A gravidade do acidente socioambiental ocorrido na Mineradora Samarco, em Mariana/MG, é uma amostra da “sociedade de risco” em que vivemos, vislumbrada por Ulrich Beck. Nessa sociedade de risco, em síntese bastante apertada, verifica-se encontrarmo-nos em uma época em que o risco deixou de ser previsível e mensurável, passando a ser utilizado para designar a probabilidade de ocorrência de um evento cujas consequências, em geral coletivas e de grande magnitude, não são de possível previsão ou mensuração.
De fato, ainda que fosse possível prever o rompimento das barragens da mineradora em questão, o risco que tal situação poderia ocasionar estaria ladeado de incertezas, seja quanto à sua probabilidade, seja quanto à sua magnitude. A bem ver, a dimensão dos efeitos de tal circunstância apenas poderia ser avaliada ao ser concretizada, como ocorreu, infelizmente, em Mariana/MG.
E por que estamos colocando a análise da questão na acepção do risco? Porque se trata, em verdade, de um risco que transcende a mera avaliação ambiental realizada pelo órgão licenciador, ou, ainda, a aplicação do instituto da responsabilidade ambiental, encontrando-se na esfera da decisão da sociedade quanto à necessidade ou não de uma atividade econômica que possa ocasionar danos de tal dimensão.
Não se quer aqui dizer que a empresa em questão não deva ser responsabilizada pelos danos sociais e ambientais decorrentes do rompimento das suas barragens. Ao contrário, não há dúvidas de que, em vista da responsabilidade civil ambiental, que prescinde da presença de culpa, certamente será determinada a responsabilização civil da empresa pela recuperação dos danos ambientais e sociais em questão. Afinal, segundo a Política Nacional de Meio Ambiente, quem assume — direta ou indiretamente — o risco de desenvolver uma determinada atividade, deve responsabilizar-se pelos efeitos dela decorrentes, independentemente da licitude da conduta.
O que se pretende referir é até que ponto a sociedade assumirá riscos como o presente? De fato, caso se comprove, porventura, que o acidente realmente ocorreu em decorrência de abalos sísmicos, não há dúvidas de que a sociedade assumiu o risco de enfrentar eventuais danos decorrentes da atividade mineradora em questão.
É o mesmo que ocorreu em Fukushima, no Japão, em que uma usina nuclear foi atingida em 2011 por um terremoto seguido de um tsunami, destruindo parte da usina e colocando em grave risco grande parte da população japonesa. Essa situação implicou em protestos mundo afora para impedir o avanço da geração de energia por fonte nuclear. Há, inclusive, alguns países que aderiram ao protesto e comprometeram-se a não mais autorizar atividades dessa natureza em seus territórios.
Como se vê, é preciso avaliar o acidente da Samarco não apenas sob o prisma da responsabilidade ambiental da empresa pelos danos causados. Sim. Certo que a mineração em geral é indubitavelmente necessária para o desenvolvimento econômico, por prover matéria-prima para a indústria em geral, faz-se necessário analisar o quanto a sociedade humana vem aceitando o risco incerto ou abstrato da sua concretização.
De fato, vivemos em uma ‘sociedade de risco’, que nos impõe uma nova responsabilidade, não só no sentido de reparação por um dano que ocorreu, e, sim, uma responsabilidade ética da humanidade pelos riscos abstratos e incertos que o desenvolvimento econômico vigente pode vir a causar aos recursos naturais e ao meio ambiente como um todo.
Hans Jonas, em seu “Princípio da Responsabilidade”, introduzido em 1979, já alertava ser esse um princípio ético de obrigação moral, que propõe não só uma responsabilidade alargada e estendida no tempo, como também uma responsabilidade elástica, com atuação mais a priori do que a posteriori.
A bem ver, o risco que estamos nos referindo ao expor o acidente ocorrido em Mariana/MG não pode ser administrado tão somente pelo instituto da responsabilidade civil, uma vez que ele significa eventos invisíveis, incertos, de dimensões inestimáveis – normalmente catastróficas. Não há dúvidas de que já passamos e passaremos a presenciar, cada vez mais, eventos dessa natureza, o que exigirá que a sociedade passe, então, a avaliar o risco em uma esfera superior, onde se deve decidir em que mundo e sob quais riscos as futuras gerações viverão.