Artigo Destaque dos editores

A prova ilícita

Exibindo página 3 de 4
29/11/2003 às 00:00
Leia nesta página:

3. A PROVA ILÍCITA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

3.1. A prova ilícita no sistema constitucional vigente

A Constituição Federal de 1988 pode ser considerada distinta das suas antecessoras, no que tange aos aspectos processuais, pois as constituições brasileiras pretéritas jamais trataram de tais matérias com tamanha abrangência.

Os congressistas, componentes da Assembléia Constituinte, receberam importante apoio de juristas na elaboração da Constituição Brasileira em vigor, o que, de certa forma, explica a inclusão no texto constitucional de garantias processuais dos direitos individuais e coletivos.

A Constituição Brasileira em vigor tratou do tema em seu artigo 5º, LVI, ao afirmar que "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Tal dispositivo refere-se a todos os processos indistintamente, seja na esfera civil, penal ou de outros ramos do Direito, em qualquer lide com participação apenas de particulares ou a presença do Estado.

Em decorrência disso, existente uma ação judicial, os envolvidos no processo (este reputado como o instrumento de realização do direito material postulado) não poderão utilizar em seu favor, como regra, provas obtidas por meios ilícitos, tendo em vista expressa vedação constitucional.

Não apenas no processo a ilicitude probatória é inadmissível. Quando a norma constitucional em exame expressa os termos "no processo", deve-se interpretá-la de maneira a incluir referida vedação ao inquérito policial ou qualquer outra forma de investigação criminal. Ora, se existe a proibição da utilização da prova ilícita no intento de tutelar o acusado, necessário estendê-la também ao indiciado, sob pena de violação ao princípio da isonomia.

Ademais, como ela não pode ser admitida na fase processual, tampouco será aceita na fase pré-processual, exatamente onde se insere o inquérito policial.

Utilizando-se uma interpretação literal, pode-se dizer, num primeiro momento, que a disposição constitucional sob comento não comporta exceções, devendo ser aplicada de forma irrestrita. A propósito do assunto, cabe aduzir o alerta dado por José Carlos Barbosa Moreira, ipsis literis:

Apesar disso, é irrealístico pensar que se logre evitar totalmente a conveniência (ou melhor, a necessidade) de temperar a aparente rigidez da norma. Para não ir mais longe: como se procederá se um acusado conseguir demonstrar de maneira cabal sua inocência com apoio em prova que se descobre ter sido ilicitamente adquirida? Algum juiz se animará a perpetrar injustiça consciente, condenando o réu, por mero temor de contravir à proibição de fundar a sentença na prova ilícita?

Os juristas prestadores de assessoria aos congressistas na elaboração do texto constitucional vigente pertenciam à corrente doutrinária da inadmissibilidade absoluta da prova ilícita ou teoria obstativa, já examinada.

Não se pode olvidar que os fatos históricos anteriores ao advento da Constituição de 1988 contribuíram fortemente para a rigidez da norma constitucional acerca da ilicitude da prova, uma vez que o sistema constitucional vigente foi elaborado em período posterior à modificação política no Brasil.

Durante muito tempo, imperou em nosso país o regime autoritário, onde o Estado achava-se no direito de intervir na esfera particular de cada cidadão, cometendo arbitrariedades, abusos, graves violações à intimidade e à vida privada das pessoas. Os direitos fundamentais não eram respeitados e nenhuma pessoa poderia reclamar tamanho autoritarismo, pois era tal regime que reinava no Brasil.

A respeito, José Carlos Barbosa Moreira ensina de forma brilhante que "a melhor forma de coibir um excesso e de impedir que se repita não consiste em santificar o excesso oposto".

O referido jurista, seguidor da teoria intermediária, quis dizer que não obstante a queda recente do regime autoritário quando do advento da Constituição Brasileira de 1988, autoritarismo este violador dos direitos fundamentais dos cidadãos, os elaboradores do texto constitucional atual não deveriam ter sido tão radicais a ponto de se posicionarem no outro extremo.

Embora analisada sob sua literalidade, a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, LVI, fora muito rígida no que se refere à inadmissibilidade das provas ilícitas. A doutrina brasileira e a jurisprudência, em sua maioria, pugnam pela necessidade de se levar em conta os bens conflitantes e que o caso concreto seja sempre solucionado à luz do princípio da proporcionalidade, já analisado, posicionamento corroborado pelo julgado abaixo:

Constitucional e Processual Penal. "Habeas Corpus". Escuta Telefônica com ordem judicial. Réu condenado por formação de quadrilha armada, que se acha cumprindo pena em penitenciária, não tem como invocar direitos fundamentais próprios do homem livre para trancar ação penal (corrupção ativa) ou destruir gravação feita pela polícia. O inciso LVI do artigo 5º da Constituição, que fala que ‘são inadmissíveis...as provas obtidas por meio ilícito’, não tem conotação absoluta. Há sempre um substrato ético a orientar o exegeta na busca de valores maiores na construção da sociedade. A própria Constituição Federal Brasileira, que é dirigente e programática, oferece ao juiz, através da ‘atualização constitucional’ (VERFASSUNGSAKTUALISIERUNG), base para o entendimento de que a cláusula constitucional invocada é relativa. A jurisprudência norte-americana, mencionada em precedente do Supremo Tribunal Federal, não é tranqüila. Sempre é invocável o princípio da ‘razoabilidade’ (REASONABLENESS). O ‘princípio da exclusão das provas ilicitamente obtidas’ (EXCLUSIONARY RULE) também lá pede temperamentos.

(HC nº 3982/RJ, STJ, 6ª T., Rel. Min. Adhemar Maciel, D.J. 26.02.96, denegada a ordem, por unanimidade)

3.2. A prova ilícita no processo civil

Após a análise da questão atinente à ilicitude da prova no sistema constitucional pátrio, é importante tecer considerações de aludido tema no Código de Processo Civil.

3.2.1. Aspectos gerais

A Constituição Federal de 1988 veda expressamente a utilização de provas colhidas ilicitamente. No que tange ao processo civil, o legislador brasileiro jamais inseriu qualquer previsão acerca da matéria, apenas mencionando os meios de prova admissíveis em juízo.

O Código de Processo Civil Brasileiro de 1939, em seu artigo 208, afirmava que "são admissíveis em juízo todas as espécies de prova reconhecidas nas leis civis e comerciais". Nota-se que apenas os meios probatórios constantes do Código Civil e do Código Comercial eram reputados lícitos na esfera processual civil, não se admitindo qualquer outro.

O artigo 136, do Código Civil Brasileiro de 1916, preconizava o seguinte:

Os atos jurídicos, a que se não impõe forma especial, poderão provar-se mediante. I – confissão; II – atos processados em juízo; III – documentos públicos ou particulares; IV – testemunhas; V – presunção; VI – exames e vistorias; VII – arbitramento.

Já o Código Comercial, no artigo 122, dispunha que:

Os contratos comerciais podem provar-se:

1.por escrituras públicas;

2.por escritos particulares;

3.pelas notas dos corretores, e por certidões extraídas dos seus protocolos;

4.por correspondência epistolar;

5.pelos livros dos comerciantes;

6.por testemunhas.

As modalidades de prova listadas nas leis civis e comerciais eram as únicas admissíveis, constituindo-se em rol taxativo. É evidente que a disposição legal estava ultrapassada face do avanço tecnológico mundial.

Em 1973, entrou em vigor o atual Código de Processo Civil Brasileiro, trazendo alterações quanto aos meios de prova admissíveis e, mais uma vez, o legislador brasileiro resolveu não enfrentar expressamente a questão da sua ilicitude.

O artigo 332, do mencionado diploma legal, preceitua que "todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa".

Percebe-se, com a leitura do artigo acima, que os tipos probatórios legais foram ampliados, não existindo mais um elenco exaustivo como no Código de Processo Civil Brasileiro de 1939.

Contudo, em que pese o desaparecimento de referido rol, o artigo em exame possui um problema ainda divergente na doutrina e na jurisprudência, qual seja o significado da inserção dos meios de prova moralmente legítimos, sendo importante tal entendimento na medida em que é necessário primeiramente investigar o real alcance do artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro para depois saber quais são as provas ilícitas na esfera processual civil.

Nelson Nery Júnior, ao comentar o comando legal em apreço, afirma que as provas moralmente legítimas são todos os "meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade ou não da existência e verificação de um fato jurídico".

Há doutrinadores compreendendo que os meios legais de prova são previstos em lei, além do Código de Processo Civil, e que as modalidades moralmente legítimas são aquelas atentas à moralidade média de uma determinada sociedade. Ocorrendo violação a esta, o elemento probatório será considerado ilegítimo.

A grande questão do posicionamento doutrinário sobre os meios de prova moralmente legítimos é saber qual o conceito de moralidade média de uma determinada sociedade.

Será que o julgador conseguirá empregar o critério da moralidade média da sociedade brasileira quando estiver diante de um processo civil, onde uma das partes invocar o desentranhamento da prova por ser moralmente ilegítima?

A única certeza possível é que a noção de moralidade média da sociedade brasileira é muito abstrata e cada magistrado deve ter noções diferentes a respeito dela. Em decorrência desse subjetivismo dado ao juiz, tal critério é equivocado, possibilitando o surgimento de insegurança jurídica.

Estão corretos os defensores que o artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro não precisava fazer menção aos meios de prova moralmente legítimos. Bastava fosse aduzida a prova legal ou lícita, pois o que se deve levar em consideração é a legalidade do meio empregado, não sua legitimidade frente à moral, definição, esta, vaga e imprecisa.

Um exemplo típico de modalidade probatória carecedora de previsão legal, mas que é considerada pela doutrina como moralmente legítima é a denominada prova emprestada.

Em vista da dificuldade da busca do verdadeiro alcance do artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro pela imprecisão em sua redação no que tange às provas moralmente legítimas e a ausência de previsão em tal diploma legal a propósito da prova ilícita, é forçoso reconhecer que, atualmente, no âmbito do processo civil, cabe ao juiz apreciar no caso concreto, o que considera como ilegal ou, ainda, moralmente ilegítimo, devendo sempre fundamentar a decisão, com fulcro no princípio do livre convencimento motivado.

3.2.2. As gravações clandestinas no processo civil

Um dos temas mais tormentosos no processo civil diz respeito às gravações clandestinas e sua licitude ou não. Inicialmente, é necessário trazer o seu significado para posterior exame da sua utilização como meio de prova civil.

A gravação clandestina é realizada por um dos interlocutores da conversa e pode se dar de duas formas: a primeira ocorre quando há o registro por meio de aparelho telefônico, denominada gravação telefônica; a segunda acontece quando os dados são coletados em um ambiente de conversação, chamada gravação ambiental.

Conseqüentemente, existem as gravações clandestinas de conversas telefônicas e as gravações clandestinas ambientais. Note-se que não há a intervenção de terceiro, sendo a gravação registrada sempre por um dos personagens da conversa, telefônica ou ambiental, consoante os termos abaixo:

A gravação clandestina, entendida esta, como acima referido, a praticada pelo próprio interlocutor, prende-se à inexistência do fator terzeità, não podendo, portanto, se enquadrar no conceito de interceptação. Consiste no registro da conversa telefônica (gravação clandestina propriamente dita) ou da conversa entre presentes (gravações ambientais) por um de seus participantes, com o desconhecimento do outro.

O verdadeiro problema incide na possibilidade de utilização da gravação clandestina no âmbito processual civil. Sérias divergências ocorrem, tanto na doutrina como na jurisprudência.

Alguns juristas pugnam pela admissão da gravação clandestina, argumentando a ausência de vedação legal para o seu uso, sendo possível o registro da conversa, telefônica ou ambiental, por um dos participantes, desde que esta seja regular, em livre expressão do pensamento. Neste sentido, é relevante aduzir o comentário, in verbis:

Contrariamente, a gravação por um interlocutor de sua conversa com outro, ainda que não comunicada, a filmagem da conduta de alguém na via pública ou a filmagem feita pelo proprietário, no interior de sua casa têm sido consideradas legítimas, podendo ser apresentadas no Juízo Cível ou Criminal.

Existem, ainda, doutrinadores pregadores da licitude da gravação clandestina no processo civil, afirmando que a parte pode utilizá-la, caso não haja dever de guardar segredo acerca do teor da conversa registrada, chamado direito à reserva. Ademais, mesmo que a obtenção da prova acarrete violação à intimidade da parte contrária, a ilicitude poderá não ser levada em conta em face de outro interesse jurídico mais relevante, como a vida ou a saúde.

Há autoridades jurídicas com compreensão oposta, qual seja que a gravação clandestina precisa ser repudiada pelo julgador, não se constituindo como meio de prova legal ou moralmente legítima, exigência contida no artigo 332 do Código de Processo Civil Brasileiro.

Além disso, aduzem que caso aceita, ocorrerá violação ao artigo 5º, X, da Constituição Federal de 1988, dispondo que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Assim como ocorre na doutrina brasileira, a jurisprudência também não é pacífica quanto à admissibilidade da gravação clandestina no processo civil. A seguir, segue uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, onde o relator afirma ser mencionada prova ilícita, ipsis literis:

PROCESSO CIVIL. PROVA. A gravação clandestina, em fita magnética, de conversa telefônica, não é meio de prova legal e moralmente legítimo.

(RESP nº 2194/RJ, STJ, 4ª T., Rel. Min. Bueno de Souza, D. J. 01.07.96, provido, por maioria).

No mesmo entendimento, cabe transcrever, ainda, parte da fundamentação dos votos de três Desembargadores do antigo Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, componentes da Oitava Câmara Cível, em sede de agravo de instrumento:

Dra. Genacéia da Silva Alberton:

Conquanto o artigo 383 do CPC admita como meio de prova ‘qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica ou de qualquer espécie’ o artigo 332 do referido diploma restringe o princípio nele contido, da ampla liberdade de apresentação das provas, à legalidade e à moralidade da prova... Ora, em sendo ilícita a gravação de conversa telefônica, não pode ser admitida como hábil a prova dos fatos, máxime quando impugnada pelo agravante, que não lhe admite conformidade. Mais. Na espécie, além de ilícita, a prova se constitui moralmente ilegítima, porquanto obtida sem o conhecimento e consentimento do ora agravante.

Dr. Jorge Luís Dall’Agnol:

Nesta seara – processos civis, de um modo geral – não há pretender – salvo hipóteses excepcionais (atento à incidência do princípio da proporcionalidade) – gravação clandestina de conversação telefônica com desconhecimento dos ou de um dos interlocutores. Sendo assim, se a conversa é gravada clandestinamente...a prova deste modo colhida não deve ser admitida no processo em face do comportamento ilícito para a sua obtenção.

Dr. José Francisco Pellegrini:

Na jurisprudência do direito alemão o tema encontrou uma solução que me agrada e que recebeu o título da teoria da proporcionalidade e que caso a caso colocam-se em confronto os danos resultantes da recepção de uma prova ilícita com os danos resultantes de sua não recepção, prevalecendo o bem maior que estiver em jogo. Contudo, como regra, eu também concordo com os colegas pela inviabilidade deste tipo de prova por que também como regra existe um valor maior a ser preservado que é a ética no convívio social e a ética no processo, nós não podemos ficar todos os cidadãos a mercê, a cada momento, de invasões na nossa intimidade por quem quer se diga interessado na apuração de qualquer circunstância.

(Agravo de Instrumento nº 197.165.012, TARS, 8ª Câmara Cível., Rel. Desª. Genacéia da Silva Alberton, D. J. 17.12.97, provido, por unanimidade).

Contrariamente às decisões acima colacionadas é o julgado do Superior Tribunal de Justiça, cujo relator foi o Min. Nilson Naves:

Processo Civil. Prova. Gravação de conversa telefônica feita pela autora da ação de investigação de paternidade com testemunha do processo. Requerimento de juntada da fita, após a audiência da testemunha, que foi deferido pelo juiz. Tal não representa procedimento em ofensa ao disposto no artigo 332 do CPC, pois aqui o meio de produção da prova não é ilegal, nem moralmente ilegítimo. Ilegal é a interceptação, ou a escuta de conversa telefônica alheia. Objetivo do processo, em termos de apuração da verdade material ("A verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa").

(RESP nº 9012/RJ, STJ, 3ª T., Rel. Min. Nilson Naves, D. J. 14.04.97, não conhecido, por maioria).

Em vista do exposto, pode-se salientar que a admissibilidade da gravação clandestina, de conversas telefônicas ou ambientais, no processo civil, dependerá de caso a caso, com as suas circunstâncias peculiares, não havendo, atualmente, no Brasil, posição remansosa sobre o tema.

3.2.3. A fotografia como prova

A fotografia é um meio de prova admitido no processo civil, desde que observadas algumas condições. O artigo 383, caput, do Código de Processo Civil Brasileiro prevê que "qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica..., faz prova dos fatos ou das coisas representadas, se aquele contra quem foi produzida lhe admitir a conformidade".

Existe uma corrente doutrinária fundamentando que para a fotografia não ser considerada ilícita, deverá ser obtida por meio de autorização do fotografado, porque este terá a oportunidade de invocar em seu favor violação a direito de personalidade.

A pessoa contra quem se produziu a prova fotográfica poderá ter dois comportamentos: alegar sua irresignação ou admitir a sua conformidade.

Porém, caso ocorra a impugnação à fotografia apresentada em juízo, não há que se falar, neste momento, ainda, em perda da sua eficácia, incidindo o parágrafo único do artigo 383 do Código de Processo Civil Brasileiro, preconizando que "impugnada a autenticidade da reprodução mecânica, o juiz ordenará a realização de exame pericial". Referido exame servirá para descobrir se a fotografia realmente é autêntica, se não passou por um processo de montagem.

Na verdade, a fotografia é destinada a fixar a imagem e é reconhecida pelo Código de Processo Civil Brasileiro como meio de prova, mas necessita, também, ser acompanhada do respectivo negativo, conforme os termos do artigo 385, §1º, do aludido diploma processual civil. Caso ela tenha sido tirada em local público, o fotografado não poderá afirmar sua ilicitude baseada em afronta ao direito de intimidade, porque havia presente uma coletividade.

Importante salientar que a fotografia será, em regra, reputada ilícita de duas maneiras: a primeira ocorrerá se o fotografado não tiver autorizado e suscitar violação ao direito de intimidade, desde que não tenha sido tirada em local público; a segunda acontecerá se não obstante autorização do fotografado, este impugnar a autenticidade da fotografia e, após a realização do exame pericial a que se refere o artigo 383, §único, do Código de Processo Civil Brasileiro, ficar demonstrada que a fotografia não é autêntica.

Nessas hipóteses, a reprodução fotográfica deverá ser desentranhada dos autos, tendo em vista sua obtenção por meios ilícitos.

3.3. A interceptação telefônica no Brasil

Um dos assuntos mais corriqueiros no meio jurídico sobre a obtenção ilícita da prova diz respeito à interceptação telefônica. É difícil tratar sobre a prova ilícita sem mencionar e analisar a modalidade probatória mais questionada, qual seja a interceptação telefônica. Indubitavelmente, a grande maioria dos julgados sobre a matéria versa sobre o denominado "grampo" telefônico.

Primeiramente, é imperativo o exame do conceito de interceptação telefônica, para que depois seja possível tecer comentários a propósito de aludida prova.

3.3.1. Conceito de interceptação telefônica

Anteriormente, foi abordado, dentro da esfera processual civil, o assunto sobre gravação clandestina, dividida em ambiental e conversas telefônicas. Esta última é a que interessa no presente momento.

Não é possível confundir a interceptação telefônica, em sentido estrito, com a escuta telefônica e a gravação clandestina de conversas telefônicas. Nesta, conforme já aduzido, ocorre o registro de conversa telefônica por um dos interlocutores, sem o conhecimento e consentimento do outro participante, sem a intervenção de terceiros.

Na interceptação telefônica, há a intervenção de uma terceira pessoa, que grava a comunicação telefônica sem o conhecimento dos dois interlocutores, sendo chamada de interceptação telefônica strictu sensu. A escuta telefônica acontece da mesma forma, com a captação da comunicação telefônica por um terceiro, porém um dos interlocutores tem conhecimento da gravação. Este é o entendimento da doutrina brasileira, ipsis literis:

Pelo que ficou exposto, conclui-se: interceptação telefônica (em sentido estrito), portanto, é a captação feita por um terceiro de uma comunicação telefônica alheia, sem o conhecimento dos comunicadores; escuta telefônica, por seu turno, é a captação realizada por um terceiro de uma comunicação telefônica alheia, mas com o conhecimento de um dos comunicadores... O que não se pode, de qualquer modo, é confundir interceptação e escuta, de um lado, com gravação telefônica (que é a captação feita diretamente por um dos comunicadores), de outro.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Conseqüentemente, a escuta telefônica é uma forma de interceptação, mas com o conhecimento de um dos interlocutores, como acontece, por exemplo, em casos de seqüestro, onde a polícia capta a comunicação telefônica entre os criminosos e a família do seqüestrado, com a cognição desta. O fato de um dos participantes saber da captação não desnatura a interceptação telefônica.

Após a menção feita sobre o significado da interceptação telefônica, em sentido estrito, sua distinção da escuta e da gravação clandestina de conversas telefônicas, é importante analisá-la no regime jurídico brasileiro.

3.3.2. A interceptação telefônica na Constituição Federal de 1988

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, o sistema constitucional brasileiro vedava, aparentemente, de maneira absoluta, a captação de comunicações telefônicas.

A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, em seu artigo 153, §9º, preconizava sobre a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas, salvo nos casos de estado de sítio e de estado ou medidas emergenciais.

Neste período, a interceptação telefônica era tratada pelo Código de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, e em seu artigo 57, inciso II, letra "e", dispunha que não se configura violação de telecomunicação o conhecimento dado ao Juiz competente, mediante requisição ou intimação deste. Ademais, o artigo 56, §2º, do mesmo texto legal, aduzia que a operação técnica de interceptação deveria ser feita pelos serviços das estações e postos oficiais.

Juristas defendiam que a norma constitucional sobre a inviolabilidade da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas não poderia ser considerada de forma absoluta, tendo em vista a necessidade de interpretação sistemática, onde nenhum direito ou garantia torna-se regra absoluta. Importante ressaltar que, mesmo para esses doutrinadores, as exceções legais deveriam ter autorização judicial motivada, observância da ocorrência de crimes graves e a presença dos requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris.

Em 1988, sobreveio a Constituição Federal, constando em seu artigo 5º, XII, que "é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

A norma constitucional veda expressamente, como regra, a interceptação de comunicações telefônicas, ressalvadas as hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Note-se que o artigo sob comento restringiu a possibilidade de utilização do procedimento interceptatório à esfera penal, tanto na fase da investigação criminal como no curso da ação penal.

Porém, mais uma vez ocorreu divergência na doutrina e na jurisprudência quanto à recepção pela Constituição Federal do Código de Telecomunicações, Lei nº 4.117/62, única lei que tratava na época da interceptação telefônica, ou pela necessidade de nova legislação regulamentadora do artigo 5º, XII, da Constituição Federal.

Prevaleceu, na doutrina brasileira, de forma majoritária, o segundo entendimento, qual seja, de que o dispositivo constitucional em análise não é auto-aplicável e não recepcionou as normas atinentes à interceptação telefônica constantes do Código de Telecomunicações, necessitando de nova lei que regulamente a matéria, conforme os termos abaixo:

A lei disciplinadora da matéria ainda não foi editada (...) Enquanto a aludida lei não for promulgada, somente existem, para disciplinar legalmente a matéria, os dispositivos do Código de Telecomunicações. Todavia, como visto, essa lei não cuida das hipóteses a que alude o inc. XII do artigo 5º da Constituição, limitando-se, quanto à forma, a prescrever que a operação técnica deve ser efetuada pelos serviços das estações e postos oficiais.

Assim, não se pode dizer que o Código de Telecomunicações supra a exigência constitucional. Enquanto não for promulgada a lei disciplinadora das hipóteses e formas das interceptações e escutas telefônicas, não há base legal para a autorização judicial. E as operações técnicas porventura efetuadas serão ilícitas, subsumindo-se à espécie do inc. LVI do artigo 5º da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal andou pelo mesmo caminho da doutrina, consoante se verifica na decisão abaixo transcrita:

HABEAS CORPUS. CRIME QUALIFICADO DE EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO (CP, ARTIGO 357, PÁR. ÚNICO). CONJUNTO PROBATÓRIO FUNDADO, EXCLUSIVAMENTE, DE INTERCEPTAÇÃO TELEFONICA, POR ORDEM JUDICIAL, PORÉM, PARA APURAR OUTROS FATOS (TRÁFICO DE ENTORPECENTES): VIOLAÇAO DO ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO. 1. O artigo 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, artigo 5º, LVI). b) O artigo 57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (artigo 5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas. 2. A garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em interior de presídio, pois o bem jurídico protegido é a privacidade das pessoas, prerrogativa dogmática de todos os cidadãos. 3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, artigo 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do processo crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo.

(HC nº 72588/PB, STF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, D. J. 04.08.00, provido, por maioria).

Após oito anos de espera, entrou em vigor a Lei nº 9.296/96, de 24 de julho de 1996, que regulamentou o artigo 5º, XII, da Constituição Federal de 1988. Tendo em vista o entendimento de que a norma constitucional não é auto-aplicável, todas as interceptações telefônicas autorizadas e realizadas no lapso entre o advento da Constituição Federal de 1988 e a entrada em vigor da Lei nº 9.296/96 devem ser consideradas ilícitas.

Embora o Superior Tribunal de Justiça, por algumas de suas Turmas, possuía a compreensão que, em determinadas circunstâncias, mesmo sem lei regulamentadora do inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, poderia ser utilizada a interceptação de comunicações telefônicas, ocorreram decisões em sentido contrário, corroborando o posicionamento majoritário da doutrina brasileira e do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO. PROVA OBTIDA POR MEIOS ILÍCITOS. ESCUTA. LEI Nº 9.296/96. PROVA RESTANTE. EFEITO EXTENSIVO.

I – A escuta telefônica realizada antes da Lei nº 9.296/96, ainda que calcada em ordem judicial, não estava juridicamente amparada, acarretando prova obtida por meio ilícito (Precedentes do Pretório Excelso).

II – Se o restante da prova foi considerado imprestável para uma condenação, correta a aplicação do efeito extensivo, ex vi artigo 580 do CPP (Precedente do Pretório Excelso).

(RESP nº 225450/RJ, STJ, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, D. J. 08.03.00, não provido, por unanimidade).

Como a Constituição Federal de 1988 enuncia como regra a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas e excepciona, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, importante analisar o regime jurídico dado às interceptações telefônicas após a entrada em vigor de citada lei, qual seja a Lei nº 9.296/96, de 24 de julho de 1996.

3.3.3. A interceptação telefônica após a lei nº 9.296/96

Depois do advento da Lei nº 9.296/96, acabaram as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da ilicitude da prova colhida mediante interceptação de comunicações telefônicas, pois referida lei trouxe vários dispositivos. Para que a captação seja considerada lícita, é imperativo que haja integral observância aos comandos legais advindos da lei.

O artigo 1º da Lei nº 9.296/96 preconiza o seguinte:

A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de Justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Pela redação do dispositivo legal acima, cabe analisar, inicialmente, o que se entende por interceptação de comunicações telefônicas de qualquer natureza.

Indubitavelmente, o artigo 1º, caput, da Lei nº 9.296/96, abarca tanto a interceptação telefônica em sentido estrito como a escuta telefônica, cujos conceitos já foram aduzidos, pois ambas possuem como característica a captação de comunicação telefônica alheia. Contudo, as gravações clandestinas de conversas telefônicas e ambientais, bem como a interceptação ambiental, não estão abrangidas pela Lei nº 9.296/96.

Outro aspecto é que a interceptação de comunicações telefônicas somente pode ser autorizada para fins de investigação criminal e instrução processual penal. Ademais, a interceptação, para ser lícita, dependerá de ordem do juiz competente da ação principal.

Portanto, somente o juiz criminal possui competência para deferir o pedido de interceptação, sendo tal providência proibida pelo juiz da área civil.

Quanto à competência para o seu deferimento, há duas indagações a serem respondidas. Caso o pedido de interceptação seja realizado no plantão judiciário, como fica a situação se o juiz que irá presidir o processo principal não for o plantonista? Além disso, caso o inquérito ainda não foi distribuído, não se saberá quem é o juiz competente da ação principal. Como ficará essa hipótese?

Nos dois casos, certamente a prova colhida será válida, pois o procedimento previsto na Lei nº 9.296/96 é de natureza cautelar, não podendo se escolher momento apropriado para a sua realização. Ademais, a decisão de deferimento da prova é provisória e só se tornará definitiva no momento em que o juiz da ação principal avaliar a admissibilidade da prova colhida, como também seu teor.

A interceptação telefônica deverá ser realizada sob segredo de justiça e isso se justifica para que não seja prejudicada a própria finalidade da prova. Existe o interesse do Estado e da justiça na persecução penal.

Por exemplo, caso os interlocutores da comunicação telefônica tivessem prévio conhecimento da sua captação, certamente não fariam prova contra si mesmos e estaria totalmente comprometido o seu objetivo. A Lei nº 9.296/96, acertadamente, prevê sigilo absoluto na realização da interceptação telefônica.

No que tange ao parágrafo único do artigo 1º da Lei 9.296/96, há polêmica na doutrina brasileira sobre sua constitucionalidade.

Alguns juristas, como Vicente Greco Filho, entendem que, em se admitindo a interceptação de comunicações pelo sistema de informática e telemática, se estaria violando o sigilo dos dados, o que é vedado pela Constituição Federal de 1988. Esta, em seu artigo 5º, XII, apenas ressalva, em casos excepcionais, a quebra do sigilo das comunicações telefônicas.

Salienta-se que as comunicações em sistemas de informática e telemática são aquelas feitas via modem em sistemas de computador, utilizando-se linha telefônica ou similares, sendo a telemática a ciência responsável pela manipulação e utilização da informação por meio do uso combinado do computador e meios de telecomunicação.

Existe uma corrente doutrinária intermediária que pugna pela constitucionalidade restrita do artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.296/96. Afirmam a presença no texto legal da expressão comunicações telefônicas, abarcando sua interceptação a qualquer modalidade, ainda que realizada por meio de sistemas de informática existentes ou que venham a ser desenvolvidos, desde que observe a forma comunicações telefônicas, ou seja, utilize a telefonia.

A terceira corrente doutrinária afirma a integral constitucionalidade da norma legal sob comento, consoante os termos abaixo:

(...) entendemos que o parágrafo único em questão é absolutamente legítimo, inquestionavelmente constitucional. Estão regidas pela Lei 9.296/96 tanto as comunicações telefônicas como as comunicações telemáticas (independentes da telefonia), seja no que se refere à possibilidade de restrição (interceptação mediante autorização judicial fundamentada e proporcionada – artigo 1º, parágrafo único), seja no que concerne ao aspecto de ‘garantia’, de proteção da intimidade e do sigilo dessas comunicações (artigo 10), configurando crime qualquer incursão abusiva na intimidade alheia. Pensar de modo diferente significa tratar o comunicador brasileiro como sujeito com menos direitos que os comunicadores dos países europeus, que disciplinaram escorreitamente o assunto.

A decisão abaixo ratifica a idéia da constitucionalidade do artigo 1º, parágrafo único, da lei da interceptação telefônica, ipsis literis:

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. SIGILO DE DADOS. QUEBRA. BUSCA E APREENSÃO. INDÍCIOS DE CRIME. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. LEGALIDADE. CF, ARTIGO 5º, XII. LEIS 9.034/95 E 9.296/96.

- Embora a Carta Magna, no capítulo das franquias democráticas ponha em destaque o direito à privacidade, contém expressa ressalva para admitir a quebra do sigilo para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (artigo 5º, XII), por ordem judicial.

- A jurisprudência pretoriana é unissonante na afirmação de que o direito ao sigilo bancário, bem como ao sigilo de dados, a despeito de sua magnitude constitucional, não é um direito absoluto, cedendo espaço quando presente em maior dimensão o interesse público.

- A legislação integrativa do cânon constitucional autoriza, em sede de persecução criminal, mediante autorização judicial, o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancários, financeiros e eleitorais (Lei nº 9.034/95, artigo 2º, III), bem como a interceptação do fluxo de comunicações em sistema de informática e telemática (Lei nº 9.296/96, artigo 1º, parágrafo único).

(HC nº 15026/SC, STJ, 6ª T., Rel. Min. Vicente Leal, D. J. 04.11.02, não provido, por unanimidade).

O artigo 2º da Lei nº 9.296/96 lista as hipóteses da inadmissibilidade da interceptação de comunicações telefônicas, nos seguintes termos:

Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Este artigo, ao invés de trazer os casos cabíveis de interceptação, arrola as hipóteses em que tal prova não é permitida.

É indispensável indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal, não bastando a mera suspeita. Aliás, como já aduzido, sendo a interceptação telefônica medida cautelar, está sujeita aos seus requisitos, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. O artigo 2º, I, da Lei nº 9.296/96, é a fumaça do bom direito.

A interceptação telefônica somente deve ser autorizada quando a prova não puder ser realizada por outros meios disponíveis, porque consiste em medida excepcional, de extrema necessidade, violadora da intimidade dos interlocutores e não se justifica nos casos passíveis de outros elementos probatórios, como a oitiva de testemunhas, a perícia, etc.

O jurista Lenio Luiz Streck alerta corretamente que a expressão ‘outros meios disponíveis’ não são os materialmente pertencentes pelos órgãos da persecução penal. Por isso, são os meios legais, pois, do contrário, bastaria a alegação pela autoridade policial de falta de peritos, por exemplo, para que a interceptação telefônica pudesse ser deferida, o que desconfiguraria a característica de extrema necessidade.

Os crimes sujeitos à pena de detenção não são passíveis de interceptação telefônica, sendo esta admitida apenas nos fatos criminosos sujeitos à pena de reclusão. Contudo, tal comando legal é desproporcional, tendo em vista que muitos crimes punidos com reclusão não necessitam de medida tão extrema.

Nestes casos, certamente deve ser invocado o princípio da proporcionalidade, já examinado, pois delitos como o furto simples e o estelionato, com pena de reclusão, jamais poderiam ter a interceptação telefônica como prova.

Outro fator importante é que, em qualquer pedido de interceptação telefônica realizado perante o juiz, deve haver a descrição clara da situação investigada, como também a indicação e qualificação dos investigados. A lei, portanto, exige a delimitação precisa da situação fática perquirida, de forma indubitável, pois não existe interceptação telefônica pré-delitual.

Além disso, determina a feitura da correta individualização do sujeito passivo da interceptação telefônica que é, em regra, o interlocutor da comunicação. Essa exigência está diretamente ligada ao artigo 2º, I, da Lei nº 9.296/96, que enuncia a admissão da interceptação telefônica apenas quando houver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal.

O juiz pode, entretanto, dispensar tais observâncias, desde que requerido de maneira justificada, quando, por exemplo, a medida for tão urgente que não dá tempo para o órgão incumbido da persecução penal encontrar todos os dados do investigado.

Também possui relevância a análise da interceptação telefônica em face de terceiros e de fatos não previstos. Será que existe a possibilidade da gravação realizada servir como prova contra terceiros que se utilizaram da mesma linha interceptada e em relação a fatos criminosos que não foram base para a autorização da interceptação, mas surgem por ocasião dela?

No primeiro caso, é admitida pela doutrina que a prova colhida possa servir para um juízo condenatório contra outras pessoas que utilizaram a linha telefônica gravada, porém relacionadas com o fato criminoso autorizador da medida.

No segundo caso, também é possível, devendo-se observar, contudo, a validade e licitude da prova, que o fato descoberto possa ensejar a interceptação, não se encontrando entre as vedações do artigo 2º da Lei nº 9.296/96, como também que tenha ligação com o primeiro delito, configurando concurso de crimes, continência ou conexão.

O que não se pode aceitar é a utilização da interceptação em relação a fatos desvinculados da situação fática da diligência, sob pena de ser ilícita a prova colhida de tal maneira.

O artigo 3º da Lei nº 9.296/96 enuncia que:

A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I – da autoridade policial, na investigação criminal;

II – do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

Consoante a redação do caput do dispositivo legal acima transcrito, o juiz pode determinar de ofício a interceptação telefônica, não precisando de requerimento da autoridade policial e do Ministério Público.

Indubitavelmente, equivocou-se o legislador ao dispor de tal forma, porque a determinação da interceptação telefônica ex officio pelo juiz afronta o sistema penal acusatório, onde as partes possuem a iniciativa probatória.

O juiz tem a iniciativa probatória no âmbito penal apenas nos sistemas inquisitórios, não sendo este o caso do Brasil. Em vista disso, a mencionada previsão do caput do artigo 3º da Lei nº 9296/96 é inconstitucional, pois afronta o sistema penal acusatório e rompe com a necessária imparcialidade do julgador. Neste sentido, é a lição de Luiz Flávio Gomes, in verbis:

É inconstitucional a interceptação telefônica ‘de ofício’, em conseqüência, porque vulnera o modelo acusatório de processo, processo de partes, instituído pela Constituição de 1988, quando considera os ofícios da acusação e da defesa como funções essenciais ao exercício da jurisdição, atribuindo esta aos juízes, que têm competência para processar e julgar, mas não para investigar, principalmente no âmbito extraprocessual.

A autoridade policial somente possui legitimidade para requerer a interceptação telefônica durante a investigação criminal. Já o Ministério Público tem dupla legitimidade, podendo pedir a medida cautelar na investigação criminal e na instrução processual penal.

O Parquet, sendo o órgão incumbido da acusação no âmbito penal, nos casos de crimes de ação penal pública, é o maior interessado na obtenção de provas contra o investigado ou denunciado, até porque o artigo 156 do Código de Processo Penal Brasileiro dispõe que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (...)".

Já os artigos 4º e 5º da Lei nº 9.296/96 têm a seguinte redação:

artigo 4º O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

§1º Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.

§2º O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.

artigo 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

A autoridade policial e o Ministério Público, ao requererem o pedido de interceptação de comunicações telefônicas, precisarão mostrar ao juiz competente que a sua realização é necessária para a elucidação do fato criminoso.

Esta norma legal (artigo 4º, caput), está intimamente ligada com o artigo 2º, II, da mesma lei, dispondo que não será admitida a interceptação telefônica quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis.

Mais uma vez, demonstra-se a característica de excepcionalidade deste meio de prova. O juiz criminal não poderá autorizá-la caso o crime possa ser apurado de outra forma, não havendo necessidade de ocorrer a captação das comunicações telefônicas do indiciado ou denunciado.

Conseqüentemente, a prova colhida mediante interceptação telefônica, quando autorizada sem a devida necessidade, será considerada ilícita.

Além disso, as autoridades legitimadas legalmente a realizarem o pedido do procedimento de interceptação (autoridade policial e Ministério Público) possuem o dever de indicar quais os meios que serão empregados na diligência, ou seja, informar quais as linhas telefônicas que serão interceptadas e quem são seus titulares.

Devem, também, mostrar quais os aparelhos que serão colocados à disposição para o cumprimento da providência e decorrente gravação.

Depois de apresentado o pedido, o juiz terá o prazo de vinte e quatro horas para apreciá-lo, de maneira fundamentada, sob pena de nulidade.

O lapso de tempo concedido ao juiz é exíguo, tendo em vista a natureza cautelar e, portanto, urgente do referido meio de prova. Isso tanto é verdade que a lei não menciona que o magistrado tem o dever de dar vista dos autos ao Ministério Público, quando o pedido for feito pela autoridade policial.

Caso seja possível sem prejudicar a obtenção da prova, é importante a prática de tal ato pelo magistrado, visto que o Ministério Público é o titular da ação penal pública e grande interessado na realização da prova.

De acordo com o artigo 5º da Lei nº 9.296/96, o juiz precisa indicar a forma de execução da interceptação telefônica, sendo este o motivo pelo qual as autoridades legitimadas legalmente, ao requererem a realização da citada prova, têm a obrigação de aludir quais serão os meios empregados para a diligência.

A lei informa que o prazo para a execução da interceptação de comunicação telefônica não poderá exceder quinze dias, havendo a possibilidade de prorrogação do tempo, desde que comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Não há limite de vezes para a ocorrência da dilação, porque há crimes em que a providência é necessária por mais de trinta dias.

Salienta-se que em todos os requerimentos de autorizações ou prorrogações ao magistrado para a execução da diligência, é indispensável a demonstração da necessidade da prova, sob pena de ser reputada ilícita.

Após o deferimento do pedido de interceptação de comunicações telefônicas, é preciso observar o procedimento descrito nos artigos 6º e 7º da Lei nº 9.296/96, in verbis:

artigo 6º Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização.

§1º No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.

§2º Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

§3º (...)

artigo 7º Para os procedimentos de interceptação de que trata esta lei, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público.

A competência para conduzir a fase executiva da interceptação telefônica é da autoridade policial, exclusivamente, ninguém mais tendo legitimidade para tanto.

Porém, ela é operacional e não legal, pois esta é do juiz. Tudo que estiver em consonância com a licitude ou não da prova colhida, será de competência do magistrado.

A autoridade policial deve executar os atos dentro dos limites estabelecidos pelo juiz, sem abusos, já que, do contrário, será pronunciada a ilicitude da prova.

O Ministério Público, principal interessado na colheita da prova, deverá ser cientificado pela autoridade policial de todos os atos operacionais, sob pena de nulidade, sendo facultativo o acompanhamento das diligências.

De acordo com a lei em exame, a interceptação telefônica é possível na investigação criminal. Mesmo que tal investigação seja comandada pelo Ministério Público, como já dito, a competência para as medidas executivas da interceptação ficará a cargo de uma autoridade policial. Este entendimento é criticado por Lenio Luiz Streck, nos termos abaixo:

Preocupa, sobremodo, que somente à autoridade policial é conferida a possibilidade de executar a interceptação (artigo 6º, caput), quando se sabe que o inquérito policial é peça dispensável e que não é vedado ao Ministério Público realizar investigações. Daí a pergunta: nos casos de corrupção de altas autoridades ou da própria polícia, ou ainda nos casos de sonegação fiscal, qual a razão de o Poder Legislativo não ter conferido no mesmo artigo 6º tal possibilidade também ao Ministério Público, ou – o que seria mais coerente – da possibilidade deste, como titular da ação penal, coordenar o procedimento da interceptação? Este é um dos vários aspectos da Lei que dão a nítida impressão do anacronismo do ‘legislador’ brasileiro. Assim como o cometimento ao juiz da possibilidade da determinação da escuta de ofício, a exclusividade da execução da interceptação pela polícia significa uma inadequação da Lei 9.296/96 aos novos tempos.

O legislador brasileiro acertadamente dispôs que a gravação da comunicação interceptada será feita quando possível, pois, em alguns casos, não há como gravá-la, por impossibilidade técnica ou mesmo em situações que só há interesse em saber a quem se chama, em que hora chama, mas sem a captação da comunicação telefônica. A gravação comprova a existência da prova, qual seja a comunicação, e a sua transcrição é um meio de prova documental.

Encerrados todos os atos executivos, a autoridade policial entregará ao magistrado o resultado da interceptação, acompanhado do auto circunstanciado, documento que consigna o resumo das operações feitas e por este motivo é considerado outro meio de prova documental. Normalmente, o resumo das operações consiste em detalhar quanto tempo demorou a captação da comunicação telefônica, qual foi a linha telefônica interceptada, etc.

Esta prova documental serve para demonstrar se os atos praticados pela autoridade policial corresponderam exatamente às determinações do juiz. Imagina-se, por exemplo, a menção no auto circunstanciado de captação de comunicação em linha telefônica distinta daquela autorizada judicialmente. A prova colhida, com base na violação da intimidade, seria, indubitavelmente, ilícita.

A Lei nº 9.296/96, em seu artigo 8º, trata do momento apropriado para o apensamento do procedimento cautelar da interceptação telefônica aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, ipsis literis:

A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial (Código de Processo Penal, artigo 10, §1º) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.

A interceptação é um incidente do procedimento criminal, abrangendo o processo penal e a investigação criminal.

O parágrafo único do dispositivo legal sob comento aduz que a apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade policial ou, já instaurada a ação penal, na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente dos artigos 407, 502 ou 538, todos do Código de Processo Penal Brasileiro.

Tratando-se do apensamento na fase de investigação, o resultado da interceptação será parte integrante do relatório policial.

No caso de interceptação no curso da ação penal, o apensamento, oportunidade que terá a defesa de tomar ciência da prova colhida, ocorrerá por ocasião da decisão de pronúncia, da sentença no processo ordinário, quando os crimes possuírem pena prevista de reclusão e quando da audiência de instrução e julgamento em relação aos delitos com pena de detenção.

O legislador, ao aludir, no parágrafo único do artigo 8º da Lei nº 9.296/96, que a apensação da interceptação telefônica poderá ser feita na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto no artigo 538 do Código de Processo Penal Brasileiro, cometeu um grande equívoco.

A referida prova não é admitida nos crimes previstos com pena de detenção, baseado no artigo 2º, III, da lei supra mencionada. Significa, então, que somente nas oportunidades dos artigos 407 e 502 do Código de Processo Penal Brasileiro é que a defesa terá conhecimento da interceptação.

A interceptação telefônica, quando apensada nos casos em que a ação penal já foi instaurada, será sempre reputada como uma prova nova, uma vez que até este momento a defesa não teve acesso a ela.

Melhor seria se a defesa tomasse conhecimento do procedimento de interceptação logo após seu término, para que não ocorresse violação ao princípio do contraditório. Neste diapasão é o ensinamento de Lenio Luiz Streck:

Assim, após as alegações finais, as partes poderão falar acerca do conteúdo da interceptação e de sua transcrição. Soa um tanto estranho que o defensor, já tendo defendido sua tese em alegações escritas, tenha que, após o conhecimento do conteúdo da interceptação, elaborar, quem sabe, nova tese, porque surpreendido por provas que até aquele momento desconhecia. Parece que a lei, ao determinar o apensamento somente após as partes terem oferecido as alegações do artigo 407 e após as alegações finais do rito comum, violou o princípio do contraditório. É evidente que deve haver sigilo na realização da escuta. É evidente que o réu não pode ser informado acerca da escuta. Porém, após feita a interceptação, independentemente da fase em que ocorreu (investigação ou instrução criminal) deve o defensor ter vista do conteúdo do procedimento interceptatório.

No intento de penalizar a violação do sigilo das comunicações telefônicas, o artigo 10 da Lei nº 9.296/96 instituiu crime nos termos abaixo:

Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Examinando-se a redação da norma legal, chega-se à conclusão de que são dois os crimes preconizados, quais sejam realizar interceptação ilegalmente e quebrar o segredo da Justiça. Tais crimes devem receber análise separada, tendo em vista suas ocorrências distintas, assim como seus agentes.

Partindo-se da idéia de que a interceptação é a violação realizada por terceiro em face de dois interlocutores, o crime é consumado com o ato de interceptar, ou seja, ingressar em, intervir, independentemente da realização da gravação.

Qualquer pessoa pode cometer o crime, sendo que, em tese, admite-se a tentativa. Existe um elemento normativo (sem autorização judicial) e um elemento subjetivo (com objetivos não autorizados em lei).

Esses elementos aludidos são alternativos, bastando ocorrer um deles para que o crime esteja consumado. Então, não obstante tenha sido a interceptação autorizada judicialmente, se a finalidade é distinta da investigação criminal ou instrução processual penal, o crime acontece.

Em contrapartida, caso a interceptação seja realizada com a finalidade correta, porém sem a necessária autorização judicial, também incide a norma penal sob comento. Todas essas condutas são criminosas e a prova colhida por essas maneiras é ilícita e deve ser rejeitada pelo julgador.

Salienta-se que "sem autorização judicial" significa interceptar sem ligação com a decisão judicial e mediante o procedimento legal. Em que pese essa afirmação, a norma penal não exige prévia autorização judicial, porque todas as interceptações feitas com autorização são legítimas e a infração penal deixa de existir.

Pelos termos de Luiz Flávio Gomes, "o objeto material é uma comunicação telefônica, de informática ou telemática. Como se vê, não só a comunicação telefônica tradicional (conversação) está tutelada".

O jurista acima referido tem este posicionamento porque defende a constitucionalidade do artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.296/96, conforme já visto.

O crime é permanente, pois a consumação existe durante todo o tempo da feitura da interceptação, ainda que o agente não esteja presente no momento. Admite-se, ainda, co-autoria ou participação e o crime é reputado doloso. Ademais, a pena é a de reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Atualmente, há um caso bastante comentado sobre interceptação telefônica ilegal ocorrido na Bahia envolvendo o senador Antônio Carlos Magalhães.

Mais de 190 linhas telefônicas foram grampeadas e muitas delas de titularidade de inimigos políticos do senador, como também de sua ex-namorada Adriana Barreto e do marido desta, o advogado Plácido Faria.

Em outubro de 2001, no município de Itapetinga, estado da Bahia, duas crianças foram seqüestradas e o crime chamou a atenção dos moradores. A investigação teve um lapso de dois meses e foi conduzida pela delegada Ângela Sá Labanca, que requereu 86 quebras de sigilo telefônico de 42 números de telefone suspeitos. A autoridade policial conseguiu prender dez criminosos e afastou-se do caso em dezembro de 2001, tendo praticamente resolvido o crime.

Três meses depois, o delegado Valdir Barbosa reabriu o caso de forma inesperada, afirmando que havia sido identificados novos números telefônicos que possibilitariam a descoberta de um dos mentores do seqüestro.

Em decorrência disso, o referido delegado de polícia solicitou, inicialmente, o monitoramento, o rastreamento e a escuta de 24 linhas telefônicas.

Porém, neste rol de telefones enviados ao Poder Judiciário em março de 2002, já constavam os números do advogado Plácido Faria e de seu pai.

Durante cinco meses, o delegado Valdir Barbosa apresentou 379 pedidos de quebra de sigilo telefônico em 190 números distintos e de todas as linhas telefônicas envolvidas, nenhuma possuía ligação com o seqüestro.

Houve, também, solicitações em que o número de telefone apareceu rasurado à mão. Noutro caso, o despacho da magistrada autorizava a escuta telefônica, num celular da Bahia, com final 6080, mas a rasura retificou os números para a seqüência 7080, final do celular do deputado Geddel Vieira Lima, inimigo político do senador Antônio Carlos Magalhães.

Em vista da descoberta desse acontecimento, é provável que em breve tenhamos alterações na Lei nº 9.296/96. Alguns juristas, liderados por Ada Pellegrini Grinover, estão analisando a citada lei e irão propor mudanças.

O crime de quebra de segredo da Justiça consiste em crime funcional, onde o sujeito ativo é o funcionário público, consoante o conceito dado pelo artigo 327 do Código Penal Brasileiro:

Artigo 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§1º. Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal.

O acusado e seu defensor não possuem obrigação de preservar segredo de Justiça, apenas incidindo tal conduta criminosa, por exemplo, à autoridade policial e seus agentes, membro do Ministério Público e Juiz.

A consumação do crime ocorre com a revelação do teor do procedimento de interceptação, admitindo-se, em regra, a tentativa, a co-autoria e a participação, sendo que é considerado doloso, tanto eventual como direto.

3.3.4. A utilização da prova colhida mediante interceptação telefônica no processo civil

Questão relevante diz respeito à possibilidade ou não de utilização da prova colhida da interceptação telefônica no processo civil por meio da denominada prova emprestada.

Em primeiro lugar, é forçoso reconhecer que o juiz da área civil não possui competência para autorizar o procedimento de intercepção, porque tal atribuição compete exclusivamente ao juiz criminal, conforme se depreende da norma constitucional reguladora da matéria (artigo 5º, XII), como também da Lei nº 9.296/96 (artigo 1º, caput).

Necessário, ademais, apreciar aspectos atinentes à prova emprestada, para que depois seja possível elucidar a questão sob comento.

A prova emprestada é aquela produzida num processo e transportada para outro, no intento de surtir efeitos jurídicos, sendo considerada pela doutrina brasileira como prova documental no plano formal, porém, não perdendo a natureza originária. Neste diapasão é o ensinamento abaixo:

Concluindo: a prova emprestada, formalmente, obedece às prescrições legais, para a prova documental, por ser trazida aos autos mediante um meio gráfico de reprodução, um documento; quanto à essência, conserva a natureza jurídica primitiva e será avaliada e considerada segundo as normas que regem tal natureza.

Quanto aos efeitos, valor e avaliação, a prova emprestada possui quatro princípios norteadores que precisam ser observados conjuntamente: o primeiro é que ela tenha sido produzida em processo formado pelas mesmas partes ou, pelo menos, naquela ação judicial em que uma das partes suportou seus efeitos; o segundo princípio exige que na demanda anterior e na qual era primitivamente destinada, tenham sido observados todos os aspectos legais atinentes a sua natureza; outro requisito afirma que os fatos necessitam semelhança e, por último, que no processo o qual foi transportada, devem ser cumpridos os comandos legais acerca da prova documental.

Nelson Nery Júnior é favorável à utilização da prova colhida da interceptação telefônica no processo civil, mediante prova emprestada, conforme se depreende do seu pensamento, in verbis:

A dúvida existirá quando se pretender utilizar, no processo civil, como prova emprestada, essa prova obtida licitamente.

Sendo norma de exceção, o disposto no inciso XII do artigo 5º da CF deve ser interpretado restritivamente. Quer isto dizer que somente o juiz criminal pode autorizar a interceptação telefônica, quando ocorrerem as hipóteses previstas na Constituição Federal. O juiz do cível não pode determinar escuta telefônica para formar prova direta no processo civil.

Entretanto, entendemos ser admissível a produção da prova obtida licitamente (porque autorizada pela CF) para a investigação criminal ou instrução processual penal, como prova emprestada no processo civil. A natureza da causa civil é irrelevante para a admissão da prova. Desde que a escuta tenha sido determinada para servir de prova direta na esfera criminal, pode essa prova ser emprestada ao processo civil.

Outro aspecto confirmador do posicionamento do aludido jurista é que tendo ocorrido a quebra do sigilo, não há que se falar mais em preservação da intimidade do interlocutor da comunicação telefônica.

Entretanto, existem doutrinadores discordantes do ensinamento adotado por Nelson Nery Júnior, defendendo que, como a finalidade da interceptação telefônica restringe-se à investigação criminal e à instrução processual penal, somente neste âmbito pode a mesma ser utilizada. Neste diapasão é a compreensão de Luiz Flávio Gomes, ipsis literis:

E poderia a prova obtida dentro de uma investigação criminal ou instrução penal ser utilizada em outro processo (civil, administrativo, constitucional etc.)? Pode haver prova emprestada nessa hipótese? Nelson Nery Júnior responde afirmativamente. Nosso pensamento, no entanto, é divergente. O legislador constitucional ao delimitar a finalidade da interceptação telefônica (criminal) já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base os valores envolvidos num e noutro processo. Não se pode esquecer que a proporcionalidade está presente (deve estar, ao menos) na atividade do legislador (feitura da lei), do Juiz (determinação da medida) e do executor (que não pode abusar).

Mais uma vez divide-se a doutrina brasileira em duas correntes, conforme exposto. O certo é que a admissibilidade da prova no processo civil dependerá do entendimento do magistrado, que se filiará a uma das defensáveis posições doutrinárias.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinícius Daniel Petry

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETRY, Vinícius Daniel. A prova ilícita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 150, 29 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4534. Acesso em: 18 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos