Contextualismo constitucional: um olhar alternativo para a interpretação constitucional

12/11/2015 às 17:22
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E esta é a razão de ser do modelo contextualista, uma vez que permite a interpretação paralela e oferta um meio eficaz de resolver conflitos constitucionais.

O recentíssimo texto de Yung[1] faz uma abordagem bastante interessante sobre a comunicação e a interpretação constitucional, os modelos de comunicação e a importância do contextualismo constitucional para uma melhor compreensão de alguns elementos essenciais das controvérsias constitucionais (interpretativas ou não).

Na década de 40, Claude Shannon[2] criou um modelo de transmissão básica onde postulava que existem cinco partes principais em um evento comunicativo: remetente, receptor, mensagem, codificação e decodificação. Nos casos de comunicação constitucional clássica, estes elementos correspondem aos autores, juízes, texto constitucional, codificação e decodificação.

Adaptando-se esses elementos para um processo elementar de interpretação constitucional, numa sequência lógica, formaria um modelo simples assim estabelecido: o autor, a decodificação, o texto constitucional, a codificação e  os juízes. Tais elementos não são transicionais ou interativos. A comunicação flui apenas em uma única direção ao longo do tempo - sem diálogo, é muito mais simples de modelar. Mas, como dito por Wood[3], é demasiado simplista para capturar a complexidade da comunicação humana.

Temos neste modelo não-contextual uma simplificação, o que acaba acarretando problemas na comunicação, tendo em vista que pressupõe que o significado é separável da realidade social e política.

Esta discussão não é nova e, desde a década de 80, Ely[4] já afirmava que o legislativo e o judiciário devem ser convocados conjuntamente para proteger os direitos fundamentais. Segundo Bickel[5], esta é a grande “dificuldade contramajoritrária”. A preocupação está focada na tensão inerente entre a interpretação constitucional, pela via da judicial review, e a democracia. Para a proteção dos valores, como a soberania popular, através de múltiplas gerações, esta relação deve ser comunicativa.

E este modelo comunicacional simplista e comumente utilizado pelos tribunais unicamente trata a relação constitucional como idêntica aos processos interpessoais, ou seja, uma conversa entre dois estranhos.

E a crítica de Yung está centrada no fato de que, no modelo básico de transmissão e de muitas teorias da interpretação constitucional, falta o “elemento relacional” e para corrigir esta falha foram adicionados outros elementos significativos para o modelo de transmissão básico, como o ambiente, a intertextualidade e os precedentes.

De forma muito sintética, o ambiente pode representar o local e o momento em que a comunicação ocorre, o que inclui uma série de ideias, como o significado linguístico, os problemas sociais, tecnologia, considerações da ordem política e cultura etc. A intertextualidade reflete um componente de ajuste que envolve o uso de uma palavra ou frase através de múltiplos textos, como um dicionário, um artigo científico, pela cronologia temporal em que foi utilizado. Já os precedentes são obtidos através de interpretações realizadas anteriormente pela corte.

Esta necessidade de incorporar novos elementos à “velha transmissão” advém do fato de que os intérpretes da comunicação moderna são seletores ou sintetizadores das aspirações constitucionais, já que uma decisão, principalmente constitucional, não existe no vácuo. O ato em si requer um sentido para as identidades envolvidas e as particularidades da situação descrita. O uso seletivo de outros elementos de comunicação, para além do âmbito de uma teoria declarada, cria a impressão de uma interpretação bem sucedida.

E esta é a razão de ser do modelo contextualista, uma vez que permite a interpretação paralela e oferta um meio eficaz de resolver conflitos constitucionais. Aqui, não se pensa, por exemplo, em como resolver um conflito de interpretação, tendo em vista o alto grau de abstração da norma. Dentro desta abordagem, em vez de sequenciar o significado semântico e construção constitucional, ambos os métodos são aplicados ao mesmo tempo. Na verdade, pode haver várias interpretações semânticas e múltiplas construções baseadas em políticas que serão consideradas, incluindo metodologias de outras disciplinas. Esta aproximação contextual que  prioriza métodos e provas com base no problema constitucional é muito mais eficaz para atender o objetivo do significado constitucional, mais adequado à realidade que vai incidir.

Outra questão que me pareceu extremamente relevante foi o fato de que temos uma crença comum em que uma “teoria” só funciona se oferece uma solução determinada para cada caso constitucional. E isso, por si só, já representa uma contradição, tendo em vista que é necessário conectar a teoria interpretativa com a práxis do direito constitucional para que os métodos e abordagens oferecidas sejam consistentes com a maneira com que legisladores, administradores e população realmente se comunicam.

Não se trata realmente de uma proposta nova, uma vez que os constitucionalistas contemporâneos[6] já avançaram na real necessidade de se incorporar outros atores na metodologia da construção judicial. De qualquer forma, o trabalho acaba por fazer refletir qual a maneira mais promissora de se constituir uma interpretação a partir do “diálogo institucional” que privilegia as instituições e a democracia. Esta visão permite uma compreensão mais abrangente dos diferentes aspectos que a interpretação incorpora na busca do significado constitucional.


[1] O texto está centradamente preocupado com o contexto da interpretação constitucional americana.

[2] SHANNON, Claude Elwood. A mathematical theory of communication. ACM SIGMOBILE Mobile Computing and Communications Review, Vol. 5, n. 1, p. 3-55, 2001.

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[3] WOOD, Julia. Communication mosaics: An introduction to the field of communication. Cengage Learning: Fifth Edition, 2013. Disponível em < http://www.thomsonrights.com. >. Acesso em 11 de nov. de 2015.

[4] ELY, John Hart. Democracy and distrust: A theory of judicial review. Harvard University Press, 1980.

[5] BICKEL, Alexander M. The least dangerous branch: the Supreme Court at the bar of politics. 2 ed. Yale University Press, 1986.

[6] Somente a título de exemplo, BACKER, Larry Catá. From Constitution to Constituticionalism: a global framework for legitimate public power systems. Penn State Law Review, Vol.113, No.3, 2009; HART, H. L. A. The concept of law. 2 ed. New York: Clarendon Press Oxford; VERDÚ, Pablo Lucas. La constituición encrucijada. Pensamiento Constitucional, Ano IV, nº 04; GRIMM, Dieter. Constitucionalismo y derechos fundamentales. Madrid: Editorial Trotta, 2009; SUNSTEIN, Cass R. Foreword: leaving things undecided. Harvard Law Review, v.110, 1996, p. 6-101; BATEUP, Christine A. The Dialogic Promise: Assessing the Normative Potential of Theories of Constitutional Dialogue. New York University Public Law and Legal Theory Working Papers, 2005, p.1-85. 

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Sobre a autora
Carina Barbosa Gouvêa

Doutora em Direito pela UNESA; Mestre em Direito pela UNESA; Advogada especialista em Direito Militar/ConstitucionalPesquisadora Acadêmica do Grupo "Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional"; Pós Graduada em Direito do Estado e em Direito Militar, com MBA Executivo Empresarial em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal; E-mail: <[email protected]>. <br>Blog: Dimensão Constitucional < http://dimensaoconstitucional.blogspot.com.br/>.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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