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Exame criminológico pode ser gravado para melhor avaliação de benefício

05/10/2015 às 15:55
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Deve a Justiça admitir que os exames criminológicos possam ser gravados, para que o juiz, promotor e advogado tomem conhecimento, e para que se possa avaliar se a conclusão se coaduna com o exame realizado.

Durante a vigência da legislação anterior, qualquer pessoa que cumpria pena, necessariamente, devia passar por exame pericial para que se pudesse obter parecer quanto ao preenchimento das condições subjetivas à promoção de regime de cumprimento de pena e ou concessão de livramento condicional.

Porém, a Lei 10.792/03 alterou a reda­ção originária do artigo 112 da Lei de Execução Penal e revogou expressamente a exigência do exame criminológico para os fins de progressão de regime, o substitu­indo pela necessidade de parecer elaborado pela Comissão de Classificação Técnica (art. 7º da LEP). A lei condicionou sua imprescindibilidade aos casos de crime hediondos e ou cometidos com violência à pessoa.

Neste sentido, inclusive, se posicionou a Suprema Corte ao estabelecer a súmula vin­culante de n° 26, facultando ao juiz que examinará o benefício determinar, de maneira fundamentada[1], a realização do exame crimi­nológico.

Aliás, neste sentido, Alexis Couto de Brito consigna que:

“Foi necessária a edição da Súmula vinculante 26 para tentar eliminar o entendimento equivocado, com a seguinte redação - “para efeito de progressão de regime no cumprimento da pena por crime hediondo, ou equipa­rado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização do exame criminológico”[2].

Vale mencionar também que o ministro Marco Au­rélio Mello assinalara:

“Na segunda parte, penso que se reintroduz, no cenário normativo – já que o verbete vinculante tem força erga omnes, só não obrigando o Congresso Na­cional -, exigência prejudicial ao réu. Volta a valer o texto primitivo derrogado pela lei que mencionei, a Lei 10.792/03. A derrogação, para mim, mostra-se, no caso, muito clara. Por que? Porque antes havia o parágrafo único com a se­guinte redação: a decisão será motivada e precedida de parecer da comissão técnica de classificação e do exame criminológico. Esse texto foi expungido, ou seja, tendo em conta a realidade brasileira – volto ao quadro mencionado da tribuna pelo ilustre defensor, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo -, esse exame já se mostrava, senão inócuo – quanto ao conteúdo de duvidosa propriedade -, inviável, porque oitenta mil presos aguardavam, havendo alcan­çado tempo para a progressão, o famigerado exame. Recordo, a imprensa vei­culou a existência de trabalho visando, justamente, a dar àquele que estão sob a custódia do Estado tratamento digno, tratamento previsto na própria Consti­tuição Federal. Por isso, penso que não podemos desconhecer essa realidade normativa, ou seja, que a exigência do exame criminológico seja afastada como requisito necessário à progressão. […]”

Entretanto, o que se tem visto é uma realidade difusa. O exame voltou a ser determinado e de forma automática, deixando de ser excepcional como a norma impôs inicialmente[3].

Temos a crença que o exame pode e deva ser realizado sempre que o julgador considerar que o caso mereça uma avaliação técnica do psicólogo, psiquiatra e do assistente social. A grande preocupação é a forma como estes exames são realizados.

E assim se coloca porque a experiência em casos concretos tem demonstrado uma similitude nas conclusões dos exames realizados, nos fazendo pensar que não se tem dado a devida importância a essa análise.

Por isso, é importante postular a possibilidade de acompanhamento dos exames por peritos auxiliares. Obviamente que isso já foi negado pelos estabelecimentos prisionais e pelos juízes de primeiro grau, porém, a Corte de Justiça do Estado de São Paulo em alguns recursos entendera que a possibilidade da nomeação de assistentes técnicos deveria ser permitida.

Em um julgamento, por maioria, se entendeu que se a visita íntima era viabilizada aos presos, não se teria razão e motiva para possibilitar que assistente técnico capacitado pudesse entrar no estabelecimento e realizar a perícia.            

Este primeiro precedente ficou assim ementado:

“... Habeas Corpus - Execução Penal - Pleito de progressão ao regime semiaberto - Determinação da realização de exame criminológico para análise do requisito subjetivo do reeducando para obtenção do benefício - Decisão devidamente justificada com base em histórico prisional desfavorável do paciente - Constrangimento ilegal inexistente - Insurgência do condenado para que lhe fosse possibilitado trazer aos autos contraprova, notadamente crítica ao trabalho do Perito Oficial... CONCEDERAM A ORDEM EM PARTE PARA O FIM EXCLUSIVO DE GARANTIR ENTREVISTA DO ASSISTENTE TÉCNICO COM O PACIENTE, POR ÚNICA VEZ, NO PRAZO DE 30 DIAS...”(TJ-SP – Rel. Des. ALMEIDA SAMPAIO, HC n.º 0079684-91.2011.8.26.0000)

Analogicamente, inclusive, o quanto dispõe os artigos 159, § 5º, II, e § 7º, do Código de Processo Penal c.c. 421 º§ 1º incisos I e II, do Código de Processo Civil, amparava o Direito pretendido e reconhecido, determinando a nomeação de assistente técnico e ou profissional para auxiliar na sua avaliação médica-psicológica.

E neste momento não se permitiu o acompanhamento desse exame nem pelo advogado e ou pelo seu assistente. Todavia, a padronização dos exames continuou e diversos são os casos em que se constata o uso de termos genéricos e que não retratam e individualizam a situação daquele que está na busca do benefício da semiliberdade e ou liberdade plena. Mas, vai-se além.

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Muitas vezes, pela falta de tecnicidade dos exames e pelo abusivo uso de expressões subjetivas, não se pode aquilatar o motivo e qual a razão daquela afirmação e ou conclusão do perito nomeado.

Nem mesmo os assistentes técnicos indicados puderam e ou perceberam qual a forma e a técnica do exame realizado, dificultando não somente debater o que inserido, mas o exame correto e adequado do postulado.

Neste sentido, é que deve então a Justiça começar a admitir que estes exames também possam ser gravados, seja para que o juiz, promotor e advogado tomem conhecimento, seja para que se possa avaliar se a conclusão externada realmente se coaduna com o exame realizado.

Atualmente, com a gama de recursos tecnológicos, se sabe que qualquer celular e ou equipamento fotográfico grava áudio e vídeo com perfeição. E se os atos procedimentais do processo penal podem ser gravados, não há óbice para que na esfera da execução penal, isso seja devidamente aplicado (art.405 e parágrafos do Código de Processo Penal).

É importante lembrar uma frase de Francesco Carnelutti, que diz: "Basta tratar o delinqüente como um ser humano, e não como uma besta, para se descobrir nele a chama incerta do pavio fumegante que a pena, em vez de extinguir, deve reavivar".

Portanto, há que permitir essa amplitude porque não existe razão para impedir que se faça a gravação de áudio e vídeo dos exames realizados, ampliando assim a possibilidade de conhecimento para uma melhor avaliação de quem pode e quem não deve ser agraciado-beneficiado e passar à próxima etapa de sua ressocialização.


Notas

[1]Neste enfoque, não é demasiado colacionar a lição do douto Professor Antonio Scarance Fernandes[1], sobrelevando, a esse propósito, a evolução da forma de analisar-se a garantia da motivação dos atos decisórios, a saber: “Evoluiu a forma de se analisar a garantia da motivação das decisões. Antes entendia-se que se tratava de garantia técnica do processo, com objetivos endoprocessuais: proporcionar às partes conhecimento da fundamentação para poder impugnar a decisão; permitir que os órgãos judiciários de segundo grau pudessem examinar a legalidade e a justiça da decisão. Agora, fala-se em garantia de ordem política, em garantia da própria jurisdição. Os destinatários da motivação não são mais somente as partes e os juizes de segundo grau, mas também a comunidade que, com a motivação, tem condições de verificar se o juiz, e por conseqüência a própria Justiça, decide com imparcialidade e com conhecimento da causa. É através da motivação que se avalia o exercício da atividade jurisdicional. Ainda, às partes interessa verificar na motivação se as suas razões foram objetivação, pois, através dela, evidencia a sua atuação imparcial(in Processo Penal Constitucional, pag.119”;

[2] In execução Penal. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 245;

[3]"A execução da pena não pode ficar alheia aos desdobramentos da garantia constitucional da reserva legal. Em consequência, qualquer modificação na execução da pena deve se dar com a observância do devido processo legal, não se mostrando possível restringir direito sem expressa previsão legal. (TACRIMSP – REL. Juíza Angélica de Almeida – HC 424.858-2);

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Sobre o autor
Daniel Leon Bialski

Mestre em Direito Processual Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, membro da Comunidade de Juristas de Língua Portuguesa, Advogado sócio do escritório Bialski Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIALSKI, Daniel Leon. Exame criminológico pode ser gravado para melhor avaliação de benefício. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4478, 5 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43329. Acesso em: 18 abr. 2024.

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