Evasão e elisão fiscal à luz do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional

Exibindo página 1 de 2
16/11/2015 às 15:41
Leia nesta página:

O conceito, a aplicação e o entendimento prático de cada uma das “práticas elisivas e evasivas” (simulação, fraude à lei, abuso de forma e de direito e negócio jurídico indireto) na jurisprudência atual.

1. Introdução

2. Simulação

2.1. Definição

2.2. Exemplo no âmbito tributário

3. Fraude à lei

3.1. Definição

3.2. Exemplo no âmbito tributário

4. Abuso de forma e de direito

4.1. Definição

4.2. Exemplo no âmbito tributário

5. Negócio jurídico indireto

5.1. Definição

5.2. Exemplo no âmbito tributário

6. Conclusão

7. Bibliografia

1. Introdução

            A redação do parágrafo único do art. 116 apresenta três comandos distintos e interdependentes à autoridade administrativa: a) o primeiro conferindo competência de lançar o tributo decorrente de práticas elisivas; b) o segundo, atribuindo qualidade aos atos ou negócios jurídicos praticados, detonadores de consequências tributárias; e c) o terceiro, submetendo o lançamento do crédito tributário decorrente de praticas elisivas a procedimentos específicos a serem definidos posteriormente em lei ordinária. Nesse sentido, é válido conhecer a íntegra do artigo em questão:

 Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

(...)

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº 104, de 10.1.2001)

O presente artigo tem o objetivo de analisar, de forma satisfatória, a aplicação e a habitualidade em que as “práticas elisivas” aparecem em nosso ordenamento jurídico, sempre as analisando no âmbito do direito tributário. Em um momento posterior, é necessário analisar de qual forma a “autoridade administrativa” poderá sancionar o agente do “negócio jurídico praticado com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador”, bem como a aplicação e o entendimento prático de cada uma das formas (simulação, fraude à lei, abuso de forma e de direito e negócio jurídico indireto) na jurisprudência atual.

Por fim, é necessário frisar que a inclusão do parágrafo único (objeto deste trabalho) ao artigo 116 do CTN pelo advento da Lcp 104/01 fez-se necessária no sentido de permitir à autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de elisão, gerando um instrumento eficaz ao combate de procedimentos tributados praticados de formas “alternativas” à lei.

2. Simulação

2.1. DEFINIÇÃO

A simulação é instituto de direito civil e está prevista no artigo 167 do Código Civil:

“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem.

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira.

III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados”

A simulação é fingir, mascarar, camuflar, esconder a realidade. Juridicamente, é a prática de ato ou negócio que esconde a real intenção. A intenção dos simuladores é encoberta mediante disfarce, parecendo externamente negócio que não é espelhado pela vontade dos contratantes.

O negócio simulado possui aparência contrária à realidade. A simulação se caracteriza por meio dos seguintes elementos: a) deformação consciente e desejada da declaração de vontade; b) levada a efeito com o concurso da parte à qual se dirige; e c) tem por objetivo induzir terceiros em engano (sob o ponto de vista tributário, o próprio Estado).

Desse modo, conclui-se que haverá ato simulado quando o negócio for utilizado para a consecução de um fim não correspondente à sua causa. Seguindo esse entendimento, o parâmetro para aferir a ocorrência ou não de simulação consiste em identificar a causa e a finalidade do negócio.

Vale assinalar, ainda, que os civilistas[1] subdividem a simulação em duas espécies: simulação absoluta (ato inexistente) e simulação relativa (ato dissimulado). A simulação absoluta se configura quando o negócio foi inteiramente simulado. Nesse caso, as partes não desejam praticar ato algum. Por sua vez, na simulação relativa, as partes pretender realizar negócio, mas de forma diversa da que se apresenta.

Sob a ótica tributária, a simulação deve ser analisada a partir da inclusão do Parágrafo Único no art. 116 do Código Tributário Nacional, por força da Lei Complementar nº 104/2001.

Conforme a nova redação do dispositivo, a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.

O termo “dissimular”, empregado na redação do texto legal, tem o sentido de disfarçar, ludibriar ou esconder. O ato dissimulado é aquele ocultado pela simulação, segundo o disposto no art. 167 do Código Civil de 2002.

No entanto, há uma ressalva. O parágrafo único do art. 116 do CTN poderá ser aplicado somente nos casos em que a autoridade fiscal comprovar a existência de condutas que visam afastar a norma jurídica de incidência tributária mediante a simulação relativa, ou seja, aquela em que o negócio aparente oculta o negócio verdadeiro, aquele que dá origem à incidência tributária.

2.2. EXEMPLO NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO

A)           Simulação absoluta[2]

TRIBUTÁRIO. AÇÃO ANULATÓRIA. IMPOSTO DE RENDA. ACRÉSCIMO PATRIMONIAL INJUSTIFICADO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. SIMULAÇÃO ABSOLUTA. DESCONSIDERAÇÃO. MULTA DE OFÍCIO. LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE. MANUTENÇÃO DO PERCENTUAL DA SANÇÃO. HONORÁRIOS. EQUIDADE.

O legislador definiu como fato gerador do imposto de renda o acréscimo patrimonial, denominando-o renda, quando decorrente do capital, do trabalho, ou da combinação de ambos, e proventos de qualquer natureza, nos demais casos. Renda e proventos são, portanto, espécies do gênero acréscimo patrimonial. A rigor, a falta de demonstração da origem dos recursos que servem de lastro a um dispêndio ou aplicação torna o consequente acréscimo patrimonial "a descoberto" o próprio rendimento tributável (artigo 43 do CTN). 2. Na hipótese, as alegações do contribuinte foram sempre no sentido de que firmara acordo de empréstimo. No entanto, não demonstra, mediante documentação idônea, ter efetivamente concretizado o recebimento e devolução dos valores. 3. Na forma do parágrafo único doartigo 116 do CTN, "a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária".De fato, tendo sido exaustivamente demonstrada a simulação absoluta do empréstimo, resta caracterizado o chamado acréscimo patrimonial a descoberto, diante da ausência de lastro legítimo ao aumento do patrimônio do contribuinte no período fiscalizado, possibilitando a tributação dos valores. Por todas as evidências, revelam-se corretas as conclusões da fiscalização, que desconsiderou o empréstimo noticiado, por simulação absoluta, à falta de quaisquer elementos que demonstrem tenha se concretizado a operação. 4. O Código Tributário Nacional consagra o princípio da aplicação retroativa da lei posterior mais benéfica às penalidades, no art. 106, sendo despiciendo que a lei ordinária determine de forma explícita seu efeito retroativo. No entanto, a alteração promovida pela Lei nº 11.488/07 não alterou o percentual da sanção dirigida à conduta apurada pelo fisco, de modo que segue sendo reprochada na mesma medida, não havendo cogitar da sua redução. 5. Nas hipóteses em que não há condenação, o art. 20,§ 4º, do CPC permite que sejam os honorários arbitrados com base na equidade, valendo-se o julgador dos critérios elencados nas alíneas a, b e c do § 3º desse artigo. A equidade serve como valioso recurso destinado a suprir as lacunas legais e auxiliar a aclarar o sentido e o alcance das leis, atenuando o seu rigorismo, de molde a compatibilizá-las às circunstâncias sociais, inspirada pelo espírito de justiça. Não olvidando a complexidade da matéria debatida, que exigiu extensa produção de provas em juízo, mostra-se mais consentâneo com o trabalho desenvolvido pelos procuradores a fixação dos honorários no patamar de 10% do valor dado à causa, merecendo reforma a sentença unicamente no ponto. 6. Apelo parcialmente provido.

B)           Simulação Relativa[3]

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NATUREZA RELATIVA. SENTENÇA PROFERIDA POR JUIZ EM REGIME DE MUTIRÃO. VALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DISTINTA DOS INTERESSES DAS PARTES. AUSÊNCIA DE MÁCULA. LIVRE CONVENCIMENTO DO JULGADOR. SIMULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. CONSTATAÇÃO. AGIOTAGEM ESCAMOTEADA DE COMPRA E VENDA. DEMONSTRAÇÃO. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CORRESPONDÊNCIA À RESPONSABILIDADE ASSUMIDA PELO ADVOGADO. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. COMPROVAÇÃO DO DANO PROCESSUAL. NECESSIDADE.

1. O colendo Superior Tribunal de Justiça já elucidou que o princípio do juiz natural não apresenta natureza absoluta, de modo que, ausente prejuízo a uma das partes, considera-se válida a sentença proferida por magistrado que não presidiu a instrução, ainda que haja atuado em regime de mutirão.

2. O fato de a fundamentação do julgado não coincidir com os interesses defendidos pelos litigantes não implica vícios. O magistrado deve expor suas razões de decidir, nos estritos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, motivos esses que não serão necessariamente alicerçados nos argumentos ventilados pelos demandantes.

3. Consoante balizada doutrina (Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes in Código Civil Interpretado, Volume I, 2ª edição, Renovar, p.317/318), A simulação relativa, também denominada dissimulação, é a que contém dois atos jurídicos, quais sejam: o negócio simulado que esconde ou camufla outro negócio, que é o dissimulado, a verdadeira intenção das partes. É então da simulação relativa que fala o dispositivo em tela, referindo-se à preservação do negócio dissimulado, se válido na substância e forma. Trata-se de um caso de aplicação do princípio da conservação dos negócios jurídicos.”

4. Caso as provas colacionadas aos autos levem a crer na prática de agiotagem, encoberta pela suposta compra e venda, viável deduzir caso de simulação relativa, na medida em que o negócio simulado – suposta compra e venda – camufla outro negócio, que é o dissimulado – a agiotagem – verdadeira intenção das partes.

5. O arbitramento dos honorários advocatícios em patamar irrisório é aviltante e atenta contra o exercício profissional. A fixação da verba honorária há que se realizar com base em critérios que guardem a mínima correspondência com a responsabilidade assumida pelo advogado, sob pena de violação do princípio da justa remuneração do trabalho profissional.

6. Cediço que, para a condenação na multa por litigância de má fé, sua imposição deve ser motivada. Na esteira do que já decidiu o colendo Superior Tribunal de Justiça, o reconhecimento da litigância de má-fé depende de que a outra parte comprove haver sofrido dano processual, o que não foi demonstrado in casu.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

7. Preliminar rejeitada. Negou-se provimento ao apelo da Autora. Deu-se parcial provimento ao recurso da Ré.

3. Fraude à lei

3.1. DEFINIÇÃO

Fraudar a lei consiste em uma violação indireta da lei. Esta violação não se dá quanto ao seu sentido literal, mas quanto à sua finalidade, seu espírito. Aquele que age em fraude à lei externa atitudes e condutas que aparentam o cumprimento das palavras da lei, mas na verdade as infringe, ao ir de encontro ao sentido que as ditou, frustrando a sua finalidade.

            Assim como a simulação, a fraude à lei imperativa está positivada no Código Civil no plano da nulidade do negócio jurídico, art. 166, VI, a seguir transcrito:

“Art. 166 do Código Civil: “É nulo o negócio jurídico quando:

(...)

VI – tiver por objeto fraudar lei imperativa.”      

No contexto, os contratantes contornam determinada norma para se verem acobertados por outra norma mais vantajosa para a realização do negócio jurídico desejado

A figura, portanto, supõe a existência concomitante de dois mandamentos específicos: um deles é a norma imperativa, que, diante de determinada situação fática e sendo indesejada pelas partes contratantes, pretendem elas a essa norma não se submeter (norma contornada), e uma outra norma (ou eventualmente uma ausência de previsão expressa) que as partes utilizam para evitar a norma contornada (norma de contorno).

Nesse sentido, tendo em vista que há divergência acerca da classificação do Código Tributário Nacional como norma imperativa, na doutrina a aplicação da fraude à lei no campo tributário é matéria controvertida.

Pertinente citar a lição do eminente Ministro Moreira Alves [4], que esclarece que: “(...) no problema da fraude à lei o que ocorre justamente é isto: observa-se a letra da lei, mas para se alcançar um fim contrário ao espírito da lei. Emprego a palavra lei no sentido amplo, para traduzir norma jurídica, pois, embora sejam raros os exemplos, é possível inclusive ocorrer fraude ao costume.”

“Quanto aos elementos de fraude à lei há duas posições doutrinárias: uma que considera que a fraude à lei é sempre objetiva; basta que haja a violação indireta para que, objetivamente, ocorra a fraude à lei. A outra é a subjetiva: a de a violação indireta, que é o objetivo da fraude à lei, decorrer de elemento subjetivo, ou seja, a intenção de fraudar a lei. A teoria objetiva é a mais seguida, porque, pela teoria subjetiva, é preciso que o indivíduo conheça a lei que está violando, para saber que está infringindo essa lei. Aí, há a dificuldade decorrente do princípio geral de que a ninguém é dado desconhecer a lei. Por essa presunção absoluta, ou melhor, por essa ficção, porque não há, obviamente, ninguém que possa conhecer todas as leis que existem no país, todos se têm como conhecedores da lei, o que implica que se cairá sempre, em última análise, na teoria objetiva, porque o elemento subjetivo existirá por essa presunção.”

Portanto, há de se estender para a fraude à lei imperativa as mesmas conclusões levadas a efeito no tópico da simulação, mesmo porque ambos os institutos estão previstos no Código Civil como hipóteses de nulidade do negócio jurídico.

3.2. EXEMPLO NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO

“PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME SOCIETÁRIO. AUTORIA COLETIVA. LEI 8.137/90, ART. 1º, II. FRAUDE À FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA INAUGURAL QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. AMPLA DEFESA GARANTIDA. INÉPCIA NÃO EVIDENCIADA. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I - A exordial acusatória cumpriu todos os requisitos previstos no art. 41, do Código de Processo Penal, sem que a peça incorresse em qualquer violação do que disposto no art. 395, do mesmo diploma legal. Cuida-se, in casu, de denúncia geral, aceita pela jurisprudência pátria (Precedentes).

II - Nos delitos societários, a peça acusatória (ainda que não possa ser de toda genérica) é válida quando demonstra um liame entre a atuação dos denunciados e a conduta delituosa (mesmo que não individualize as condutas de cada um), a revelar a plausibilidade da imputação deduzida e permitindo o exercício da ampla defesa com todos os recursos a ela inerentes.

III - No caso dos autos, a r. denúncia oferecida destacou que os recorrentes "agindo em concurso e com absoluta identidade de propósitos criminosos, surpimiram e reduziram R$ 83.507, 08 [...] de ICMS [...] ao fraudarem a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos em livro exigido pela lei fiscal", pois, segundo se apurou, "os denunciados se creditaram indevidamente do aludido imposto a título de ressarcimento daquilo que foi pago antecipadamente pelo estoque de produtos farmacêuticos existentes em 22 de outubro de 1997, quando do término da vigência do regime de substituição tributária, efetuando o lançamento no Livro de Registro de Apuração de ICMS, no que constitui a fraude empregada contra o FISCO, conforme AIIM de n.º 2028012-9" (fls. 16-17, e-STJ).

IV- Quanto à autoria, o liame entre o agir dos denunciados e o crime imputado foi estabelecido em face da condição de administradores da empresa que ostentam (fl. 17, e-STJ). Assim, no caso, verifica-se a possibilidade de plena defesa dos acusados a partir da imputação do MP. Isto é, a denúncia preenche os requisitos do art. 41 do CPP. Nesse sentido, tanto o posicionamento da Suprema Corte quanto deste Tribunal Superior: (HC 116.781/PE, Segunda Turma, Rel. Ministro Teori Zavascki, DJe de 15/4/2014 e RHC 47.042/MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 26/5/2014). Recurso ordinário desprovido.” [5]

“Assunto: Imposto sobre a Importação - II Data do fato gerador: 18/12/2013 Ilegitimidade Passiva. Respondem pela infração a pessoa natural ou jurídica, em razão do despacho que promover, de qualquer mercadoria, inteligência do artigo 95 do Decreto-lei 37/66. Divergência entre a mercadoria importada e a descrita na Declaração de Importação - DI. Fraude. Ocorrência. Aplica-se a pena de perdimento à mercadoria estrangeira chegada ao país com falsa declaração de conteúdo, nos termos do artigo 105, inciso XII, do Decreto-lei 37/66, bem como o artigo 23, inciso IV, do Decreto-lei 1.455/76, que se converte em multa equivalente ao valor aduaneiro quando as mercadorias não forem localizadas, ou tenham sido consumidas ou revendidas, nos termos do § 3º, do artigo 23, do Decreto-lei 1.455/76, com a redação dada pela Lei 12.350/10. Recurso a que se nega provimento.”[6]

4. Abuso de forma e de direito

4.1. DEFINIÇÃO

Tem-se por abuso de direito a efetivação de ato deliberado e intencional de causar dano a alguém, sem que necessariamente o causador do dano tire dele algum proveito.

Diz o art. 187 do Código Civil:

“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

            Nos dizeres do Ministro José Carlos Moreira Alves, o abuso caracteriza-se “pelo exercício egoístico, anormal do direito, sem motivos legítimos, com excessos intencionais ou voluntários, dolosos ou culposos, nocivos a outrem, contrário ao critério econômico e social do direito em geral”.[7]

            Diferentemente da fraude à lei e da simulação, o abuso de direito situa-se no campo da ilicitude e, por assim estar situado, atinge contornos próprios que com a simulação e a fraude à lei imperativa não se pode confundir.

            Em primeiro lugar, o comando do abuso de direito positivado pelo art. 187 contempla a obrigação de indenizar, o que equivale a dizer que o abuso de direito pressupõe a existência de dano.

            Enquanto ilícito, ao ser detectado abuso de direito na realização de ato jurídico ou negócio jurídico é defeso ao juiz identificar outro negócio jurídico e com isso desonerar a ilicitude do ato praticado.

            A identificação do abuso de direito tem de ser muito mais responsável do que a da simulação ou da fraude à lei porque detectar abuso de direito significa deflagrar a obrigação de indenizar aquele que sofreu o dano causado por quem exerceu determinado direito com abuso.

            O abuso de formas do direito privado ocorre quando nelas busca-se encaixar uma realidade de fato que não se coaduna segundo os padrões usuais da realização do negócio jurídico. Há uma atipicidade de forma, legalmente inidônea para permitir tal enquadramento e a consumação dos resultados inerentes ao negócio ajustado. Os defensores admitem a legitimidade da elisão tributária quando se tratar de elisão induzida pela lei, desde que não haja atipicidade ou abuso da forma jurídica empregada. No caso de abuso de forma jurídica, a exteriorização jurídico-formal deverá ser abandonada, tributando-se o ato segundo seus reais efeitos ou conteúdo econômico.

A inclusão do parágrafo único do art. 116 fez-se necessária para estabelecer, no âmbito da legislação brasileira, norma que permita à autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de elisão, constituindo-se dessa forma, um instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito.

4.2. EXEMPLO NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO

A)        Abuso de forma

COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUÇÃO RURAL POR PESSOA JURÍDICA. FRACIONAMENTO DE ATIVIDADES. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO ILÍCITO POR ABUSO DE FORMA. AUSÊNCIA DE AUTONOMIA OPERACIONAL E CONFUSÃO PATRIMONIAL E SOCIETÁRIA. REQUALIFICAÇÃO DE FATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS. FRAUDE COMPROVADA PELO FISCO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS INCIDENTES SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL PRÓPRIA. CONTRIBUIÇÕES PARA O SENAR. LEGALIDADE DA APLICAÇÃO DE MULTA QUALIFICADA. Ante o conjunto probatório constante nos autos, indiscutível se mostra o reenquadramento da empresa como produtora rural. O planejamento tributário lícito é aquele em o sujeito passivo deixa de praticar o fato previsto no antecedente da norma, diferente de praticá-lo e, fazendo uso de meios lícitos formais, escondê-los. Verificando o abuso de forma, a fiscalização deve rejeitar qualquer planejamento tributário que não observe a legislação, cabendo requalificar os fatos e negócios ocorridos com base neste planejamento irregular e aplicar às penalidades pertinentes. Sendo assim, correto o lançamento referente às contribuições previdenciárias incidentes sobre a comercialização da produção rural própria da pessoa jurídica e na aquisição de produção rural de pessoas físicas, o lançamento quanto às contribuições arrecadadas para o SENAR incidentes sobre a comercialização da produção rural própria e legítima a aplicação da multa qualificada de 150%, prevista no §1.º do art. 44 da Lei n.º 9.430/96. Recurso Voluntário Negado”[8],

B)           Abuso de direito

“PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. ABUSO DE DIREITO. INOPONIBILIDADE AO FISCO. O ato ou conjunto de atos praticados com abuso de direito, assim entendido o exercício de direito que manifestamente excede os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes, é inoponível ao fisco. COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS. LIMITAÇÃO. Os prejuízos fiscais de períodos anteriores somente podem ser compensados até o limite de trinta por cento do lucro real. CSLL. DECORRÊNCIA. O resultado do julgamento do IRPJ reflete seus efeitos sobre a CSLL lançada em decorrência das mesmas infrações”[9]

5. Negócio jurídico indireto

5.1. DEFINIÇÃO

O negócio jurídico indireto pode ser definido como a celebração pelas partes de um negócio nominado, cujos efeitos são realmente queridos, não havendo, portanto, simulação, mas por um motivo ou para finalidade ulterior diversos dos que estão de acordo com a função típica, com a causa desse negócio, e correspondente a outro negócio típico ou tipificável.

No negócio jurídico indireto, os particulares têm como intenção obter uma economia tributária. Assim, o negócio é válido se o contribuinte organizar suas atividades nesse sentido.

O negócio jurídico indireto é uma possibilidade dada pela lei para que um negócio que seria sujeito a uma tributação indesejada possa ser realizado de maneira diversa, menos onerosa do ponto de vista tributário.

Tem como única finalidade o desvio da hipótese de incidência tributária, não é utilizado para obter os resultados que normalmente lhe seriam próprios, é desprovido de propósito negocial.

É forma de elisão tributária, ou seja, de “economizar imposto,” aceita desde que não haja abuso de direito.

É diferente da simulação, pois, nesta, o desejado difere do praticado, o que obriga as partes a realizarem atos paralelos de desfazimento ou neutralização dos efeitos do ostensivamente praticado. Já no negócio jurídico indireto, as partes praticam o ato desejado, se submetendo ao seu regime jurídico e suas consequências.

No negócio indireto, explica Tullio Ascarelli: "As partes querem efetivamente o negócio que realizam; querem efetivamente submeter-se à disciplina jurídica dele, e não a uma disciplina jurídica diversa; querem também os efeitos típicos do negócio adotado, pois sem estes não alcançariam o objetivo que visam, o qual, embora não se identifique com a consecução de tais efeitos, necessariamente os pressupõe".[10]

Desta forma, se de tal operação resultou em lucro substancial que não é alçando por tributação, por não existir nenhuma previsão normativa nesse sentido, não cabe à autoridade administrativa, por faltar-lhe competência, poder descaracterizar fatos válidos e lícitos que se encontram acobertados e previstos pelas leis civis, comerciais e fiscais, para exigir imposto onde não existe hipótese de incidência e, por absoluta impossibilidade fática, não poderá ocorrer o fato gerador tributário.

5.2. EXEMPLO NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO

“DESCONSIDERAÇÃO DE ATO JURÍDICO - Não basta a simples suspeita de fraude, conluio ou simulação para que o negócio jurídico realizado seja desconsiderado pela autoridade administrativa, mister se faz provar que o ato negocial praticado deu-se em direção contrária a norma legal, com o intuito doloso de excluir ou modificar as características essenciais do fato gerador da obrigação tributária (art. 149 do CTN). SIMULAÇÃO – Configura-se como simulação, o comportamento do contribuinte em que se detecta uma inadequação ou inequivalência entre a forma jurídica sob a qual o negócio se apresenta e a substância ou natureza do fato gerador, efetivamente, realizado, ou seja, dá-se pela discrepância entre a vontade querida pelo agente e o ato por ele praticado para exteriorização dessa vontade. NEGÓCIO JURÍDICO INDIRETO – Configura-se negócio jurídico indireto, quando um contribuinte se utiliza de um determinado negócio, típico ou atípico, para obtenção de uma finalidade diversa daquela que constitui a sua própria causa, em que as partes querem efetivamente o negócio e os efeitos típicos dele realizado e submete-se a sua disciplina jurídica. Recurso provido.”[11]

6. Conclusão

Os atos ou negócios jurídicos dissimulados e previstos pela lei como deflagradores de consequências tributárias poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa, pelo fundamento da finalidade exclusiva, somente após provocação expressa do Poder Judiciário, para fins de controle da cláusula geral de função social do contrato. A prova da finalidade exclusiva de dissimular é do Fisco. A desconsideração depende de edição de lei regulamentadora específica.

Os atos ou negócios praticados, não atingidos pela decadência e demais hipóteses de extinção do crédito tributário de que trata o art. 156 do CTN, e previsto pela lei como deflagradores de consequências tributárias no universo dos tributos, poderão ser desconsiderados pela autoridade administrativa, pelo fundamento do critério da desproporção entre o ato praticado e a consequência econômica decorrente somente após provação expressa do Poder Judiciário, para fins de controle da cláusula geral da função social do contrato. A prova da desproporção é do Fisco.

A jurisprudência moderna tem se pronunciado pela desconsideração, sempre com moderação, avaliando, caso a caso, a existência de simulação, fraude à lei, abuso de direito e negócio jurídico indireto nos atos ou negócios praticados para fins de controle da cláusula geral de função social do contrato.

7. Bibliografia

VENOSA. Silvio. Direito Civil: Parte Geral. 4ª edição: São Paulo, Atlas, 2004. P. 481.

ALVES, José Carlos Moreira. As figuras correlatas da elisão fiscal. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2003. p. 17-19.

Anais do Seminário Internacional sobre Elisão Fiscal, Brasília, ESAF, 2002, p. 70.

"Problemas das sociedades anônimas e direito comparado", 1a ed., Bookseller, 2001, p.179

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. 10ª edição. São Paulo, Saraiva, 2008.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Texto elaborado para estudar as disposições do parágrafo único do artigo 116 do CTN, uma vez que se trata de uma matéria atual em virtude do Poder Judiciário, assim como a doutrina, disciplinarem de maneiras diversas os parâmetros no que tange aos efeitos decorrentes da elisão e da evasão fiscal. Publicado no JusBrasil por mim no dia 12.11.15. O objetivo era na realidade publicar apenas na JusNavigandi e sua Revista.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos