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Resolução 242 da ONU: posição brasileira sobre o caso palestino

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12/04/2024 às 17:53
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3. POSIÇÃO BRASILEIRA SOBRE O CASO PALESTINO

Desde o plano de partilha da Palestina em 1947, a diplomacia brasileira vem participando ativamente no processo de mediação entre Israel e Palestina, seja no âmbito da ONU, seja fora de qualquer organização internacional. A partir da década de 70, o Brasil passou a expor mais distintamente seu apoio à causa palestina, diante dos crescentes abusos cometidos por Israel e seu sucessivo descaso com as determinações emandas das Resoluções das Nações Unidas. Consigne-se, entretanto, que o Brasil não interrompeu qualquer relação com o Estado de Israel, mantendo o vínculo político-econômico, inclusive referente às questões de segurança30.

A análise das relações entre Brasil e Palestina – e Oriente Médio em geral – perpassa o exame dos acontecimentos sob a ótica diplomática, tendo o Itamaraty como fonte basilar. Destaque-se, ainda, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula) como ápice de aproximação dessas relações, com destaque ao Ministro das Relações Exteriores à época, Celso Amorim. É verdade que há uma polarização de críticas à aproximação abordada pelo governo Lula quanto aos países do Oriente Médio, alguns afirmando que o Brasil de aproveitou da comunidade árabe em seu país para legitimar novas orientações diplomáticas31, outros detendo um posicionamento mais otimista da situação, alegando que a diplomacia do governo Lula é uma marco do pós-americanismo, confirmando o novo papel do Brasil como líder do grupo Não-alinhados32. É certo que os países latino-americanos ficaram sensíveis à causa palestina, frente, ademais, à questão da despolarização mundial, considerando-se aqui o apoio norte-americano ao Estado de Israel e, assim, a Palestina como um elo fraco do conflito. Houve, de uma certa forma, uma identificação de causa, de ideal, de luta, de autoafirmação.

O processo de paz entre Israel e Palestina conduz-se não unicamente no âmbito da ONU, mas essencialmente fora dele, tendo o Brasil participado transversalmente dessa marcha. Tal se iniciou após a consecução dos Acordos de Camp David, em 1979, acordo entre Israel e Egito em que se delineou um cronograma para a discussão da qustão palestina; esta negociação não incluiu, contudo, a participação da Palestina. Historicamente, vê-se que a política de alinhamento brasileiro aos Estados Unidos fez com que aquele seguisse suas diretrizes nas votações perante às Nações Unidas, dada a característica da política externa brasileira no pós Segunda Guerra Mundial (1945). Isso favorecia, pois, seu posicionamento favorável a Israel. Tem-se, por exemplo, a votação favorável brasileira ao plano de partilha palestina, permitindo a criação do Estado de Israel, destacando-se as atividades procedimentais do presidente da Assembleia Geral da ONU à época, o brasileiro Osvaldo Aranha. Em contrapartida, a posição brasileira nunca foi negligenciadora da questão dos avanços territoriais israelenses, posicionando-se manifestadamente contra, abstendo-se, inclusive, da votação da Resolução 273, que aprovou a admissão de Israel na ONU, vez que apoiara resoluções anteriores que requestavam esclarecimentos de Israel sobre a questão dos refugiados palestinos e a administração de Jerusalém, a exemplo da Resolução 194 de 1948. O destaque brasileiro à causa palestina também se manifesta quanto à sua participação na 1ª operação de manutenção de paz da ONU (UNEF I) e também quanto às negociações da Resolução 242 no Conselho de Segurança, momento em que o Brasil era integrante do Conselho de Segurança. Ressalte-se que o projeto britânico apresentado à ONU em 1067 baseiou-se no projeto argentino-brasileiro defendido pelo grupo latino-americano (a Argentina também fazia parte do Conselho de Segurança da época)33.

O pragmatismo diplomático brasileiro da década de 70 modificou ainda mais seu posicionamento à situação do conflito palestino. Diante da crise do petróleo de 1973, questões econômicas marcaram o relacionamento entre Brasil e países do Oriente Médio, havendo uma aproximação brasileira ao Iraque, por exemplo, seu principal fornecedor de petróleo, desenvolveu-se na década seguinte exportação de material bélico brasileiro àquele país. Daí por diante, nota-se um crescente apoio mútuo dos países em desenvolvimento ao seu reconhecimento de autodeterminação e soberania, considerando-se, ainda, seu crescimento numérico perante a Assembleia Geral das Nações Unidas. Em nítida posição pró-Palestina, o Brasil apoiou, por exemplo, a Resolução 3379 (1975), qualificando o sionismo como uma forma de discriminação racial; a 3236 (1974), concedendo à OLP o status de membro observador na organização; a 32/40 (1977), estabelecendo o dia 29 de novembro como o “Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino”, com comemoração anual – dia de aprovação do Plano de Partilha da Palestina, em 1947.

Em uma análise cronológica da relação Brasil-Palestina, tem-se: a) 1975 como ano do estabelecimento de relações entre esses países, autorizando-se a OLP a designar um representante para atuação em Brasília; b) abertura da Delegação Especial Palestina em Brasília em 1993, com status diplomático equivalente ao de um organismo internacional; c) equiparação da referida Delegação à embaixada, em 1998; d) abertura de escritório de representação brasileira em Ramalá em 2004; e) visita do Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, à Palestina em 2005; f) visita ao Brasil do Presidente Mahmoud Abbas, em ocasião da I Cúpula América do Sul–Países Árabes (ASPA) em 2005; g) doação brasileira de US$ 10 milhões para ações de cooperação e de ajuda humanitarian, anunciado na COnferência de Doadores para os Territórios Palestinos, em Paris em 2007, e contribuição do Fundo IBAS – Índia, Brasil e Àfrica do Sul – no valor de US$ 3 milhões; h) nova visita do Ministro Celso Amorim à Palestina, em 2008, 2009 e 2010, e do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Palestina, Riad Malki, ao Brasil em 2008; i) doação brasileira de US$ 10 milhões para a reconstrução de Gaza, anunciada na Conferência de Sharm El-Sheikh em 2009; j) visita ao Brasil do Presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, em 2009; k) declaração de reconhecimento de Jerusalém Oriental como capital do future Estado palestino pelo grupo IBAS, em 2010; l) em 2010, visita ao Brasil do Comissário de Relações Internacionais do Fatah, Nabil Shaath; m) Lula visita a Palestina em 2010; n) reunião de Ministros do IBAS em Brasília, com presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Palestina, Riad Malki, em 2010; o) Brasil reconhece o Estado da Palestina nas fronteiras de 1967, em 2010; p) a Delagação Especial Palestina passa a se denominar “Embaixada do estado da Palestina”, em 2010; q) em 2011, teve-se a visita ao Brasil do Presidente Mahmoud Abbas, por ocasião da posse da Presidenta Dilma Rousseff; r) assinatura do Acordo de Livre Comércio MERCOSUL-Palestina, em 2011, em Montevidéu (Uruguai)34; s) aprovação da Resolução 67/19, que elevou o status da Palestina na ONU a Estado Observador não membro, com apoio e copatrocínio brasileiros; t) em 2012, visita do novo Ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota, à Palestina, e do Comissário de Relações Internacionais do Fatah, Nabil Shaath, ao Brasil; u) visita ao Brasil do Ministro do Trabalho da Palestina, Ahmed Majdalani, em 201335.

Quanto ao reconhecimento do Estado da Palestina nas fronteiras de 1967, destaque-se teor da carta do Presidente Lula em resposta a pedido do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas:

À Sua Excelência

Mahmoud Abbas

Presidente da Autoridade Nacional Palestina

Senhor Presidente,

Li com atenção a carta de 24 de novembro, por meio da qual Vossa Excelência solicita que o Brasil reconheça o Estado palestino nas fronteiras de 1967.

Como sabe Vossa Excelência, o Brasil tem defendido historicamente, e em particular durante meu Governo, a concretização da legítima aspiração do povo palestino a um Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel.

Temos nos empenhado em favorecer as negociações de paz, buscar a estabilidade na região e aliviar a crise humanitária por que passa boa parte do povo palestino. Condenamos quaisquer atos terroristas, praticados sob qualquer pretexto.

Nos últimos anos, o Brasil intensificou suas relações diplomáticas com todos os países da região, seja pela abertura de novos postos, inclusive um Escritório de Representação em Ramalá; por uma maior freqüência de visitas de alto nível, de que é exemplo minha visita a Israel, Palestina e Jordânia em março último; ou pelo aprofundamento das relações comerciais, como mostra a série de acordos de livre comércio assinados ou em negociação.

Nos contatos bilaterais, o Governo brasileiro notou os esforços bem sucedidos da Autoridade Nacional Palestina para dinamizar a economia da Cisjordânia, prestar serviços à sua população e melhorar as condições de segurança nos Territórios Ocupados.

Por considerar que a solicitação apresentada por Vossa Excelência é justa e coerente com os princípios defendidos pelo Brasil para a Questão Palestina, o Brasil, por meio desta carta, reconhece o Estado palestino nas fronteiras de 1967.

Ao fazê-lo, quero reiterar o entendimento do Governo brasileiro de que somente o diálogo e a convivência pacífica com os vizinhos farão avançar verdadeiramente a causa palestina. Estou seguro de que este é também o pensamento de Vossa Excelência

O reconhecimento do Estado palestino é parte da convicção brasileira de que um processo negociador que resulte em dois Estados convivendo pacificamente e em segurança é o melhor caminho para a paz no Oriente Médio, objetivo que interessa a toda a humanidade. O Brasil estará sempre pronto a ajudar no que for necessário.

Desejo a Vossa Excelência e à Autoridade Nacional Palestina êxito na condução de um processo que leve à construção do Estado palestino democrático, próspero e pacífico a que todos aspiramos.

Aproveito a ocasião para reiterar a Vossa Excelência a minha mais alta estima e consideração36.

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A nítida posição brasileira à causa palestina se manifesta, igualmente, em seus discursos inaugurais às sessões anuais da Assembleia Geral, conforme se observa no seguinte exerto da abertura do debate da 69ª Assembleia Geral da ONU, proferido pela atual Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff:

[…] O uso da força é incapaz de eliminar as causas profundas dos conflitos. Isso está claro na persistência da Questão Palestina; no massacre sistemático do povo sírio; na trágica desestruturação nacional do Iraque; na grave insegurança na Líbia; nos conflitos no Sahel e nos embates na Ucrânia. A cada intervenção militar não caminhamos para a Paz mas, sim, assistimos ao acirramento desses conflitos. […]

Um Conselho mais representativo e mais legítimo poderá ser também mais eficaz. Gostaria de reiterar que não podemos permanecer indiferentes à crise israelo-palestina, sobretudo depois dos dramáticos acontecimentos na Faixa de Gaza. Condenamos o uso desproporcional da força, vitimando fortemente a população civil, mulheres e crianças. Esse conflito deve ser solucionado e não precariamente administrado, como vem sendo. Negociações efetivas entre as partes têm de conduzir à solução de dois Estados – Palestina e Israel – vivendo lado a lado e em segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas. […]37

O apoio brasileiro à Palestina se concentra, sobretudo, em causas humanitárias, especialmente quanto à questão dos refugiados. Estima-se que 500 mil palestinos foram deslocados de seus lares após a guerra de 1967, a metade deles pela segunda vez desde 1948 – ano em que houve quase 750 mil refugiados palestinos. Atualmente, mais de 520 mil colonos israelenses vivem em cerca de 150 assentamentos na Cisjordânia, abrangendo Jerusalém Oriental. Alarmantes 11 milhões de palestinos estão registrados atualmente perante a UNRWA como refugiados38.

A relação entre Brasil e Palestina também comporta o campo econômico. Para análise de dados sobre sua relações comerciais, vide sítio eletrônico do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que dispõe de tabelas discriminativa para cada seção39.

Do exposto, inequívoco é o apoio brasileiro à causa palestina e, sobretudo, em apoio às fronteiras estabelecidas anteriormente à Guerra dos Seis Dias (1967), corroborando com os princípios de direito internacional e convenções internacionais vigentes.


CONCLUSÃO

No decorrer do presente trabalho, verificamos o contexto histórico envolto ao conflito territorial na região da Palestina, abordando as questões das tomadas imperiais, a diáspora hebraica, o movimento sionista e o apoio das potências imperialistas da época e a tentativa da Palestina de se vê reconhecida como um efetivo Estado perante a comunidade internacional. Vimos que o marco histórico do conflito travado entre Israel e Palestina foi a Guerra dos Seis dias (1967), momento a partir do qual, face à vitória israelense, este teve sua área ampliada pelas incursões territorais até hoje posta em prática. Ademais, diante do apoio estadunidense ao Estado de Israel desde sua origem, viu-se que possíveis ações das Nações Unidas encontravam-se travadas em suas discussões, face ao veto estratégico dos EUA no Conselho de Segurança, barrando qualquer avanço no sentido de se por um termo ao entrave.

É certo que grande parte das resoluções da ONU pecam em efetividade diante da ausência de imperatividade e coerção – apenas encontrada quando baseada no Capítulo VII da Carta de São Francisco –, não tendo sido suficiente para a solução do caso do caso palestino. Viu-se que é o que trava a Resolução 242 do Conselho de Segurança de sua efetiva aplicação, já que pautada, em verdade, no Capítulo VI da referida Carta, tratando-se de solução pacífica de controvérsia. Arguiu-se, contudo, que tal impasse técnico não passa de mero preciosismo, vez que várias outras resoluções foram emitidas pela organização corroborando seu teor, em nítida desaprovação dos métodos invasivos adotados pelos israelenses face ao povo palestino. Afirmou-se, ainda os postulados de direito internacional e de direitos humanos universais, de tudo desrespeitados pelo Estado de Israel.

Por fim, após uma breve discussão das principias resoluções emitidas pela ONU referente ao conflito, focamos na importância da Resolução 242 mencionada e do apoio oficial do Estado brasileiro à causa palestina, especialmente quanto às fronteiras de 1967. Pois bem, esse é o cerne da questão: a ONU, como organização internacional representante de maior parte dos Estados soberanos – incluindo Israel – está disposta a mediar o conflito entre Israel e Palestina, pautado nos princípios de direito internacional e com o intuito de se vê alcançada a paz naquela região. Essa é uma missão de todos da comunidade internacional, não apenas um mero conflito local, e o Brasil é consciente de seu papel ativo frente às questões humanitárias e tem se esforçado para colaborar na manutenção do equilíbrio e respeito mundial. Por isso, apelamos que a causa palestina é também a nossa causa e não devemos nos curvar diante dessa situação.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Gabriella. Resolução 242 da ONU: posição brasileira sobre o caso palestino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7590, 12 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/44719. Acesso em: 2 mai. 2024.

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Monografia apresentada no curso de pós-graduação em Direito Internacional pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro

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