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Corrupção: um remédio eficaz

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Por ser o único agente público com conhecimento interno dos fatos e com poderes legais de propiciar judicialmente a repressão imediata da desonestidade, o Procurador do Estado deve possuir garantias e meios necessários para cumprir com grandeza a sua missão.

Aquele 3 de agosto de 2012 ficaria na história como uma esperança concreta de combate efetivo à corrupção. Roberto Gurgel, Procurador-Geral da República, encerrava sua sustentação oral, valendo-se da genialidade de Chico Buarque para colocar as mãos no sangue da verdade: “Dormia, a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações”. Pediu a condenação e a prisão imediata de 36 acusados no processo em que se pensava tratar-se do maior escândalo de corrupção de todos os tempos: “o Mensalão”. Sopravam os ventos da mudança.

Menos de 3 anos depois, Pedro Barusco, ex-gerente da Diretoria de Serviços da Petrobras, deixava a nação estupefata ao prometer na CPI da estatal a devolução de 100 milhões de dólares arrecadados de propina. Era apenas o começo do que se viria a conhecer de uma pilhagem bilionária. Apesar de toda luta das instituições na moralização do país, o Brasil continuava a sangrar.

Na realidade, há um intenso combate mundial à corrupção, com adoção de diversas medidas jurídicas no plano internacional. O Conselho das Comunidades Europeias vem editando, desde 1989, normas para debelar a lavagem de dinheiro, além de firmar convênios para eliminar desvios de agentes públicos, culminando com a criação do “GRECO – Group of States against Corruption”. Em 1996, a Organização Mundial do Comércio veiculou, no acordo plurianual sobre contratação pública, critérios objetivos para dar transparência ao procedimento licitatório de obras e serviços. O Fundo Monetário Internacional, em 26/09/99, consolidou, no “Código sobre Boas Práticas de Transparência em Políticas Monetárias e Financeiras”, medidas efetivas para inibir ações ilícitas. A Organização das Nações Unidas também normatizou a conduta de funcionários públicos que tivessem acesso a informações privilegiadas, numa guerra deflagrada contra o suborno. Do mesmo modo a Organização dos Estados Americanos, bem como a União Africana, através de modelos legislativos buscam conter a disseminação continental da corrupção, a doença mais perversa para a vida em sociedade.[i] O fato é que, em escala global, no que toca à probidade, até aqui fracassamos como civilização. Entra pelos olhos a necessidade do aperfeiçoamento e adoção, na plenitude, de todos os mecanismos disponíveis para pôr fim a esta sina humana de desonestidade com a coisa pública.

Não se pode negar que, recentemente, no Brasil, a atuação firme e competente de diversos agentes públicos trouxe uma renovação no sentimento de nação e na possibilidade de um futuro verdadeiro. Mas é preciso avançar. Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro[ii] há mais de 50 anos traçaram um diagnóstico detalhado da estrutura de poder no país, que se baseia na obscena mistura do interesse público com o privado. É a apropriação do Estado por um grupo que manipula continuamente o poder a benefício próprio. Daí a necessidade de se inverter a lógica de combate à corrupção, alicerçada, hoje, na repressão protagonizada por entes externos ao governo.

Neste contexto, emerge, como um dos pilares da atividade governamental, um agente capaz de estancar, através de uma forma diferenciada de agir, esta triste e repetitiva realidade. Trata-se dos Procuradores do Estado[iii]. Isso porque, como o ente estatal só se conduz dentro do que determina a lei, estes agentes estão na fonte dos atos e contratos administrativos, devendo, por conseguinte, extirpar aqueles eivados de ilegalidade. Por atribuição constitucional, participam de todas as etapas da gestão do erário, a tudo orientando e fiscalizando, o que lhes propicia a visão completa dos atos governamentais. Trabalham, enfim, na raiz dos problemas, ocupando uma posição privilegiada para exercer o poder preventivo e repressivo. Com efeito, enquanto o Ministério Público, o Judiciário, a Polícia agem, em regra, após os atos e fatos produzidos, o Procurador do Estado pode estar presente na luz e na sombra das decisões e das consequências do governar. Dos agentes públicos de atuação jurídica, é o único com acesso aos fatos no momento quente de sua ocorrência, e com competência legal para neles intervir a bem da legalidade, moralidade, eficiência.

Por tal razão, a Lei 8.429/92, o mais completo arcabouço legal de combate à improbidade administrativa, legitimou os Procuradores dos entes estatais a propor ações que visem a restaurar danos ao erário, impondo graves penalidades ao agente político, público ou mesmo ao particular, que tenham enriquecido ilicitamente ou causado prejuízos à Administração Pública. Mais do que isso. Trata-se de mecanismo legal dotado de severa penalização[iv] a incidir sobre todos que, por ação ou omissão, violarem os deveres de honestidade, imparcialidade, lealdade para com os valores da República. 

Mas, infelizmente, no combate à improbidade a atuação prática dos Procuradores tem sido tímida, porquanto enfraquecida pela interpretação equivocada de que devem se subordinar cegamente ao governante. Não. Ao receber uma imensa gama de poderes e deveres, os Procuradores assumem um papel central na vida do cidadão, pois viabilizam, nos limites da lei, a arrecadação do dinheiro necessário para os serviços públicos, impedem danos ao erário e orientam a atuação dos órgãos estatais, consoante as diretrizes políticas eleitas pelo administrador. Embora a este vinculados, os Advogados Públicos devem ter total autonomia e garantia funcional para que possam moldar a vontade política aos ditames republicanos[v]. Se o governante – ou qualquer agente público - disso se desviar, será repreendido pela atuação firme e altiva da Procuradoria do Estado, pois o poder da autoridade se desfaz ao agir no subúrbio da moralidade. Visto de outra margem, a responsabilização e afastamento do administrador ímprobo também constituem medida de implementação da política pública vencedora, obstada pela conduta ilícita do agente político que se desvia do interesse público.[vi] A designação do cargo já ilumina a quem o Procurador deve servir: ao Estado.

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Por ser o único agente público com conhecimento interno dos fatos e com poderes legais de propiciar judicialmente a repressão imediata da desonestidade, certamente ao Procurador do Estado devem se dar as garantias e os meios necessários para cumprir com grandeza a sua missão.[vii] Portanto, haverá de existir, em cada Procuradoria, a estrutura adequada para investigar e agir sobre o fato ilícito no momento em que ocorre, proporcionando condições mais eficientes para a proteção do patrimônio público e dos sentimentos mais caros ao Estado Democrático de Direito. Ao cidadão, enfim.

Esta é a mudança imediata que se precisa introduzir na estrutura jurídica dos órgãos e instituições brasileiras, se quisermos verdadeiramente um país melhor. Como ensinou Francisco Cândido Xavier, se não podemos voltar atrás para ter um novo começo, podemos começar agora a fazer um novo fim. Oxalá.


Notas

[i] Conf. in GARCIA Emerson e ALVES Rogério Pacheco, “Improbidade Administrativa”, 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, p. 22/28.

[ii] Nas monumentais obras “Raízes do Brasil” e “Os Donos do Poder – Formação do Patronato Político Brasileiro”, respectivamente.

[iii]  Dito aqui no sentido lato sensu , ou seja, o Advogado da União e os Procuradores dos Estados, Distrito Federal, municípios.

[iv] Das graves sanções aplicáveis, podem-se destacar a indisponibilidade e perda dos bens, a condenação à elevada multa, perda da função pública, proibição de contratar com o Estado e até mesmo a suspensão dos direitos políticos. Isso tudo sem prejuízo das sanções penais.

[v] Em Minas Gerais, a Lei Complementar nº 30, em seu artigo 2º, incrementa como Princípio institucional da Procuradoria Geral do Estado a autonomia funcional.

[vi] O Superior Tribunal de Justiça, no RESP 401390/PR, bem delineou a posição deste importante agente público dentro da atuação do Estado, ao afirmar que “Os denominados advogados (ou procuradores) de Estado não são, em rigor, advogados (nem procuradores). Com efeito, eles não atuam em lugar do Estado, mas como um de seus órgãos. Assim como o juiz é o órgão pelo qual o Estado executa sua função jurisdicional, o procurador é o órgão de que o Estado se vale, para defender-se e atacar, em juízo. Nunca é demais lembrar a precisa e preciosa observação de Pontes de Miranda: o procurador não representa; ele presenta o Estado.”  

[vii] A ausência de estrutura e garantia adequadas nas Procuradorias para o combate à corrupção pode, inclusive, em tese, caracterizar condescendência criminosa.   

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Sobre o autor
Cássio Roberto dos Santos Andrade

Procurador do Estado; professor da graduação e pós-graduação do UNi-BH

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Cássio Roberto Santos. Corrupção: um remédio eficaz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4508, 4 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44139. Acesso em: 22 nov. 2024.

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