O modelo de escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal: uma visão crítica

17/10/2015 às 15:30

Resumo:


  • O modelo de escolha dos membros do STF é criticado por ser unicamente político, o que prejudica a autonomia e independência da Suprema Corte, além de oferecer risco de partidarização e falta de legitimidade popular.

  • O STF desempenha duas funções principais: como Tribunal Constitucional, controlando a constitucionalidade das leis, e como órgão de cúpula do Poder Judiciário, revisando decisões de instâncias inferiores.

  • O processo de composição e nomeação dos Ministros do STF é altamente influenciado pelo Presidente da República, com participação do Senado Federal de forma meramente formal, o que levanta preocupações sobre a imparcialidade e independência da Corte.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise da atual forma de nomeação dos ministros do STF e suas implicações para a autonomia e independência do Poder Judiciário, a segurança jurídica, bem como outros aspectos importantes decorrentes do atual modelo de composição do Excelso Tribunal.

O presente trabalho visa a realizar uma análise crítica acerca da atual forma de investidura dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, bem com analisar aspectos importantes decorrentes de tal modelo. O estudo consiste em uma pesquisa teórica, bibliográfica e documental, na qual foi utilizado o método dedutivo, buscando fazer uma análise crítica do objeto de estudo através de um diálogo constante entre teoria e realidade, donde se concluiu que tal metodologia de nomeação dos membros da Suprema Corte, por ser um critério unicamente político, prejudica a autonomia e independência do STF e oferece um alto risco de partidarização da Corte, além de não conferir legitimidade popular a nossa Corte Suprema, o que pode gerar um alto grau de desconfiança em relação aos seus julgados.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal – Modelo de escolha – Independência e autonomia – Partidarização e insegurança jurídica.

1 Introdução.

A atual Constituição Federal alçou o STF a importante papel no cenário político e social do país, tendo o mesmo alcançado imensa notoriedade popular e ficando, por diversas vezes, no centro das principais discussões políticas da atualidade ao proferir importantes decisões judiciais em casos polêmicos e de interesse de todos, em julgados que têm influenciado direta e indiretamente a vida da sociedade brasileira, tais como: aborto de anencéfalos; união homoafetiva; pesquisas com células-tronco etc.

A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar se o atual modelo de escolha dos membros do STF interfere na autonomia e independência deste, enquanto detentor de um dos Poderes do Estado. Aduz, ainda, como objetivos específicos, averiguar à legitimidade popular e a representatividade político-ideológica e social da composição da Suprema Corte como poder político e representante de parte do poder soberano do Estado; examinar o risco de partidarização do STF decorrente do atual modelo de nomeação dos seus Ministros e a imparcialidade de suas decisões, bem como a insegurança jurídica daí advinda; avaliar a participação dos Poderes Executivo e Legislativo no processo de nomeação e, por conseguinte, suas consequências e interferências na independência e autonomia do Órgão máximo do Poder Judiciário, no exercício de suas duas funções primordiais: de Tribunal Constitucional, na defesa da Constituição e de seus princípios e normas; e de órgão de cúpula do Poder Judiciário e foro especializado, sendo a última instância para resolução em casos concretos que envolvam matéria constitucional.

2 O Supremo Tribunal Federal: principais funções.

A Constituição Federal de 1988 conferiu ao STF duas funções principais: Tribunal Constitucional e órgão de cúpula do Poder Judiciário. Destarte, ele desempenha, conforme observado brilhantemente por Mendes (2005, p. 21),

(…) uma peculiar posição tanto como órgão de revisão de última instância, que concentra suas atividades no controle das questões constitucionais discutidas nos vários processos, quanto como Tribunal Constitucional, que dispõe de competência para aferir a constitucionalidade direta das leis estaduais e federais no processo de controle abstrato das normas.

Em ambas as funções, o Supremo tem a palavra final sobre a constitucionalidade das leis e atos normativos em geral, incluindo, entre eles, os atos políticos dos outros dois poderes, Executivo e Legislativo, posto que devem sempre estar em consonância com a Carta Maior.

Enquanto Tribunal Constitucional, o Pretório Excelso tem a missão de ser o defensor da Carta Magna, sendo esta sua mais importente função, estando prevista no art. 102, I, alínea a, que determina ao STF a competência originária para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de leis e atos normativos que contrariarem a Constituição, incluindo-se neles, salvo posição doutrinária em contrário, os chamados atos políticos, que são de competência exclusiva dos outros Poderes da União no exercício de suas funções estatais definidas na ConstituiçãoFederal. Dessarte, aquela Corte realizará, privativamente, o Controle de Constitucionalidade Abstrato de leis e atos que digam respeito a matérias com repercussão política de cunho constitucional, em que não há partes diretamente interessadas no julgamento, tais como: a separação dos poderes, o pacto federativo, os direitos fundamentais, entre outras.

Na sua função de órgão de cúpula do Poder Judiciário, o STF atuará como revisor das decisões dos Tribunais Superiores, quando denegatórias, que versem sobre habbeas corpus, mandado de segurança, habeas datas, mandado de injunção e crimes políticos; mas, precipuamente, decidirá, em recurso extraordinário, sobre as inconstitucionalidades de leis e atos normativos proferidas em instâncias inferiores, em julgamentos sobre casos concreto, nos quais existem partes diretamente interessadas no feito, exercendo o chamado Controle de Constitucionalidade Concreto.

3 Composição do STF e nomeação de seus Ministros: análise e críticas.

A composição e nomeação dos membros da Suprema Corte segue o estabelecido no art. 101 da Lei Maior, conforme nos ensina Novelino (2013, p. 897):

A composição do STF é de onze Ministros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado (CF, art. 101, parágrafo único). Os requisitos exigidos pela Constituição, além de nacionalidade brasileira originária (CF, art. 12, § 3.º, IV), restringem-se ao notável saber jurídico, reputação ilibada e idade superior a trinta e cinco e inferior a sessenta e cinco anos (CF, art. 101).

Outrossim, os ministros, por possuírem a vitaliciedade, exercerão a função até completarem setenta e cinco anos de idade, quando serão alcançados pela aposentadoria compulsória.

Do exposto acima, podemos observar que o critério atual é meramente político e fica praticamente a cargo exclusivo do Chefe do Poder Executivo, que pode até mesmo não escolher um novo nome e deixar a vaga em aberto por tempo indeterminado, o que certamente influenciará no julgamento e decisões do STF. Outro ponto que evidencializa o caráter político do atual modelo é o fato de não ser exigido nem mesmo formação na área de Direito, mas apenas notável saber jurídico.

Sobre a participação do Senado Federal no processo de composição do STF, convém salientar que esta deveria averiguar o conhecimento jurídico do indicado e sua vida pregressa. Porém, via de regra, esta sabatina tornou-se simplesmente um ato burocrático e político, visto que a votação e aprovação tem se dado, em todas as vezes, por acordos políticos entre os partidos da base governista, e não tem servido para o alcance dos seus objetivos: averiguar a idoneidade moral e o conhecimento jurídico do indicado ao cargo. Mesmo no caso em que o Senado venha a rejeitar o nome escolhido, ainda assim o Legislativo não terá participação relevante, semelhante à importância do papel do Poder Executivo, o que demonstra facilmente a condição de escolha unipessoal do Presidente da República, posto que o Senado não poderá indicar nome substituto. Também não tem competência para cobrar do Executivo o preenchimento da vaga, em caso de demora desarrazoada na indicação. Ademais, a história demonstra que em apenas cinco ocasiões o Senado rejeitou a indicação do Presidente.

Apontamos como grave, ainda, o fato de o STF estar totalmente alijado do processo de escolha de seu próprios membros, deixando o Poder Judiciário em posição inferior aos outros dois poderes, visto que não há nenhuma interferência de um outro Poder na escolha dos representantes dos Poderes Executivo e Legislativo, sendo estes alcançados pelo sistema de “freios e contrapesos” somente no exercício e no controle de suas funções, enquanto que aquele sofre interferências já na sua formação.

Corolário desse processo exclusivamente político e unipessoal, bem como da completa ineficácia da sabatina, é o extremo risco de partidarização do Supremo Tribunal Federal e a concreta possibilidade de influência política do Presidente da República nas decisões dos seus indicados, ou seja, em como os escolhidos irão se direcionar nos seus votos em questões de interesse do Poder Executivo, conforme já advertiu Tavares (2008), em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo:

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O modelo exclusivamente político e pessoal de escolha admite uma estranha e indesejada proximidade entre o futuro integrante do tribunal e o Chefe do Executivo que o indicou, numa espécie de cumplicidade que pode solapar a imprescindível imparcialidade que se espera do tribunal. Permitir essa seleção unipessoal do Presidente da República é admitir que venha a ocorrer a temida politização partidária do tribunal. (…) A fórmula atual, apesar de ter sido exercida com sobriedade na maioria das indicações dos últimos tempos no país, baseia-se em um modelo arcaico e potencialmente gerador de grandes crises jurídico-políticas.

Essa cumplicidade a que se refere o renomado autor supracitado, André Ramos de Tavares, põe em dúvida a imparcialidade das decisões do Pretório Excelso, posto que imbuídas de conteúdos ideológicos e interesses momentâneos do atual governo, e poderá vir a influenciar ainda em julgamentos futuros de relevantes ações, durante a gestão de governos pertencentes a corrente político-ideológica diversa do que lhe indicou, devido à vitaliciedade do cargo e aposentadoria compulsória somente aos setenta e cinco anos, o que possibilita o Ministro permanecer por um longo tempo na função.

Diante do acima exposto e sendo o STF o representante do Poder Judiciário, enquanto poder político e detentor de parte da Soberania do Estado, cujo real titular é o povo, vale também questionar a legitimidade popular da composição do Supremo no modelo atual de escolha. Acertadamente assevera Belchior (2008, p. 213):

Insta salientar que a legitimidade não é o fenômeno estático, que se contente com a manifestação em uma única vez. Trata-se de um processo contínuo e dinâmico, renovando-se a todo instante. Em relação ao STF, a legitimidade manifesta-se em três instâncias: ingresso, exercício e controle.

Logo, este modelo, que privilegia o Poder Executivo e reduz o Legislativo a papel de pouca significância, aliado ao instituto da reeleição, e à não habitual alternância do poder no cargo de Chefe do Executivo (os partidos tendem a ficar no poder por mais de uma década) entre os muitos partidos políticos, sofre de legitimidade popular. Dessarte, sendo real a possibilidade de que apenas um partido político fique no poder por longos tempos, e ainda em decorrência do instituto da vitaliciedade do cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, torna-se clara a probabilidade de termos uma Corte Suprema nomeada totalmente por um governo representante de apenas uma corrente político-ideológica, dentre as inúmeras existentes em uma sociedade demasiadamente plural como a brasileira. Tal fato colocaria o STF em desarmonia com a diversidade social e torna anacrônica a forma de escolha e nomeação dos Ministros, o que poderá levar a um certo descompasso em relação à evolução da sociedade.

4 Conclusões

O modelo de escolha dos membros do STF, no qual o Presidente da República escolhe um nome e o submete à aprovação do Senado, que vota e, se aprovado, ocupará o cargo até completar 75 anos de idade, é totalmente político e fica a cargo exclusivo do Presidente da República, que pode escolher livremente, ou mesmo não escolher, um cidadão para compor a suprema corte.

Ademais, a participação do Senado nesse processo é mera formalidade, visto que o Senado não pode, em caso de recusa do indicado, nomear outro, demonstrando a ineficácia da sabatina do escolhido. Sabemos também que a aprovação, na maioria das vezes, ocorre por meio de acordos entre Executivo e partidos políticos.

Assim, considerando-se que a alternância no poder entre partidos políticos não ocorre sistematicamente e que aproximadamente setenta e três por cento do atual STF fora indicado por governos de um mesmo partido, parece-nos real a possibilidade de partidarização da Suprema Corte e a sua falta de representatividade popular, já que existe a probabilidade de somente uma corrente ideológica vir a compor o referido Tribunal.

Destarte, a atual sistemática de escolha e nomeação deveras poderá imbuir no escolhido certo compromisso com interesses políticos do Poder Executivo, tornando-se por demais prejudicial para a legitimidade e imparcialidade de suas decisões, que podem sofrer pressões político-ideológicas, podendo gerar graves desconfianças sobre seus julgados, na função de Órgão de Cúpula do Judiciário, e sobre independência e imparcialidade, enquanto Corte Constitucional, conforme assevera Tavares (2008), “se no Brasil recente o modelo adotado não se tem prestado a gerar um cenário sombrio de distorção do Estado constitucional democrático, devemos isso mais a um feliz casuísmo do que a uma salvaguarda normativa bem estabelecida”.


REFERENCIAS

BELCHIOR, G. P. N. Supremo Tribunal Federal, legitimidade e Corte Constitucional. Revista da ESMARN. Vol. 8, n. 1, p. 205-226. Mossoró, jan/jul 2008. Disponível em: Acesso em: 14 jun. 2015.

MENDES, G. F. Jurisdição Constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

NOVELINO, M. Manual de Direito Constitucional. 8. Ed. São Paulo: Método, 2013.

TAVARES, A. R. A atual forma de indicação dos Ministros do STF compromete a autonomia do Judiciário? 2008. Disponível em:. Acesso em: 18 abr. 2015.

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Sobre o autor
Marcos Cavalcante

Policial Rodoviário Federal, graduado em História pela Universidade Regional do Cariri e acadêmico de Direito na Faculdade Paraíso do Ceará - FAP/CE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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