Educação cívica, um direito das crianças e dos adolescentes
Quando se houve “educação comunitária”, “ação social” ou “socialização”, logo surge à ideia de que estes nomes são aplicáveis aos delinquentes juvenis [no pensamento darwinista, negros e favelados — que podem ser nordestinos]. A convivência familiar e comunitária são os primeiros ensaios para o desenvolvimento psíquico da criança. Sendo o núcleo desse desenvolvimento os valores familiares.
Em alguns países, as crianças são incentivadas a trabalhar — não é trabalhar no sentido de ter carteira assinada — logo cedo. O trabalho social representa valorosa oportunidade de educação cívica. Pintar cerca, varrer quintal do vizinho, alguns atos que promovem o valor da solidariedade e da responsabilidade dos cidadãos mirins. O trabalho — não confundir com vínculo empregatício —, então, cria laços sociais para o jovem e a comunidade — comunidade, a que me refiro, não é favela [pejorativa], mas agrupamentos de pessoas, indiferentemente de etnia, classe social etc.
No Brasil, a educação infantil é muito diferente. A criança é educada [condicionada] para estudar [decorar]; deste estudo, a conseguir uma posição socioeconômica que lhe dê [certa] qualidade de vida. Famílias — não a nova classe média — de classe média, e de classes sociais mais elevadas, não gostam que seus filhos varram calçadas, pintem algum portão. Por quê? Porque tais atos representam atos de crianças pedintes, sem pai e mãe, sem educação [honra, do sangue azul]. Em síntese, pária.
O Estatuto da Criança e do Adolescente
“Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania (...)”.
A norma jurídica contida no caput do artigo supratranscrito é cristalina: “visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania”. E o que é cidadania? É ter a consciência plena dos direitos/ deveres [responsabilidades] inerentes ao gozo da cidadania. Como a República brasileira poderá atingir seus objetivos [art. 3º, da CF/88] se mantém a educação preconceituosa, racista, machista, narcisista? Ou melhor, da Arquitetura da Discriminação, construída sob o manto do darwinismo social e eugenia. E sempre que posso, cito o art. 138, da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 16 DE JULHO DE 1934):
“Art. 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas:
b) estimular a educação eugênica”.
Essa educação foi ensinada nas escolas, colégios e na prática de educação física. Preconceitos linguísticos, étnicos, estratificações sociais, tudo que há, contemporaneamente, principalmente nas redes sociais, é um contínuo transmitir dessa “máxima” educacional para o “bem-estar” do povo, e das gerações futuras.
O cidadão consciente [art. 5º, II, da CF/88] e participativo [LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011] terá meios humanísticos para materializar os objetivos fundamentais da República:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Por sua vez, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (caput do art. 227, da Constituição Brasileira de 1988). Destaco “educação” e “convivência familiar e comunitária”. Como uma criança pode se desenvolver psiquicamente saudável no convívio comunitário se os genitores instruem preconceitos e discriminações?
Certa vez presenciei um morador de rua acenando para uma criança. “Pai, ele balançou a mão para mim.”. “Não liga, é mendigo!” — enfático o pai. Em poucas palavras, o cidadão mendigo, como se ele fosse o culpado, exclusivamente, pela sua situação, não merece nenhum olhar, atenção dos “nobres” cidadãos. Qual valor humanístico o genitor ensinou a criança? Nenhum. Aliás, de preconceito e até discriminação. Proteção da filha diante de um desconhecido? Pode até ser, mas uma carga pejorativa negativa [eugenia] aos “fracassados”.
Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes
“Objetivo Estratégico 6.1 - Promover o protagonismo e a participação de crianças e adolescentes nos espaços de convivência e de construção da cidadania, inclusive nos processos de formulação, deliberação, monitoramento e avaliação das políticas públicas”.
“Sem participação de crianças e adolescentes nos espaços de convivência e de construção da cidadania”, como elas se desenvolveram? A convivência social multicultural — limitando-se em caso de perigo para as crianças e adolescentes, como locais onde há tráfico de drogas, por exemplo —, que, infelizmente, tem se limitado na “convivência” social dos videogames, é de suma importância para a criança conhecer as diferenças inerentes a cada ser humano, por mais que se tenha o contrato social. Cada qual tem anseios, pensamentos, hábitos, modos de resolver problemas ou encontra soluções. Desta diversidade de personalidades, a criança passa a enxergar além de seu ciclo familiar, com seus dogmas, tabus, superstições etc. E se desenvolve, não se condiciona.
Na pluralidade de personalidades, a criança desenvolve o raciocínio próprio sobre diversidades e diferenças humanas. Infelizmente, há pais que isolam seus filhos, do lar para escola, da escola para o lar. Alguns, devido às condições econômicas boas, limitam o lazer dos filhos em clubes cuja entrada é para poucos cidadãos. Constrói-se, assim, um círculo de “iguais” com pensamentos iguais. Se o grupo apresenta mentalidade humanística, a personalidade da criança será universalista. Não obstante, caso o grupo seja preconceituoso, soberbo e discriminador, a criança será mais uma a perpetuar as fobias sociais — gordofobia, homofobia etc. — tão presentes na sociedade brasileira. Desenvolvera a fobofobia. O medo será tanto, que fatalmente poderá desenvolver depressão, síndrome do pânico etc. Em alguns casos, sadismo: um justiceiro a manter “Ordem e Progresso”. Invocará o nacionalismo contra todos os que, em solo nacional, causam transtornos sociopolíticos. A higienização da sociedade e da pátria será conclamada. Os “inimigos” devem perecer, para surgir uma nova sociedade “pura”, “higienizada”. Lembra algo da Segunda Guerra Mundial?
Educação cívica não se limita a cartilhas doutrinárias. Por mais que se tenha uma cartilha ensinando a pluralidade de personalidades, os direitos humanos, somente com o convívio social universal é que a criança se tornará um adolescente saudável tanto comportamental quanto emocionalmente. Para isso, os pais devem tecer considerações sobre seus próprios valores, comportamentos. A máxima espartana “Faça o que mando, e não o que faço!” não é mais possível neste século. As crianças e dos adolescentes têm o direito de participação, de exprimir seus pensamentos e até de discordar dos genitores. A liberdade de expressão e de pensamento, assim como de crença, têm incomodado muitos os genitores “espartanos” com suas condutas autoritárias.
O espancamento, as chinelas e os castigos psíquicos — debochar, ridicularizar etc. — não são mais possíveis neste século XXI. O diálogo é preciso, a sinceridade mais ainda. O amor deve ser à base da educação aos filhos. Não o amor disfarçado pela arrogância, subjetividade, possessão, alienação. Quem ama, verdadeiramente, não quer os filhos para si, eternamente. A educação visa o desenvolvimento da prole, de forma que, quando adultos, saibam conviver pacificamente com as diferenças comuns à humanidade. Não será um fobofóbico neurótico a percorrer consultórios de psiquiatria ou psicanálise. Não justificará os próprios atos desumanos pelos conceitos e ideologias ditas “supracorretas”. Enfim, não terá em seu íntimo as fobias da Arquitetura da Discriminação. A educação cívica deve constar nas disciplinas escolares, de forma que contribua para a convivência social universal, humanística.