Artigo Destaque dos editores

A prova ilícita

Exibindo página 4 de 4
29/11/2003 às 00:00
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1988 prevê a existência de três poderes, harmônicos e independentes entre si, sendo um deles o Judiciário. Este possui como atribuição a intervenção, quando requerida, resolvendo a lide mediante uma decisão, no intento de assegurar a paz social.

Para que aludido Poder alcance satisfatoriamente seu objetivo, garantindo uma sentença justa e correta para os cidadãos, é necessária a observância de certas regras pelo magistrado.

Por exemplo, consoante disposição constitucional, todas as decisões judiciais precisam ser fundamentadas, sob pena de nulidade. Este é o princípio do livre convencimento motivado, utilizado no Brasil e examinado no presente estudo.

Ademais, as provas possuem extrema relevância para a motivação do Juiz, pois as decisões exaradas são nelas baseadas. Não há como condenar alguém num processo carecedor de elementos probatórios.

Porém, seu destinatário (magistrado) deve ter muita cautela ao admiti-la, analisando, primeiramente, como elas foram obtidas.

Nesse contexto, revela-se a importância do instituto da prova ilícita, uma vez que no Brasil ela é vedada pelo artigo 5º, LVI, da Constituição Federal de 1988.

Num primeiro momento, pode-se imaginar uma conotação rígida e absoluta do mandamento constitucional. Equivoca-se quem pensa de tal modo, pois a norma sob comento possui essa redação porque foi criada logo após o término do regime autoritário no Brasil, período esse em que o Estado não respeitou as liberdades e garantias individuais, invadindo a esfera particular dos cidadãos.

Deve-se, sempre, num caso concreto, onde há discussão acerca da ilicitude ou não da prova, invocar o princípio da proporcionalidade, para que o juiz faça um balanceamento dos bens em jogo, prevalecendo o mais lesado. Esta tese é defendida pelos juristas filiados à Teoria Intermediária sobre a admissibilidade da prova ilícita.

Nenhum princípio ou garantia, mesmo com previsão constitucional, é absoluto, podendo ceder para outro com peso maior no caso em questão.

Importante ressaltar que o cotejo dos bens não deve ser realizado de forma abstrata, mas sim concretamente, investigando-se caso a caso, significando, indubitavelmente, a possibilidade de sua variação axiológica em processos judiciais distintos.

No que tange à prova ilícita por derivação (lícitas em si mesmas, mas oriundas de alguma informação extraída de outra ilicitamente colhida), chega-se à mesma conclusão da Suprema Corte norte-americana e adotada de forma majoritária pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja, que não deve ser aceita no ordenamento jurídico uma prova obtida de outra ilícita, salvo naqueles casos em que um bem axiológicamente superior está em jogo (proporcionalidade).

Realmente, o vício da planta se transmite aos seus frutos, por isso a denominação de Teoria dos Frutos da Árvore Venenosa ou Envenenada. A regra é que não se deve admitir a validade de um elemento probatório colhido de outro reputado ilícito, pois, do contrário, se estaria retirando totalmente a eficácia do comando constitucional a propósito da proibição da prova ilícita.

Problema existe no processo civil, área do direito carecedora de regramento expresso sobre a vedação dos meios de prova. Contrariamente, o Código de Processo Civil Brasileiro, estabelece em seu artigo 332, a aceitação dos meios legais, como também dos moralmente legítimos.

Pode-se afirmar que tal redação está equivocada, porque confunde Direito e Moral, legalidade com moralidade. Entretanto, após o exame doutrinário, chega-se ao

posicionamento que, no âmbito processual civil, não são válidas e eficazes as provas ilegítimas (afrontam normas de ordem processual) e as ilícitas (violam comandos de cunho material), servindo a prova emprestada como exemplo de moralmente legítima.

A admissibilidade da gravação clandestina, seja de conversas telefônicas ou ambiental, também deve ser perquirida sob à luz do princípio da proporcionalidade.

Naqueles casos em que não há obrigação do interlocutor guardar segredo sobre o teor da conversa, ou quando o bem da vida está em jogo, deve prevalecer o entendimento do seu cabimento como meio de prova.

Nas hipóteses de grande violação à intimidade e naquelas não enquadradas dentre as citadas acima, a gravação clandestina precisa ser considerada ilícita, e, conseqüentemente, desentranhada do processo civil.

Em relação à interceptação de comunicações telefônicas, modalidade de prova mais divergente na jurisprudência quanto a sua admissibilidade, é incontroversa sua abrangência tanto pela interceptação telefônica stricto sensu, como pela escuta telefônica, porque em ambas há a intervenção de um terceiro.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 5º, XII, que as comunicações telefônicas poderão ser violadas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, mediante lei prevendo as suas hipóteses.

Forçoso reconhecer a não aplicabilidade imediata do comando constitucional, que necessita de lei regulamentadora, no caso, a Lei nº 9.296/96. Em vista disso, todas as captações de comunicações telefônicas autorizadas pelo Juiz Criminal no lapso entre o advento da Constituição Federal de 1988 e a entrada em vigor da referida lei devem ser reputadas ilícitas. Este foi inclusive o entendimento predominante no Supremo Tribunal Federal.

Quanto à Lei nº 9.296/96, há vários equívocos a serem retificados. Não se pode admitir que o Juiz determine ex officio a interceptação telefônica, pois tal ato fere o sistema penal acusatório e rompe com o princípio da imparcialidade.

O parágrafo único do artigo 1º do citado diploma legal não é inconstitucional ao prever a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, porque o Estado necessita de meios eficazes para a repressão dos crimes e a maioria dos criminosos, atualmente, utilizam constantemente tecnologias análogas.

Podem, também, os dados da interceptação de comunicações telefônicas ser utilizados no processo civil como prova emprestada, embora apenas o juiz criminal possua competência para autorizá-la. Contudo, para que tal prova tenha validade e eficácia na demanda civil, é necessária a observância do princípio do contraditório na lide criminal, onde originariamente foi colhida.

Enfim, afirmam-se imperativas futuras alterações na legislação brasileira a propósito da ilicitude da prova. No intento de ensejar maior segurança jurídica, jamais se olvide do relevante emprego do princípio da proporcionalidade para a solução dos conflitos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: Interceptações telefônicas e gravações clandestinas. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

BULOS, Uadi Lammêgo; Constituição Federal Anotada. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

BURNIER JÚNIOR, João Penido. Das Provas Obtidas Ilicitamente e Das Provas Contrárias à Moral. Revista da Faculdade de Direito da USF, vol. 16, nº 2, p. 71-82, 1999.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; Et al. Teoria Geral do Processo. 18. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários A Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Forense Universitária, 1989.

DALL’AGNOL, Antonio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

FILHO, Vicente Greco. Interceptação Telefônica. São Paulo: Saraiva, 1996.

GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Interceptação Telefônica: lei 9.296, de 24.07.96. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini; et al. As Nulidades no Processo Penal. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994.

KENNY, Kellyane; RIOS, Taiana. Das Provas Ilícitas No Processo Civil. in: www.unifacs.br/000/corpodiscente/graduação/título.rtf. capturado em 07/05/2002, às 11h.

KNIJNIK, Danilo. A Doutrina dos Frutos da Árvore Venenosa e os Discursos da Suprema Corte na Decisão de 16-12-93. Revista da Ajuris nº 66. Ano XXIII. Março de 1996.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

LIMA FILHO, Francisco das Chagas. Provas Ilícitas. Repertório IOB de Jurisprudência: Civil, Processual, Penal e Comercial, São Paulo, nº 14/98, p. 288/296, 2ª quinzena de julho de 1998.

LOPES, João Batista. A Prova no Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MARINONI, Luiz Guilherme. Arenhartigo, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. Editora Revista dos Tribunais. Tomo I. Volume 05. Ano 2000.

MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as Provas Ilicitamente Obtidas. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 13, p. 216-226, jan./mar. 1996.

NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

PARIZATTO, João Roberto. Comentários À Lei nº 9.296, de 24-07-96. Interceptação de Comunicações Telefônicas. São Paulo: LED de Direito, 1996.

PAULA, Alexandre de. Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. Volume 02. 7. ed. 1998.

PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

RANGEL, Ricardo Melchior de Barros. A prova ilícita e a interceptação telefônica no direito processual penal brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

REVISTA Veja. Editora Abril. Edição 1790. Ano 36. Nº 7. 19 de fevereiro de 2003.

SANTOS JÚNIOR, Aldo Batista dos. Da Prova Ilícita. In: www. neofito.com.br/artigos/art01/ppenal43.htm, capturado em 07/05/2002, às 11h24min.

SANTOS, Moacyr Amaral. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio-São Paulo: Forense, 1974.

_____________. Prova Judiciária no Cível e Comercial. 4. ed. São Paulo: Max Limonad, 1970.

SILVA, César Dario Mariano da. Provas Ilícitas. 2. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2002.

SILVA, Eduardo Silva da; et al. Teoria Geral do Processo. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

STRECK, Lenio Luiz. As Interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinícius Daniel Petry

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETRY, Vinícius Daniel. A prova ilícita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 146, 29 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4534. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos