Questão que até o presente ainda gera discussões calorosas, principalmente em se tratando de empresas que atuam em várias regiões do País, repousa sobre a indagação de qual o local do recolhimento de Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN), em se tratando de serviço de engenharia.
O presente texto aborda apenas uma faceta do problema. A questão posta em discussão é concernente à identificação do sujeito ativo do ISSQN por parte de empresas que, embora prestem serviços de engenharia consultiva em determinado Município, têm suas sedes localizadas em outras cidades.
Pois bem. Sabe-se que o ISSQN é tributo instituído pelos Municípios, e está previsto no art. 156, inciso III, da Constituição da República.
Desta forma, exceto os serviços que, sob o enfoque da Constituição, sofrem incidência do ICMS, todos os outros serão tributados pelos Municípios, desde que este serviço esteja definido em lei complementar. E esta é a Lei Complementar n° 116, de 31 de julho de 2003.
Vale ressaltar, em tempo, o nítido caráter fiscal deste imposto, constitutivo de importante fonte de recursos para a saúde financeira dos Municípios.
Superada a definição e competência do tributo, passemos a analisar o seu fato gerador, previsto no caput do art. 1° da Lei Complementar n° 116/03, verbis:
Art. 1° O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.
Na referida lista anexa à Lei Complementar encontram-se, entre outros, o item 7 – serviços de engenharia, agronomia, agrimensura, arquitetura, geologia, urbanismo, paisagismo e congêneres.
Inquestionável, portanto, que os serviços de engenharia sofrem incidência do ISSQN, devendo, portanto, ser calculado e recolhido pelas empresas, haja vista tratar-se de tributo lançado por homologação.
Aprofundando no assunto, é preciso enfrentar o tema proposto referente à identificação do sujeito ativo do ISSQN, ou seja, o tributo deve ser recolhido no domicílio do prestador (regra) ou onde o serviço foi efetivamente prestado (exceção).
O art. 3° da Lei Complementar n° 116/03 resolve parte do problema ao dispor que o imposto será devido no local do estabelecimento do prestador, exceto nas hipóteses previstas em seus incisos, do que vale destacar:
Art. 3° O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:
[...].
III – da execução da obra, no caso dos serviços descritos no subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa;
[...].
Seguindo a legislação, o item 7.02 destaca a execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
Conjugando a legislação acima, se chega ao ponto nevrálgico, que se resume em saber qual o sujeito ativo do ISSQN, em caso de prestação de serviços de engenharia consultiva.
Os mais apressados responderiam com firmeza que, em caso de serviço de engenharia, o imposto deve ser recolhido no local onde o serviço é efetivamente prestado. Contudo, o tema não é tão simples. Doutrina e jurisprudência acumulavam divergências sobre o assunto, como veremos a seguir.
Por um lado, além de o serviço de engenharia consultiva não encontrar previsão expressa na lista anexa da Lei Complementar nº 116/03, existe o entendimento de que o serviço de consultoria, trabalho intelectual que é, desenvolvido apenas no interior da sede do prestador, não poderia ter seu respectivo imposto recolhido perante a municipalidade onde se executará a obra.
Ora, este entendimento parte de um simples princípio da hermenêutica jurídica, no sentido de que a norma que revela exceções deve ser interpretada restritivamente para abranger somente os casos nela literalmente contemplados, e produzir somente as consequências expressamente previstas, sob pena de alterar o precípuo sentido que o legislador quis dar à norma.
De outro modo, o ISSQN incidente sobre os serviços de engenharia consultiva deve ser recolhido no local da obra, considerando-se a consulta, ou mesmo o projeto e outras etapas de estudos preliminares como uma universalidade, sem que haja divisão entre etapas de planejamento e execução. Este é, inclusive, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, exarado no Recurso Especial n° 1.117.121-SP, sob o rito do julgamento de recurso repetitivo, previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil, portanto, pacificando a matéria no Tribunal Superior:
TRIBUTÁRIO. ISS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. CONSTRUÇÃO CIVIL. PROJETO, ASSESSORAMENTO NA LICITAÇÃO E GERENCIAMENTO DA OBRA CONTRATADA. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO ONDE SE REALIZOU O SERVIÇO DE CONSTRUÇÃO. CONTRATO ÚNICO SEM DIVISÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS.
1. A competência para cobrança do ISS, sob a égide do Decret-Lei nº 406/68, era o do local da prestação do serviço (art. 12), o que foi alterado pela Lei Complementar nº 116/03, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço (art. 3º).
2. Em se tratando de construção civil, diferentemente, antes ou depois da Lei Complementar, o imposto é devido no local da construção (art. 12, alínea b, do DL nº 406/68 e art. 3º da LC nº 116/03).
3. Mesmo que estabeleça o contrato diversas etapas da obra de construção, muitas das quais realizadas fora da obra e em Município diverso, onde esteja a sede da prestadora, considera-se a obra como uma universalidade, sem divisão das etapas de execução para efeito de recolhimento do ISS.
4. Discussão de honorários advocatícios prejudicada em razão da inversão dos ônus da sucumbência.
5. Recurso Especial conhecido e provido.
6. Recurso especial decidido sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil. Adoção das providências previstas no § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e nos arts. 5º, inciso II, e 6º da Resolução STJ nº 8/08. (Primeira seção, Rel.ª Min.ª ELIANA CALMON, DJe 29.10.09.)
Para o STJ, portanto, o fato a ser levado em consideração para recolhimento do imposto é a municipalidade onde a obra será realizada e para onde foram direcionados todos os esforços e trabalhos, mesmo se alguns destes tenham sido desenvolvidos na sede da empresa, isso porque a obra deve ser considerada como um todo, não devendo fazer-se diferenciação entre as fases que compõe parte da obra, como o caso dos serviços de engenharia consultiva, projetos preliminares etc.
Destarte, é preponderante para fins de determinação do local para o qual o ISSQN será devido, a essência finalística do objeto do contrato. Se a essência finalística apontar para serviços excepcionados pelo art. 3º da Lei Complementar n° 116/03, o ISSQN será devido no local da execução do serviço. Do contrário, será devido no local onde se situa o estabelecimento prestador.
É dizer, o ISSQN será devido para o local onde se direcionam todos os esforços e trabalhos previamente vinculados contratualmente, mesmo quando alguns tenham sido realizados intelectual e materialmente na sede da empresa em Município diverso, como no caso concreto visto pelo STJ.
De igual modo, mesmo que exista legislação local que traga isenção ao recolhimento do ISS, a exemplo do Decreto nº 25.508/05 do Distrito Federal, o seu pagamento é imperativo perante a municipalidade onde o serviço foi executado.
É que o Direito Tributário se rege pela regra da territorialidade, na medida em que estabelece o âmbito de cada norma integrante da sua legislação. A regra é simples, entendendo-se que as normas expedidas por um ente somente têm vigência dentro do seu respectivo território, não podendo ser aplicáveis aos fatos ocorridos nos demais entes.
Na espécie, as regras editadas pelo Distrito Federal sobre o ISSQN somente serão aplicadas naquele território, não podendo ser aplicadas a fatos ocorridos em outro Município.
Por outro lado, destaque-se que a extraterritorialidade prevista no art. 102 do Código Tributário Nacional – norma tributária com vigência fora do território da entidade que a expedir – só será aplicada caso haja previsão em convênio de cooperação firmado entre os entes envolvidos ou em caso de norma geral nacional expedida pela União.
Conclui-se, portanto, que o STJ pacificou a matéria em relação ao sujeito ativo do recolhimento do ISSQN nos casos de serviço de engenharia consultiva, gizando que deve ser respeitada a essência finalística do objeto do contrato, abrangendo tanto a consultoria, projetos preliminares, chegando até a execução da obra de engenharia.
Contudo, os recursos que chegam aos Tribunais discutindo a mesma matéria são incontáveis. Talvez isso ocorra em razão de o julgamento pelo rito dos recursos repetitivos feito por amostragem, apesar de “pacificar” a questão, não vincular o entendimento dos demais Tribunais ordinários, ainda que estes devam guiar-se pelo entendimento daquele. Institutos como distinguishing – proveniente da teoria do stare decisis do Direito inglês como sendo a técnica de superação do precedente, muito comum nos países que têm tradição common law – corroboram para o surgimento de novas teses Brasil afora.