Resumo
O presente artigo propõe-se a levantar questões do Direito Internacional relacionadas ao direito de ir e vir de um indivíduo. De forma a analisar essas questões aplicadas no caso de Cesare Battisti e a posteriori na de Henrique Pizzolato.
O propósito central dessa discussão será debater uma das questões mais polêmicas, resultantes do impasse do caso Battisti, nas relações diplomáticas entre o Brasil e a Itália. Isso se deu devido ao fato do presidente da República Federativa do Brasil negar o pedido do governo italiano de extradição do ativista e conceder a Cesare Battisti o status de refugiado.
Após uma explicação minuciosa do caso Battisti, será feita uma inter-relação com o caso de Henrique Pizzolato mostrando como o caso de Battisti está interferindo negativamente na cooperação jurisdicional por parte da Itália com o governo brasileiro.
Palavras chave: Cesare Battisti; Direito Internacional; Extradição; Henrique Pizzolato; Refúgio.
O Pedido de Extradição do Governo Italiano Versus O Status De Refugiado de Battisti
Cesare Battisti foi um ativista de esquerda da PAC (Proletários Armados pelo Comunismo). De nacionalidade italiana, porém, atualmente vive no Brasil por ser um foragido da justiça da Itália.
O ativista foi acusado de se envolver em 4 homicídios, e por isso, foi julgado na Itália à prisão perpetua, mesmo sem aparecer a nenhuma das audiências.
Devido a isso Battisti veio ao Brasil e entrou com um requerimento de refúgio ao CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados) que negou a sua solicitação tendo em vista os critérios de reconhecimento de um refugiado adotados pelo Brasil:
O Brasil adota os critérios estabelecidos pela Lei 9474/97 para o reconhecimento de um refugiado. Essa lei foi inspirada na Convenção de Genebra de 1951, que criou o órgão ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). O ACNUR foi criado com a função de resolver o problema dos refugiados no mundo. O órgão estabeleceu os parâmetros legais e internacionais de quem poderia ser considerado um refugiado.
Assim sendo, de acordo com a Lei 9474/97:
“Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.”
Pois bem, Cesare Battisti tendo a resposta negativa do CONARE recorreu ao Ministro da Justiça – um direito de recurso que inclusive está garantido pela Lei 9474/97.
Visto isso, Tarso Genro, o Ministro da Justiça, concedeu o status de refugiado ao italiano, argumentando que o ativista era perseguido na Itália. O Ministro ressaltou o fato do ativista não ter tido o direito à ampla defesa. Tarso Genro utilizou-se desse fundamento dentre outros como prova de que Cesare Battisti havia fundado temor de perseguição – um dos critérios previstos para concessão de refúgio.
Todavia, essa decisão gerou uma polêmica muito forte. Essa deliberação de Genro além de ir contrário a posição do Itamaraty, ela mostrou uma afronta ao sistema jurisdicional da Itália (por alegar que a Itália não proveu a devida justiça) gerando vários empecilhos nas relações diplomáticas.
Pois bem, a Itália já havia suplicado a extradição de Cesare Battisti, desde maio de 2007. O Brasil possui um Tratado De Extradição firmado com a Itália assim como com diversos outros países. Que foi publicado no Diário Oficial de 12 de julho de 1993. Tendo em vista esse tratado, temos dois problemas dentro dessa requisição da extradição do ativista por parte da Itália.
A extradição se baseia costumeiramente em tratados ou na reciprocidade em prol do combate ao crime.[1] Quando um Estado decide cooperar juridicamente com o outro é demonstrado um compromisso de reciprocidade,[2] além de evitar a impunidade.[3] Estados firmam tratados de extradição e por conseguinte as partes se veem obrigadas a seguir uma regra previamente compactuada por eles em um acordo.
Seguindo, desse modo, princípios gerais para um bom relacionamento entre Estados, tais como, o cumprimento do compromisso da extradição (conforme os termos do tratado) e o respeito ao non bis in idem (Não punir alguém mais de uma vez pelo mesmo crime).[4]
Como exposto, o Brasil tem um Tratado De Extradição firmado com a Itália. Esse tratado gerou um impasse no caso Basttisti. Nesse tratado há claramente o impedimento de extradição em casos de crimes políticos:
“Artigo III
Casos de Recusa da Extradição
1. A Extradição não será concedida:
e) se o fato pelo qual é pedida for considerado, pela parte requerida, crime político”
Trazendo de volta à memória os crimes cometidos pelo ex-ativista, veremos que foram todos ligados a PAC, levando-os a serem considerados como crimes políticos.
Outro problema na ação de extradição do ex-militante a Itália, é que no momento em que Battisti entrou com o pedido de refúgio, a solicitação de cooperação jurisdicional do governo italiano, já tinha resultado em prisão do ativista e o pedido já tinha sido encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Isso antes do italiano pedir refúgio.
Porém o grande obstáculo é que, em conformidade com a Lei 9474, apenas a solicitação por refúgio suspende a demanda de extradição, isso quando o pedido de extradição for fundamentado na mesma causa que se deu o refúgio (artigo 34).
Além do que, a concessão do refúgio ao solicitante irá acarretar na anulação de seja qual for a demanda de extradição. Isso se essa solicitação de extradição for baseada nos motivos os quais o refúgio foi concedido (Artigo 33).
“TÍTULO V
Dos Efeitos Do Estatuto De Refugiados Sobre A Extradição E A Expulsão
CAPÍTULO I Da Extradição
Art. 33. O reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.
Art. 34. A solicitação de refúgio suspenderá, até decisão definitiva, qualquer processo de extradição pendente, em fase administrativa ou judicial, baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.
Art. 35. Para efeito do cumprimento do disposto nos arts. 33 e 34 desta Lei, a solicitação de reconhecimento como refugiado será comunicada ao órgão onde tramitar o processo de extradição.”
Esses artigos exprimem basicamente o princípio do non-refoulement (princípio da não devolução). Princípio este também presente na Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951 e no Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967, ambos ratificados pelo Brasil.[5]
O princípio do non-refoulement se baseia na ideia de que uma pessoa não será devolvida para o local onde sua vida ou liberdade está sob ameaça. Esse princípio procura proteger os refugiados, evitando que o mesmo torne-se vítima de violação de seus direitos humanos.[6]
Caso haja um pedido de extradição de um refugiado, deve-se analisar os fundamentos utilizados nessa solicitação. Se esse fundamento venha a coincidir com as cláusulas de exclusão da condição de refugiado, a extradição fica autorizada.[7]
“SEÇÃO III Da Exclusão Art. 3º
Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que:
I - já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismo ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - ACNUR;
II - sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro;
III - tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;
IV - sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.”
Visto isso, houve um grande dilema gerado no sistema Judiciário brasileiro. foi seria violado o princípio do non-refoulement caso houvesse o julgamento (e a possível concessão) de extradição de Cesare Battisti à Itália.
Porém, esse impasse acabou resultando no Supremo Tribunal Federal julgando a ação de extradição como procedente. Foi alegado que cabe ao STF julgar os aspectos da constitucionalidade do refúgio, a sua parte técnica-legal (mas não os fatos que levaram a sua concessão).
Para alguns, essa deliberação do STF foi uma afronta a separação dos poderes. O Supremo rebateu essa polêmica afirmando que não haveria problemas, pois o presidente da República continuaria sendo a determinação final (última instância) no que abrange a concessão ou não do refúgio.
O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal não ocorreu em apenas um dia – ocorreu entre os meses de setembro e novembro de 2009. Ficando decidido favorável a extradição do italiano por 5 votos a 4.
Vale ressaltar o que foi declarado pelo ministro Carlos Ayres Britto em seu pronunciamento de voto final: “Na medida em que o Supremo declara a viabilidade da extradição não pode impor ao presidente da República a entrega do extraditando ao país requerente”. Ou seja, ficou designado ao Poder Executivo decidir se iria entregar ou não o italiano ao governo da Itália.
Todavia, chegando o caso ao presidente da República, ele decidiu negar a extradição do ativista ao governo italiano. Baseando sua decisão em um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU).[8]
A AGU havia recolhido informações de supostos tratamento que seria dado ao italiano quando voltasse ao país. Sendo assim, não foi feita a extradição, pois, com base nas informações colhidas, haveriam “razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação.”
Assim sendo, Luiz Inácio Lula Da Silva, o presidente da época, concedeu a Cesare Battisti um status por considerá-lo uma vítima de perseguição política.
Uma polêmica gerada essa por deliberação do presidente foi se o italiano realmente adequava-se ao status de refugiado. Será que não se adequaria mais ao status de asilado político?
Vejamos bem algumas diferenças entre refúgio e asilo.
Podemos ter uma boa noção do que é um refugiado pelo trecho da Lei 9474/97 posta acima, ele tem um caráter mais coletivo. Ou seja, quando há a perseguição de um grupo. Enquanto o asilo tem um caráter mais individual, decorre da perseguição ao indivíduo.[9] Porem vale ressaltar que ambos prezam pela proteção da pessoa humana.
Pois então, asilo nada mais é do que a proteção designada a alguém que tenha a sua vida/liberdade posta em risco por superiores de seu país. Esta pessoa normalmente deixa o país por estar sobre acusação de ter violado alguma lei penal ou para se livrar de uma perseguição política.”[10]
Contudo o asilo é um ato soberano e do Estado e é um ato discricionário do Estado, por vontade do Estado, independente do princípio de reciprocidade. Esse asilo é feito (no brasil) via decreto presidencial, e o presidente não precisa dar satisfação a ninguém.
À vista disso, Cesare Battisti foi corretamente intitulado com o status de refugiado. Em razão que, se o italiano recebesse a classificação de asilado político, o presidente da República se quer necessitaria dar causas a sua recusa de extradição do italiano, uma vez que, o asilo político é ato discricionário, que não exige razões para tal ato.
O italiano solicitou ao Supremo Tribunal Federal a soltura do italiano, visto que não havia mais fundamentos legais para tal.[11]
Porém, a Itália entrou com uma ação contra a resolução do presidente. Segundo o governo italiano a prisão do extraditando é de competência do STF.
O STF abriu assim um julgamento em que manteve a sentença do presidente e assinou o alvará de soltura do italiano.
Contudo, quando o presidente decidiu não extraditar se criou um problema pois Battisti não pode ser considerado um estrangeiro com visto permanente por que a legislação brasileira proíbe o visto permanente às pessoas condenadas por crimes dolosos. Ao mesmo tempo em que Battisti não pode ser extraditado.
Visto isso, o Ministério Público Federal entrou com um pedido de deportação. E a Justiça Federal considerou nulo, o ato do governo que concedeu a permanência de Battisti. Mandando assim, deportá-lo.
A deportação é uma forma de exclusão do estrangeiro que encontra no território nacional em situação irregular. [12]
Segundo a Juíza do caso o Conselho de Imigração não poderia ter autorizado a estadia de Cesare Battisti pois a legislação brasileira não permite que estejam no brasil pessoas condenadas por crimes dolosos em outros países. Todavia, essa decisão ainda cabe recurso.
Como a possível deportação de Cesare Battisti influencia no caso de Henrique Pizzolato
Ao mesmo tempo que está em tramite o julgamento da possível deportação de Cesare Battisti, temos na Itália um ex-diretor do Banco do Brasil, condenado no brasil a 12 anos e sete meses de prisão pelos crimes de corrupção, o Henrique Pizzolato.
Embora Henrique Pizzolato tenha também nacionalidade italiana, e nesse caso a extradição ao brasil não fica possível de acordo com o artigo 6º do tratado de extradição entre o Brasil e a Itália
“ARTIGO 6
Recusa Facultativa da Extradição
1. Quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido, for nacional do Estado requerido, este não será obrigado a entregá-la. Neste caso, não sendo concedida a extradição, a Parte requerida, a pedido da Parte requerente, submeterá o caso às suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal. Para tal finalidade, a Parte requerente deverá fornecer os elementos úteis. A Parte requerida comunicará sem demora o andamento dado à causa e, posteriormente, a decisão final.”
Ou seja, embora a Itália não possa extraditar Pizzolato, ainda é possível que ele seja penalizado na Itália.
Mas essa penalização pode não ocorrer devido a impasses diplomáticos do caso Battisti. Pois quando o presidente Lula decidiu não extraditar Cesare Battisti, ainda com a decisão do STF, houve uma quebra da garantia de reciprocidade com a Itália.
Mas agora, com essa reabertura do processo de Cesare Battisti e com a decisão, ainda que em primeira instancia, da deportação de Battisti, talvez o Brasil possa restabelecer as relações diplomáticas com a Itália.
Uma vez que, não há nenhuma ferramenta melhor para garantir que a Itália colabore jurisdicionalmente com o Brasil, do que o Brasil colaborar jurisdicionalmente com a Itália.
Tendo assim, uma condenação de Henrique Pizzolato, para um maior conforto da sociedade brasileira, e uma redução da sensação enraizada nos brasileiros de que quem comete a corrupção sempre acaba impune.
Referências
[1] A Extradição – Brasília, Ministério da Justiça, Secretaria da Justiça, Departamento de Estrangeiros, 1997. Pg 15
[2] Ministro Celso de Mello. Despacho proferido na Extradição 542, DJU de 21.11.91, p. 16.761.
[3] Miranda, Neemias Carvalho. Extradição - Decisões Contraditórias no Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Lumen Juris, 2009. Pg 01.
[4] Acquarone, Appio Claudio. Tratados De Extradição: Construção, Atualidade E Projeção Do Relacionamento Bilateral Brasileiro. Instituto Rio Branco. Rio de Janeiro 2003. Pg 65-66.
[5] Dias, Hamana K. Gomes. As Garantias Internacionais E Domésticas Dos Refugiados: Extradição X Non-Refoulement. Disponível em: http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3158 Acesso em: 12/10/2015.
[6] Soares, Carina de Oliveira. A Extradição E O Princípio De Não-Devolução (Non-Refoulement) No Direito Internacional Dos Refugiados. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9429 Acesso em: 12/10/2015.
[7] Araújo, de Nadia e Almeida, de Guilherme. O direito internacional dos refugiados: uma perspectiva brasileira. Renovar. Rio de Janeiro 2001. Pg 204-205.
[8] Campanerut, Camila. Lula decide não extraditar o italiano Cesare Battisti e reage à crítica da Itália. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2010/12/31/lula-decide-nao-extraditar-o-italiano-cesare-battisti.htm Acesso em: 12/10/2015.
[9] VARELLA, Marcelo. Direito internacional público. 2 . ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 176.
[10] SILVA, G.E. do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 391.
[11] Dallari, Dalmo de Abreu. A suprema negação do direito. Disponível em: http://observatoriodaimprensa.com.br/caderno-da-cidadania/a-suprema-negacao-do-direito/ Acesso em: 12/10/2015.
[12] Silva, João Batista da. Kindermann, Milene Pacheco. Direito Internacional Público. Florianopolis: Unisulvirtual, 2013, Pg. 48.