História do Direito Público e Político: análises acerca do processo de formação do Estado Nacional brasileiro

30/09/2015 às 09:48
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Esse breve comentário sobre as instituições do Brasil Imperial busca estabelecer uma reflexão geral acerca das questões dogmáticas da constituição imperial de 1824, visando e, através da mesma, tecer um breve perfil do período histórico citado.


 

Esse breve comentário sobre as instituições do Brasil Imperial busca estabelecer uma reflexão geral acerca das questões dogmáticas da Constituição Imperial de 1824, visando e, através da mesma, tecer um breve perfil do período histórico citado. Para isso, vale-se do mecanismo de discorrer sobre questões sociais, jurídicas e políticas, reconstruindo, verdadeiramente, diversas faces do período monárquico brasileiro.

Os primeiros sinais de gestação do Estado Nacional brasileiro remontam às rápidas e controversas alterações realizadas no momento da vinda da Corte Real portuguesa para o território da atual colônia brasileira. Relembra-se o fato de que fugia das incursões das tropas napoleônicas D. João de Bragança, príncipe regente do Reino de Portugal. O mesmo, em frente ao Estado português desde o afastamento de sua mãe, resolvera transladar a Corte e todo aparato burocrático presente em Lisboa para a verdadeira jóia da Coroa portuguesa, isto é, a colônia do Brasil. Agindo como tal, o regente português evitava um confronto direto com os irredutíveis franceses comandados por Junot e selava, desde então, o destino da nação brasileira. Sobre o tema, fundamenta Laurentino Gomes:


“Outros, no entanto, o consideram um estrategista político que, sem recorrer às armas, enfrentou com sucesso os exércitos de Napoleão e conseguiu não só preservar os interesses de Portugal como deixar um Brasil maior e melhor do que havia encontrado ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1808” (LAURENTINO, p.327).

Destarte, após a chegada da Corte e de todo mecanismo burocrático, simplesmente, transferia-se para uma distante possessão ultramarítima a sede de uma monarquia multicontinental. Imagine-se que, em lugar da monarquia portuguesa, se transferisse a sede do Estado de outra nação, tal qual a Grã-Bretanha. Em certo dia, após as exigências do momento, a rainha Vitória e seus ministros começassem a despachar da Índia, atravessando todo o Atlântico e o Índico para tal. Apenas citando essa comparação tem-se certeza do grau de mudança e revolução ocorrido. Portanto, com a transferência da Corte para o Rio de Janeiro, na capital da colônia no momento, iniciava-se uma atividade modernizante que, sem perceber, atribuía ao Brasil o status de nação, contribuindo para o aumento do hiato existente entre a metrópole e a próspera colônia. Abriam-se os portos e a elite local sentia-se próxima do monarca, outrora inacessível às margens do Tejo. Funcionavam, agora, uma biblioteca régia, um jardim botânico e diversas instituições de ensino superior e artístico, sem computar as outras benfeitorias realizadas quando a estadia da Corte.


“Nenhum outro período da história brasileira testemunhou mudanças tão profundas, decisivas e aceleradas quanto os treze anos em que a corte portuguesa morou no Rio de Janeiro. Num espaço de apenas uma década e meia, o Brasil deixou de ser uma colônia fechada e atrasada para se tornar um país independente” (LAURENTINO, p. 327).

Semelhantes acontecimentos acabariam por resultar no rompimento completo entre Brasil e Portugal. Ora, não se poderia esperar outro resultado, contando-se pelo fato do movimento de independência de grande parte das outras colônias da América, do qual o Brasil não se excluiu, embora tenha trilhado caminho diverso das outras nações, tornando-se a única monarquia em territórios do Novo Mundo. Com a independência, nasceram problemas de natureza jurídica para serem resolvidos pela recém-formada nação. Devia-se elaborar uma constituição que passasse a reger o novo Império, a qual deveria convalidar os ideais jurídicos do período, isto é, conformados com os interesses e perspectivas da classe dirigente, como os grandes latifundiários e agregados da alta-burocracia.


“Na tentativa de garantir e criar uma nova nação, desvinculada da “pátria”, que era ainda portuguesa, as elites do sul do país apostaram claramente, portanto, na monarquia e na conformação de uma ritualística local. A realeza aparecia, em tal contexto, como o único sistema capaz de assegurar a unidade do vasto território e impedir o fantasma do desmembramento vivido pelas ex-colônias espanholas. É nesse sentido que a monarquia se transforma em um símbolo fundamental em face da fragilidade da situação”(SHWARCZ,p. 22).

Contudo, o projeto de estabelecer um regime constitucional no Brasil, longe de representar um verdadeiro marco de democratização no pós-indepedência, confirmou-se como uma imposição de valores ainda absolutistas pelo primeiro monarca brasileiro, D. Pedro I. Destarte, a Assembléia Constituinte, convocada para elaborar uma constituição para a nação recém-formada, fora frustrada por uma dissolução imposta por Pedro I, como reação a limitação de seus poderes por uma constituição de caráter liberal. Em contrapartida, seria outorgado, tragicamente, um diploma que, mesclava princípios liberais herdados da Carta Constitucional francesa com elementos do antigo absolutismo português, dos quais D. Pedro não abriu mão.


“No caso do Estado brasileiro, pode-se afirmar que a primeira Carta constitucional já em seu nascedouro resultou de um inevitável conflito de interesses. Contudo, para melhor elucidação desta constatação, cumpre esclarecer que o Brasil somente passou a ser considerado em sua potencialidade como nação com a chegada, em 1808, da família real portuguesa que, temendo o avanço das tropas napoleônicas, se utilizou da então colônia, como refúgio e meio de manter-se livre de quaisquer ameaças”(CURIONE & ROSANA, p.102).

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Confirmava-se, portanto, um projeto centralizador e autocrático para a direção do jovem Estado. Baseando em um modelo de organização política proposto por Benjamin Constant, e contrariando a forma comum e democrática de Montesquieu, concebeu-se um quarto poder para a direção do Estado brasileiro, o intitulado poder Moderador. A constituição outorgada, em seu artigo 98º, instalava um poder reservado à figura do imperador, cuja alcunha seria de “chave de toda a organização política” (BRASIL, 1824). Entre as atribuições desse quarto poder, listavam-se as prerrogativas de nomear os presidentes de província, remover magistrados, dissolver a câmara, aprovar senadores, demitir o gabinete ministerial e conceder anistia e comutação de penas, além de concentrar o cargo de comandante supremo das Forças Armadas e representante da nação. Assim, verifica-se um centralismo autoritário, no qual a atuação das províncias é limitada e incompleta, escapando da situação, entretanto, as cidades e vilas que possuíam relativa estabilidade de autogestão. Nas mesmas, elegiam-se vereadores com mandados fixos, aos quais cabia a administração e gestão das localidades sob sua jurisdição, embora tudo estivesse restrito à atuação das pequenas elites locais:


“De outra parte, a forma de gestão dos municípios era a de órgãos administrativos e judiciários com relativa autonomia o que, segundo estudiosos do tema representou um grande avanço para a época” (CURIONE & ROSANA, p.106).

Inclui-se também uma analise do poder Judiciário, de acordo com as atribuições facultadas a este pela Constituição de 1824. O poder jurisdicional era concebido como mero aplicador das normas, não sendo garantido ao mesmo o exercício de controle de constitucionalidade, nem de observação aos princípios constitucionais. O papel de zelar pelas disposições da Lei Maior era delegado apenas ao poder Legislativo, mas isto só poderia ser feito mediante a elaboração de normas e de leis interpretativas, o que resulta em morosidade e inadequação com os princípios constitucionais. Além disso, os magistrados, durante o período imperial, não contavam com as garantias atualmente concebidas pela vigente Carta Fundamental de 1988, isto é, não lhes era próprio a caráter de vitaliciedade e inamovibilidade, podendo os mesmo ser removidos quando fosse conveniente aos interesses do Estado.

Dentre essas e outras limitações ao exercício da cidadania, elenca-se, ainda, a ocorrência de eleições indiretas e qualitativas. Tais pleitos censitários serviam, portanto, para segregar a grande massa depauperada dos acontecimentos políticos, já que se exigia uma renda mínima para possuir direito à participação política, sendo a grande maioria da população brasileira empobrecida e remediada, o que confirma a tendência antipopular de nossa história. Como conseqüência, formou-se uma cultura de exclusão das massas nas eleições e acontecimentos políticos, com campanhas eleitorais desligas da apreciação popular e próxima a indicações e apadrinhamentos por grandes políticos.


“Prevaleceu uma concepção cara ao liberalismo europeu do século XIX de que era preciso garantir a qualidade dos representantes, de modo que homens devidamente qualificados chegassem ao parlamento habilitados para decidir de acordo com os ‘verdadeiros interesses nacionais’ ”(DOLHNIKOFF, p.42).


Finalmente, em contraste as já práticas antidemocráticas já citadas, a Constituição Imperial consolidava a instituição do júri no ordenamento jurídico nacional, como também possibilitava a ocorrência de acordos e conciliações entre as partes em litígio, representações de atenção com a vagarosidade potencial do Judiciário da terra. Não obstante, o artigo 179º do mesmo diploma, garantia a positivação dos chamados direitos fundamentais da pessoa humana, os quais não seriam mais olvidados pelo constituinte nacional na formulação das constituições seguintes, originando, portanto, uma tradição na cultura jurídica pátria.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


 CURIONE MERGULHÃO, Rossana Teresa.  ALVARENGA COUTINHO JUNIOR, Bazilio de. Rossini Machado. Elton Fernando. A Constituição Imperial de 1824: Uma breve análise dos aspectos sociais, políticos, econômicos jurídicos. Araucaria. Revista Iberoamericana de Filosofía, Política y Humanidades. Volume 13. Número 26. 2011. Disponível em:< http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=28220704006>. Acessado em: 22/08/2015.


DOLHNIKOFF, Miriam. Representação na monarquia brasileira. Almanack braziliense. Número 09. 2009. Disponível em:< http://www.revistas.usp.br/alb/article/view/11706/13478>. Acessado em: 22/08/2015.


GOMES, Laurentino. 1808. São Paulo. Editora Planeta. 2007.


SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2ª edição. São Paulo. Companhia das Letras. 1998.

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Sobre o autor
Vítor Cazumbá Azevedo

Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia- UESB

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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