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Morte digna e testamento vital: breves considerações

28/05/2017 às 11:00
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O testamento vital é uma declaração escrita da vontade de uma pessoa, consciente e esclarecida, quanto aos tratamentos aos quais ela deseja, ou não, ser submetida no futuro.

Os seres humanos, em geral, aspiram viver dignamente e segundo seus “valores vitais”, ou seja, o conjunto de valores e crenças de uma pessoa que dão sentido ao seu “projeto de vida”. O “projeto” compreende uma série de escolhas conscientes que serão feitas ao longo de todo o período de vida de uma pessoa, até mesmo quando se aproxima da morte. Sim, pois a morte também faz parte da vida. Morrer constitui o ato final da biografia pessoal de cada ser humano e a vida não pode ser separada daquela como algo distinto.

E a morte, inevitável como sabemos, não é uma doença e não pode ser tratada como tal. O próprio Papa João Paulo II, em sua Encíclica “Evangelium Vitae”, publicada em 1995, condenava o chamado “excesso terapêutico”, ou seja, certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar, ou ainda porque demasiado gravosas para ele e sua família.

Portanto, o direito a uma vida humana digna não pode ser truncado com uma morte indigna. O ordenamento jurídico está, por conseguinte, chamado também a concretizar e proteger este ideal da morte digna. A legislação espanhola mais recente, talvez por isso, fale em um “Direito a Viver com Dignidade o Processo de Morrer”.

Levando-se em consideração o fato de que cada vez mais a população envelhece e que, no final da vida, muitas pessoas encontram-se hospitalizadas, sob cuidados médicos, devemos levar em conta que o atual ordenamento jurídico, incluindo-se as disposições do Conselho Federal de Medicina, preza uma efetiva transformação na relação médico-paciente, de uma antiga relação autoritária para um tipo novo de “aliança terapêutica”, na qual sejam respeitadas as escolhas e os direitos do paciente.

Nesse contexto insere-se este breve texto acerca dos “Testamentos Vitais” ou “Diretivas Antecipadas de Vontade”.

O Testamento Vital é uma declaração escrita da vontade de uma pessoa, consciente e esclarecida, quanto aos tratamentos aos quais ela deseja, ou não, ser submetida no futuro, bem como a pessoa que o representará perante a família e a equipe médica, quando aquele não puder mais se manifestar.

Caso esta “falta de tratamentos” conduza a uma abreviação do seu tempo de vida, sua vontade conscientemente manifestada deverá ser respeitada. Do mesmo modo, caso os tratamentos desejados conduzam a um prolongamento da vida, ainda que por pouco tempo, que seja respeitada a vontade do paciente de viver por mais algum tempo, procurando-se sempre evitar sofrimentos, na medida do possível (dor, fome, sede, dentre outros).

Dessa forma, imputar a um indivíduo a obrigação de ser submetido a tratamento médico que apenas prolongará a sua vida, sem nenhuma perspectiva de melhorar ou curar a enfermidade que, a seu critério, constitui um fardo, pelas consequências que lhe provoca, ou, por outro lado, negar-lhe tratamentos ou cuidados que deseje receber, ainda que com o objetivo de prolongar a vida por alguns dias, podem ser considerados tratamentos desumanos, vedados pelas escolhas feitas pelo legislador brasileiro ao redigir a Constituição de 1988.

Embora não haja legislação a respeito (nem mesmo Projetos recentes de lei), o Testamento Vital passa a ser reconhecido no Brasil através da Resolução 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina, que se fundamenta na autonomia da vontade do paciente, bem como na dignidade humana prevista na Constituição Federal.

Os autores que têm se dedicado ao assunto, opinam, em geral, que o Testamento Vital pode ser feito por instrumento público ou privado, revogável total ou parcialmente a qualquer tempo.

O texto deverá conter as decisões e condutas que, a critério do Testador, deseja que sejam seguidas, em relação à aplicação ou não das medidas possíveis para que sua vida seja (ou não) prolongada, caso esteja em situação terminal ou de agonia.

É possível também deixar informações sobre o desejo ou não de algum tipo de assistência religiosa, podendo também o Testador fazer disposições sobre doação de órgãos, funeral, eventual cremação e destino das cinzas.

Entendemos ainda ser indispensável a designação de um responsável para ser o representante do paciente perante a equipe médica e perante a própria família, chamado de “Procurador dos Cuidados de Saúde” ou “Testamenteiro Vital”.

Sugere-se que esta pessoa não tenha interesse financeiro na morte do paciente, e nem seja o médico responsável por seu tratamento, para não haver conflito ético ou de interesses.

O Testamenteiro Vital é, portanto, a pessoa encarregada de portar o Testamento Vital e, se necessário for, buscar garantir ao máximo o respeito à vontade do paciente, até mesmo através de medidas judiciais, caso encontre oposições médicas e/ou familiares ao seu cumprimento. 

Quanto à idade mínima para se fazer um Testamento Vital, cada ordenamento tem buscado suas soluções, as quais convergem mais ou menos para o mesmo sentido.

Na Andaluzia todo paciente menor de idade tem direito a receber informações sobre sua enfermidade e intervenções propostas, de forma adaptada à sua capacidade de compreensão, tendo direito também a manifestar sua opinião, se já contar com pelo menos 12 anos.

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Na Holanda, maiores de 12 anos podem decidir inclusive sobre a abreviação de sua vida, através de procedimentos de Eutanásia (emprego ou abstenção de procedimentos que permitem apressar ou provocar o óbito de um doente incurável).

Na Argentina, reconhece-se a autonomia da vontade dos menores de idade, os quais têm direito a intervir para efeito de tomada de decisões sobre terapias e procedimentos médicos que envolvam sua vida e saúde.

No Brasil, a doutrina médica recomenda que o médico procure incluir o paciente pediátrico nesse processo, à medida que ele se desenvolve e que for identificado como capaz de avaliar seu problema. Embora não haja unanimidade sobre este tema, alguns autores consideram que, a partir dos seis anos de idade, a criança começa a desenvolver a capacidade de compreender as consequências de seus atos, amadurecendo essa capacidade até o final da adolescência. Desta forma, seria possível reconhecer, pelo menos em tese, o direito à criança de fazer opções sobre procedimentos diagnósticos e terapêuticos, ainda que em situações de risco de vida, desde que com a participação e o consentimento de seus pais ou responsáveis.

A doutrina especializada ainda fala em procurar “captar os desejos da criança”, embora esta não seja considerada capaz e, já a partir dos 16 anos, não há dúvida entre a doutrina brasileira sobre a capacidade para fazer qualquer testamento, e, portanto, inclusive o Testamento Vital, sem a necessidade de assistência de seus pais.

Por fim, frise-se que, além da possibilidade do Testamento ser feito na forma pública, em Cartórios de Notas, já existe até mesmo um banco de dados de Testamentos Vitais privados, disponível on line (www.rentev.com.br).

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Sobre o autor
Cristian Fetter Mold

Advogado no Distrito Federal, FETTER MOLD ADVOCACIA, Professor de Graduação e Pós-Graduação na Escola de Direito de Brasília - EDB (Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP), Professor na Escola Superior da Advocacia ESA (OAB-DF) e membro do IBDFAM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLD, Cristian Fetter. Morte digna e testamento vital: breves considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5079, 28 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45394. Acesso em: 19 mar. 2024.

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