Intervencionismo estatal: novo perfil do Estado

23/10/2015 às 01:04
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O presente trabalho possui como objetivo elucidar o fenômeno da intervenção estatal no âmbito mundial e nas constituições brasileiras. Analisou-se o caso da multa da CHESF como meio para exemplificar a atuação neoliberal do Estado na seara econômica.

INTRODUÇÃO

 O intervencionismo estatal é corolário do neoliberalismo, surgiu, pois, no pós-Primeira Guerra, na Carta de Weimar (1919), na Alemanha. Também se observou tal movimento na Constituição mexicana. Foi, porém, nos Estados Unidos, quando da crise de 1929 que a intervenção se consolidou como atributo do neoliberalismo.

No Brasil, é possível a observação do intervencionismo na Constituição de 1934, apesar de a anterior ressaltar algum assunto econômico, porém sob a perspectiva liberal de Smith. É interessante ressaltar que com a Constituição de 1988 se consolidou de fato o intervencionismo nos moldes neoliberal, com a criação das agências reguladoras. Dessa maneira, torna-se de grande valor analisar os dispositivos constitucionais que ressaltam e legitimam tal modelo, que é o molde adotado por uma gama de países.

Optamos pela pesquisa bibliográfica com o fito de fundamentar os levantamentos que se seguem, bem como para sintetizar e esclarecer os aspectos que nos pareceram de maior dificuldade de entendimento, também utilizamos de notícias para evidenciar o acontecido com a CHESF.

1 BREVE HISTÓRICO DA INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMÍNIO ECONÔMICO MUNDIAL

Como muitos ressaltam, as guerras, apesar de toda a barbárie e destruição que provocam, promovem um verdadeiro desenvolvimento e/ou revolução em todos os campos do conhecimento. Como não poderia ser diferente, o fenômeno da intervenção do Estado na Economia[1] cuida do pós-Primeira Guerra Mundial (que iniciara em 1914), ou seja, é relativamente, recente. Em 1918, em face de um cenário bastante frágil e delicado, devemos aqui, para entendera gênese da intervenção, destacar a Alemanha, que em tal período encontrava-se [praticamente] derrotada. Vez que surge a primeira República Alemã, também conhecida como República de Weimar.

Tal república foi “legitimada” pela Constituição de Weimar, de 31 de julho de 1919, (também conhecida como “Constituição Econômica”, pois explicitava artigos de matéria econômica em seu texto normativo), essa sim, foi uma das primeiras a tratar de temas econômicos (além disso, tratou de temas trabalhistas, previdenciários, enaltecendo a seara de proteção ao trabalhador), o que ocasiona uma verdadeira quebra do paradigma liberal, visto que, segundo a ótica liberal, o Estado não deveria interferir no domínio econômico. No entanto, talvez por a Alemanha encontrar-se na situação que estava, tornou-se necessário que o Estado intervisse na economia para favorecer a reconstrução, bem como, reativar a economia. Tal Constituição também promoveu uma mudança no molde como se enxergava a seara dos direitos individuais, como salienta Bagnoli:

É justamente em sua segunda parte que a Constituição de Weimar apresenta sua inovação e contribuição ao mundo jurídico, pois não mais se limita a ser um instrumento de defesa aos direitos e garantias do indivíduo contra o Estado, campos que o Estado não podia invadir, nos moldes liberais até então comuns às Cartas Constitucionais. (2005, p. 6).

Apesar desse grande marco implantado pela Carta de Weimar, insta observar que a sua grande contribuição foi a influência que deixou, vez que boa parte das constituições posteriores adotaram seu “modelo econômico”.

Posterior a esse momento, é oportuno ressaltar a Grande Depressão de 1929, nos Estados Unidos, que, no seu desfecho, promoveu a intervenção estatal. Aqui, cabe-nos destacar a atuação, sobretudo, de Keynes, pois foi ele quem forneceu subsídio para que o então presidente implantasse o plano que ficou conhecido como “New Deal”. Também é nos Estados Unidos que surgem as primeiras legislações antitrustes, objetivando inibir a atuação dos cartéis. Nesse sentido, ressalta Figueiredo:

Teve como exemplificação maior nos Estados Unidos da América, inicialmente com a legislação antitruste e, posteriormente, com o New Deal, concebido, planejado e executado por Franklin Delano Roosevelt. O New Deal foi o nome dado a um conjunto de ações governamentais implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob a gestão do Presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana, e assistir os prejudicados pela Grande Depressão. Embora não fosse propriamente um projeto uniforme de reformas políticas, econômicas e sociais, as ações implementadas por Franklin D. Roosevelt em resposta à Grande Depressão lançaram as bases do Estado Intervencionista Econômico de forte e nítida inspiração keynesiana, legando o poder sindical nos Estados Unidos a um novo patamar de relevância. (2014, versão digital, grifo nosso).

Ademais, somente após a Segunda Guerra Mundial foi possível a consolidação do intervencionismo estatal na seara econômica. Nesse período, boa parte das Constituições, ainda influenciada pela a de Weimar, passaram a tratar de matéria econômica nos seus textos. Insta observar que, com o processo de globalização em curso, tornava-se cada vez mais necessário que o Estado usasse de seu aparato jurídico para controlar a atividade de empresas e grupos econômicos, promove assim a “juridicização” da seara econômica. Dessa forma, Américo Luís Martins da Silva apud Bagnoli (2005, p. 17) destaca:

Assim, após a Segunda Guerra Mundial, surgiram realidades que exigiam do Estado a dedicação a direção da economia; esta nova função do Estado reclamou a criação de um novo instrumento mais adequado: quer no bloco socialista, quer no bloco ocidental, surgiu um conjunto de normas que tem por finalidade conduzir, regrar, disciplinar, o fenômeno econômico[...]

2 O INTERVENCIONISMO NO BRASIL

Após esse breve apontamento histórico do intervencionismo estatal de forma geral, cumpre-nos ressaltar o aparecimento, nas Constituições brasileiras, de matérias econômicas. Sendo as Cartas um reflexo da ideologia e do momento histórico da época. Assim, a Constituição Imperial de 1824 é influenciada pela ideologia liberal, nos pilares de Smith, dessa maneira, o Estado deveria abster-se de tratar de temas econômicos (BAGNOLI, 2005, p. 37). Confirmando o exposto, reproduz-se o artigo 179 da Carta de 1824: “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte”. (CONSTITUIÇÃO 1824, art. 179, grifo nosso).

Ademais, a Constituição posterior, de 1891, conhecida por instaurar o regime republicano federativo, apenas reiterou a matéria econômica da anterior. Já a Constituição de 1934,

Ao contrário das duas primeiras constituições nacionais, a de 1934 já demonstra ideologia desenvolvimentista. É de se ponderar que o contexto jurídico era outro, principalmente, em razão da legislação que passou a regular alguns aspectos da atividade econômica, o que motivou a inclusão, pela primeira vez, do título: “Da Ordem Econômica e Social” (em seu Título IV, arts. 115 a 140) (MASSO, 2013, p. 51, grifos do autor)

Diante do supracitado, percebemos que a Carta de 1934 é o reflexo das Constituições do México (1917) e de Weimar (1919), não só pelo fato de tratar da “Ordem Econômica”, mas, também, por ressaltar os direitos trabalhistas e sociais no âmbito econômico, sendo, pois, o marco do intervencionismo (em moldes próximos do que temos hoje) estatal no Brasil, vale enfatizar que tal constituição recebeu a denominação de “Constituição Econômica”, justamente por ter sido a primeira a tratar da ordem econômica. É também ela que instaura o Estado de Bem-Estar Social, rompendo com o Estado Libera.

No entanto, é a Constituição de 1937 que, explicitamente, enfatiza que o Estado intervirá na atividade econômica, nesse sentido, o artigo 135 da mesma diz:

Art. 135 - Na iniciativa individual, no poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estimulo ou da gestão direta. (CONSTITUIÇÃO 1937, grifo nosso).

Como objetivamos tratar do intervencionismo, é oportuno destacar que, como a Carta de 1937 permitiu a intervenção estatal, foram criados dispositivos que regulavam a atividade econômica, como “o Decreto-lei nº 869, de 18 de novembro de 1938, o primeiro diploma legal brasileiro destinado a reprimir práticas atentatórias à livre concorrência”. (BAGNOLI, 2005, p. 43). Depreende-se que o foco da intervenção ainda destinava-se somente à regulação da participação das empresas, deixando de lado a “defesa do consumidor”, que só mais tarde será tratada juridicamente.

Entrementes, com a Constituição de 1946, que promoveu a redemocratização, vez que o Brasil, antes, estava sob regime militar, foi possível estabelecer regras disciplinadoras da atividade econômica que se encontravam submetidas ao cunho social (Estado de Bem-Estar Social). Foi nessa   perspectiva que foi possível instituir a função social, a qual as empresas [e outros agentes e institutos privados] estavam submetidas[os], desse modo foi possível congregar as duas facetas, econômica e social, assegurando assim um desenvolvimento econômico, sem desprezar o desenvolvimento social (apesar que nem sempre desenvolvimento econômico implica desenvolvimento social). Destarte, é oportuno destacar o que nos diz João Bosco Leopoldino da Fonseca apud Masso (2013, p. 55):

O alicerce daquela Constituição é todo ele neoliberal. Esta expressão vem significar que, aceitos os princípios básicos do liberalismo político e econômico, são eles amoldados pelas novas conquistas sociais e informados pela nova postura do Estado perante o fenômeno econômico.

           

Por conseguinte, em 1967 é promulgada outra Constituição, essa servia, principalmente, para legitimar os atos dos militares que estavam no poder, dessa maneira, o intervencionismo perdeu um pouco seu foco, nesse aspecto, acentua Figueiredo (2014, versão digital) que “A Constituição de 24 de janeiro de 1967 manteve uma certa linha intervencionista, sem, contudo, definir um sistema econômico a ser adotado pelo Estado, ficando hesitante entre o intervencionismo e o liberalismo”. Visto que os militares, sob influência norte-americana, consequentemente defendiam o capitalismo, enalteciam o nacionalismo e a segurança, deixaram a iniciativa privada “livre” (pois o intervencionismo não ocorria de forma latente) para prover o desenvolvimento do país. Diante disso, é mister observar o § 8º do artigo 157:

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[...]Art. 157 - §8º São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais. (CONSTITUIÇÃO 1967, grifo nosso)

Outrossim, ainda sob o regime militar, foi promulgada, em 1969, a Emenda Constitucional nº1 que, por ter modificado bastante a Constituição, é tratada como uma nova Carta, no entanto, na liça econômica, promoveu as seguintes alterações, no dizer de Bagnoli (2005, p. 49):

Admitiu greve, exceto no serviço público e atividades essenciais, e delimitou a competência do setor privado e do estatal na organização e exploração da atividade econômica, assegurando ao Estado sua atuação ou intervenção no domínio econômico. [Destacou-se].

Depreende-se de tal mudança que o Estado promoveu um monopólio legal para si, principalmente na área petrolífera, pois assegurou constitucionalmente a exploração de determinadas atividades. Tendo em vista que a Petrobras foi criada em 1953, para monopolizar o petróleo brasileiro, e nessa época já monopolizava o petróleo, tendo sido apenas “juridicizada” essa ação.

            Passado esse período mais conturbado de ditaduras, em 1988 é promulgada a nossa Constituição atual. Essa conseguiu explicitar bem o intervencionismo do Estado no domínio econômico, assim como, a ideologia adotada pelo Estado; assim como as anteriores, destacou uma parte no “Título VII - Da Ordem Econômica e Financeira”, para tratar da atuação do estado em face do fenômeno econômico. Vale ressaltar que o rol de artigos de tal título é delineado de outros princípios elucidados em outros artigos.

            É de tal forma que, no artigo 1º (que lista os fundamentos da República), no seu inciso IV dispõe que:

Art. 1º A república Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (CONSTITUIÇÃO 1988).

                Pode-se inferir da leitura de tal dispositivo que o Estado dar uma ênfase na atividade econômica, ao explicitar a livre iniciativa como fundamento da república; vale ressaltar que, ao dispor dos valores sociais do trabalho junto com essa última, prima pelo equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e as condições de trabalho. É notável também que ele compartilha da ideologia liberalista, porém, há de se observar que não mais no modelo de Smith, visto que o Estado intervirá.

            É notável a carga ideológica liberalista e neoliberalista no texto Constitucional, por exemplo, no texto do artigo 5º e seus incisos há várias proposições que nos remete a tais, a saber: no caput do artigo é possível observar que é assegurado o direito à igualdade, à propriedade etc, esses são alguns dos pilares das economias de mercado. Por outro lado, também é explícito que o Estado intervirá na seara econômica, pois nos incisos do referido artigo percebe-se alguns dispositivos, porquanto: a função social da propriedade (forma do Estado limitar o uso abusivo da propriedade), a defesa do consumidor (esse, sendo corolário do princípio da igualdade e da livre concorrência, o Estado protege o consumidor do poder abusivo dos capitalistas, bem como lhe assegura a escolha dos produtos conforme sua vontade). São esses princípios, garantias e direitos que formaram boa dos princípios da Ordem Econômica.

Faz-se oportuno transcrever o artigo 170 da Carta de 1988 e tecer alguns comentários: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando os seguintes princípios: ” (CONSTITUIÇÃO 1988). Depreende-se de tal dispositivo que, ao condicionar a ordem econômica aos “ditames da justiça social” e a “valorização do trabalho”, o legislador quis proteger, bem como, assegurar os direitos trabalhistas e, também, asseverar a igualdade na participação da atividade econômica. Desse modo, informa-nos Bagnoli:

 A valorização do trabalho humano e a livre iniciativa revelam que a Constituição de 1988 prevê uma sociedade brasileira capitalista moderna, na qual a conciliação e composição dos titulares de capital e de trabalho é uma necessidade a ser viabilizada pelo Estado. (2005, p.58, grifo nosso).

Insta observar o posicionamento de Masso (2013, p. 64, grifos do autor) acerca da “justiça social”: “Conclui-se, pois, que o ditame da justiça social refere-se à participação ampla nos resultados da atividade econômica que deve garantir, inclusive, um nível de vida que proporcione o melhor acesso possível aos bens produzidos”.

            Entrementes, é mister observar e fazer alguns comentários a respeito dos princípios da ordem econômica, visto que são ele que fornecem os subsídios para que a intervenção do Estado seja legitimada; deixar-se-á de comentar a despeito da “função social”, pois já foi ressaltado no trabalho. Assim, comecemos pela “soberania nacional”[2], essa como sendo um dos elementos essenciais para que seja possível a concepção de Estado, da mesma forma torna-se um pilar para que o Estado seja soberano em adotar a política econômica que melhor lhe aprouver, porém, de outro modo, acentua Masso (2013, p. 66) que “A possibilidade de soberania econômica na atualidade é inatingível, a liberdade de escolha dos caminhos a serem trilhados, mesmo nos países de maior independência econômica, é impossível.”

A afirmação do autor é condizente com o cenário econômico atual, em que há um verdadeiro monopólio dos conglomerados capitalistas e, consequentemente, uma grande influência nas decisões. Outrossim, a soberania econômica plena torna-se subjugada em decorrência do processo de globalização, que interliga os mercados mundiais, dessa maneira, não se pode falar em soberania efetiva, mas apenas em um certo grau de liberdade nas decisões de cunho econômico, visto que um mercado estrangeiro pode interferir.

O próximo princípio a ser ressaltado trata-se da “propriedade privada”[3], que é um dos pilares do sistema capitalista (ou economia de mercado ou liberalismo). No dizer de Figueiredo, a propriedade privada

É um direito real, exercido por um determinado titular em face de um determinado bem, que lhe assegura direito de uso (utilização do bem como melhor lhe aprouver), de fruição (auferir lucro com o bem), de disposição (possibilidade de livre alienação da coisa de acordo com seu livre-arbítrio) e de sequela (direito de persecução do bem, onde quer que ele esteja). (2014, versão digital).

Vale ressaltar que tal princípio encontra-se mitigado pelo princípio da “função social da propriedade”[4], dessa maneira, a propriedade não mais encontra-se com o valor supremo que possuía no viés liberal, assim, não se pode utilizar a propriedade como bem quiser.

Por conseguinte, o princípio da “livre concorrência”[5] encontrasse elencado nos incisos do artigo 170, esse, além de traduzir a ideologia que o Estado adotou (economia de mercado), vem para equacionar a forma de participação dos diferentes agentes econômicos (é por causa dele que a pequena empresa tem privilégios sobre as maiores, para garantir a livre concorrência), note-se que tal princípio não pode mais ser concebido nos moldes de Smith, do liberalismo clássico. Nesse sentido, Bagnoli ressalta que,

A garantia da competição leal, isenta de práticas anticoncorrenciais e de utilização abusiva do poder econômico, é assegurada pelo Estado, por meio de agências reguladoras e de órgãos de defesa da concorrência, como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). (2005, p. 61)

           

            Prosseguindo, o seguinte princípio que convém destacarmos é o da “defesa do consumidor”[6]. Tal princípio possui legislação específica, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), no entanto, há de ser observar que a defesa do consumidor também se encontra dissolvida na “livre concorrência”, pois essa assegura a liberdade do consumidor escolher o bem que lhe aprouver. Masso (2013, p. 71) destaca muito bem a necessidade de se ter esse direito ao reconhecer que o consumidor é hipossuficiente diante da atuação dos agentes econômicos e, por ser o alvo final do processe produtivo, portanto, alvo dos mais diversos artifícios do marketing, merece proteção e é justamente o objetivo de tal princípio, promover a proteção equilibrando a relação jurídica (consumidor-agente econômico).

            Ademais, temos o princípio da “defesa do meio ambiente”[7] que, em seu texto na Constituição, permite o tratamento diferenciado dos agentes a depender dos danos causados ao meio ambiente. É justificável esse princípio pelo fato da atividade econômica implicar em degradação dos recursos naturais, assim, deve-se assegurar o desenvolvimento econômico concomitante a preservação ambiental, principalmente com o conceito atual de desenvolvimento sustentável, que enaltece bastante esse princípio.

Procedendo, há o princípio da “redução das desigualdades regionais e sociais”[8], esse deve ser entendido de forma combinada com a ideia de desenvolvimento econômico, dessa maneira, o objetivo de tal princípio é conciliar, bem como subordinar, o desenvolvimento na seara econômica de modo que seja possível reduzir as desigualdades. André Ramos Tavares apud Masso (2013, p.73) assevera que esse princípio “impõe que o desenvolvimento econômico e as estruturas normativas (liberais) criadas para fundamentar o crescimento econômico devam estar voltadas também à redução das desigualdades em todas as regiões do país[...]”. Ademais, é oportuno transcrever as sábias palavras de Figueiredo sobre tal princípio:

Consiste no compartilhamento equânime, em todas as regiões do país, do desenvolvimento social advindo da exploração de atividade econômica. Fundamenta-se no princípio geral de direito do solidarismo que consubstancia todo o intervencionismo social, bem como num conceito de justiça distributiva, visto sob uma perspectiva macro, no qual o desenvolvimento da Nação deve ser por todos compartilhado, adotando-se políticas efetivas de repartição de rendas e receitas, com o fito de favorecer as regiões e as classes sociais que se encontram em desnível e em posição de hipossuficiência em relação às demais. (2014, versão digital).

Outro princípio é o da “busca pelo pleno emprego”[9], observa-se que ele é requisitado como um fim da atividade econômica, ou seja, se o processo produtivo estiver ocorrendo sob todos os requisitos, o pleno emprego será alcançado, é nessa perspectiva que Masso (2013, p. 74) desta que “O pleno emprego, na verdade, é uma das consequências da economia em pleno e eficiente desenvolvimento”.

O próximo princípio, “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte”[10], é corolário da “livre concorrência”, pois visa assegurar a concorrência justa entre as empresas menores e maiores, tendo em vista que há um grade monopólio das transnacionais e multinacionais, o que acaba por inibir a participação das outras no mercado, então, cabe ao Estado interferir no mercado para garantir e incentivar a entrada e permanência dessas empresas no mercado[11].

3 ESTADO REGULADOR: NOVO PERFIL

O Estado Regulador é corolário do neoliberalismo, pois, tal figura surge em meio ao rompimento da ideia de Estado Liberal, assim, o Estado fomenta a iniciativa privada a produzir e fornecer os serviços que eram peculiares ao Estado, no entanto usa de órgãos para regular a atuação dessas empresas no mercado. Ressalta Figueiredo que

 A regulação econômica sistemática tornou-se uma questão concreta no Brasil com as privatizações levadas a cabo pelo governo brasileiro na década de 1990, que concedeu à iniciativa privada diversos “monopólios naturais”, ou “quase monopólios” que antes se encontravam sob a égide das empresas estatais. (2014, versão digital).

Tais órgãos são conhecidos como Agências Reguladoras[12] (ANATEL – Agência Nacional de Telefonia; ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica; ANCINE – Agência Nacional do Cinema; ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil; ANTAQ – Agência Nacional de Transporte Aquaviários; ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres; ANP – Agência Nacional de Petróleo; ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária; ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar e ANA – Agência Nacional de Águas.). A criação de tais agências encontra sua legitimação no texto do artigo 21 da Constituição de 1988:

Art. 21. Compete à União: [...]XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens; b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos; c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária; d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território; e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; f) os portos marítimos, fluviais e lacustres.[13][Destacou-se]

Nesse novo modelo, o Estado deixa de monopolizar alguns setores, participando apenas de maneira indireta e direta e fomentando as empresas a fornecerem e atuares nos setores que eram, antes, de incumbência do Estado. É nesse sentido que o artigo 173 da Carta Magna ressalta:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (CONSTITUIÇÃO 1988).

                               Consoante a esse novo perfil, salienta Figueiredo:

Adotando uma postura característica de Estado Regulador, a Constituição da República veda expressamente ao Estado brasileiro a exploração direta da atividade econômica. Fácil verificar que houve, por parte do legislador constituinte, um abandono gradual do modelo intervencionista que vinha adotando a partir da Carta Política de 1934. (2014, versão digital).

Vale enfatizar que a participação indireta do Estado, que ocorre por meio dos entes administrativos, sobretudo as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista (também chamadas de entidade estatais empresariais). Outrossim, é de tal maneira que o Estado se abstém da intervenção brusca que, ao explorar a atividade econômica de forma indireta, submete as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista às normas que regem a iniciativa privada, com o fito de assegurar a livre concorrência, bem como “não interferir” no mercado. Confirmando tais afirmações, convém transcrevermos os dispositivos constitucionais que as legitima:

Art. 173, §1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: [...]II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; [...]§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. [...]§ 4º - lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

                        Fica mais claro a concepção do Estado Regulador nesse momento da história brasileira ao citarmos o artigo 174 da Constituição o qual explicita que o Estado é o “agente normativo e regulador” e assevera que o planejamento que for adotado é “determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”, dessa maneira, além de evidenciar o novo perfil estatal, assevera a participação equânime do setor público e do setor privado.

4 O CASO DA CHESF

A CHESF é uma sociedade anônima de capital aberto (subsidiária da eletrobras) prestadora de serviços elétricos que abrange a região Nordeste, por ser prestadora de serviço público, e ser de capital misto, encontra-se sob a regulação da ANELL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Como se sabe, o fornecimento de energia elétrica foi desestatizado, sendo prestado, pois, por empresas da iniciativa privada e, nesse caso, por uma Sociedade de Economia Mista. Assim, o Estado atua como regulador (“Novo Perfil”) da prestação desse serviço.

É interessante notarmos que, apesar da CHESF ser uma Sociedade de Economia Mista, portanto ente da administração indireta sendo, pois, uma empresa estatal, a mesma foi multada pela ANELL. A multa aplicada é legitimada, no nosso entendimento, pelo fato de a empresa ser de capital misto, logo, há investimentos privados em ações na mesma, e, por isso, é possível a aplicação da multa, além desse fato, insta observar, como já ressaltado antes, que, em consonância com o princípio da livre concorrência, às sociedades de economia mista são aplicadas as normas de direito privado, sendo outro fato que legitima a aplicação da multa. Outrossim, acreditamos que, por tratar-se de uma concessionária de serviço público, e um dos princípios do serviço público é a continuidade do serviço, ela o descumpriu; ademais, é mister observar que há a defesa do consumidor em jogo, pois somos nós que pagamos pelo serviço, logo, não poderíamos sofrer danos[14] pela incompetência dos outros.

A CHESF foi multada em R$ 32,3 milhões pela ANELL, em decorrência do blecaute ocorrido em 4 de fevereiro de 2011 que atingiu 8 estados do Nordeste[15]. Assim, a agência reguladora, cumprindo sua função de fiscalizadora, fez uma vistoria nas instalações da subsidiária e constatou que ela não havia cumprido com os procedimentos de rede instituídos pela ANELL.

Foi oportuno destacar esse exemplo pois observamos os dois vieses da intervenção do Estado no domínio econômico: primeiro como explorador de atividade econômica, sob a forma de empresa estatal (esta que é de capital misto, no entanto o capital majoritário é do Estado), nesta mesma perspectiva, podemos nos remeter ao fato político-econômico que foi a desestatização, pois, enquanto antes o fornecimento de energia elétrica era somente de monopólio estatal, abriu-se a possibilidade da iniciativa privada participar desse serviço, e foi na concessionária que o Estado possibilitou isso; o segundo viés diz respeito ao “novo perfil do Estado”, o regulador, em que, no uso de sua agência reguladora, a ANELL, fiscalizou e multou a concessionária de serviços elétricos por inobservância dos planos de rede instituído pela mesma. Tal exemplo chega até a ser um pouco paradoxal, pois como poderia o Estado multar a si mesmo? No entanto, há de se observar, como já foi exposto, que a concessionária possui capital privado investido, além de submeter-se às leis privadas, desse modo, é possível que o Estado a multe, no nosso entendimento. Entrementes, é válido destacar o entendimento de Figueiredo acerca das agências reguladoras que também justifica a multa:

Por sua vez, compete às Agências Reguladoras, enquanto entidades integrantes da Administração Pública Indireta, exercerem a atividade de regulação de forma independente e apolítica ao Governo Central, como veremos adiante, em capítulo posterior. (2014, versão digital, grifo nosso.).

CONCLUSÃO

Ao término do trabalho, pode-se depreender que o fenômeno de intervenção do Estado no domínio econômico é relativamente recente, sendo observado, em linhas gerais, por volta do século XX em diante, na Constituição Mexicana (1917) e de Weimar (1919). Trata-se de um fenômeno multifacetário, visto que o Estado, no passar do tempo, assumiu e incorporou várias formas de intervenção e participação na atividade econômica, destacando-se, no Brasil, as formas de intervenção por meio de leis [e princípios], atuação das agências reguladoras, é aqui que o Estado assume um novo perfil e adota uma postural mais neoliberal, e, também, quando participa sob a forma de empresas estatais, que se equiparam a empresas privadas.

Tais formas de participação puderam ser observadas, na prática, na análise do caso da CHESF, em que pese atuação do Estado na forma de empresa estatal e, posteriormente (ou ao mesmo tempo, visto que a atividade de regulação é ininterrupta), regulando e fiscalizando a prestação do serviço, como incumbiu o artigo 174 da Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAGNOLI, Vicente. Direito econômico. São Paulo: Atlas, 2005.

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_____. Constituição de 1937. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em: 12 maio 2015.

_____. Constituição de 1946. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm>. Acesso em: 12 maio 2015.

 _____. Constituição de 1967. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>. Acesso em: 13 maio 2015.

_____. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 13 maio 2015.

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2014, versão digital.

MASSO, Fabiano Del. Direito econômico esquematizado. São Paulo: Gen/Editora Método, 2013.


[1] Vale ressaltar que coincide com o intervencionismo estatal o surgimento da ideia de Direito Econômico.

[2] Art. 170, inciso I da Constituição Federal de 1988.

[3] Art. 170, inciso II da Constituição Federal de 1988.

[4] Art. 170, inciso III da Constituição Federal de 1988.

[5] Art. 170, inciso IV da Constituição Federal de 1988.

[6] Art. 170, inciso V da Constituição Federal de 1988.

[7] Art. 170, inciso VI da Constituição Federal de 1988.

[8] Art. 170, inciso VII da Constituição Federal de 1988.

[9] Art. 170, inciso VIII da Constituição Federal de 1988.

[10] Art. 170, inciso IX da Constituição Federal de 1988.

[11] Cf. Art. 179 da Constituição Federal de 1988.

[12] Agências Reguladoras, na verdade, são autarquias (ente administrativo) submetidas a um regime especial.

[13] Se bem observarmos, algumas das alíneas do inciso XII corresponde a um setor cuja agência reguladora foi criada para disciplinar a exploração econômica.

[14] Fala-se em danos porque muitas pessoas que possuem atividades que necessitam da energia elétrica para funcionar tiveram prejuízos, como é o caso de quem cria peixes e precisa da energia para oxigenar a água, ou quem tem galpões aviários que precisam da energia para aquecer as aves etc.

[15] G1. Economia e negócios. Aneel multa Chesf em R$ 32,3 milhões por apagão no Nordeste. Disponível em:      < http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2012/06/aneel-multa-chesf-em-r-323-milhoes-por-apagao-no-nordeste.html>. Acesso em: 13 maio 2015.

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Sobre o autor
João Marcos

Acadêmico do curso de Direito na Universidade Regional do Cariri (URCA) - CE.

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