A omissão penalmente relevante do administrador judicial nos crimes falimentares

13/10/2015 às 12:17
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A OMISSÃO PENALMENTE RELEVANTE DO ADMINISTRADOR JUDICIAL NOS CRIMES FALIMENTARES

No ano em que a Lei 11.101/05 - que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária - completou 10 anos, o País passa por uma das mais graves crises econômicas da atualidade, ensejando no aumento significativo dos pedidos de recuperação judicial e falência propostos por sociedades empresariais que sofrem com o impacto das elevadas taxas de juros e pelo aumento do endividamento em moeda estrangeira.

É neste cenário da economia brasileira que os processos de recuperação judicial e falência devem se cercar do máximo de cautela a fim de se garantir o atingimento de todos os objetivos elencados nos artigos 47 e 75 da Lei, respectivamente, a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, bem como preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.

O atingimento desses objetivos envolve, primeiramente, diferenciar o foco da legislação no que tange a recuperação judicial e a falência uma vez que, aquela visa preservar a empresa e, esta, visa a satisfação dos credores. Ou seja, “por esse viés teleológico, a recuperação judicial, por tentar promover o equilíbrio entre os interesses dos credores e a manutenção da empresa, com todos os seus benfazejos consectários, também se diferencia da falência. Esta, como forma de execução concursal, está vocacionada primordialmente à satisfação dos interesses dos credores - como todo e qualquer processo de execução - mediante a preservação e otimização dos bens, ativos e recursos produtivos do devedor insolvente (art. 75 da Lei n. 11.101/2005).”[1]

Em segundo lugar, é preciso destacar que é pressuposto lógico da recuperação da empresa/satisfação dos devedores, que todos os agentes envolvidos no processo pautem sua conduta com o máximo de responsabilidade e expertise, dentro dos limites das suas obrigações, aqui se incluindo o recuperando/falido, o comitê de credores, o juiz da causa e o administrador judicial.

Em relação ao último agente, o administrador judicial, este tem ganho papel de destaque no âmbito dos processos de recuperação judicial e falência, uma vez que atua como auxiliar de confiança do Juízo que, diante do significativo aumento do número de demandas, precisa contar com profissionais altamente capacitados para desempenhar todas as obrigações descritas no artigo 22 da Lei 11.101/05.

Assim, o Administrador Judicial ao assinar termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes, nos termos do artigo 33 da Lei, se compromete a contribuir efetivamente, dentro de suas responsabilidades, com a recuperação da empresa/satisfação dos credores.

Caso seja verificada a desobediência aos preceitos da Lei, por parte do Administrador Judicial, o artigo 31 da Lei 11.101/05 prevê a possibilidade de destituição do mesmo ante a quebra da confiança outorgada pelo Juízo.

Em que pese a previsão legal de destituição do Administrador Judicial em caso de desobediência aos preceitos da Lei, o presente estudo visa abordar o alcance de responsabilização do Administrador Judicial por eventual omissão no desempenho de sua função uma vez que, ao assumir todas as responsabilidades inerentes ao cargo, a responsabilidade criminal encontra-se inserta no compromisso prestado, ante expressa previsão de legitimidade disposta no artigo 179 da Lei.

A fim de contextualizar a questão, vamos analisar a possibilidade de responsabilização criminal do Administrador Judicial através de um caso hipotético: Em um processo de recuperação judicial, o Administrador Judicial responsável pela fiscalização das atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial, nos termos do artigo 22, inciso II, alínea “a”, da Lei, deixa de apresentar o relatório mensal das atividades do devedor, conforme determina a alínea “c” do mesmo dispositivo. De outro lado, o recuperando pratica ato fraudulento que resulta prejuízo a credor, com o fim de obter vantagem indevida para si, mediante o recebimento de ativos circulantes em nome de terceiro, caracterizando, portanto, a figura típica prevista no artigo 168 da Lei 11.101/05.

Neste caso, deveria a sanção imposta ao Administrador Judicial se limitar a destituição da função?

A nosso ver, parece que não.

In casu, se demonstrado que o Administrador Judicial poderia ter evitado o resultado, e não o fez imbuído do necessário animus subjetivo – ainda que genérico – é evidente que o Administrador Judicial concorreu para o crime, na medida em que sua omissão é penalmente relevante e o mesmo possuía o dever de agir uma vez assumiu o compromisso de impedir o resultado, nos termos do artigo 13, §2, alínea “b” do Código Penal.

Destarte, nesse caso hipotético, o Administrador Judicial estaria sujeito as sanções previstas no artigo 168 da Lei 11.101/05 por ter concorrido a prática delitiva na medida em que deixou de fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial e, por conseguinte, deixou de apontar eventual conduta ilícita do devedor no relatório mensal que deveria ser entregue ao Juízo.

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Frise-se que nesse caso hipotético, todos os requisitos caracterizadores do crime omissivo estão presentes, quais sejam, o preenchimento dos elementos objetivos do tipo penal, uma situação típica ou de perigo para o bem jurídico, o poder de agir e a posição de garantidor.[2]

Outrossim, é preciso esclarecer que ao assinar o termo de compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo e assumir todas as responsabilidades a ele inerentes, o Administrador Judicial assume a responsabilidade de proteger o bem jurídico e, portanto, de impedir condutas lesivas a recuperação da empresa/satisfação dos credores.

Em que pese a doutrina especializada tratar o capítulo VII da Lei 11.101/05, referente as disposições penais, como “crimes falimentares”, incumbe esclarecer que, nos termos do artigo 180 da Lei, a sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou concede a recuperação extrajudicial, é condição objetiva de punibilidade das infrações penais descritas na Lei. Portanto, o termo “crimes falimentares”, apesar de amplamente utilizado, não é o mais correto para esses casos uma vez que esses crimes podem ser praticados também em sede de recuperação judicial e extrajudicial.

Percebe-se que a Lei 11.101/05 é falha ao deixar de consignar expressamente que, ao firmar o termo de compromisso no processo de recuperação judicial e falência, o Administrador Judicial assume responsabilidade penal por suas condutas, sejam elas comissivas ou omissivas, caso se verifique que estas deram causa a eventual resultado ilícito punível.

Considerando a diversidade de profissões aptas ao exercício da função de Administrador Judicial, nos termos do artigo 21 da Lei, é preciso esclarecer o alcance da responsabilidade do Administrador Judicial, uma vez que, profissionais que não possuem conhecimento jurídico podem ter a falsa crença que eventuais omissões no exercício da função terão a sanção limitada a destituição da função pela quebra da confiança do Juízo.

Assim, os presentes apontamentos possuem extrema relevância, na medida em que, demonstram de forma clarividente que o profissional nomeado para a função de Administrador Judicial deve se cercar do máximo de cautela no exercício de suas funções legalmente estabelecidas, não só a fim de contribuir com o atingimento de todos os objetivos elencados nos artigos 47 e 75 da Lei, mas também a fim de não atrair para si, eventual responsabilização criminal por eventual conduta comissiva ou omissiva praticada no exercício de sua função outorgada pelo Juízo da Administração Judicial e da Falência.


[1] REsp 1359311/SP

[2] HC 95941/RJ – STJ

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Sobre o autor
Artur Barros Freitas Osti

Advogado, Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Paraná - PUCPR, pós-graduando em Direito<br>Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais –<br>IBCCRIM em parceria com a Universidade de Coimbra, pós-graduando em Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso ([email protected])

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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