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O interrogatório judicial do acusado: sob a perspectiva do direito ao silêncio e da busca da verdade.

Direito ao silêncio é sinônimo de direito à mentira?

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28/12/2015 às 12:59
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6. Conclusão

Como se viu, o processo penal tem por finalidade, através da produção de provas, realizar a reconstrução de um fato histórico (crime ocorrido). Tal reconstrução tem por objetivo final alcançar a verdade, a fim de que a pretensão punitiva do Estado, consubstanciada no Direito Penal, seja exercida de maneira justa.

Desta forma, o processo penal surge como instrumento imprescindível para aplicação da norma e, tendo em vista a ideia de eficiência inerente a este, a busca da verdade é que garantirá a verdadeira aplicação de justiça efetiva.

Nesse contexto, são as provas, dentro do processo penal, o meio pelo qual a verdade será atingida. A produção probatória, respaldada nas garantias fundamentais e nos ditames dos princípios constitucionais que regem o instituto das provas, é que instruirá o processo para que o fato histórico se traduza em uma verdade.

Diante disso, deve-se entender que o interrogatório judicial do acusado é elemento de prova para a busca desta verdade. Isto porque, inequivocamente, afeta o convencimento do julgador e legitima a fundamentação de sentença posterior.

Não obstante, o ato é também meio de defesa, já que o acusado tem a opção de exercer o seu direito constitucional de se manter em silêncio. Não há como se negar que não existiria maior oportunidade de defesa do que responder as perguntas formuladas somente se assim desejar.

Assim, compreensível a necessidade de se estudar o direito ao silêncio, espécie do direito à não autoincriminação (nemo tenetur se detegere). O direito ao silêncio, como exposto, não pode ser entendido como um direito à mentira. É inviável a existência de um processo penal ético, que tem como princípios a busca da verdade e da eficiência, tomando por base a mentira.

Evitando-se que o direito ao silêncio, quando exercido, acarrete em convicções íntimas negativas por parte do juiz, tem-se que o interrogatório, na verdade, deve ser concebido como ato prescindível, a ser realizado somente quando a defesa o requerer.

Assim, tornando o interrogatório ato excepcional, retira-se qualquer possibilidade de inferências negativas sobre a pessoa do acusado. Todavia, ao manifestar interesse em dizer algo e participar da entrevista com o juiz, o melhor entendimento é de que o acusado deve dizer a verdade, assim como ocorre em alguns países e tratado no direito comparado.

Isto ocorre porque a eficiência do processo penal e do próprio interrogatório, da qual decorre a necessária busca da verdade, não permite que a obrigação de dizer a verdade seja uma violação do direito ao silêncio. Em síntese, o direito ao silêncio deve ser protegido. Todavia, quando dispensado, não se pode proteger a mentira.

Diante de todo o exposto, tornam-se necessárias algumas alterações legislativas processuais e penais, que sejam consoantes com todos os princípios apresentados.

No que diz respeito à necessidade de alterações processuais penais, o interrogatório passaria a ser excepcional e não ato instrutório obrigatório, adquirido contornos de ato exclusivo de defesa, porém, optando-se pelo ato, haveria o compromisso de dizer a verdade, evitando-se, assim, que o silêncio – ou a ausência do ato – contribuísse para o convencimento do juiz.

Por último, destaca-se a necessidade de tipificação do crime interrogatório falso, por meio da criação de um tipo penal autônomo, nos moldes do perjúrio oriundo do Direito Americano, o que ampliaria o prestígio do ato, sendo necessária, tanto para o acusado mentiroso quanto para o corruptor do acusado, a imposição de pena que se mostre suficiente para resguardar versões levianas e mendazes, férteis para provar o erro judicial.


7. Referências Bibliográficas

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nOTAS

[1] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 2.

[2] MARTINELLI, João Paulo Orsini. Uma leitura utilitarista do direito penal mínimo. Revista Justiça e Sistema Criminal, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 187 -188, jul./dez, 2009.

[3] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 7. ed. rev. e atual. de acordo com as Leis n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), 10.763 e 10.826/2003. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 1, p. 2. 

[4] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 6. 

[5] GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do processo: novas tendências do direito processual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 14-15.

[6] TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 162.

[7]  LOPES JR, Aury. Direito processual penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 575.

[8] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 323-324.  

[9]TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 17.

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[10] HABERMAS apud TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Direito à não autoincriminação e direito ao silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 56.

[11] TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Direito à não autoincriminação e direito ao silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 56.

[12] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 7.

[13] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 7.

[14] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 38.

[15] HECK, Luís Afonso. O tribunal constitucional federal e o desenvolvimento dos princípios constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995. p. 196.

[16] TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Direito à não autoincriminação e direito ao silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 53.

[17] DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito processual penal. Coimbra: Coimbra Almedina, 1974. p. 28. v. 1.

[18] TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Direito à não autoincriminação e direito ao silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 57.

[19] CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Pacto de San José da Costa Rica. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>.  Acesso em: 16 set. 2015.

[20] CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Pacto de San José da Costa Rica. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>.  Acesso em: 16 set. 2015.

[21] ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração universal de direitos humanos. Disponível em: <http://unicrio.org.br/img/DeclU_D_HumanosVersoInternet.pdf>.  Acesso em: 16 set. 2015.

[22] PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Pacto internacional dos direitos civis e políticos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm>.  Acesso em: 16 set. 2015.

[23] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 323-378.

[24] TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. Direito à não autoincriminação e direito ao silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 123.

[25] GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito penal: comentários à convenção americana sobre direitos humanos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 106.

[26] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 436.

[27] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. até 31 de Dezembro de 2005. São Paulo: Atlas, 2007. p. 279.

[28] ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 3. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 78. 

[29] ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 3. ed. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 78.

[30] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 434.

[31] BITTENCOURT, Leandro Jorge. Poder judiciário de São Paulo: vara do júri da comarca de Guarulhos. Disponível em: <http://www.criminal.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/INF_Mizael_ Sentenca.pdf>. Acesso em: 18 set. 2015.

[32] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 550.

[33] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 551.

[34] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 551.

[35] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 560.

[36] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 373.

[37] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 371.

[38] BRASIL. STJ. Resp 345577/RJ. Rel. Min. Fernando Gonçalves – j. 10 set. 2002, DJU, 30 set. 2002.

[39] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 422-423.

[40] COUCEIRO, João. A garantia constitucional do direito ao silêncio. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 363.

[41] MORAES, Maurício Zanoide de. Interrogatório: uma leitura constitucional. Escritos em homenagem a Alberto Silva Franco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 341-342.

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Sobre o autor
Hugo Campitelli Zuan Esteves

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Norte do Paraná. Pós-Graduado em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina: especialista em Direito Constitucional. Pós-graduado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná. Docente em Kroton Educacional. Docente em Anhanguera.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTEVES, Hugo Campitelli Zuan. O interrogatório judicial do acusado: sob a perspectiva do direito ao silêncio e da busca da verdade.: Direito ao silêncio é sinônimo de direito à mentira?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4562, 28 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45339. Acesso em: 28 mar. 2024.

Mais informações

Este artigo foi recentemente publicado na Terceira Edição da Revista Jurídica do Ministério Público do Paraná (em 11 de Dezembro de 2015), ao lado de artigos de Gilmar Mendes, Luiz G. Marinoni, Lenio Streck, entre outros.

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