava-se, impreterivelmente, ao exercício financeiro correspondente ao ano de 2010. É possível concluir que os créditos previstos ou já foram utilizados ou perderam sua vigência. Portanto, não subsistem situações passíveis de correção no presente, na eventualidade de se reconhecer a sua inconstitucionalidade. Há, desse modo, perda superveniente do objeto, considerado o exaurimento da eficácia jurídico-normativa do ato hostilizado. 3. A jurisprudência do STF é pacífica quanto à prejudicialidade da ação direta de inconstitucionalidade por perda superveniente de objeto, a qual tanto pode decorrer da revogação pura e simples do ato impugnado como do exaurimento de sua eficácia . Precedentes. 4. Ação direta julgada extinta sem julgamento de mérito.” (ADI 4365, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 05/03/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-085 DIVULG 07-05-2015 PUBLIC 08-05-2015) – destaca-se.

Contudo, em relação à ADPF, o raciocínio foi diverso. Explica-se.

O STF se deparou com o tema no julgamento da ADPF n.33, entendendo, naquela oportunidade, que esse instrumento [a ADPF] pode analisar a legitimidade de norma pré-constitucional já revogada, haja vista o interesse jurídico de entender sua aplicação em relação à situação passada.

Em síntese, o caso envolvia aplicação de art.34 do Regulamento de Pessoal do Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará (IDESP) - Decreto Estadual n. 4.307/86, que aprovou o Regulamento de Pessoal do IDESP (Resolução do Conselho Administrativo nº 8/86), sob o fundamento de ofensa ao princípio federativo, no que diz respeito à autonomia dos Estados e Municípios (art. 60, §4º, CF/88) e à vedação constitucional de vinculação do salário mínimo para qualquer fim (art. 7º, IV, CF/88).

Após análise da norma, o STF julgou o pedido procedente para declarar a não recepção em relação à CF/88. Oportuno mencionar a ementa do julgamento:

“EMENTA: 1. Argüição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada com o objetivo de impugnar o art. 34 do Regulamento de Pessoal do Instituto de Desenvolvimento Econômico-Social do Pará (IDESP), sob o fundamento de ofensa ao princípio federativo, no que diz respeito à autonomia dos Estados e Municípios (art. 60, §4o , CF/88) e à vedação constitucional de vinculação do salário mínimo para qualquer fim (art. 7º, IV, CF/88). 2. Existência de ADI contra a Lei nº 9.882/99 não constitui óbice à continuidade do julgamento de argüição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal. 3. Admissão de amicus curiae mesmo após terem sido prestadas as informações 4. Norma impugnada que trata da remuneração do pessoal de autarquia estadual, vinculando o quadro de salários ao salário mínimo. 5. Cabimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental (sob o prisma do art. 3º, V, da Lei nº 9.882/99) em virtude da existência de inúmeras decisões do Tribunal de Justiça do Pará em sentido manifestamente oposto à jurisprudência pacificada desta Corte quanto à vinculação de salários a múltiplos do salário mínimo. 6. Cabimento de argüição de descumprimento de preceito fundamental para solver controvérsia sobre legitimidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive anterior à Constituição (norma pré-constitucional). 7. Requisito de admissibilidade implícito relativo à relevância do interesse público presente no caso. 8. Governador de Estado detém aptidão processual plena para propor ação direta (ADIMC 127/AL, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04.12.92), bem como argüição de descumprimento de preceito fundamental, constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi. 9. ADPF configura modalidade de integração entre os modelos de perfil difuso e concentrado no Supremo Tribunal Federal. 10. Revogação da lei ou ato normativo não impede o exame da matéria em sede de ADPF, porque o que se postula nessa ação é a declaração de ilegitimidade ou de não-recepção da norma pela ordem constitucional superveniente. 11. Eventual cogitação sobre a inconstitucionalidade da norma impugnada em face da Constituição anterior, sob cujo império ela foi editada, não constitui óbice ao conhecimento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, uma vez que nessa ação o que se persegue é a verificação da compatibilidade, ou não, da norma pré-constitucional com a ordem constitucional superveniente. 12. Caracterizada controvérsia relevante sobre a legitimidade do Decreto Estadual nº 4.307/86, que aprovou o Regulamento de Pessoal do IDESP (Resolução do Conselho Administrativo nº 8/86), ambos anteriores à Constituição, em face de preceitos fundamentais da Constituição (art. 60, §4º, I, c/c art. 7º, inciso IV, in fine, da Constituição Federal) revela-se cabível a ADPF. 13. Princípio da subsidiariedade (art. 4o ,§1o, da Lei no 9.882/99): inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão, compreendido no contexto da ordem constitucional global, como aquele apto a solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata. 14. A existência de processos ordinários e recursos extraordinários não deve excluir, a priori, a utilização da argüição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude da feição marcadamente objetiva dessa ação. 15. Argüição de descumprimento de preceito fundamental julgada procedente para declarar a ilegitimidade (não-recepção) do Regulamento de Pessoal do extinto IDESP em face do princípio federativo e da proibição de vinculação de salários a múltiplos do salário mínimo (art. 60, §4º, I, c/c art. 7º, inciso IV, in fine, da Constituição Federal)” (destaca-se)

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Note o destaque do item 10 da ementa que explicita que, no caso de norma pré-constitucional, ainda que revogada, a ADPF se mostra o meio hábil para verificar sua recepção ou não.

Pois bem. Até então era esse o entendimento do STF.

Posteriormente, no julgamento da ADPF n.84, o STF entendeu ser possível a admissão (cabimento) de ADPF que tenha por objeto uma norma revogada que produziu efeitos (no caso em tela, uma medida provisória – norma pós-constitucional), eis que não haveria outro meio cabível para sanar a possível lesão (incidência da subsidiariedade).

Registra-se que aludida medida provisória foi editada e produziu efeitos durante certo período (3 meses). Em razão da alegação de inconstitucionalidade, foram ajuizadas ADIs em face dela, inclusive com medida liminar concedida. Todavia, o Senado Federal acabou por rejeitá-la, o que resultou na perda do objeto das ADIs outrora propostas. Diante dessa situação, o partido político PFL ajuizou a ADPF sustentando que, pelo princípio da subsidiariedade, caberia a ADPF para analisar a questão.

A demanda foi rejeitada pelo Relator, o que levou o Arguente a interpor agravo regimental. O Pleno do Tribunal deu provimento ao recurso, determinando que a matéria fosse apreciada por meio da ADPF, conforme ementa abaixo:

“EMENTA: Agravo regimental a que se dá provimento, para determinar o processo da ação de descumprimento de preceito fundamental, para melhor exame”

Destaca-se que a demanda ainda está pendente de julgamento e sua discussão foi além desse ponto, versando sobre o alcance da norma do §11º do artigo 62, CF[2]

Enfim, conforme os julgados aqui colacionados, verifica-se que o STF manifestou entendimento que, ao contrário do que ocorre na ADI e ADC é possível que ADPF tenha por objeto atos já revogados.


[1] Registra-se que a subsidiariedade deve ser analisada sob uma perspectiva objetiva, ou seja, em relação ao cabimento de outros meios do controle de constitucionalidade.

[2] Art. 62, § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas

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Sobre o autor
Paulo Henrique Lêdo Peixoto

Advogado e consultor jurídico. Mestre em Direito. Professor de Direito Constitucional e Humanos. Parecerista e palestrante.

Informações sobre o texto

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