Immanuel Kant e a Constituição brasileira de 1988.

A influência do filósofo alemão do século XVIII na Carta republicana de 1988

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Resumo:


  • A influência de Immanuel Kant na Constituição Brasileira de 1988 é notável, especialmente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais, refletindo os ideais de liberdade e moralidade do filósofo alemão.

  • A obra "O Estado de Direito - História, teoria, crítica" de Pietro Costa e Danilo Zolo serve como base para analisar a conexão entre o pensamento kantiano e a legislação brasileira, destacando a importância dos princípios éticos e morais na construção de um Estado de Direito.

  • A Carta Fundamental brasileira de 1988 incorpora conceitos kantianos como a dignidade humana e a igualdade, estabelecendo um marco legal que visa proteger as liberdades individuais e promover uma sociedade mais justa e equitativa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Pequeno relato sobre como a influência de Immanuel Kant e sua noção de dignidade da pessoa humana atinge a constituição de 1988, dois séculos após o conceito do filósofo alemão.

                                                                            

“Não é de esperar nem também de desejar que os reis filosofem ou que os filósofos se tornem reis, porque a posse do poder prejudica inevitavelmente o livre juízo da razão. ”
                                                                            Immanuel Kant “A Paz Perpétua”.

                                         RESUMO

O presente artigo versa sobre a influência do pensamento do filósofo Immanuel Kant (1724-1804) através da sua obra, na concepção da Carta Fundamental brasileira de 1988. A partir da obra “O Estado de Direito-História, teoria, crítica” dos autores Pietro Costa e Danilo Zolo, far-se-á uma análise daquilo que Kant entendia como Estado de Direito e a sua influência doutrinária no campo das liberdades e dos direitos fundamentais, capaz de atingir um pais como o Brasil na constituinte de 1987/88 após um período de exceção democrática.

Palavras-chaves: Direito, Estado de Direito, Kant, Política 

                                        RESUMEN

Este artículo trata de la influencia del pensamiento del filósofo Immanuel Kant (1724-1804) a través de su trabajo en la preparación de la Carta Fundamental brasileña de 1988. Del libro "El estado de derecho, la história, la teoría, la crítica" de los autores Pietro Costa y Danilo Zolo, lejano habrá un análisis de lo que Kant entiende con el estado de derecho y su influencia doctrinal en el campo de las libertades y derechos fundamentales, capaces de llegar a un país como Brasil (200 años después de su pensamiento) en la Asamblea Constituyente en 1987-1988 después de un período de excepción democrática de casi 25 años.

Palabras clave: Derecho, Estado de Derecho, Kant, Política

SUMÁRIO

  1.  INTRODUÇÃO                                   

Árdua é a tarefa de conceituar “Estado de Direito” [2]. Costa e Zolo, na obra que meticulosamente foi apreciada[3] ao longo do semestre, propõem-se a uma discussão da realidade dos vários “Estados de Direito” que existem no mundo, considerando as palavras, miméticas por vezes, e entendimentos do ocidente e do oriente.

Os autores apresentam vários sistemas de governo a partir das noções de Common Law, Civil Law e Rule of Law, não desprezando o Direito na Índia, no Japão e na República Popular da China, a construção do Direito alemão e do Direito francês, detidamente da era moderna, a partir de Thomas Hobbes e John Locke e os “Iluministas” do século XVIII.

O Preâmbulo da Constituição brasileira enfatiza que somos um “Estado Democrático de Direito”, adotando a república e a democracia (liberal) como nexo entre a forma de governo e a forma econômica adotada pelo Brasil. Tal preâmbulo não é novo e sequer autêntico e não justifica o “Estado de Direito” no qual vivemos como algo democrático de fato e republicano de direito.

Ao analisarmos mais detidamente a influência do filósofo de Könisgberg, nascido em 1724 e que viveu o “Século das Luzes” e notadamente influenciado pelo suíço Jean-Jacques Rousseau, especialmente em sua Obra “Contrato Social” publicada em 1762, antes das Obras hercúleas de a ‘Crítica da Razão Pura’ de 1781 e a ‘Crítica da Razão Prática’ de 1788, publicadas pelo alemão. 

 República e democracia são palavras traiçoeiras, a China alega ser uma república e república pressupõe-se em tese, democracia. O mimetismo das palavras e dos tempos políticos, não fisgou Zolo e Costa que tratam do assunto com prudência e agudeza jurídica, sem abrir mão do pensamento filosófico e suas imbricações, por tal, pensamos Immanuel Kant e a influência de suas idéias que perpassam o tempo e os modismos no campo das ideologias e atingem os constituintes de 1987-1988 na confecção da Carta Republicana que vislumbra a dignidade da pessoa humana, como marco pétreo e inexorável dentre os valores morais e éticos que insculpiram no art. 5 º da Constituição de 1988.

Como será exposto abaixo, certamente os constituintes de 1987-1988 sequer pensavam em Kant quando da confecção ou adesão aos princípios basilares de proteção à dignidade da pessoa humana no texto constitucional, todavia, a luta teórica reunida entre diversas “Escolas filosóficas e Jurídicas”, podemos dizer de Johann Fitche (1762-1814) e Georg Wilhelm Friedrich Hegel(1770-1831) a Ernest Mandel (1923-1995), mesmo Noam Chomsky que ainda fala, encontram fulcro no sábio alemão responsável pela possibilidade de reflexão sobre Estado, Direito, Democracia e Liberdade.

Pensar Immanuel Kant em fins do século XX e ainda início do século XXI faz-nos meditarmos na importância do filósofo e suas idéias junto ao Direito, também quanto à sua capacidade capilar de atingir o tema delgado da liberdade e da dignidade do humano, isso em diversos planos práticos e aparentemente contraditórios que é a política. Diz Kant:

“Todos os princípios jurídicos práticos devem trazer em si uma verdade rigorosa, e os princípios aqui denominados intermediários só podem conter a determinação próxima de sua aplicação aos casos presentes (segundo regras política), e jamais podem constituir exceções àqueles princípios jurídicos práticos, porque tais exceções aniquilam a universalidade unicamente em razão da qual eles merecem o nome de princípios”. [4]  (Grifo de Kant).

Na política pode-se muito, inclusive pensá-la sob a ótica de um filósofo pietista do século XVIII, a isso nos lançamos com devido zelo.     

Immanuel Kant e o Estado de Direito

Costa e Zolo ao tratarem do tema “O Estado de Direito entre a Revolução e 1848”, fazem referência a Kant:

“Kant não utiliza a palavra ‘Rechetsstaat’, ‘Estado de Direito’, mas já em 1798 J.W. Placidus, referindo-se a Kant e aos seus seguidores, fala da ‘Schule der Rechts-Staats-Lehre’ e instaura um nexo ‘originário’ entre Kant e a doutrina do Estado de Direito que permanecerá     firme na reflexão sucessiva; é exatamente na Alemanha que, no decorrer do século XIX, a expressão ‘Estado de Direito’ sai da ‘pré-história’ e entra oficialmente na ‘história’, tornando-se objeto de uma elaboração que exercerá uma forte (mesmo que tardia) influência na cultura jurídica tanto italiana como francesa”. [5]  

 Immanuel Kant de fato elabora uma “Escola da teoria do Estado de Direito” com construções sobre a moral, a ética e a questão do imperativo categórico.  Em Hegel encontra alento em sua Obra “Princípios da Filosofia do Direitode 1817 reeditada em 1827 e 1830, em Johann Fichte é marcante a Obra “A Doutrina do Direito” de 1807 com influência kantiana.

Para o pesquisador que se inicia na busca da compreensão entre a filosofia e a política e os ramos delgados que os ligam, não se apresenta fácil a compreensão de um filósofo como Kant, de criação religiosa petista e de uma força moral assustadora, no sentido de formulação de suas idéias, por exemplo o imperativo categórico.  

A moral: o bem e o mal, são diferentes no sabor do pensamento de Kant e Maquiavel, por exemplo. Contudo, nas práxis políticas se encontre o florentino, nos ideais de direitos fundamentais, encontramos o prussiano.

O Constituinte que confeccionou a Carta de 1988, estabelece como princípios basilares 5 pontos, logo em seu artigo 1º. São eles: “ I- a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa - o pluralismo político”. (Constituição Federal de 1988 art. 1º).

  Notadamente, o inciso III que versa sobre a dignidade da pessoa humana, possui mais que uma representação pictórica de modernidade, uma vez que os que estavam na Casa Legislativa sob o manto de constituintes, em grande maioria, eram oriundos da perseguição política que devastou as aspirações democráticas entre 1964 e 1985, havia que se fundamentar o direito a ter dignidade como pessoa no texto constitucional. 

É possível observar certa coincidência quanto ao relevo que assume o tema da dignidade da pessoa humana, pois ocupa o centro entre O Estado soberano, a cidadania, os valores sociais do trabalho e o pluralismo político. Ao centro fica a dignidade do ser.

A filósofa Drª Marilena Chauí, na apresentação da “Vida e Obra” de Kant da série “Os Pensadores”[6], entre as páginas 5 e 18 nos faz entender um pouco sobre esse Kant político ao mencionar que “o filósofo acorda de um sono dogmático após a leitura de David Hume”, um inglês, a saber, a obra de 1738 “Tratado sobre a Natureza Humana”.

A autora menciona a simpatia de Kant pela obra de Rousseau e do seu apreço pela Revolução francesa. O Kant político “oscila” entre o Iluminismo francês e a racionalidade de Hume. Antes de uma base teórica de citação de Kant para apoio do nosso argumento, preciso se faz mencionar que a obra de maior apelo para a construção de um “ideal” sobre o princípio da dignidade humana, foi escrita entre a publicação da Crítica da razão Pura (1781) e a Crítica da razão Prática (1788), a saber, “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” de 1785.

O pensamento de Kant não é fácil, sua construção de uma idéia de Estado de Direito, passa pela compreensão de todas as suas obras e não somente de um texto. Como mencionamos, Kant não era um militante político, ao contrário, foi criado no rigorismo da seita religiosa conhecida como pietista, oriundos da perseguição política e religiosa na Escócia onde a então família Cant residia, todavia, forçada pelas circunstâncias, refugia-se na Alemanha prussiana, fria e gélida em quase todos os sentidos.

A dignidade, a vontade e a política

Na sua obra de 1785, Fundamentação da Metafísica dos Costumes, em alemão Grundlegung zur Metaphysik der Sitten em francês Fondation de la métaphysique des moeurs. Nossa preocupação reside nas palavras Sitten e Moeurs, pois costumes aqui, como no francês se revela, refere-se à moral. Logo o Legislador Constituinte reveste o “o princípio da dignidade da pessoa humana” com um véu de sacralidade, uma vez que Kant ao utilizar a palavra Grundlegung fala em fundação de uma metafísica que versa sobre a moral em termos elevados.

Em Direito é-nos familiar a expressão “Norma fundamental”, em alemão “GrundNorm”, cuja a fragrância passa por Hans Kelsen e atinge o artigo 102 da nossa Carta Maior caput.

Immanuel Kant fundamenta seu ideal de dignidade em algumas passagens. Leiamos algumas:

“No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade. ”[7]

Nesse trecho esculpe-se o axioma de todo o artigo 5º de nossa Constituição Federal. Lembremo-nos que Kant havia publicado a Crítica da razão Pura em 1881 e esse escrito é o intermezzo entre aquele e a Crítica da razão Prática. Sem exames de valor moral quanto a Maquiavel, todavia, aqui está a antítese do pensamento do florentino.

Kant segue sua teleologia moral ao fazer a seguinte outra afirmação:

“(...) o sujeito dos fins, isto é, o ser racional mesmo, não deve jamais ser posto como fundamento de todas as máximas das ações como simples meio, mas como condição suprema restritiva no uso dos meios, isto é, sempre ao mesmo tempo como fim. ”[8]

O próprio Kant afirma que esse racional é o “mundus intelligibilis” apontando para uma compreensão dos princípios voltados ao ser, como uma espécie de “vontade ideal política”.

A construção da nossa Carta Fundamental passa por todo esse pensamento kantiano, possível ver por exemplo no caput do art. 37 que preceitua:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). Nós grifamos.

A dignidade constitui, na moral kantiana, um valor incondicional e incomparável, em relação ao qual só a palavra respeito constitui a expressão conveniente da estima que um ser racional lhe deve prestar. Como ficou claro ao pensarmos a moral que Kant aplica ao seu pensamento comparando-o à palavra “preço”, ou seja, a um valor. Aqui encontramos uma ética impenetrável e bem fundamentada pelo sábio de Könisgberg, pois a política em sua compreensão carece como conditio sine qua non desse aparato de eticidade enaltecido por Kant.

É preciso abrirmos um ponto de reflexão nesse momento. Ao tratarmos sobre a idéia de política em Kant e essa obra básica “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, como alertamos acima, para Kant, a  inteligência, em si, não é um bem fundamental, pois alguém poderá levar a inteligência para o mal, no entanto, surge para Kant a “boa vontade” ou “vontade boa”, lugar moral, per si, que eleva o homem.

A política pautar-se-á, segundo Kant nessa boa vontade que ele em escrito posterior “A paz perpétua”, consolidará como mais veemência. Deixamos claro, todavia, que vontade para Kant é o avesso daquilo que posteriormente Arthur Schopenhauer defenderá em sua obra de 1818 (O mundo como Vontade e representação). Em grosso modo, podemos afirmar que mesmo que os sentimentos patológicos sejam contrários em nós, a ação, ou seja, nossa ação deve estar em conformidade com a Lei[9].

A abrangência do alcance do art. 1º, caput e incisos, ainda do art. 5º caput e de todo o art. 5º da Constituição Federal, espelham uma forte presença da “teoria dos direitos fundamentais” e o resguardo do cidadão em sua cidadania. Immanuel Kant em uma de suas obras mais complexas e profundas, “ Crítica da razão Pura” de 1781, deixa patente seu intuito que amadurecerá em obra mais leve de 1785 “fundamentação da Metafísica dos Costumes”, diz ele:

“ É necessário que todo o curso de nossa vida seja subordinado a máximas morais; por outro lado, é simultaneamente impossível que isto aconteça se a razão não conectar com a lei moral, a qual é uma simples idéia, uma causa eficiente que determine ao comportamento conforme àquela lei um êxito exatamente correspondente aos nossos fins supremos, seja nesta vida, seja numa outra. Portanto, sem um Deus e sem um mundo por ora invisível para nós, porém esperado, as magníficas idéias da moralidade são, é certo, objetos, de aprovação e admiração, mas não molas propulsoras de propósitos e de ações, pois não preenchem integralmente o fim que é natural a cada ente racional e que é determinado a priori, e tornado necessário, por aquela mesma razão pura”. [10]  (Grifamos).

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Cinge-se aqui, a condição de cidadania da percepção de cidadão pelo próprio agente que buscará nos seus direitos a mantença e garantia desses direitos. A Ética, como teoria das práxis, tem na justiça um dos seus conceitos centrais. A ação do ser humano como animal social está sempre marcada pela idéia do dever: viver em sociedade é viver em débito. Todos devem algo a alguém, por razões distintas. Novamente entendemos a palavra “preço” quando Kant o aplica como axiologia, ou seja, a moral deve ser imanente ao ser ético, em dizer mais filosófico, a ética é a teoria da práxis.

Estado de Direito e Lei Fundamental

Para uma compreensão mais aprofundada sobre a idéia de direito em Kant, necessário se faz uma reflexão do próprio prussiano: “O direito é o conjunto das condições, por meio das quais o arbítrio de um pode estar de acordo com o arbítrio de um outro segundo uma lei universal da liberdade” [11] . Percebe-se que a palavra democracia cá não aparece, sim liberdade. Kant absorvido, não somente pelo ideal constituinte de 1987/1988, todavia, por outras Constituições, vai além da palavra democracia, mas se antecipa a ela com a palavra liberdade que por vezes é colocada como sinônimo daquela.

Immanuel Kant deve ser pensado por meio de um racionalismo de Hume e de uma percepção de liberdade de Rousseau, daí não sabermos se o “Estado democrático de direito” é um estado que pautar-se-á pela liberdade, por tal, a normatização dos direitos e garantias individuais. Diz Kant:

“Age de tal maneira que tu possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente, como fim e nunca simplesmente como meio. ”[12]

Tal sentença filosófica é conhecida como “Imperativo categórico” e constitui certas situações confusas quanto à compreensão de moral, ética e política. A Carta Republicana se afirma ao dizer que o Brasil é “Um Estado Democrático de Direito”.

Em um artigo publicado o filósofo Luis Fernando Barzotto, artigo intitulado: “Justiça Social - Gênese, estrutura e aplicação de um conceito”, faz a seguinte observação:  

“De outro lado, na sociedade democrática moderna, na qual todos possuem a mesma "relevância", substitui-se a noção de honra pela "noção moderna de dignidade, agora usada num sentido universalista e igualitário que nos permite falar de dignidade inerente aos seres humanos (...). A premissa de base aqui é que todos partilham dela. É óbvio que este conceito de dignidade é o único compatível com uma sociedade democrática”.[13]

O professor Barzotto traduz a questão metafísica e moral que Kant conduz ao longo de toda a sua concepção de moral e à traz para a possibilidade política colocando o homem fora de uma moral, digamos, “agostiniana” ou mesmo “dogmática religiosa” à base de Aristóteles, por exemplo, e compreende Kant além da metafísica que é um ideal.

A Assembléia Constituinte de 1987/88 viu-se frente ao passado recente de 17 Atos Institucionais, sendo que o mais antidemocrático que pode sê-lo, foi o AI-5 que fechava a Casa Legislativa e cassava sob interesses políticos, em seu art. 10º, o direito ao Habeas Corpus, o “remédio heróico”.

A necessidade de uma Lei Fundamental, aqui entenda-se uma Carta Constitucional, não um princípio universal, dá-se em garantir-se a própria essência da liberdade que Rousseau apregoou e Kant fundamentou de forma complexa ao longo de sua obra.

Na obra de Konrad Hesse “A força normativa da Constituição”, possivelmente uma resposta a Ferdinand Lassale quase 100 anos após a “Essência da Constituição”, Hesse fala de uma vontade de Constituição (Wille zur Verfassung). Aqui posiciona-se o Estado não dentro de princípios, todavia, dentro de regramentos fundamentais.

A “ Declaração dos direitos dos homens e do cidadão” dos revolucionários burgueses na França de 1789, apregoa explicitamente em seu artigo 16º que “ um pais sem Constituição é país algum”.[14]  Aqui fica claro entendermos a afirmação de Barzotto acima, distinguimos democracia de princípios de dignidade.

Nós não pretendemos trazer uma discussão aprofundada a considerar Kelsen e Kant, no entender do aluno, aquele positiva “os princípios” deste. Todavia, para fixarmos bem a diferença que Barzotto possibilita, cabe o entendimento do que é democracia, para Kelsen:

 “Pois então a democracia é o ponto de equilíbrio para o qual sempre deverá voltar o pêndulo político, que oscila para a direita e para a esquerda. E se, como sustenta a crítica feroz que o marxismo faz à democracia burguesa, o elemento decisivo é representado pelas relações reais das forças sociais então a forma democrática parlamentar, com seu princípio majoritário-minoritário que constitui uma divisão essencial em dois campos, será a expressão ‘verdadeira’ da sociedade hoje dividida em duas classes essenciais. E, se há uma forma política que ofereça a possibilidade de resolver pacificamente esse conflito de classes, deplorável, mas inegável, sem levá-lo a uma catástrofe pela via cruenta da revolução, essa forma só pode ser a da democracia parlamentar, cuja ideologia é sim, a liberdade não alcançável na realidade social, mas cuja realidade é a paz. ”[15] (Grifamos).

No que afirma Hans Kelsen, nos sentimos confortáveis para nos posicionarmos teoricamente, uma vez que a “revolução não é um meio democrático”, embora, entendemos que a política liberal também não o seja, todavia, menos trágica se aplica e mais compreensível se torna. Aqui e possivelmente aqui, o aluno entende Kelsen.  

Democracia

  Democracia pode ser definida nas bases de nosso estudo, com a frase de Rousseau no “O Contrato Social”, examinada profundamente por Paulo Bonavides: “ Se houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente”. [16] Fica óbvio que a influência de Rousseau e essa obra em fundamental atingiram Kant, que se preocupa mais em fundamentar os princípios democráticos que uma forma de Estado.

O Legislador Constituinte certamente entende democracia como liberdade, não como moral kantiana, todavia é uma situação que se apresenta assim: se aprecia a obra de um pintor sem entender muito de artes plásticas.

Danilo Zolo e Pietro Costa, tiveram excelente zelo em não colocar Estado Democrático de Direito, como título da obra, uma vez que tratam do governo chinês, por exemplo, e que se intitula como Estado: República Popular da China.

Aqui está uma compreensão quanto ao mimetismo da palavra democracia sem nos afastarmos de Kant e Rousseau e tangenciando o conceito grego, todavia, governo do povo onde as liberdades individuais estão amparadas por um texto constitucional.

É possível pensar no art. 5º da Carta de 1988 como uma constituição dentro de uma constituição, dado o apelo pelas garantias éticas e morais atreladas ao princípio da dignidade da pessoa humana.

É possível pensarmos um Estado de Direito sem democracia? A União Soviética bolchevique pós 1917 era um Estado de Direito, totalitário como forma de governo, tal a China ainda se comporta hoje. Cuba é outro modelo utópico de teorias igualitárias de direitos e deveres que abusa da carência democrática. Impossível pensar em democracia cubana, todavia, pode-se pensar em princípios kantianos em qualquer esquina de Havana.

Lei

O receio em 1988 era de um retrocesso democrático no Brasil, impunha-se legitimar direitos e garantias, logo o Legislador Constituinte, “esculpe em mármore” e torna-o consequentemente pétreo, os princípios de liberdade, conhecido como democracia, na Lei Fundamental.

Kant é muito subjetivo, princípios também o são, logo em obra de grande fôlego de Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, “Curso de Direito Constitucional[17], no extenso rol bibliográfico, não encontremos o nome de Immanuel Kant, uma vez que o texto traz a positivação de idéias, todavia aparece o de Karl Marx em um texto, provavelmente o mais filosófico do “velho mouro”: A Ideologia Alemã.

Nossa Carta Política é bem sedimentada no campo das garantias e possui hoje 250 artigos, e em pesquisa concentrada, encontramos 12 vezes a palavra “moral” ao longo do texto constitucional. A palavra “dignidade” aparece 5 vezes, “garantias” em vários sentidos, aparece 28 vezes. Felicidade não aparece nenhuma vez.  

Na Carta Americana, por exemplo, não encontramos nem a palavra moral ou a palavra dignidade, texto de 1787. Vê-se que a forma de governo, mesmo democrático em seu enunciado, poderá ou não se preocupar com princípios subjetivos, cabe, todavia, ressaltar que a Carta americana está distante no tempo, com relação à nossa Constituição, quase 200 anos.

Óbvio fica que a Carta de 1787 é uma consequência do Iluminismo, não kantiano, muito mais voltado para o pensamento de Montesquieu. Quando Rousseau publica “O Contrato”, abriu-se para Kant a possibilidade de transpor Montesquieu impregnando-o de Rousseau. 

Com isso, Immanuel Kant pretende concretizar a “virada” da concepção iluminista da lei como fonte da liberdade individual, para a visão do direito como instrumento de pacificação entre os Estados, por força de uma constituição supranacional. Este seria um imperativo moral. Afinal, enquanto os Estados continuarem desprovidos de uma ordem jurídica internacional fundada nestes critérios, os propósitos expansionistas determinarão suas condutas externas, de forma a estimular a continuidade das violações sequenciais perpetradas aos direitos dos cidadãos.

O Brasil e Kant

No Título I (DA ORGANIZAÇÃO NACIONAL), CAPÍTULO I, art. I diz a Constituição de 1967/69: “O Brasil é uma República Federativa, constituída, sob regime representativo, pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”. [18] 

O Ato Institucional nº 5 em seus artigos 10 e 11 rezavam:

 Art. 10 - Fica suspensa a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.

 Art. 11 - Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos.[19]

Na compreensão que temos do excelentes Zolo e Costa, temos um “Estado de Direito” devidamente pautado por codificação legal, com espaço territorial, população, supeturestrura e infraestrutura e sem democracia alguma. 

Nos dogmas marxistas que compreendemos, a transposição mecânica da história é uma fraude. Logo, podemos analisar o momento de 1964 a 1985 e entendermos o Legislador no cuidado minucioso para que não houvesse retrocesso político e “democrático”.

Kant em uma obra de sua velhice mais aguda (1795), “A Paz Perpétua”, dirá:

Um Estado não é património (patrimonium) (como, por exemplo, o solo em que ele tem a sua sede). É uma sociedade de homens sobre a qual mais ninguém a não ser ele próprio tem de mandar e dispor. Enxertá-lo noutro Estado, a ele que como tronco tem a sua própria raiz, significa eliminar a sua existência como pessoa moral e fazer desta última uma coisa, contradizendo, por conseguinte, a ideia do contrato originário, sem a qual é impossível pensar direito algum sobre um povo).[20] (Grifamos)

Aqui o filósofo fala mais abertamente sobre o “tal” contrato imaginário, provavelmente o de Rousseau. As questões que ficam são as seguintes:

  1. Quem elabora o contrato imaginário?
  2. Ao consideramos que são os representantes do povo e não o povo que legislam, logo, temos aparência democrática e não democracia plena.
  3. Ao considerarmos Montesquieu como forma democrática de governo, a tripartição dos poderes, o executivo e o legislativo são eleitos pelo povo, logo, deveria ser o judiciário também, não o é., todavia.
  4. O Estado Democrático de Direito é uma forma de se garantir um sistema de governo, não a democracia.
  5. Cláusulas pétreas: necessidade ou imposição?

A realidade democrática no Brasil é sui generis, ao refletirmos nas questões dos avanços dos direitos e garantias individuais. Com 8 Constituições entre 1824 e 1988, o Brasil é avesso aos problemas sociais que permearam a Europa nos séculos XVIII e XIX, não tivemos Iluminismo e sequer um amadurecimento “revolucionário” do peso do de 1848, quando os intelectuais se arregimentam em liberais e socialistas.

A forma de condução no Brasil, longe dos revolucionários de 1776 e ainda mais dos revolucionários de 1789, viveu um período escravocrata de ordenações vindas de Portugal e de uma construção de pensamento jurídica que nasce em agosto de 1827, precisamente em Olinda e São Paulo.

Falarmos nos avanços das idéias de Immanuel Kant ou mesmo Jean-Jacques Rousseau, esse muito mais difundido que o outro, esbarra em uma distância do epicentro intelectual europeu, o que aqui chega é de segunda ou terceira mão.

Positivarmos um direito. Possivelmente Kant não pensou dessa forma, mas aquiesce à mesma no texto de 1795, quando a Revolução burguesa deságua no “Terror de 1791 a 1793”. Os s chamados “inconfidentes” mineiros, tentaram sobre a égide do pensamento Iluminista, trazer a “liberdade” ao solo Brasileiro, em vão.

Segundo Alexandre de Moraes[21]:  "a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida (...)". E ainda, "o direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, pois o seu asseguramento impõe-se, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos." Nesta concepção Moraes defende que a Constituição Federal da República do Brasil, assegura que o direito à vida, consiste não só do direito de continuar vivo, como também de se ter uma vida digna.

Percebe-se, desta forma, no art. 1º, inciso III, da Constituição de 1988, uma relação indissociável entre o direito à vida e o da dignidade da pessoa humana, sendo esta uma referência constitucional que unifica todos os direitos fundamentais.

É complexo fazermos um paralelo entre Kant e o pensamento brasileiro do período do império português. De certo é interessante refletir a grande preocupação do Legislador Constituinte em depurar os princípios e doutrinas vindas do século XIX e XX, digamos, já depurados pelas experiências de outras Cartas Fundamentais e situações sociais com as duas grandes Guerras mundiais e a experiência bolchevique no Leste europeu, a invasão à Hungria em 1956 e à Tchecoslováquia em agosto de 1968, além da experiência cubana de Fidel.

Na obra que fomenta nossa discussão, Zolo e Costa falam de um pluralismo cultural, ainda no prefácio da obra, e consequentemente um pluralismo cultural. Achamos que Zolo e Costa ao distribuírem os textos na página 591 voltam a trazer Kant ao cenário das discussões políticas quando falam que o ano de 1870 é o “ano da virada”, ou seja, marcaria ou prenunciaria o surgimento de um Direito Internacional e marcaria o fim dos conflitos bélicos. O texto é de Stefano Mammoni e fala da “profecia kantiana” que surgia novamente com possibilidade de concretizar-se. Não foi bem assim.

O Brasil ousa ao aplicar em uma Carta política direitos tão filosóficos, logo, passíveis de tantos debates e axiologias. A principiologia de Kant está presente, autores como Ingo Wolfgang Sarlet e Ayres Britto entre outros renomados, debruçam-se sobre os significados metafísicos de um país que possui na bandeira não um lema moral ou metafísico, todavia, positivista.

A contribuição de Kant é global, é uma filosofia que aparece onde o homem existir e com liberdade de expressar seus pensamentos pautados nas questões mínimas, todavia, hercúleas para o exercício democrático: a vida, a liberdade e a dignidade.

No modelo hegemônico de democracia, nos referimos aos Estados Unidos da América do Norte, precisamente naquilo que ficou consagrado no livro “O Federalista” de Hamilton, Jay e Madison, não vislumbramos a presença capilar de Kant. Tal situação, uma vez que o “modelo” americano se apresenta como uma via a ser seguida, pensamos que os debates quanto a princípios, liberdade e dignidade não podem vestirem a roupa do liberalismo e rejeitar a roupagem sociológica e filosófica como trajes de molambos. O judiciário não é democrático na Carta americana, sequer aqui o é.       

CONCLUSÃO

Immanuel Kant e a Constituição brasileira de 1988 parecem temas e tópicos que nada possuem em comum. Aparência apenas. Como pesquisador de Karl Marx, fugimos à generalização que o “velho mouro”, faz ao decretar o fim da filosofia em sua 11ª Tese contra Feuerbach.

A interpretação do mundo cabe aos filósofos e não se muda o que não se pode interpretar. Aqui está um mérito substancial de Kant, levar o pensamento político a um campo de reflexão em enésima potência.

Sem que haja necessidade de recorrer à idéia da existência de direitos naturais, dissemina-se o entendimento de que o direito não se resume ao texto legal, nem constitui produto exclusivo da ação estatal. O fenômeno jurídico é muito mais amplo do que sugere um positivismo exacerbado, que desemboca em um normativismo formal, que só vê o direito em sua representação textual.

O Brasil que conheceu duas ditaduras no século XX, precisou normatizar princípios e recorreu a Kant, como dissemos acima, foi um divisor de águas na filosofia. Soube depurar o racionalismo de David Hume e a utopia política de Rousseau, isso sem ser panfletário como alguns Iluministas do século XVIII.

Obras de juristas importantes, originários de países integrantes de diferentes famílias de direito, como Ronald Dworkin e Robert Alexy, têm propagado a noção de que o direito é um sistema não apenas de regras, mas também de princípios, que atuam não apenas como fontes subsidiárias, na lacuna do sistema ou na ausência de lei, mas como fontes primárias, sobrepondo-se inclusive aos textos legais. Reconhece-se – não sem muitas resistências – que sem o recurso aos princípios não há solução justa ou equânime para diversos conflitos sociais.

Robert Alexy, possui mais propriedade para o tema de “princípios”, uma vez que sua Alemanha foi vitimada pela ideologia nazista e em um regime totalitário e arbitrário, sempre é necessário “repisar” no Direito e na filosofia e mesmo na sociologia.

Questões como “desaparecimento forçado de pessoas”, o uso do aparelho repressor policial, precisam ser pensados a partir da Carta Fundamental até o Código Penal e leis correlatas.  Isso depende do amadurecimento teórico dos pensadores do Direito e de manifestação de órgãos ligados à sociedade civil.

A expressão dignidade aparece, ainda, em outros dispositivos da Constituição Federal. Assim é que o art. 226, § 7º, estabelece que o planejamento familiar é fundado nos princípios da “dignidade da pessoa humana” e da paternidade responsável; o art. 227, caput, institui que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à “dignidade”; o art. 230, caput, compete à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, “defendendo sua dignidade”.

A expressão direitos fundamentais não é consensual na doutrina, que, para fazer referência à mesma categoria de direitos, emprega outras expressões, tais como “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos públicos subjetivos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais”, “direitos humanos fundamentais”, “direitos fundamentais do homem” e “direitos naturais”. A Constituição Federal de 1988 repercute essa pluralidade terminológica, aludindo a “direitos humanos” (art. 4º, II, e 7º), “direitos e garantias fundamentais” (Título II e art. 5º, § 1º), “direitos e liberdades constitucionais” (art. 5º, LXXI), “direitos e garantias individuais” (art. 60, § 4º, IV), “direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI) e “direitos fundamentais da pessoa humana” (art. 17).

É extenso o rol dos direitos fundamentais na Constituição brasileira. Dentro do Título II da Constituição Federal, que trata especificamente dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, encontra-se o art. 5º, que, em 78 incisos, estabelece os direitos (e deveres) individuais e coletivos. Os artigos 6º e 7º (este último com 34 incisos) relacionam os denominados direitos sociais e dos trabalhadores. Fora do Título II, é reconhecido como direito fundamental (de terceira geração ou dimensão) o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, estabelecido pelo art. 225. Outros direitos previstos expressamente no texto constitucional, também excluídos do Título II, seriam passíveis de enquadramento entre os direitos fundamentais.

Ao pensarmos mais uma vez Hans Kelsen, encontramos uma resposta para o racionalismo e a filosofia moral proposta por Kant que para ele é liberdade e para o liberalismo é democracia. Assim, a democracia angaria adeptos também pelo fato de o processo dialético da vontade do Estado que enseja, no confronto entre maioria e minoria, resultar em uma conciliação, obtida através de ampla discussão.

Assegura a paz interna e, por conseguinte, a externa, haja vista sua ideologia racionalista e pacifista. A liberdade de opinião, de imprensa, religiosa e de ciência pertencem à essência da democracia. O liberalismo inerente à democracia moderna não significa apenas autonomia política do indivíduo, mas também autonomia intelectual, essência do racionalismo. Hume em paz com Rousseau.

A questão democrática no Brasil, como frisamos ao longo desse artigo, sempre esteve envolta naquilo que aconteceu primeiro na Europa e por aqui chegou com certo atraso e/ou distorcido.

A Constituição de 05 de outubro de 1988 é sábia em garantir princípios/direitos que garantem a dignidade da pessoa humana, nisso está o melhor de Immanuel Kant quanto à sua contribuição à nossa Carta. Kant é um filósofo denso e complexo, vinculado a pensamentos os mais contraditórios possíveis, todavia, sua obra é de uma profunda ética/moral que alcança o ideal.

Queremos crer que a maioria dos constituintes de 1987/88 foram perseguidos pelo regime de exceção, podemos listar Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, José Genoíno entre muitos. Ocorre que o medo de um retrocesso político democrático pairava sobre o Brasil. Tancredo Neves, o presidente eleito, não assumiu assume José Sarney, quem manda é Ulysses Guimarães, o clima é incerto.

As eleições de 1986 foi um marco para iniciarmos um processo dito democrático. Havia pelo Brasil a “Vontade de Constituição” que se fez valer a partir de 1987 com o início dos trabalhos da Assembléia Constituinte que contava com representantes, índios, negros, feministas, comunistas, reacionários, enfim, havia uma cocha de retalhos que se entende por democracia.

Voltamos a Kant e sua relação com a Carta de 1988. Para não chamarmos de modismo, queremos crer que o Constituinte sabia o que falava no pétreo art. 5º da Carta Política. A começar pelo próprio caput e a afirmação de igualdade à moda tomista de Tomás de Aquino. Posteriormente, encontramos o conceito fragrancial de isonomia, conceito que provoca os mais díspares entendimentos, isso já um sinal de mitigação política, pois nos limites da Lei, temos o art. 27 do CP/1940 que trata dos “inimputáveis”, ainda a Lei 11.340/06 Lei de gênero e assim seguem as “isonomias”.

A grande questão ao aplicarmos Kant e seus princípios na Carta Constitucional é que não basta que o político saiba o direito é preciso que o povo o conheça e o exija na mesma consciência, isso é fundamental em uma experiência madura do pensamento iluminista de Montesquieu a Rousseau, de Diderot a Marat, de Hume a Kant.

Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueloutro, concebidos como garantias individuais – forma a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.

A partir do momento que a Constituição abre a via judicial para todo aquele que tenha tido um direito violado pelos Poderes Públicos, prevê o acesso à justiça, não é suficiente vincular a exigibilidade de um direito subjetivo ao poder para demandar judicialmente, diante até da diversidade desses direitos.

Optamos por um Estado Democrático de Direito e tal definição deve espalhar-se não somente nos exemplares dos textos constitucionais, também na consciência do agentes e autores que estão sob a Lei Fundamental.

Frisamos certa preocupação com a qual concluímos nosso raciocínio. O Brasil possui uma tradição política que não é sólida. Nossa Constituição possui 27 anos de existência plena. Nosso Código Civil de 2002 é uma 60% o Código de Beviláqua de 1916. O Código Penal brasileiro é de 1940 fruto de um governo de exceção de Getúlio Vargas. A questão é: ao pensarmos e aplicarmos teorias de pensadores e países maduros politicamente, corremos o risco de “uma Constituição em uma redoma”, alvo é crítica dos intelectuais e juristas que conhecem a nata do pensamento europeu, Norte-americano, oriental.

Que pensamos em Ferdinad Lassale acima, ainda é com o sentimento de que o texto constitucional não seja uma alegoria pictórica ou uma folha de papel bem elaborada, todavia, sem alcance social. Esse autor, na posição de filósofo poderia deitar razões que o fazem concluir que o texto de 1988 está adiante do seu tempo politicamente e atrasado nos princípios lá deitados.

A vida é um bem protegido por Lei assim como a liberdade. O Estado não existiu anterior ao homem, o homem, o ser,  não pode ser privado de suas idéias e ideais por questões políticas, claro, sem contrariar o direito de outrem. Sem citar pontos e livros, embora, ambos façam da pergunta seus temas, Emmanuel Levinas e Fábio Konder Comparato vão ao Livro Sagrado cristão na parte do Gênesis na qual Caim comete o fratricídio matando seu irmão Abel. A pergunta da Divindade para Caim é: “Onde está teu irmão? ”. Caim responde em tom ríspido: “Que tenho eu a ver com meu irmão? ”. Tanto o velho judeu francês quanto o emérito jurista brasileiro qualificam como um ato de imoralidade a resposta de Caim.

Imoral, pois, é rude e demonstra falta de apreço a valores como a ética e o pudor da consciência. Temos uma Constituição nova, ainda tenra e que precisa aprimorar-se no dia-a-dia das mudanças sociais. Precisamos crer que o passado é um momento para uma genoflexão moral, não para auto piedade, todavia, para que possamos saber que não somos únicos e o que passa com nosso irmão nos afeta de maneira positiva ou negativa e para tal precisamos nos adaptar. ” Viver é adaptar-se”[22] escrevia o nobre Euclides da Cunha.

Ao concluirmos o artigo que versa sobre uma conexão do pensamento de Immanuel Kant e a Constituição do Brasil de 1988, precisamos lembrar que Kant foi um acadêmico e um dos maiores pensadores da história da humanidade. O pensamento do filósofo está ligado em menor ou maior grau a qualquer forma de pensamento filosófico ocidental.

As elucubrações do prussiano são de difíceis entendimentos e até polêmicas em dados momentos.  Pedimos vênia, vez que não é usual, citar a frase que epigrafa esse artigo em sua inteireza. Diz ele:

 “ Não é de esperar nem também de desejar que os reis filosofem ou que os filósofos se tornem reis, porque a posse do poder prejudica inevitavelmente o livre juízo da razão. É imprescindível, porém, para ambos que os reis ou os povos soberanos (que se governam a si mesmos segundo as leis de igualdade) não deixem desaparecer ou emudecer a classe dos filósofos, mas os deixem falar publicamente para a elucidação dos seus assuntos, pois a classe dos filósofos, incapaz de formar bandos e alianças de clube pela sua própria natureza, não é suspeita da deformação de uma propaganda”.[23] (Grifamos).

É-nos importante tal reflexão no termino desse artigo, por revelar que o filósofo prussiano, em uma espécie de reflexão última sobre um ideal que jamais está fora do conjunto de debates na política e no Direito e jamais será desprezado por quem se aplicar ao estudo sério e não apenas ideológico do ser (das sein), remete-nos ao cuidado com ao caminhar sobre a linha tênue da teoria e da prática na política, essa última, não deve se prestar à ganância e oportunismo ideológico. O fim do homem é o próprio homem. 

 BIBLIOGRAFIA

BRASIL NUNCA MAIS. Prefácio do Cardeal Dom Evaristo Arns. Editora Vozes. 36ª edição 1996.

COMPARATO, Fábio Konder. Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou impunidade? Organizado por Janaína Teles. – 2ª. Ed.  São Paulo: Humanitas, USP. São Paulo. 2001.

Constituição da República Federativa do Brasil (A.I 01 a 05) - Editora RIO: Rio de Janeiro-1974.

COSTA, Pietro. ZOLO, Danilo. “O Estado de Direito- História, teoria, crítica”. Martins Fontes, São Paulo, 2006. 

DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes. 2002.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros. 2002.

HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. 1991.

KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. LUSOFONIA PRESS: Covilha, Portugal, 2008.

KANT, Immanuel. “ A Religião nos Limites da Simples Razão”. Editora Escala, tradução e apresentação de Ciro Mioranza, São Paulo.

KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Martin Claret. 2003.

KANT in: OS PENSADORES. Editora Nova Cultural, São Paulo.1996.

KELSEN, Hans. A Democracia. 2ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

____________ . O que é Justiça? 3ª. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

LASSALE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2000.

O Espírito das Leis- Charles- Louis de Secondat “Montesquieu”. Tradução em português pela Editora Nova Cultural Ltda, edição de 1997-São Paulo- SP.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001.

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Sobre o autor
Sérgio Ricardo de Freitas Cruz

Mestre e doutorando em Direito. Membro do IBCCRIM e do IBDFAM.

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PROJETO DE PESQUISA APRESENTADO COMO REQUISITO PARCIAL PARA APROVAÇÃO NA DISCIPLINA DE FILOSOFIA POLÍTICA, MINISTRADA PELO PROFESSOR DRº LUIS CARLOS MARTINS ALVES JR.

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