O crime de lavagem de capitais sob a ótica da Lei nº 12.683/2012

07/10/2015 às 11:11
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A lei de 2012 aumentou o alcance da norma no que se refere ao crime de lavagem de capitais, assim como fez surgir novas discussões acerca do tema.

1 – Lavagem de Dinheiro (ou de Capitais): Aspectos Gerais, Múltiplas Facetas e Transnacionalidade

O delito de lavagem de dinheiro, ou de capitais, bem como a sua estruturação e procedimento, é um delito socioeconômico antigo. Porém, diante da globalização e da informatização dos sistemas operacionais utilizados no cenário econômico, começaram a surgir diferentes formas de dar aparência de licitude a um bem de origem ilícita.

Em breves palavras, classicamente, o crime de lavagem de capitais é composto por três fases básicas. Na primeira, chamada de colocação, introduz-se o dinheiro líquido no mercado financeiro. Na segunda, a ocultação, encobre-se a origem ilícita desse dinheiro. Na terceira e derradeira fase, reinsere-se o dinheiro “lavado” na economia legal.

Restou claro que a internacionalização do sistema econômico favoreceu o desenvolvimento de um mercado global do crime, que permeia toda a sociedade. Não é incomum vermos o referido crime de lavagem ligado a termos como offshore, paraísos fiscais, sociedades fantasmas ou de fachada.


2 – Evolução Histórica das Leis de Repressão à Lavagem de Dinheiro

Diante disso, surgiram diversas normas de repressão e normatização do crime de lavagem de dinheiro. Dentre elas, insta indicar a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, também chamada de Convenção de Viena, datada de 19 de dezembro de 1988, a Convenção do Conselho da Europa, de 8 de novembro de 1990, a Convenção de Palermo, em seu artigo 6º, de 15 de novembro de 2000, entre outros.

No Brasil, o primeiro diploma legal a versar sobre esse tema foi a Lei 9.613, de 3 de março de 1998, alterada pela Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012, e objeto do presente trabalho. Nos mesmos anos noventa, foi criado o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), formado por servidores públicos de reputação ilibada, com a finalidade de disciplinar e aplicar sanções administrativas aos que incorrerem em atividades ilícitas explicitadas na lei nº 9.613/1998. Reforça-se o caráter administrativo das sanções aplicadas pelo COAF, sem prejuízo das demais.

Quando sancionada, a Lei 12.683/12 alterou significativamente a disciplina da lavagem de capitais no país. A nova regulamentação trouxe mudanças expressivas. Gerou-se um novo marco legal para o combate à lavagem de dinheiro. Trata-se de diploma que buscou incorporar recomendações internacionais acerca do tema e fortalecer o controle administrativo sobre setores sensíveis à reciclagem de capitais.


3 – As Significativas Alterações Trazidas pelo Advento da Lei n. 12683/12

A primeira grande alteração foi a supressão da lista exaustiva de crimes antecedentes. A abertura do antigo rol para quaisquer infrações amplia acentuadamente o espaço de incidência do tipo. Nesse ponto, merece crítica parcial a alteração, posto que inclui as contravenções penais e as infrações de menor potencial ofensivo, cujas penas são menos severas justamente em razão da menor lesividade das condutas assim classificadas pelo legislador.

Se a intenção era atingir o jogo do bicho, melhor seria ter transformado esta conduta em crime em vez de sobrecarregar o sistema penal com um sem-número de condutas de pouca gravidade. “O risco de vulgarização” é o mais preocupante, em decorrência da possibilidade do apenamento pelo tipo de lavagem ser superior àquele previsto para o delito antecedente, denotando injustificada desproporção.

Ainda em sede de crime antecedente, atenção especial merece a inclusão dos crimes tributários, cujos proventos poderão vir a formar o objeto material do crime de lavagem de capitais. Faz-se necessário ressaltar que qualquer investigação ou processo por lavagem de dinheiro com crime fiscal como antecedente exigirá a constituição do crédito tributário. Sem esta, não há tipicidade. E, sem tipicidade, não há infração penal antecedente.

A lei de 1998, à época, determinava que para a existência da lavagem de dinheiro, era necessário um único delito anterior, toda e qualquer espécie de infração penal antecedente, e alguns delitos especificados. Esta última, de caráter misto.

A nova lei de 2012 trouxe em seu bojo a expressão “provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”, tendo em vista a natureza do ilícito e a amplitude da finalidade repressiva penal. Com essa alteração, independe se aquele que esta “lavando” dinheiro, bem ou valor, foi autor do crime anterior, assim como independe se a procedência do dinheiro ilícito é indiretamente correlatada a alguma infração penal.


4 – Do Bem Jurídico Tutelado à Tipicidade: Aspectos Formais e Materiais do Delito de Lavagem de Capitais à Luz da Lei 12.683/12

No que tange ao delito propriamente dito de lavagem de dinheiro, este esta disposto no artigo 1ª da lei supracitada. Questiona-se amplamente qual seria o bem jurídico a ser tutelado, sendo que a corrente majoritária entende por ser a administração da justiça, e a ordem socioeconômica, sendo que este último pode se caracteriza por ser trans-individual, composto pelas instituições financeiras, a ordem sócio-econômica, bem como a ciclo natural da economia, respeitando-se a livre concorrência e circulação de bens, valores e capitais. Tem-se que o sujeito ativo é indiferente, podendo ser inclusive, os autores ou partícipes do crime anterior ao delito de lavagem. Sujeito passivo é a coletividade.

Com relação à tipicidade, trata-se de tipo misto alternativo, bastando para a ocorrência do crime qualquer dos verbos elencados no artigo 1º. É delito de mera conduta, bem como de resultado cortado, em que a obtenção do fim almejado não afeta sua consumação.

Porém, critica-se a impossibilidade de aplicar-se a tentativa do crime. Em um cenário hipotético, se determinada quantia de dinheiro for injetada na conta de uma empresa, de notório conhecimento de sua ilicitude, e por condições alheias à vontade do agente, descobre-se a procedência ilícita, não há, no presente caso hipotético, a lesão ao bem jurídico de caráter socioeconômico, visto que essa quantia não foi inserida na economia com uma roupagem de falsa licitude, de modo que não houve lesão à coletividade. Em todo o caso, é necessário estabelecer uma conexão entre os bens, vantagens, direitos ou valores e a infração penal antecedente, que os eivou de ilicitude.

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Parte da doutrina entende que os crimes de lavagem de dinheiro – em especial na modalidade ocultar – são delitos de natureza permanente, cuja consumação se protrai no tempo. Segundo tal entendimento, a nova lei incidirá sobre todas as condutas de ocultação, ainda que os bens escamoteados tenham origem em delitos que, à época de sua prática, não integravam o rol de antecedentes legalmente previstos. Aquele que praticou crime fiscal antes da vigência da nova lei e depositou os valores sonegados em conta de “laranja”, por exemplo, seria afetado pelos novos dispositivos legais, ou seja, praticará lavagem de dinheiro, caso a ocultação ainda esteja em andamento.

A nosso ver, a lavagem de dinheiro é crime instantâneo, mesmo na forma de ocultação. Trata-se de delito que se consuma no momento do mascaramento, e a permanência do escamoteamento é mera consequência do ato inicial, sem qualquer nova conduta lesiva (ataque) ao interesse tutelado. Dessa forma, a ocultação pretérita de bens provenientes de delitos praticados antes da vigência da nova lei, e que não integravam o rol de antecedentes, não caracterizará a prática de lavagem, mesmo que os bens permaneçam ocultos sob o novo marco legal.

Outro ponto que merece destaque é a ampliação significativa do rol das pessoas sujeitas às obrigações da política de prevenção. A maior preocupação certamente é a possível inclusão dos advogados que prestem serviços de assessoria, aconselhamento, auditoria ou assistência em transações comerciais e financeiras, que deriva, evidentemente, da estreita relação entre os novos deveres e o dever de sigilo profissional, imposto pelo Estatuto da OAB.

A imposição do dever de comunicação de atividade suspeita de “lavagem” ao advogado, estabelecida pelo art. 9.º da Lei 12.683/2012, nada tem de inconstitucional, desde que ela não incida sobre o profissional que defende interesse em sede de processo penal, civil, trabalhista ou administrativo, ou formula consultoria sobre específica situação jurídica relacionada a um processo judicial. Além disso, ela tem a virtude de atender a um duplo objetivo: uniformiza o sistema nacional antilavagem e proporciona a atuação expedita dos órgãos de prevenção e de repressão penal.


5 – Considerações Finais

Certamente outras questões surgirão, e a aplicação prática dos novos preceitos revelará novas perplexidades, a ensejar atenção e reflexão da doutrina e jurisprudência, para evitar que uma má-interpretação turbe uma política criminal de enfrentamento do crime organizado, banalizando seus instrumentos e inviabilizando seus mecanismos pelo excesso.

Portanto, por todo o exposto, tem-se que com a nova redação dada pela lei nº12.683/2012 aos crimes de lavagem de dinheiro, o combate aos crimes financeiros em geral foi intensificado. Diante do atual cenário globalizado, é extremamente necessário manter as normas coercitivas atualizadas, e sempre que possível, melhorá-las para evitar a ampla lesividade causada por esses crimes. Mas também é necessário ter em mente que o Direito Penal deve ser instrumento para quando não houver nenhuma outra saída ao caso. Impossibilitar a caracterização da tentativa a esses crimes parece um tanto quanto excessivo, dando a entender que a punição daquele que procura, ilicitamente, obter vantagem econômica, é mais importante do que a proteção da coletividade, do cidadão, e do sistema econômico, seja ele nacional ou mundial.


6 – Bibliografia

ZAFFARONI, Eugênio RaulPIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. V. 1, p. 399.

LISZT, Franz Von. Tratado de direito penal alemão. Traduzido por José Hygina Duarte. Brasília, Senado Federal, Conselho Editorial: Superior Tribunal de Justiça, 2006. V. 1.

BONFIM, Edilson MougenotBONFIM, Marcia Monassi Mougenot. Lavagem de dinheiro. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 32.

BARROS, Marco Antônio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei  9.613/98. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 53-56.

CALLEGARI, André Luis. Lavagem de dinheiro: aspectos penais da Lei n. 9613/98. 2. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 85.

SILVA, Cesar Antonio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 38-39.

PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 92.

CERVINI, RaulOLIVEIRA, William Terra deGOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais: comentários à Lei 9.613/98. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 321-323.

CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: ideologia da criminalização e análise do discurso. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2008, p. 105-107.

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