Poder Familiar
O poder familiar pode ser conceituado como os deveres e direitos dos pais perante os filhos, tanto em face da pessoa e também aos bens destes. Poder familiar já estava previsto no Código Civil de 1916, porém era denominado pátrio poder. No Código Civil de 2002 houve a mudança de pátrio poder para poder familiar, já que esta última é considerada mais apropriada que o pátrio poder, já que existiu uma alteração cultural na sociedade, onde o pátrio poder era somente exercido pelo pai perante os seus filhos, visto que antigamente a sociedade brasileira era fortemente marcada pelo patriarcalismo. Já nos dias de hoje, não é somente o pai que possui tal poder sobre os filhos e sim, os pais, que em conjunto que exercem tal função.
Contudo, Carlos Roberto Gonçalves ainda não considera a expressão “poder familiar” a mais adequada a ser utilizada, preferindo o termo “autoridade parental”, que já é um termo utilizado em legislações estrangeiras, pois o termo ‘autoridade’ retrata melhor a função em exercício focada no interesse de outro indivíduo, sem o uso de sansões físicas e/ou psíquicas, no intuito de reparar de condutas não aceitas, resultante do poder[8].
No CC de 2002, o pode familiar é abordado no artigo 1.630 que diz que os filhos menores estão sujeitos ao poder familiar[9].
Porém, levando-se em consideração a abordagem do poder familiar no contexto da Lei, que é tema deste, há quem diga que a aprovação desta Lei interfere diretamente nos princípios específicos do Direito de Família, onde a principal crítica, gira em torno do Princípio da Intervenção Mínima do Estado no Direito de Família. Tal princípio é fundado em que o Estado, visando a priorizar a sócio afetividade, não há de intervir nas relações familiares, nos núcleos familiares. Vale ressaltar, que a intervenção mínima do Estado nas famílias, não quer dizer que ele não possa agir, em alguns momentos em que for necessário, pois assim, terá, o Estado, uma figura assistencialista e de apoio.
Enraizado ao caráter assistencialista do Estado, com enfoque na Lei abordada, o Direito de Família tem outro princípio que é bastante abordado nas argumentações dos posicionamentos, contra e a favor, que é o Princípio da Plena Proteção das Crianças e Adolescentes. Em tal princípio é priorizado o bem estar dos filhos menores, onde todos os integrantes do núcleo familiar, especialmente o pai e a mãe, devem sempre resguardar os direitos das crianças, fazendo com que elas tenham acesso à educação, saúde, lazer e também a proteção de sua integridade física e moral. Os pais que não cumprirem com tais deveres, gerados pelo poder familiar, assim como aplicar castigos de maneira não moderada, poderão perdê-lo, o poder familiar, assim como é preceituado no Código Civil em seu Artigo 1.638[10] e também no ECA, artigo 24[11].
Assim, a Lei Menino Bernardo está intimamente ligada ao poder familiar e a alguns principio do Direito de Família o que leva a ser embate de vários questionamentos e polêmicas, pois existem vários argumentos e pontos de vista, a favor e contra, que tais posicionamentos serão melhor abordados nos tópicos seguintes.
Aspectos favoráveis a Lei Menino Bernardo
A discussão sobre a Lei Menino Bernardo, trás diversas posições sobre o tema. Neste tópico serão abordados os argumentos de quem se posiciona a favor e sobre os aspectos psicológicos que são bastante abordados em tal posicionamento.
Toda criança e adolescente têm o direito de serem educados, sem o uso de qualquer forma de violência física, psicológica ou mental. Sendo assim, qualquer forma de omissão por parte dos pais para com os filhos, que impliquem o uso de determinada violência, configura-se um desrespeito ao direito que crianças e os adolescentes possuem de terem tratamento digno.
Por causa da cultura da nossa sociedade, como já foi tratado anteriormente, os pais tem o costume de bater nos filhos como uma forma de educa-los. Diante disso, a lei n° 13.010 de 2014, fez-se necessário para estabelecer e considerar inaceitável qualquer tipo de violência, acabando a cultura que considera aceitável o uso de castigos físicos nas relações familiares, fazendo com que os pais se reeduquem para que assim possam educar seus filhos de forma pacífica, sem o uso de castigos físicos, sendo estes banidos do meio doméstico, considerado para muitos uma conduta detestável.
Além disso, quando há uma análise do atual ordenamento jurídico constata-se que existe uma clara distinção entre violência “moderada” e violência “imoderada”, sendo esta objeto de punição, enquanto aquela tornou-se tolerável e por vezes aceitável. Um claro exemplo desta diferenciação pode ser notado no CC, onde em seu artigo 1.638, I, estabelece que "perderá por ato judicial o poder familiar o pai, ou a mãe que castigar imoderadamente o filho (...)".
Contudo, efetuar uma distinção entre violência “moderada” e “imoderada” é extremamente dificultoso e controverso, pois se trata de uma análise subjetiva. Por isso, a lei em trâmite visa extinguir o uso da “violência moderada”, considerando assim, inaceitável o uso da força física que possa resultar em dor ou lesão à criança ou ao adolescente. Sobre este assunto, Stolze (2011) fala que “a grande celeuma gira em torno da conhecida “palmadinha corretiva”, também vedada nos termos da lei, e que, para muitos pais, estaria inserida no âmbito lícito do direito correcional, desde que exercida de forma moderada”.
Portando, assim como se considera ilícita a resolução de conflitos entre adultos com a utilização da violência, a referida lei busca igualar crianças, adolescentes e adultos, observando-se que a agressividade pode trazer uma série de consequências ao desenvolvimento do menor, tanto danos físicos como psicológicos, fazendo com que comprometa o bom desenvolvimento deste.
Atualmente, muitos psiquiatras, sociólogos e psicólogos afirmam que uma criança vítima de castigos corporais terá grandes chances de reproduzir em sua idade adulta tudo aquilo que passou, o tornando assim, um adulto violento e agressivo. A contrário senso observa-se que os castigos físicos não educam, e sim ensinam as crianças a resolver seus problemas com o uso da força, pois estas entenderam que é possível machucar alguém desde que seja menor e mais frágil.
Por isso, a punição física pode causar tormento e grande mágoa à criança, e assim ela poderá adquirir uma relação com os pais baseada no medo que sentem destes, podendo manifestar toda a raiva, a dor e a frustração que sentem quando tiverem forças expressá-la. Entretanto, quando a família é construída com um vinculo baseado em amor e afeto, os benefícios serão nítidos e concretos.
Posicionamento Contra
Os que se posicionam de forma contrária a aprovação da referida lei defendem que este não se faz necessário, tendo em vista a nossa extensa e volumosa legislação a qual já em inúmeros artigos, do Código Penal, ECA e Código Civil, já preveem penalidades para os que atentarem contra a integridade física e psíquica das crianças e adolescentes.
Uma das problemáticas existentes no Brasil é a efetividade social no que diz respeito a legislação, isto é possuímos inumaras leis com pouca ou sem efetividade, então a questão em tela não diz respeito apenas a elaboração da lei, e sim da efetividade das leis já existentes.
Em nosso Código Penal, na parte que versa sobre o crime de maus tratos, em seu artigo 136, afirma entre outras coisas, que quem expuser a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, quer abusando de meios de correção ou disciplina, sujeitar-se-á a uma pena de detenção até um ano. Ainda no Código Penal, existe a penalidade para os casos em que ocorrer lesão corporal no artigo 129, onde estabelece que quem “ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem” terá como pena detenção até 1 ano. No §9º do mesmo artigo, o legislador aborda os casos em que ocorrer lesão corporal sob o âmbito domestico[12]. No Código Civil, em seu Artigo 1.638, prevê a punição do pai ou a mãe que castigar de forma imoderada seu filho, perdendo o poder familiar.
A Lei de Tortura, prevê no art. 1° que quem submeter alguém, sob guarda, poder ou autoridade, com o emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo, estará sujeito à pena de reclusão de até 8 anos. Se a pessoa sob guarda, poder ou autoridade for criança ou adolescente, a pena de reclusão poderá chegar a 10 anos e 8 meses.
O ECA no artigo 232, estabelece que quem submeter criança ou adolescente que se encontre sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento, será penalizado com detenção de até 2 anos.
Como podemos ver por inúmeras vezes, o código versa acerca sobre possíveis agressões que podem ocorrer no ambiente domestico, mas o nosso problema não é um problema normativo, tendo em vista inúmeras leis que já existem, é um problema de cunho prático, de efetividade, isto porque já possuímos muitas leis, mas estas muitas vezes não são cumpridas.
O governo cada vez mais vem implementando conjunto de medidas que visam atenuar tal problemática, incentivando a população que denuncie os casos de maus tratos, bem como realizando um conjunto de medidas de amparo aos menores que foram vítimas de violência. Com essa conscientização o número de denuncias aumentou consideravelmente.
Considerações Finais
O artigo abordou, em seu conteúdo, sobre a Lei 13.010/2014 que ficou popularmente conhecida como Lei Menino Bernardo. Foi dado enfoque nos principais questionamentos sobre a aprovação desta lei, e para melhor entendermos o porque da elaboração desta lei foi feito um contexto histórico para poder explicar a forte cultura da nossa sociedade em ter como violência física uma forma que os detém para poder educar seus filhos e corrigir as suas condutas que são tidas como erradas.
Tal conduta de agressão é vista como um direito absoluto dos pais, que levam em consideração o poder poder-familiar como esse direito de educar seus filhos como quiserem.
Contudo, a lei foi criada no intuito de proteger as crianças e adolescentes dessas agressões físicas, que com um enfoque psicológico, causam sérios problemas no desenvolvimento nas vítimas, sendo este o principal argumento a favor da aprovação da lei. Porém, fazendo uma análise do atual ordenamento jurídico brasileiro, observa-se que já se é tratado sobre os maus tratos à crianças e adolescentes por reiteradas vezes e a criação de uma lei específica pra tal modalidade criará apenas um inchaço legislativo e assim a lei terá sua eficácia prejudicada. Com isso, foi elaborada uma pesquisa para visualizarmos melhor o pensamento das pessoas sobre o tema abordado neste artigo.
9 Referencias Bibliográficas
AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Lei da Palmada não é bicho de sete cabeças Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=7584>. Acesso em 21/10/2013.
CHAGAS, José Ricardo. A Lei da Palmada: Uma infelicidade legislativa. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 03 ago. 2010. Disponível em: <http://www.conteudojuridiuco.com.br/?colunas&colunista=12447_Jose_Chagas&ver=693>. Acesso em: 21 de outubro de 2013.
CÓDIGO CIVIL
CÓDIGO PENAL
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
LEI DA TORTURA
Lei da palmada: reflexões e implicações psicojurídicas. Jaqueline Siqueira Pellegrini, Letícia Maffini de Paiva, Lohana Pinheiro Feltrin, Marina Somavilla Feversani. 2013.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, Volume VI: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2011.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume IV: Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2011.
LONGO, Cristiano da Silveira. A punição Corporal Doméstica de Crianças e Adolescentes. 2002.
LONGO, Cristiano da Silveira. Ética Disciplinar e Punições Corporais na Infância. 2005
LUCCHESE, Geraldo. Castigos Corporais em Crianças. Sanitarismo, 2011.
Notas
[1] Art. 2°, ECA Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
[2] Art. 17, ECA. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
[3] Art. 4º, ECA É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
[4]Mary Del Priore, História das Crianças no Brasil
[5]Chambouleyron, 2000, p.63
[6]Priore, 1999, pp. 96-97
[7]Costa, 1983, pp.156-157
[8] Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro, Volume VI, p. 368.
[9] Art. 1.630, CC: Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.
[10] Art. 1638, CC: Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
[11] Art. 24, ECA: A perda e a suspensão do pátrio poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como nas hipóteses de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.
[12] Art. 129, §9º, CPB: Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.