Capa da publicação Lei Menino Bernardo nº 13.010/2014 e a polêmica da proibição de castigos físicos em crianças e adolescentes
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Análise da Lei Menino Bernardo (Lei nº13.010/2014)

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Os posicionamentos acerca da lei 13.010/2014, conhecida popularmente como “Lei Menino Bernardo” ou Lei da Palmada, criaram um enfrentamento social sobre a possibilidade do exercício do poder familiar como castigo físico.

Resumo:O presente artigo visa analisar a lei 13.010/2014, esta é conhecida popularmente como Lei da Palmada, este nome foi dado ainda durante a tramitação do projeto de lei, mas posteriormente tornou-se conhecida como Lei Menino Bernardo. Embora esta lei seja de suma importância para coibir o tratamento cruel e degradante contra crianças e adolescentes, com o intuito de discipliná-los, este ainda é um assunto polêmico que merece a devida atenção e consideração.

Palavras-chave: Lei Menino Bernardo; Tratamento cruel; Crianças e adolescentes.

Abstract:This article aims to analyze the Law 13.010 / 2014 , this is popularly known as the Law Spanking , this name was given even during the course of the bill , but later became known as the Law Boy Bernardo . Although this law is of paramount importance to curb the cruel and degrading treatment of children and adolescents , in order to discipline them , this is still a controversial issue that deserves attention and consideration.


Introdução

Este artigo visa abordar os posicionamentos acerca da lei 13.010/2014, conhecida popularmente como “Lei Menino Bernardo”. O nome foi adotado pelos deputados quando ainda da tramitação do então projeto de lei 7672/2010, da Presidência da República brasileira, proposto ao Congresso Nacional Brasileiro. Já a imprensa brasileira apelidou a lei de Lei da Palmada.

Esta lei tem o intuito de punir pais, responsáveis e educadores que se utilizem de castigos corporais e/ou de tratamento cruel ou degradante para disciplinar crianças e adolescentes. Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, criança é a pessoa de até doze anos incompletos, enquanto adolescente abrange pessoas entre doze e dezoito anos[1].

Tal tema é bastante polêmico tendo em vista que o castigo físico como forma de punição de um comportamento, é um método bastante utilizado e está enraizado na cultura brasileira. Muitos entendem que a utilização dos castigos físicos corresponde ao exercício poder familiar, antigo pátrio poder.

O artigo 17, do ECA estabelece o direito da criança de não sofrer nenhum tipo de atos que atentem contra a sua integridade física e psíquica[2]. No mesmo estatuto em seu artigo 4° que cabe a família, a sociedade e ao poder público zelar pela efetivação dos direitos da criança e do adolescente[3].

No decorre da história da sociedade a família sofreu modificações, alguns hábitos que antes eram a aceitos como exercício de um legítimo direito de disciplinar os filhos hoje são repugnados por muitos e são tidos como desnecessários e descabidos. Nos dias de hoje são idealizadas outras formas de educar, sem a utilização de agressões físicas e psíquicas de modo evitar o sofrimento de criança e adolescente. As famílias que eram fortemente caracterizadas pelo patriarcalismo, com o passar do tempo, assumiram uma nova roupagem admitindo paulatinamente um prisma mais dinâmico com o poder familiar antigo pátrio poder, que correspondia a um direito absoluto o qual era ilimitado e que era conferido ao chefe da organização familiar, sobre os demais integrantes do núcleo familiar.

Não se é preciso ir muito longe, no tempo em que nossos pais frequentavam a escola era bastante corriqueiro o uso de palmatória, tanto em casa quanto nos colégios, já que a palmatória era usada para punir alunos que se comportassem de forma tida como descabida pela instituição e pelos pais.

De alguns anos pra cá vem se reforçando a ideia que tal tipo de tratamento deve ser combatido tendo em vista que não se mostra uma forma eficaz para sanar um comportamento tido como desviado. A sanção moral muitas vezes tem efeito disciplinador mais eficaz do que a sanção física. Tal entendimento nos trouxe o seguinte questionamento qual a melhor forma de combater uma conduta tida como negativa, punindo ou tentando reeducar sem a utilização de castigos físicos apenas mostrando que tal ato não é correto e mostrando a esta pessoa em formação o por que desse comportamento ser reprimido.

O que podemos constatar facilmente é que muitos pais no intuito de educar seus filhos acabam por lesionando seriamente e essas lesões em alguns casos ocasionam a morte ou outros transtornos de cunho psicológico que irão repercutir no seu comportamento futuramente. Nossa legislação por reintegradas vezes quando aborda as agressões que são deferidas tanto contra menores que são filhos dos agressores. Quando a violência é praticada contra filhos do agressor isto representa uma causa de aumento das penalidades previstas no Código Penal Brasileiro. Isto por que o código considera o grau de vulnerabilidade da criança no seio familiar bem como reconhece a sua condição de uma pessoa em desenvolvimento, em formação. O Estatuto da criança e do adolescente também objetiva a tutela da integridade física e psíquica dos menores. Idealizando que no ambiente familiar existam condições salubres que possam proporcionar o seu desenvolvimento psicossocial.

A referida lei busca coibir qualquer tipo de violência praticada contra crianças e adolescentes. Mas paira o seguinte questionamento será mesmo necessário que exista tal codificação ou será que a nossa intensa legislação já pode abarcar esses casos de agressão?


Histórico

Antes mesmo de analisarmos a lei 13.010/2014 na íntegra é importante observarmos a história dos castigos físicos impostos às crianças e aos adolescentes em determinados períodos históricos. Isso devido ao fato de que nossa cultura é derivada de outras, outras essas que influenciaram significativamente o nosso método educacional e o de ensino.

Nesse contexto, a forma de disciplinar um ser em formação através de punições físicas quando esse não mantém um comportamento satisfatório é um traço de nossa sociedade. Característica que se tornou um hábito bastante comum adquirido de longas datas.

Em referência a história brasileira, desde a época do Brasil Colônia que existem relatos de castigos físicos como forma de disciplinar crianças e adolescentes. Podemos observar tal relato no trecho de uma explicação da historiadora Mary Del Priore.

O castigo físico em crianças foi introduzido no Brasil pelos padres jesuítas no século XVI, causando indignação nos indígenas, que repudiavam o ato de bater em crianças. A correção era considerada uma forma de amor. O excesso de carinho devia ser evitado porque fazia mal aos filhos. A relação entre os pais e suas crianças teria de ser o espelho do amor divino, segundo o qual, amar é castigar os erros e dar exemplo de vida correta. Os castigos disciplinares devem ser aplicados não apenas para corrigir as chamadas ‘malcriações’ e ‘birras’ como também serve para sacudir a preguiça que é considerada culpada de muitos erros e ignorâncias desde cedo no espírito da criança[4].

Vale ressaltar também a existência de troncos e de pelourinhos nas aldeias administradas pelos jesuítas que eram usados como instrumentos de castigos às crianças que fugia da escola[5].

Em relação à mesma época, com a expulsão dos jesuítas do Brasil, pelo Marquês de Pombal, ocorreu uma reforma nas relações educacionais das crianças e dos adolescentes. Esse feito introduziu normas punitivas que permitiam aos professores castigar aos alunos, como a utilização da palmatória e se ajoelhar no milho.

Relatos sobre a vida de crianças e adolescentes das civilizações greco-romanas e hebreias, culturas que também serviu de base à brasileira, já ilustraram a presença da violência. Para a criança hebreia, por exemplo, a disciplina era primordial. Uma lei do século XIII A.C. instruía os pais sobre como castigar filhos desobedientes e rebeldes e, quando estes tinham dificuldade na realização desta tarefa, um conselho era solicitado para lidar com o filho problema, punindo-o e apedrejando-o até a morte.

Seguindo a mesma forma de correção comportamental dos filhos, a conduta da sociedade no Brasil Império se procedia de forma rude e sem o mínimo de tratamento digno a esses indivíduos em estudo. Podemos ver isso na seguinte abstração.

[...] A correção era vista como uma forma de amor. O “muito mimo” devia ser repudiado. Fazia mal aos filhos. [...] O amor de pai devia inspirar-se naquele divino no qual Deus ensinava que amar “é castigar e dar trabalhos nesta vida”. Vícios e pecados, mesmo cometidos por pequeninos, deviam ser combatidos com ‘açoites e castigos’. [...][6].

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O autoritarismo do patriarca no período imperial brasileiro abatia-se sobre toda a sua família, em particular, sobre os filhos. O personagem paterno inspirava terror, principalmente aos filhos que, desde pequenos, entravam em contato com o poder paterno:

[...] Acostumavam-se, por meio de castigos físicos extremamente brutais, a não duvidarem de sua prepotência. Os espancamentos com palmatórias, varas de marmelo (às vezes com alfinetes na ponta), cipós, galhos de goiabeira e objetos de sevícias do gênero, ensinavam-lhes que a obediência incontinenti era o único modo de escapar à punição.[...] A justiça concedia ao pai o direito de castigar escravos, filhos e mulheres, “emendando-lhes das más manhas”, conforme ditavam as Ordenações do Reino.[7]

Embora a violência contra crianças e adolescentes possa ser identificada em relatos históricos desde os primórdios das civilizações, seu reconhecimento, como sendo um problema, é relativamente recente.

Portanto, as crianças e os adolescentes não eram vistos, no aspecto social, como sujeitas de direitos e não eram amparados por nenhuma legislação específica que assegurasse sua integridade física em outras épocas. Sendo ainda que devido a uma cultura enraizada na violência sobre o mais fraco, o costume de “bater para educar” se consolidou. Sendo necessária uma mudança de hábitos na sociedade que deve ser imposta através de legislações específicas.


Lei Menino Bernardo

Os argumentos favoráveis à Lei são que ela visa ao reconhecimento e a garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes e à superação de um costume arcaico. Outros argumentos são que a violência física não educa os menores de idade para uma cultura que pretende ser de não-violência e de paz.

Segundo seus defensores, a lei 13.010/2014 é uma das ações que pretende educar as pessoas para que resolvam os seus problemas através do diálogo e da compreensão mútuas, e não por meio de agressões físicas e/ou humilhações.

A aprovação do projeto de lei acarretou a alteração da Lei nº 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:

“Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou proteger.

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se:

I – castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em sofrimento ou lesão à criança ou adolescente;

II – tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou o adolescente.

Art. 18-B. Os pais, integrantes da família ampliada, responsáveis, agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar, tratar, educar ou proteger crianças e adolescentes que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso:

I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;

II – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

III – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

IV – obrigação de encaminhar a criança a tratamento especializado;

V – advertência.

Parágrafo único. As medidas previstas nesse artigo serão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras providências legais.

Art. 70-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão atuar de forma articulada na elaboração de políticas públicas e execução de ações destinadas a coibir o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e difundir formas não violentas de educação de crianças e adolescentes, tendo como principais ações:

I – a promoção de campanhas educativas permanentes para a divulgação do direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos;

II – a integração com os órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, com o Conselho Tutelar, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e as entidades não governamentais que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente;

III – a formação continuada e a capacitação dos profissionais de saúde, educação, assistência social e dos demais agentes que atuam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente para o desenvolvimento das competências necessárias à prevenção, à identificação de evidências, ao diagnóstico e ao enfrentamento de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente;

IV – o apoio e o incentivo às práticas de resolução pacífica de conflitos que envolvam violência contra a criança e o adolescente;

V – a inclusão nas políticas públicas de ações que visam garantir os direitos da criança e do adolescente, desde a atenção pré-natal, de atividades junto aos pais e responsáveis com o objetivo de promover a informação, a reflexão, o debate e a orientação sobre alternativas ao uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante no processo educativo;

VI – a promoção de espaços intersetoriais locais para a articulação de ações e elaboração de planos de atuação conjunta focados nas famílias em situação de violência, com participação de profissionais de saúde, de assistência social, de educação e de órgãos de promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.

Parágrafo único. As famílias com crianças e adolescentes com deficiência terão prioridade de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e proteção.”

Art. 2º Os arts. 13 e 245 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, tratamento cruel ou degradante e os de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.

“Art. 245. Deixar o profissional da saúde, da assistência social, da educação ou qualquer pessoa que exerça cargo, emprego ou função pública de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento envolvendo suspeita ou confirmação de castigo físico, tratamento cruel ou degradante ou maus-tratos contra criança ou adolescente:

Pena – multa de três a vinte salários mínimos, aplicando-se o dobro em caso de reincidência”.

Art. 3º O art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, passa a vigorar acrescido do seguinte § 7º:

“Art. 26 § 7º Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção de todas as formas de violência contra a criança e o adolescente serão incluídos, como temas transversais, nos currículos escolares de que trata o caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente, observada a produção e distribuição de material didático adequado.”

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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