Os princípios norteadoras da publicidade decorrem principalmente da prática negocial entre concorrentes, e podem ser encontrados, basicamente, na Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor. Tal como disposto abaixo.
Princípio da Liberdade de Expressão:
Conforme dita esse princípio, a obra publicitária não sofrerá qualquer restrição, desde que elaborada de acordo os preceitos da Constituição Federal e demais normas. A esse respeito, o artigo 220 da Constituição Federal:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
Este artigo encontra respaldo no parágrafo único do artigo 170, também da Carta Magna, o qual assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, salvo nos casos previstos em lei. Conclui-se, portanto, que o princípio da liberdade de expressão está intimamente ligado ao princípio da livre iniciativa, modelador do sistema econômico brasileiro.
Princípio da Correção Profissional:
Este princípio implica no dever do concorrente de agir com lealdade e boa fé na captação de seus clientes, sempre observando os bons costumes nas práticas negociais. Sua violação resulta na prática da chamada concorrência desleal.
MARCO ANTONIO MARCONDES PEREIRA classifica o princípio da correção profissional como o mais importante, pois dele emanam os outros, como o da veracidade e o da identificação[1].
O princípio da correção profissional foi consagrado no artigo 10 bis da Convenção de Paris, revista em Estocolmo em 1967, em vigor por força do Decreto nº 635, de 21 de agosto de 1992 e pelo Decreto nº 1.263, de 10 de outubro de 1994 (o qual ratificou a Revisão de Estocolmo), que assim dispõe:
1) Os países da União obrigam-se a assegurar aos nacionais dos países da União proteção efetiva contra concorrência desleal.
2) Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial.
3) Deverão proibir-se particularmente:
a) todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão contra o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente;
b) as falsas alegações no exercício do comércio, suscetíveis de desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente.
c) as indicações ou alegações cuja utilização no exercício do comércio seja suscetível de induzir o público em erro sobre a natureza, modo de fabricação, características, possibilidades de utilização ou quantidade de mercadorias.
Referido princípio encontra previsão também no artigo 1º e artigo 5º do CBARrP, na medida em que impõem à todo anúncio o dever de ser honesto:
Artigo 1º – Todo anúncio deve ser respeitador e conformar-se às leis do país; deve, ainda, ser honesto e verdadeiro.
Artigo 5º – Nenhum anúncio deve denegrir a atividade publicitária ou desmerecer a confiança do público nos serviços que a publicidade presta à economia como um todo e ao público em particular.
Princípio da Não-Abusividade:
A definição de publicidade abusiva pode ser encontrada no artigo 37, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
§2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite, da deficiência de julgamento e inexperiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
Este princípio está intrinsecamente ligado com a ideia da manutenção da ordem pública, previsto nos artigos 1º, 3º e 5º da Constituição Federal.
Princípio da Veracidade da Publicidade:
Conforme o próprio nome diz, toda mensagem publicitária deve ser verídica, ou seja, deve ser passível de comprovação, não veiculando informações capazes de enganar o público ou influenciá-lo além dos limites convencionais da publicidade.[2]
Nos termos do artigo 37, parágrafo 1º do Código de Defesa do Consumidor:
Artigo 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§1º - é enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidades, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
O princípio da veracidade está intimamente ligado ao princípio da boa-fé. Espera-se, que o fornecedor, haja com boa-fé perante os consumidores, evitando-se práticas desleais na angariação de clientes.
Princípio da Transparência da Mensagem Publicitária:
Tal como o princípio da veracidade da publicidade, o princípio da transparência da mensagem publicitária também encontra respaldo no princípio da boa-fé.
De acordo com esse princípio, previsto no artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, a publicidade deve conter informações suficientemente precisas, capazes de esclarecer ao consumidor os elementos básicos da proposta que lhes é feita. Não basta que a mensagem publicitária seja clara e fácil compreensão. É essencial que a fundamentação seja transparente. A esse respeito:
O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO – O parágrafo único do art. 36 traz o princípio da transparência da fundamentação da mensagem publicitária. O fornecedor tem ampla liberdade para anunciar seus produtos ou serviços. Deve, contudo, fazê-lo sempre com base em elementos fáticos e científicos: é sua fundamentação. De pouco adiantaria exigir a fundamentação da mensagem publicitária (cuja carência está incluída no conceito de publicidade enganosa) sem que se desse acesso aos consumidores. É esse dever que vem expresso no texto legal.[3]
Princípio da Identificação da Publicidade:
Previsto no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, o princípio da identificação da publicidade determina que a publicidade deve ser feita de tal modo que o consumidor consiga identificar que está diante de uma mensagem publicitária, e não de mera notícia ou reportagem, por exemplo. Nas palavras de MARCO ANTONIO MARCONDES PEREIRA[4]:
O anúncio deve ser divulgado e deve apresentar-se como tal, oferecendo-se ao destinatário a consciência inequívoca de que se encontra diante de uma manifestação publicitária, e com clareza em seu conteúdo. Assim, qualquer que seja sua forma ou meio de veiculação, deve ser identificado o anunciante, pela marca ou produto (art. 29, CBAP), e de forma imediata.[5]
Há, no ordenamento jurídico, diversos outros princípios que, de forma indireta, se aplicariam à prática da publicidade. Porém, nos limitamos a citar apenas os mais relevantes à matéria ora debatida.
De qualquer modo, dos princípios acima expostos, é possível verificar que, ainda que prática pautada nos conceitos da livre iniciativa e da livre concorrência, a publicidade não pode ser praticada de forma irrestrita, devendo observar certos limites legais e morais, previstos no ordenamento jurídico brasileiro.
A controvérsia sobre a licitude, ou não, da publicidade comparativa se aquece, principalmente, a partir da análise de determinados dispositivos previstos na Lei da Propriedade Industrial, os quais prevêem, em resumo: (i) o direito de uso exclusivo do titular sobre sua marca (art. 129); (ii) que a exclusividade abrange o uso da marca em propagandas (art. 131); (iii) que a citação da marca de titularidade de terceiro somente seria permitida desde que não possua conotação comercial (art. 132, V); (iv) a simples reprodução da marca alheia configura crime contra registro de marca (art. 189); e, por fim, mas não menos importante, (v) a prática de publicidade comparativa configura meio fraudulento de desvio de cliente, caracterizando, dessa forma, concorrência desleal (art. 195, III).
Portanto, para aferir a admissibilidade da publicidade comparativa, deve ser feita uma análise sistemática de todos os dispositivos e princípios que, de alguma forma, incidem na regulamentação de referida prática. A análise isolada de alguns dispositivos da Lei da Propriedade Industrial pode levar a equivocada conclusão de que a prática comparativa da publicidade seria ilícita.
Entretanto, analisados em conjunto com o Código de Defesa do Consumidor, sob a égide dos princípios aplicáveis ao tema e, principalmente, juntamente com o CBArP, a conclusão é somente pela admissibilidade de referida técnica. O CBArP é, sem dúvidas, a mais importante fonte de regulamentação da publicidade comparativa e, ainda que não possua força de lei, vem sendo amplamente aplicado e reconhecido pelo Poder Judiciário.
Assim, resta evidente que a publicidade comparativa, sob o contexto jurídico brasileiro, desde que atenda às limitações impostas por ele, é prática inequivocamente lícita, sendo, ainda, instrumento viabilizador da natural, necessária e salutar concorrência, além de importante fonte de informação do consumidor.
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1998. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 03.04.2015.
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de Propriedade Industrial. Ed. Forense. Rio de Janeiro, 1956, 3v.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa. Vol. 1. Ed. Saraiva. 11ª Ed., 2007.
GUSMÃO, José Roberto D’Affonseca. Propaganda Comparativa. XIX Seminário Nacional de Propriedade Intelectual. Anais, 1999
[1] PEREIRA, Marco Antonio Marcondes. Concorrência desleal por meio da publicidade. Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2001, p. 76.
[2] PEREIRA, Marco Antonio Marcondes. Concorrência desleal por meio da publicidade. Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2001, p. 80.
[3] Código brasileiro de defesa do consumidor:comentado pelos autores do anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover [et. AL], Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998, p. 267.
[4] No mesmo sentido: “O PRINCÍPIO DA IDENTIFICAÇÃO DA PUBLICIDADE – Este dispositivo acolhe o princípio da identificação da mensagem publicitária. A publicidade só é lícita quando o consumidor puder identificá-la. Mas tal não basta: a identificação há que ser imediata (no momento da exposição) e fácil (sem esforço o capacitação técnica). Publicidade que não quer assumir a sua qualidade é atividade que, de uma forma ou de outra, tenta enganar o consumidor. E o engano, mesmo o inocente, é repudiado pelo Código de Defesa do Consumidor.” (Código brasileiro de defesa do consumidor:comentado pelos autores do anteprojeto, Ada Pellegrini Grinover [et. AL], Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998, p. 264.)
[5] PEREIRA, Marco Antonio Marcondes. Concorrência desleal por meio da publicidade. Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2001, p. 83.