Inseminação artificial homóloga post mortem:direitos sucessórios versus princípio da segurança jurídica .

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O presente artigo visa discutir os direitos sucessórios dos filhos havidos por inseminação artificial homóloga post mortem, o que traz à tona diversas discussões acerca da repercussão de tais filiações no âmbito patrimonial.

Sumário:1. Introdução; 2. Inseminação Artificial Homóloga Post Mortem: direitos sucessórios versus princípio da segurança jurídica; 2.1. Direito das Sucessões: Sucessão legítima e Sucessão testamentária; 2.2. Princípio da Segurança Jurídica e Princípio da Igualdade; 2.3. Reprodução Assistida: Espécies; 2.4. Inseminação Artificial Homóloga Post Mortem; 3. Considerações Finais; 4. Referências.

Resumo: O presente artigo aborda a inseminação artificial homóloga post mortem por meio de um estudo baseado em doutrinadores como Sílvio de Salvo Venosa, Maria Helena Diniz, Roberto Senise Lisboa, Carlos Roberto Gonçalves e Maria Berenice Dias, bem como através da análise de trabalhos científicos sobre o tema, apresentando as diferenças entre os posicionamentos dos citados teóricos. Além disso, expõe conceitos sobre direito sucessório, as espécies de sucessão e a inseminação artificial, trazendo à tona a necessidade de uma efetiva tutela do Poder Público sobre o assunto. O trabalho foi construído através da junção de leitura bibliográfica, teórica e empírica, e entendimentos jurisprudenciais, na tentativa de se responder o questionamento chave desta pesquisa, qual seja: os Direitos Sucessórios dos filhos havidos por inseminação artificial homóloga post mortem ferem o Princípio da Segurança Jurídica.

Palavras-chave: Inseminação artificial homóloga post mortem; Direito Sucessório; Princípio da Segurança Jurídica.


1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa discutir os direitos sucessórios dos filhos havidos por inseminação artificial homóloga post mortem, ou seja, quando o filho é concebido após a morte de seu genitor, o que traz à tona diversas discussões acerca da repercussão de tais filiações no âmbito patrimonial.

Ao longo do texto são analisadas questões atinentes ao tema em discussão. Primeiramente, aborda-se o conceito de Direito Sucessório e suas espécies. Dando continuidade, explana-se sobre dois dos princípios que regem as relações jurídicas, os quais são de fundamental importância para o desenvolvimento e elucidação da questão central do artigo – quais sejam, o Princípio da Segurança Jurídica e o Princípio da Igualdade.

Em seguida, apresenta-se, de forma simples, o conceito e as técnicas de reprodução assistida, para maior embasamento crítico do estudo. Por fim, a pesquisa se encerra com uma explanação acerca da reprodução artificial post mortem e dos direitos sucessórios daqueles que nascem desta forma, resultado do trabalho empreendido.


2. INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM: direitos sucessórios versus princípio da segurança jurídica

É sabido que o Direito é uma ciência humana, que regula as relações das pessoas na sociedade, influenciando a vida daqueles que estão sob sua égide. Hodiernamente, e após o advento da Constituição da República de 1988, cada vez mais a ciência jurídica busca se adequar às necessidades e aos avanços sociais, tratando de forma mais ativa os direitos fundamentais inerentes aos seres humanos.

O Direito Sucessório traz, intrinsecamente, a ideia de morte e de transmissão de bens a quem de direitos os possua, lidando diretamente com o patrimônio dos cidadãos.

Quando o assunto é parentesco e patrimônio, grandes questionamentos nascem no que diz respeito ao reconhecimento dos direitos sucessórios, já que diversas são as possibilidades de alguém herdar bens de outrem, sendo uma das mais comuns a filiação; existindo, também, diversas formas de estabelecê-la, a exemplo da adoção e dos métodos mecânicos de reprodução, como a inseminação artificial.

No que tange à inseminação artificial homóloga post mortem, o aspecto de filiação é livre de discussões, já que há igualdade entre os pais biológicos e do registro civil. Contudo, em relação ao aspecto sucessório, dúvidas pairam acerca da capacidade ou não de herdar do filho que é inseminado e concebido após a morte do genitor, tendo em vista a lacuna legal quanto ao assunto.

Nesse contexto, emerge o debate acerca do direito sucessório do filho que é concebido através de inseminação artificial, após a morte de seu progenitor, tendo em vista que a filiação já lhe é garantida.

O foco desta discussão fundamenta-se no fato de não poderem as relações de direito padecer de eterna insegurança, necessitando o ordenamento pátrio de segurança jurídica nas relações que lhe são caracterizadoras. Entretanto, não pode ficar sem ser disciplinado o direito das pessoas que estão sob sua proteção, sob o risco de incorrer em desigualdade.

Contrapõem-se, claramente ao caso, princípios constitucionais ao se tratar do assunto, já que o Princípio da Segurança Jurídica obsta o reconhecimento dos Direitos Sucessórios dos filhos havidos por inseminação artificial homóloga post mortem; enquanto, por força do Princípio da Igualdade, não poderá existir tratamento desigual entre os filhos, sejam eles havidos no momento do casamento, ou após a morte de seu genitor, por meio dos meios artificiais de concepção. 

2.1 Direito das Sucessões: Sucessão legítima e Sucessão testamentária

O Direito das Sucessões, disciplinado pelo Código Civil de 2002 (CC/02) a partir de seu artigo 1.784 e seguintes, não possui uma conceituação definida, muitos são os doutrinadores que lhe conferem significado, a quem o considere como “um conjunto de princípios que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que morreu aos seus sucessores, em virtude de lei ou testamento” (LEITÃO, 2011, p. 13).

Nas palavras de Rodrigues (apud LEITÃO, 2011, p. 13), tem-se:

O direito das sucessões se apresenta como o conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que morreu aos seus sucessores. Usa-se a palavra patrimônio, em vez de referir-se à transmissão de bens ou valores, porque a sucessão hereditária envolve a passagem, para o sucessor, tanto do ativo como do passivo do defunto.

Já no entendimento de Rizzardo (2007, p. 10), vê-se que:

O Direito das Sucessões compreende a parte do Direito Civil que trata da transmissão do patrimônio de uma pessoa falecida aos seus herdeiros. Envolve o conjunto de regras jurídicas que regula a transmissão do patrimônio por falecimento.

(...)

O Direito das Sucessões regula, pois, a transferência do patrimônio – herança ou legado –, por morte de alguém.

Ora, de tais classificações aufere-se que este ramo do Direito Civil aborda, basicamente, as regras atinentes à transferência de patrimônio em razão do evento “morte”.

Na transmissão da herança, por força do artigo 1.784 do Código Civil Brasileiro[1], utiliza-se o chamado princípio de saisine, ou seja, a imediata e automática transmissão dos bens do de cujus para o seu sucessor. Atente-se para o fato que diferem o momento da abertura da sucessão e o momento de abertura do inventário, pois este efetiva a transmissão da herança, passando os herdeiros a serem os reais donos do patrimônio herdado.

Existem diferentes tipos de sucessão, a depender da forma como o herdeiro sucede o transmitente da herança, conforme ditames do artigo 1.786 “a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”.

A sucessão legítima, prevista no artigo 1.788 do Diploma Civil Pátrio[2], chamada também ab intestato, é a que deriva da lei. Caso o falecido não faça testamento, o modelo de sucessão adotado será a legítima, sendo repassado o patrimônio do de cujus àquelas pessoas elencadas pela lei, obedecendo-se a ordem de vocação hereditária.

A respeito desta espécie de sucessão, Monteiro (apud LEITÃO, 2011) assim se pronuncia:

Se não há testamento, se o falecido não deixar qualquer ato de última vontade, a sucessão é legítima ou ab intestato, deferido todo o patrimônio do de cujus às pessoas expressamente indicadas pela lei, de acordo com a ordem de vocação hereditária (CCB, art. 1829). Assim estabelece o art. 1788: ‘morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo’.

Outrossim, há também sucessão legítima quando o autor da herança dispõe tão somente de parte dos seus bens por testamento, tendo que a outra parte ser considerada como a legítima dos herdeiros necessários e transferida à estes por meio da sucessão legítima, conforme estabelecem os artigos 1.789 e 1.829 do CC/02:

Art. 1.788. Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo.

Art. 1.829 - A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III- ao cônjuge sobrevivente;

IV- aos colaterais.

Por seu turno, a sucessão testamentária é a transmissão dos bens do falecido através de ato de última vontade – testamento ou codicilo, revestido pelas solenidades exigidas por lei. Tal espécie de disposição de vontade tem previsão legal no artigo 1.857 do CC/02[3].

Segundo Madaleno (apud LEITÃO, 2011, p. 19), tem-se:

O testamento é um ato pessoal, unilateral, espontâneo e revogável, sendo disposição de derradeira vontade com que a pessoa determina o destino de seu patrimônio ou de parte dele para depois de sua morte, devendo o testamento atender as exigências formais para não ser posteriormente invalidado, sem chance alguma de ser repetido, porque só tem validade e pertinência depois do óbito do testador. O testamento abrange manifestações de cunho pessoal e familiar, cuidando o testador de reger o exato conteúdo de suas preocupações pessoais e econômicas, tratando de dispor no plano patrimonial e pessoal o endereçamento futuro de seus bens, para depois de seu falecimento, cercando-se com a partilha dirigida e se achar necessário, consignando aquilo que gostaria de ter dito em vida ou que mesmo tendo dito em vida, ainda assim gostaria de perpetuar na memória de seus herdeiros e legatários, cientes de que valores morais e a unidade familiar são heranças que transcendem a passagem do homem e o registro histórico de sua construção pessoal.

Diversas são as espécies de testamento que podem ser confeccionados pelo transmitente da herança, a exemplo dos ordinários[4], quais sejam público, cerrado e particular, e dos especiais[5], dentre os quais se encontram o marítimo, aeronáutico e militar. Frise-se que não é possível a confecção de nenhuma outra forma de testamento além das previstas em lei.

O testamento pode conter disposições dos mais diversos tipos, sejam patrimoniais ou extrapatrimoniais, a exemplo do “[...] reconhecimento de filhos, nomeação de tutor para filho menor, nomeação de testamenteiro, deserdação de herdeiro, instituição de fundação, reabilitação de indigno, dentre outras disposições” (LEITÃO, 2011, p. 18).

2.2. Princípio da Segurança Jurídica e Princípio da Igualdade

O Princípio da Segurança Jurídica é o que rege as relações jurídicas em geral, haja vista que estas não podem padecer de eterna inconstância. Tal princípio vem estampado no inciso XXXVI do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, abaixo transcrito:

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Em contrapartida, a igualdade é um dos princípios básicos do sistema constitucional brasileiro, sendo fato notório que este encontra fundamento em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, conforme estatuído no artigo 5º, caput e inciso I, da Constituição Federal Brasileira[6].

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É com esteio em tal princípio que a CR/88 estatui em seu artigo 227, parágrafo 6º, que “os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Utilizando a análise de Leitão (2011, p. 36):

O disposto nestes artigos fez com que se afastassem as diferenças existentes anteriormente entre eles, estabelecendo a igualdade absoluta. Assim, os filhos que antes eram divididos em legítimos (aqueles provenientes de pais casados entre si) e em ilegítimos (aqueles provenientes de pais não casados), passaram a ser simplesmente filhos, não se admitindo distinção entre filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, poder familiar, alimentos e sucessão.

Portanto, como não pode haver distinção entre marido e mulher em relação ao papel que desempenham na chefia da sociedade conjugal, também não poderá haver diferenciação entre filhos conjugais e extraconjugais, naturais e adotados, concebidos antes e após a morte do seu genitor.

Logo, conclui-se que o princípio da segurança jurídica e o princípio da igualdade possuem interdependência um com o outro, bem como conversam dinamicamente com direitos e garantias fundamentais da Carta Magna Brasileira, pois as relações jurídicas não podem carecer de segurança para se tornarem efetivas, sendo que também não podem ferir a igualdade constitucional entre as pessoas que dela participam.

2.3. Reprodução Assistida: Espécies

Os avanços médicos das últimas décadas fez surgir formas diversas de reprodução humana, auxiliando, assim, casais que não conseguem, pelas vias naturais, ter filhos.

No conceito trazido por Leitão (2011, p. 26) tem-se que

A reprodução assistida é o conjunto de técnicas médicas utilizadas com o objetivo de tentar viabilizar a gestação em mulheres com dificuldades de engravidar. Pode-se afirmar que a reprodução assistida é uma espécie de substituição da relação sexual na reprodução biológica.

São três as divisões da reprodução assistida, quais sejam, a inseminação artificial (homóloga e heteróloga), fecundação in vitro e a gestação de substituição (também denominada doação de útero, ou as chamadas “mães de substituição”).

Na inseminação artificial, seja ela homóloga ou heteróloga, a fecundação ocorre no interior do corpo da mulher submetida à técnica de reprodução assistida. Em situações nas quais é utilizado apenas material genético do casal interessado na reprodução (por exemplo, sêmen do marido), tem-se a inseminação artificial homóloga.

De outra banda, no caso do material genético ser proveniente de um terceiro, de um doador, a inseminação artificial é tida por heteróloga. Em se tratando de inseminação artificial homóloga post mortem, acontece a fecundação da mulher com o gameta de um homem que já está morto, possível tão somente porque o sêmen havia sido preservado em processo de criopreservação.

As outras técnicas de reprodução assistida não serão abordadas, posto não serem objeto deste estudo.

2.4. Inseminação Artificial Homóloga Post Mortem

A cada dia, a sociedade passa por mudanças e o direito, em especial o ramo do Direito de Família tenta ao máximo se adaptar a estas mudanças sociais. Um dos maiores e mais latentes avanços tecnológicos e biomédicos atuais faz referência ao campo da reprodução mecanicamente assistida, tendo em vista que estas técnicas auxiliam efetivamente casais que possuem dificuldades ou qualquer impossibilidade de procriação a se reproduzirem, gerando filhos.

Interessante é a reflexão de Leitão (2011, p. 29/30) acerca do tema:

Assim, os avanços tecnológicos atuais possibilitaram a reprodução desvinculada do ato sexual, ou seja, atualmente é plenamente possível a maternidade/paternidade após a morte, gravidez na menopausa e até mesmo a clonagem, ocasionando problemas éticos e morais. E nesse diapasão surge o Biodireito como instituto voltado para a elaboração de uma legislação sobre as novas técnicas científicas, tendo como enfoque a dignidade da pessoa humana.

A primeira discussão sobre o assunto surgiu na França, por meio do conhecido caso “AFFAIR PARPALAIX”, no ano de 1984, quando Alain Parpalaix foi diagnosticado com um câncer nos testículos, logo após iniciar um relacionamento amoroso com Corine Richard. Assim, na intenção de gerar um filho com a mulher amada, o francês optou por preservar seu material genético em um banco de sêmen, para que depois pudesse utilizá-lo.

Ocorre que, no interregno do tratamento médico, Alain Parpalaix veio a falecer, dias depois de seu casamento. Passados alguns meses da morte de seu cônjuge, a viúva Corine Richard resolveu submeter-se à inseminação artificial, com o fim de ver realizado o plano familiar desejado, tendo negado sido negada a inseminação por parte do banco de sêmen e iniciando um embate judicial.

A discussão jurídica estava centrada na inexistência de um contrato de depósito passível de obrigar o banco de esperma a restituir o material genético do de cujus. Tal discussão teve seu encerramento com a condenação do banco, por parte do Tribunal de Créteil[7], a entregar o sêmen criopreservado a cônjuge supérstite, para que esta procedesse com a devida inseminação artificial.

Mister esclarecer que a inseminação não pôde ocorrer, pois o material genético já estava imprestável para a fecundação em virtude da demora na solução do litígio. Posteriormente este caso, inúmeros países passaram a discutir a respeito da destinação a ser dada ao material genético congelado, principalmente após o falecimento do doador.

Atualmente, no Brasil, a legislação ainda não tutelou especificamente a reprodução assistida, tendo, no máximo, a Resolução 2.013/2013 do Conselho Federal de Medicina (CFM), a qual aborda superficialmente este tema.

A inseminação artificial homóloga é a decorrente do material genético dos próprios cônjuges interessados em ter filhos e que, por qualquer motivo biológico, não conseguem per si, sendo assim realiza-se com o sêmen do próprio marido ou companheiro da mulher que fica grávida. Scaparo (apud LEITÃO, 2011, p.30), lecionando sobre o tema, assim define:

A técnica de inseminação artificial homóloga consiste em ser a mulher inseminada com o esperma do marido ou companheiro previamente colhido através da masturbação. O líquido seminal é injetado pelo médico, na cavidade uterina ou no canal cervical da mulher, na época em que o óvulo se encontra apto a ser utilizado. Entre as indicações para a inseminação artificial homóloga, destacam-se: a incompatibilidade ou a hostilidade do muco cervical; a oligospermia, quando é baixo o número ou reduzida a motilidade dos espermatozóides; e a retroejaculação, quando embora a taxa de espermatozóides seja normal, eles ficam retidos na bexiga, ao contrário do que ocorre na ejaculação normal.

Existe a possibilidade da esposa ou companheira ser inseminada após a morte do marido, ocorrendo o que se denomina de inseminação artificial homóloga post mortem. No que tange a esse tipo de inseminação, há ausência de legislação específica que a tutele.

A Resolução do CFM, supramencionada, no item V, estipula que, quando da criopreservação do material genético, os cônjuges ou companheiros têm que expressar, claramente e por escrito, sua vontade acerca do destino que será dado aos pré-embriões no caso de falecimento de um deles[8]; além disso, essa mesma resolução, em seu item VIII, preceitua, sobre a reprodução homóloga post mortem, que “[...] É possível desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente [...]” (CFM, RESOLUÇÃO 2.013/13).

Como já afirmado anteriormente, não existem dúvidas nem questionamento acerca da paternidade daquele que é concebido por inseminação artificial homóloga post mortem, já que o Código Civil de 2002 deixa bem esclarecida a questão. Para tanto, observe-se o que dita o artigo 1.597 do diploma legal abaixo:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;[9]

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Ora, conforme bem estabelecido pelo legislador civil de 2002, dúvidas não existem no tocante ao reconhecimento da paternidade, posto que o inciso IV do retromencionado artigo estipula a filiação, proibindo, inclusive, com base no princípio da igualdade, qualquer discriminação entre os filhos nesse aspecto[10]. O problema emerge quando se fala em direito sucessório deste filho.

Em tese, não há que se falar em direitos sucessórios do concebido por meio de inseminação artificial post mortem, tendo em vista que a transmissão da herança ocorre por conta da morte e dela participam “as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (art. 1798, CC/02).

Defendendo essa interpretação legal aparece Maria Helena Diniz (2012, p. 324):

Adverte CAIO MÁRIO que não se pode falar em direitos sucessórios daquele que foi concebido por inseminação artificial post mortem, uma vez que a transmissão da herança se dá em consequência da morte (CC, art. 1.784) e dela participam “as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (art. 1.798).

Outrossim, os partidários desse posicionamento sustentam que reconhecer o direito sucessório do inseminado post mortem, é conferir eterna insegurança aos outros herdeiros e à partilha do acervo hereditário, pois a qualquer momento poderia aparecer um novo herdeiro reclamando sua quota-parte, relegando ao nada o princípio da segurança jurídica que deve reger as relações jurídicas.

Em contrapartida a tal opinião, corrente doutrinária, embasada no princípio constitucional da igualdade entre os filhos, defende que não reconhecer o direito sucessório deste filho é proceder com desigualdade, já que não há vedação legal, apenas uma omissão, e “[...] não se pode, portanto, admitir legislação infraconstitucional restritiva do direito do filho assim concebido” (DIAS, 2007, p. 331).

A esse respeito Maria Berenice Dias (2007, p. 331) assim leciona:

Com isso reconhece plenos efeitos à inseminação artificial homóloga post mortem e amplos direitos sucessórios, não se restringindo à sucessão testamentária. A possibilidade de não se reconhecerem direitos à criança concebida mediante fecundação artificial post mortem pune, em última análise, o afeto, a intenção de ter um filho com a pessoa amada, embora eventualmente afastada do convívio terreno.

É cediço que o Código Civil Brasileiro traz o instituto da petição de herança, um “recurso” para aqueles filhos que apenas descobrem a identidade de seu genitor após o seu falecimento e quando já houve a partilha dos bens que compõem o acervo hereditário. Veja-se a dicção legal acerca do assunto:

Art. 1.824. O herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua.

Art. 1.825. A ação de petição de herança, ainda que exercida por um só dos herdeiros, poderá compreender todos os bens hereditários.

Art. 1.826. O possuidor da herança está obrigado à restituição dos bens do acervo, fixando-se-lhe a responsabilidade segundo a sua posse, observado o disposto nos arts. 1.214 a 1.222.

Parágrafo único. A partir da citação, a responsabilidade do possuidor se há de aferir pelas regras concernentes à posse de má-fé e à mora.

Art. 1.827. O herdeiro pode demandar os bens da herança, mesmo em poder de terceiros, sem prejuízo da responsabilidade do possuidor originário pelo valor dos bens alienados.

Parágrafo único. São eficazes as alienações feitas, a título oneroso, pelo herdeiro aparente a terceiro de boa-fé.

Pois bem, nesses casos, fazendo uso de tal mecanismo cível, pode o filho “extemporâneo” (posto descoberto/reconhecido após a morte do de cujus) reivindicar seus direitos, anulando a partilha já realizada, e, de certa forma, jogar ao vento a segurança jurídica desta[11].

Totalmente injusto seria se desconsiderar os direitos sucessórios daqueles que são inseminados post mortem, enquanto se pode reconhecer, tutelar e reivindicar os daqueles que são reconhecidos após o falecimento do genitor. Tal hipótese é de flagrante desigualdade, ferindo diretamente os ditames constitucionais que estabelecem a igualdade de direitos entre os filhos, sejam eles havidos ou não do casamento.

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Sobre a autora
Monaliza Rafaelle Queiroz da Silva

Advogada, militante na área cível e consumerista. Especializada em Direito e Processo do Trabalho. Colaboradora do escritório De Paula e Tavares de Melo Advogados Associados. Sócia do escritório Melo e Queiroz Advogados Associados.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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