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Voto em papel (cédula eleitoral): o ingresso dos Policiais Militares na Democracia

04/12/2015 às 14:59
Leia nesta página:

O texto aponta a omissão do TSE no que se refere ao voto dos eleitores em trânsito e policiais militares em serviço, no dia das eleições. Mostra que a cédula eleitoral é prevista para o voto em trânsito, e defende a abolição da urna eletrônica. Como um dos possíveis efeitos da redução orçamentaria do Judiciário, as eleições "correriam o risco" de serem realizadas sem a urna eletrônica. Como contraponto, defende-se que a votação em cédula eleitoral incluirá oito milhões e eleitores que, histórica e estatisticamente, apenas justificam o voto por encontrarem-se fora de seu domicilio eleitoral, no dia das eleições.

Por mais contraditório que possa parecer, um eventual retorno do voto em cédula eleitoral representará o resgate democrático para os policiais militares em serviço, no dia das eleições, bem como para milhões de brasileiros excluídos das eleições.

Explico.

O TSE, inconstitucional e ilegalmente, considera a urna eletrônica como um fim em si mesmo, sendo o caso do remédio cuja dose matou o paciente.  Por conta (e em favor) do marketing propiciado pela urna eletrônica (cujo advento não excluiu a cédula eleitoral), um total de 8,2 milhões de brasileiros foi expurgado das eleições, em 2014 (1º Turno), sendo que nas eleições de 2012 foram 7,6 milhões de eleitores que tiveram o voto cerceado pelo “Tribunal da Democracia”. Essa circunstância é convenientemente omitida pela “Justiça” eleitoral, por ocasião da divulgação do resultado das eleições brasileiras. Afinal de contas, nada pode macular a agilidade da apuração das eleições brasileiras, geralmente concluída em menos de 03 ou 04 horas – para espanto da comunidade internacional.  Com a cédula eleitoral isso não seria possível.  

Esse impressionante contingente de eleitores cujos direitos são deliberada e reiteradamente violados pela “Justiça” eleitoral (numero equivalente ao eleitorado do Rio Grande do Sul, 5º maior do Brasil) refere-se aos que apresentaram justificativa eleitoral por encontrarem-se fora de seu domicilio eleitoral, no dia das eleições. Eles tiveram seus direitos políticos cassados pelo TSE, pois este Tribunal não admite o voto em trânsito para esses eleitores, o qual poderia ser viabilizado por meio da cédula eleitoral, sem o menor problema, ante a impossibilidade (ou incompetência?) do acolhimento desse tipo de voto pela urna eletrônica.

Mais bizarro e teratológico é a situação dos policiais militares e forças militares requisitadas para trabalhar nas eleições, pela própria "Justiça" Eleitoral. Esses cidadãos não votam, com raras exceções.  Entretanto, o Código Eleitoral é muito claro em seu artigo 145, parágrafo único, IX, a respeito do voto do policial militar:

"com as cautelas constantes do art. 147, § 2º, poderão ainda votar fora da respectiva seção: os policiais militares em serviço".

Vale lembrar que esse dispositivo foi inserido pelo art. 102 da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições). O citado artigo 147, § 2º trata exatamente do voto em separado por meio de cédula eleitoral. Assunto provocado em diversas ocasiões, pelas mesmas partes, o TSE, em eficiente  "mise en scène" continuou dando azo à omissão. Por exemplo, em petição especifica, a Associação dos Praças da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Norte (ASPRA - PM/RN) pediu a aplicação da disposição do art. 145, do Código Eleitoral. O então Ministro Arnaldo Versiani  assim se manifestou, falaciosamente:

"Sobre a matéria, esta Assessoria, quando da análise da Petição n° 1220-78, ressaltou que a ampliação do voto às diversas categorias não contempladas para a eleição que se avizinha faz parte do projeto de modernização do sistema de votação eletrônico, com o registro dos dados biométricos do eleitor num cartão inteligente, que possibilitará a sua identificação em qualquer urna eletrônica de qualquer seção eleitoral. E essa situação ideal não está longe de ser implantada pela Justiça Eleitoral. Espera-se que já nas eleições gerais de 2014 parte dele esteja em produção.

Assim, considerando o já adiantado estágio do processo eleitoral, o que impossibilita a sua implementação para as eleições de 2010, sugere-se que a proposta seja objeto de estudo no momento da elaboração das instruções das eleições de 2014.

Por fim, propõe-se o apensamento da presente peça aos autos da Petição n° 1220-78 e posterior encaminhamento ao relator do feito.

Em que pesem os pedidos formulados, anoto que, conforme apontou a unidade técnica, recomenda-se o exame da questão por ocasião da elaboração das instruções alusivas às próximas eleições, considerado o avançado estágio do período eleitoral do pleito de 2010.

Por tal razão, indefiro os pedidos, ressalvando a possibilidade de os requerentes, por ocasião da colheita de sugestões das próximas instruções, novamente apresentarem sugestões quanto à matéria."

Afirma-se "falaciosamente", porque em nenhum momento a ASPRA/RN pediu o voto em transito para os policiais militares por meio de urna eletrônica, mas, sim, por meio da velha, simples e boa cédula eleitoral, nos precisos termos do artigo 145, parágrafo único, inc. IX, do Código Eleitoral. Assim, a referida decisão (bem como as demais solicitadas pelo mesmo autor) consistiu-se em mero jogo de cena, protelatório, em ofensa direta aos direitos políticos dos policiais militares, desrespeitados como cidadãos no dia das eleições, pela própria “Justiça” eleitoral.

Por sua vez, o decisório (falacioso) da citada Petição 1220-78 foi este:

"Embora reconhecendo as louváveis considerações expostas pelo requerente, no que tange aos anseios quanto à viabilização do exercício do voto dos policiais, consideradas as dificuldades decorrentes do trabalho em dia da votação, é de se assinalar que, em virtude da iminência do início do processo eleitoral e da complexidade da matéria, não há como atender tal providência, já não abarcada por ocasião da análise das instruções.

(...)

De qualquer forma, assinalo ser possível que quaisquer interessados postulem, no âmbito dos Tribunais Regionais Eleitorais, a instalação de seções especiais em quartéis ou outras unidades policiais, cuja viabilidade será examinada por aqueles tribunais."

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Ou seja, tudo continuou e continua como antes. O jogo do empurra-empurra protrai-se ao longo do tempo, em clara violação dos direitos políticos dos policiais militares. Vale lembrar que o desrespeito atinge outras categorias de servidores que, no dia das eleições, estão a serviço da própria “Justiça” eleitoral, como, por exemplo, os integrantes da Força Nacional, das Forças Armadas, policiais federais e policiais civis. 

Entretanto, atentos à ultima parte da decisão, a ASPRA/RN pediu a instalação das tais seções especiais eleitorais ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte. Desde então o referido Tribunal vem tergiversando (melhor dizendo: “enrolando”) sobre a matéria, procrastinando ad eternun, para, evidentemente, mais uma vez violar o direto do voto dos policiais militares que estão a serviço da própria justiça eleitoral, no dia das eleições.

É por essa razão que nos idos de 2010 o então deputado estadual de São Paulo, Deputado Major Olímpio, expressou sua indignação na Assembleia Legislativa de São Paulo, em contundente e sincero discurso no sentido de que "bandido pode votar, policial não pode". Isso porque, na ocasião, o Tribunal Superior Eleitoral fez uma eficiente campanha de marketing para mostrar que no Brasil até preso pode votar. Recentemente, já como parlamentar federal, o Deputado Major Olímpio pronunciou discurso semelhante àquele de 2010, desta vez na Câmara dos Deputados (em JUN 2015).

Anos atrás um Ministro do Supremo Tribunal Federal construiu magistral decisão a respeito da interpretação de normas constitucionais que envolvem direitos políticos:

"É de sabença geral que não cabe imprimir a texto constitucional assegurador de direitos, especialmente políticos, interpretação estrita, o que se dirá quanto à restrita. A aplicação respectiva há que se fazer tal como previsto no preceito...”

Mais adiante, o magistrado da Suprema Corte, em lapidar lição, complementou:

“tanto vulnera a lei aquele que exclui do campo de aplicação hipótese não contemplada, como o que incluiu exigência não prevista” (RE 128.518-4-DF).

Pois bem, aqui parece que se aplica o relevante principio do "em casa de ferreiro, espeto de pau", eis que o mesmo Ministro – registro que o aprecio bastante - está com um mandado de injunção concluso desde NOV/12 (mais de três anos).  Nesse Mandado de Injunção (MI 1767) foi alegado a omissão do TSE na questão da efetivação dos direitos políticos dos eleitores que se encontram fora de seu domicilio eleitoral, no dia das eleições, tendo sido pedido a aplicação do art. 145, par. único, inc. IX, Código Eleitoral (uso das cédulas eleitorais) para acolher o voto em transito (na hipótese da inviabilidade da urna eletrônica). Essa circunstancia demonstra o quanto o lobby dos tecnocratas do TSE é poderoso e eficiente, pois seus efeitos tem o poder de revogar direitos políticos dos cidadãos, mormente os dos policiais militares.

Que fique claro: a Constituição é inequívoca ao assegurar o voto para todos os cidadãos, sem quaisquer restrições, seja por urna eletrônica, seja por cédula eleitoral. Entretanto, o Tribunal Superior Eleitoral e todos os Tribunais Regionais Eleitorais - em especial o TRE/RN, este formalmente provocado - estão violando a Constituição e a Lei.

Registre-se que o Brasil corre elevado risco de ser denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, nos termos do art. 44 da Convenção:

“Artigo 44º. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Parte.”

A violação é decorrente do artigo 23º, que trata dos direitos políticos, nestes termos:

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a) de participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b) de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores;

É por essa e por outras razões que o retorno da cédula eleitoral poderá representar o retorno à democracia, para milhões de brasileiros, incluindo os cidadãos policiais militares. Haverá evidente demora na apuração das eleições, mas é de sabença geral que a Democracia tem um custo elevado.

Se o custo da urna eletrônica é a exclusão (do direito de votar) dos policiais militares que estão em serviço, no dia das eleições, e de oito milhões de eleitores em trânsito,  que a urna eletrônica seja afastada.

O site do TSE informa, na primeira pagina: Tribunal Superior Eleitoral - o Tribunal da Democracia.

Será?

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Sobre o autor
Milton Córdova

Advogado, pós-graduado em Direito Público, com extensões em Direito Constitucional e Direito Constitucional Tributário. Empregado de empresa pública federal. Recebeu Voto de Aplauso do Senado Federal por relevantes contribuições à efetivação da cidadania e dos direitos políticos (acesso in http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2007/09/26/ccj-aprova-voto-de-aplauso-ao-advogado-milton-cordova-junior). Idealizador do fundo de subsídios habitacional denominado FAR - Fundo de Arrendamento Residencial, que sustenta o Programa Minha Casa Minha Vida, implementado por meio da Medida Provisória 1.823/99, de 29.04.1999.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CÓRDOVA, Milton. Voto em papel (cédula eleitoral): o ingresso dos Policiais Militares na Democracia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4538, 4 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45098. Acesso em: 19 abr. 2024.

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