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A prescrição no processo penal eleitoral

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O instituto da prescrição é regulado em fatos investigados na Lei Eleitoral dentro dos prazos e parâmetros dispostos no Código Penal. A omissão da legislação especial impõe a plena prevalência impositiva do que a própria lei eleitoral discorre invocando a aplicação direta da norma penal substantiva.

O Direito Eleitoral é um dos ramos da legislação brasileira que atualmente mais fomentam o exercício da democracia e da soberania popular, por meio da instrumentalização da garantia constitucional de votar e ser votado. Essa premissa é decorrente da formação do Estado Democrático de Direito, instituído pela Constituição Federal de 1988, e que por sua vez traz os instrumentos de regulamentação, organização e tutela dos seus jurisdicionados.

Dentro destas premissas, recentemente veio à tona discussão a respeito da prescrição envolvendo os crimes eleitorais. Ainda que o Direito Eleitoral tenha sua maneira própria de tutela dos tipos objetivos, não é de sua constituição uma teoria própria do crime eleitoral, ou ainda um arcabouço próprio de regras e princípios com o escopo de assegurar a aplicação de suas sanções. Por isso, o Código eleitoral dispõe no seu artigo 287 que: "Aplicam-se aos fatos incriminados nesta lei as regras gerais do Código Penal". 

Ainda que a Legislação Eleitoral (Código Eleitoral, Lei das Eleições, Lei de Inelegibilidade, ou outras leis esparsas que preconizam crimes eleitorais), tenha o condão de prever fatos típicos, esta aplica a estes crimes eleitorais penas privativas de liberdade restritivas de direitos ou pecuniárias, mas algumas das penas eleitorais têm caráter puramente educador, que se assemelha com a prevenção geral negativa, como leciona Claus Roxin. Algumas penas têm caráter nitidamente intimidatório, cuja função precípua é de fazer com que o acusado sirva de exemplo a seus pares, evitando assim a repetição de quaisquer condutas reputadas ilícitas.

No entanto, como se denota, alguns dos crimes eleitorais não estabelecem preceitos secundários, deixando assim de prever o mínimo e o máximo de pena aplicado a cada tipo. No entanto, fugindo à teoria geral do crime, o Código Eleitoral prevê que na ausência tácita dos limites mínimos da pena, os crimes punidos com detenção terão o patamar mínimo de pena fixado em 15 dias de prisão, e para os crimes apenados com reclusão, o patamar mínimo de 1 ano de prisão.

Os delitos eleitorais estão claramente descritos na lei eleitoral e são sempre acompanhados das sanções penais correspondentes (detenção, reclusão e multa cominados em conjunto ou individualmente), e são previstos nos seguintes institutos: a) Código Eleitoral - arts. 289 a 354; b) Lei das Eleições - arts. 33, § 4º; 34, §§ 2º e 3º; 39, § 5º; 40; 68, § 2º; 72; 87, § 4º; 91, parágrafo único; c) Lei de Inelegibilidades - art. 25; d) Leis esparsas, como a lei que trata dos transportes dos eleitores em dia de eleição - Lei nº 6 091/74, art. 11.

Dentro dessa especialidade surge a questão: Qual o prazo de prescrição dos crimes eleitorais? Sacramentada no nosso ordenamento jurídico, a prescrição se engloba como modalidade de restrição temporal do direito de punir do Estado, na medida em que o direito de punir estatal não é infinito, sofrendo limitações inclusive de âmbito temporal, ou seja, o Estado tem prazo certo e determinado para punir o agente criminoso. Se for extrapolado este limite temporal, resolve-se em favor do acusado, como se este nunca tivesse sido processado anteriormente.

Assim, a punibilidade que se atribui a determinada conduta não é eterna, sofrendo limitações temporais, exceto aos casos onde a lei não restringe o direito de punir estatal, tal como ao crime de racismo, onde a própria Carta política declara imprescritível 

Damásio de Jesus afirma que "prescrição é a perda do poder-dever de punir do Estado pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória durante certo tempo", isto é, o Estado perde o direito de ver satisfeitos os dois objetos do processo.

Há na doutrina grandes controvérsias sobre a natureza jurídica do instituto da prescrição. É certo que apontam três correntes distintas: os que consideram como instituto de Direito Penal; os que consideram como ramo de Direito Processual Penal; e, os que consideram tratar-se de instituto de caráter misto.

Mesmo que haja considerações diversas, a maioria da doutrina e jurisprudência estabelece que se trataria de norma de direito material, do ramo penal, onde se trata de direito do réu, previsto no próprio código penal como causa de extinção da punibilidade, impondo que após determinado período não se pode mais punir o agente por aquele delito, pela patente falta de interesse do Estado em punir aquele indivíduo. 

Especificamente em relação aos crimes de competência da Justiça Eleitoral, a prescrição penal, por manifesta ausência de previsão legal específica, impõe a aplicação da regra do já mencionado artigo 287 do Código Eleitoral, se aplicando, aos crimes eleitorais, as normas gerais estabelecidas pelo Código Penal. 

Damásio de Jesus pondera que: "são aplicáveis aos delitos eleitorais todos os princípios atinentes à prescrição contidos em nosso estatuto penal comum". Em consunção ao citado preceito ainda se extrai a regra insculpida no artigo 12 do Código Penal, que dispõe: "As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso".

Esse é o caso que ocorre na espécie da lei eleitoral. O Código Eleitoral, assim como a legislação esparsa que integra a legislação eleitoreira, sendo omissa quanto à prescrição das infrações penais, adota a Lei Penal Geral como o fim específico de regência da matéria.

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A este teor, referende-se que Celso Delmanto e outros autores e, também, Júlio Fabbrini Mirabete, que a este teor, leciona: "Nos termos do artigo 12, as regras da prescrição, como normas gerais que são, aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. Assim, aplicam-se integralmente os dispositivos do Código Penal (...) aos crimes eleitorais (Lei n. 4.737, de 15/7/1965) e às outras leis que não contenham disposições relativas à prescrição." 

Luiz Carlos dos Santos Gonçalves realça: "O emprego do Código Penal como centro do sistema está assegurado pelo art. 287, do Código em estudo: 'Aplicam-se aos fatos incriminados nesta lei as regras gerais do Código Penal.' Ainda que assim não fosse, temos o art. 12 do próprio Código Penal, que determina que: 'Art. 12. As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.' Desse modo, cabem no universo dos crimes eleitorais institutos como o da tentativa, da detração, do sursis, do livramento condicional, do regime inicial, da substituição da pena etc. Da maior importância para a efetividade da persecução penal eleitoral é a adoção dos comandos do Código Penal relativos à prescrição. Aplicam-se ao Direito Penal Eleitoral todas as figuras de prescrição (abstrata, intercorrente, retroativa, da execução etc.), bem como suas causas suspensivas e interruptivas." 

O Supremo Tribunal Federal também já pacificou a questão, adotando o Código Penal como norma subsidiária para tratar da prescrição dos crimes eleitorais. Desta forma, adotando a regra geral da prescrição no Código Penal, para os crimes eleitorais, tem-se que a prescrição computa-se: entre a data do recebimento da denúncia e a da publicação da sentença ou entre a data da sentença e o Aresto que a confirma em Grau de Recurso, nos moldes da Lei n.° 12.234/2010.

E, se aplicam todas as causas de diminuição dispostas na Lei Penal : a menoridade relativa (entre 18 e 21 anos na data do fato) e maioridade senil (maior de 70 anos na data da sentença), casos em que o prazo prescricional reduz-se pela metade (art. 115, CP), exigindo-se comprovação por meio de registro de nascimento, ainda que não haja contestação pela acusação. E ainda diante do contido no art. 119 do Código Penal, nos casos onde se vislumbra o concurso material (art. 69, CP), concurso formal (art. 70, CP), ou o crime continuado (art. 71, CP) cada delito tem seu prazo prescricional próprio, contado individualmente. É preciso salientar que as causas de suspensão e interruptivas igualmente são aplicáveis (art. 116 e 117 do Código Penal).

Com base na linha da doutrina mais avalizada e da posição uniforme do STF, induvidosamente, há que se afirmar que o instituto da prescrição é regulado em fatos investigados na Lei Eleitoral dentro dos prazos e parâmetros dispostos no Código Penal. A omissão da legislação especial impõe a plena prevalência impositiva do que a própria lei eleitoral discorre invocando a aplicação direta da norma penal substantiva. 

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Sobre os autores
Guilherme Pereira Gonzalez Ruiz Martins

Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Pós-Graduado em Direito e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Advogado do escritório Bialski Advogados Associados.

Daniel Leon Bialski

Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, membro da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa, Advogado sócio do escritório Bialski Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Guilherme Pereira Gonzalez Ruiz ; BIALSKI, Daniel Leon. A prescrição no processo penal eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4472, 29 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43166. Acesso em: 26 abr. 2024.

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