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A Justiça e o Direito da Índia

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13/12/2003 às 00:00
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A religião predominante da Índia traz em seu bojo estruturas próprias de Direito e de Justiça. A luta entre o moderno e o antigo é fundamental para entender o país.

1 - INTRODUÇÃO

O Leitor fará certamente a pergunta: - Por que a Justiça e o Direito da Índia?

Na verdade, é um país que não tem projeção na área jurídica, mas somente na área religiosa, valendo a afirmação de STREETER e APPASAMY (Internet): a Índia é o país dos místicos, tendo, como diz ZINS (1993:5), a inacreditável vivacidade de uma cultura antiga supostamente pouco mudada no curso dos séculos e totalmente dominada pelos templos e castas.

Berço do hinduísmo, budismo, sikismo e jainismo, é visitado por milhares de turistas, que ali vão beber da fonte do conhecimento religioso para direcionar sua vida. Entretanto, ali não aparece nenhum visitante estrangeiro à procura de lições jurídicas. Essa a verdade.

Entretanto, a Índia chamou-nos a atenção justamente porque sua religião predominante (hinduísmo) traz em seu bojo também estruturas de Direito (dharma) e de Justiça próprias, tudo isso que veremos detalhadamente, sendo que essas estruturas ainda perduram para grande parte da população com muita pujança e convivem com o Direito e a Justiça estatais disputando espaço. Justamente essa coexistência entre o Direito oficial e o Direito religioso é a peculiaridade jurídica desse grande país, onde a tradição e a modernidade atingem extremos.

Essa luta entre o moderno e o antigo é o diferencial para se entender a Índia.

Essa coexistência existiu na Idade Média européia em que, ao lado do Direito e da Justiça estatais, se faziam presentes e Direito e a Justiça da Igreja Católica.

Quanto ao Direito religioso, sua expressão mais importante consolida-se no Direito hindu, pois a maior parte da população é adepta do hinduísmo, sendo representado pelo dharma (conjunto de deveres a serem cumpridos pelos hinduístas) e pelos costumes, válidos para cada casta (veremos depois o que significam) e subcasta separadamente.

A Justiça hindu (religiosa) é representada por "assembléias" dentro de cada casta e subcasta, como também veremos.

Quanto ao Direito e a Justiça estatais são, sobretudo, o resultado de cerca de dois séculos de influência direta da Inglaterra, com adaptações indígenas, alguma interferência da França, Holanda e Portugal (todos esses quatro colonizadores) e a natural evolução posterior à independência do país (que ocorreu em 1947).

No entanto, o que chama a atenção quanto ao Direito e a Justiça estatais da atualidade é a flagrante procura pela igualdade social e pelo ideal do justo nos processos, para tanto dispensando-se muitas regras consagradas do Direito Processual.

Verifica-se na Índia uma situação de extremos: de um lado o hinduísmo pregando aos seus adeptos uma vida de conformação fatalista e principalmente aos pobres sua aceitação à indigência para merecer reencarnações mais felizes (Direito hindu) e sua Justiça interna ("assembléias" de casta) punindo os membros inadaptados, e, de outro, o Direito estatal legislando sobre direitos e deveres de todos e a Justiça estatal lutando pela abolição das desigualdades extremas.

Outro detalhe importante a ser lembrado é que a área abrangida pelo Direito hindu é cada vez mais restrita: primeiro porque só diz respeito aos adeptos do hinduísmo, e, segundo, porque somente tem validade para determinadas relações jurídicas, principalmente quanto ao Direito de Família.

O presente estudo pretende ser uma viagem pelo mundo do passado e do presente do segundo mais populoso país do planeta (mais de 1 bilhão de habitantes), que, ao lado da fome e falta de saúde de milhões de cidadãos, analfabetismo, desigualdade chocante da situação dos "intocáveis" (párias), corrupção política e problemas sociais graves, narrados pelas penas magistrais de Gita MEHTA e Vidiadhar Surajprasad NAIPAUL, detém a técnica da fabricação da bomba atômica, é muito desenvolvido nas pesquisas espaciais, é o maior exportador de softwares de computador, tem a maior universidade do mundo (Calcutá) e é a maior democracia do mundo, tendo eleito em 1997 o Presidente Narayanan, para nós, surpreendentemente, um "intocável" (pária).

É, sem dúvida, um país de contrastes impressionantes.

Este estudo não pretende ser laudatório nem também peça de acusação. Procura somente mostrar uma realidade e deixar para o ilustrado Leitor as conclusões. Abriu-se exceção praticamente apenas, quanto ao elogio ao advogado, político e filósofo Mohandas K. GANDHI, por uma torrente irresistível de emoção e reconhecimento pelo bem que trouxe à humanidade toda.

Conheçamos então a Índia, agora, através do seu Direito e sua Justiça, devendo sempre ficar presente para nós as observações de ANNOUSSAMY (2001) quando afirma:

Quem quer que aspire ao conhecimento completo do Direito da Índia será levado necessariamente a estudar o Direito hindu antigo bem como o Direito indiano moderno. (p. 9)

... existem na Índia diversos estratos de Direito. Apesar de as camadas recentes serem dominantes, as antigas não restam completamente esquecidas. Eles vêm à superfície em determinadas localidades por força própria ou mesmo chamadas pelas camadas mais recentes. Assim, todas essas fontes conservam seu interesse. (p. 16)

... para as populações tribais, cujo número se eleva a mais ou menos 80 milhões de pessoas, o costume é a única fonte em matéria de Direito pessoal e para todas as transações no interior de cada tribo. Nem os textos sagrados hindus nem as leis modernas relativas ao Direito hindu lhes são aplicáveis, porque essas pessoas não pertencem à religião hindu. Os costumes variam evidentemente de tribo para tribo, se bem que se possa classificá-las em famílias, considerando as semelhanças existentes. (p. 16)

No extremo sul, na região tamul, a lei permanece inteiramente costumeira, sendo que os dharma-sastras se aplicam apenas aos brâmanes. (pp. 16-17)

Mesmo após a elaboração dos textos de leis modernas sem base religiosa, é o costume que é aplicado quando não se procuram os Tribunais e Cortes estatais, ou seja, em grande número de casos.

Também, essas leis previram exceções em favor dos costumes. Essas exceções são relativamente numerosas.

... esse Direito [Direito hindu] não é imóvel. Constatamos variações importantes no curso dos séculos tanto nas idéias como nas apresentações dos Códigos. A regulamentação segue a evoluçãoda sociedade. Vimos o Direito se laicizar. Títulos de litígios aparecem, ganham importância ou a perdem. Passando de Gautama a Manu, depois a yajnavalkaya, tem-se a impressão de passar de uma sociedade pastoral (regras numerosas sobre oas animais errantes) a uma sociedade agrícola (aparecimento dos litígios sobre os limites de terras), depois a uma sociedade urbana e comerciante (documentos escritos, sociedades comerciantes). O Direito da mulher, a situação dos sudras, o Código do Trabalho sofrem modificações importantes que poderiam estar ligadas a mudanças de mentalidade nascidas do budismo e do jainismo.


2 - A EVOLUÇÃO DA ÍNDIA

Todo processo indica uma perturbação que afeta a ordem do Universo. Ao juiz incumbe a obrigação de restaurar a ordem.

(pensamento indiano antigo)

País que consagrou a desigualdade das pessoas pelo nascimento, através da realidade das castas [1] (que acabou gerando a "intocabilidade"), foi a Índia abalada em sua aparente imobilidade primeiro pela ideologia islâmica por cerca de oito séculos, através da presença ditatorial mogol (árabe) no país nesse período, sendo contrastada pelo credo islâmico da igualdade entre os crentes; depois pela européia (francesa, portuguesa e holandesa, mas sobretudo inglesa, esta última por cerca de dois séculos) também com de igualdade, baseada nos preceitos iluministas da europa, devendo-se pesar também o esforço das religiões surgidas na própria Índia como dissidências dentro do hinduísmo (budismo, sikismo e jainismo), que também forçaram no sentido da igualdade social. Entretanto, mesmo assim, com todos esses séculos de combate sistemático à desigualdade social, a Índia (representada pela maioria hinduísta) somente passou a tolerar, mais ou menos, a idéia da igualdade de todos os indianos depois da pregação sacrificial de Gandhi, que culminou com seu assassinato, e das lutas idealistas de Ambedkar, Rajah e Srinavasan, dentre outros.

Efetivamente, a maioria hindu não consegue encarar com naturalidade a idéia de que as pessoas sejam iguais e que todos mereçam progredir socialmente, uma vez que naquele país se fixou, desde milênios, a crença de que cada um deve viver no nível em que nasceu por deméritos de vidas passadas (caso dos membros das castas mais desprestigiadas) ou méritos de vidas passadas (para os membros das castas mais elevadas) para que uns e outros alcancem o paraíso após a morte. É a presença forte da religião na vida diária de cada um.

Para os ocidentais fica a imagem do hinduísta como frio e insensível frente aos sofrimentos das classes mais pobres, mas, na verdade, trata-se essa realidade da crença no fatalismo, na Justiça Divina, que não pode ser questionada nem modificada, gerando essa imobilidade, essa aceitação dolorida para a maioria, acatada mais ou menos resignadamente pelas massas sofredoras.

Mas, a instrução das populações, a globalização, a troca de experiências com outros povos, tudo isso tem feito os indianos em geral pretenderem uma realidade nova para si e seu país. Assim, dentro da realidade indiana moderna, principalmente após a edição da Constituição (1950) talvez a conquista mais importante a ser alcançada seja o reconhecimento da igualdade entre as pessoas como forma de solucionar os problemas do país, pois, sem isso, o país estará sempre vitimado pelo analfabetismo e a pobreza.

A situação de desigualdade social é o problema mais grave do país, do qual os demais (pobreza, analfabetismo etc.) são meras conseqüências.

Outro ponto importante a esclarecer é que os indianos nunca foram uma unidade, uma vez que a divisão e subdivisão da sociedade sempre foi uma regra fixa: primeiro, a divisão em religões, que não se comunicam entre si, e, dentro da maior delas (hinduísmo), a divisão dos adeptos em quatro castas (subdivididas em milhares de subcastas), sem contar os inúmeros dalits (conhecidos no Ocidente como párias, homens e mulheres sem castas, que são considerados a escória da sociedade). Somente após a independência se passou a pensar verdadeiramente em termos de país, coletividade, direitos, principalmente quanto aos excluídos. A existência de muitas línguas e dialetos, tradições e costumes diversificados também dificultam fazem do país uma colcha de retalhos.

As noções de Direito e Estado eram inexistentes para a Índia até há algum tempo atrás. Somente se tratava de religião, num individualismo exacerbado.

Hoje o país é um caldeirão de tendências tradicionalistas e progressistas lutando entre si dentro e fora de cada indiano, mas pouco a pouco seguindo cada um e todos em direção à compreensão de que a religião verdadeiramente aplicada não é incompatível com a conquista dos progressos culturais e materiais.

Mas, sigamos por esse caminho passo a passo.

2.1 - A HISTÓRIA

Para um povo, como o indiano (referimo-nos aqui aos hindus, adeptos do hinduísmo), a História, no sentido como a conhecemos no Ocidente, não é importante, pois geralmente não lhe interessam a figura do rei, do chefe de Estado, do guerreiro conquistador e dos empreendedores do progresso material, mas sim o brâmane, mestre da religião, conhecedor das realidades do espírito, aquele que mereceu, pelo nascimento, ter contato com as obras sagradas do hinduísmo.

Assim, seus livros mais antigos preocupam-se em ensinar a religião principalmente, e nunca relatar a vida dos personagens importantes, identificando datas e eventos de interesse puramente material.

E, se alguém escrevesse a história (nos padrões ocidentais de datas e eventos políticos) da Índia, provavelmente não encontraria muitos leitores, pois a maioria (pelo menos dos hindus), estaria preocupada somente em viver de forma coerente com seu dharma (regras de conduta) para merecer nas reencarnações posteriores nascer em castas cada vez mais superiores.

Pelo que se diz, apesar de muitos historiadores mencionarem datas mais recentes, a civilização da Índia data de mais ou menos 8.000 anos, antecedendo inclusive a egípcia e a judaica.

Enumeremos então os dados históricos possíveis, de acordo com os historiadores ocidentais.

O ALMANAQUE ABRIL 2001 diz:

A origem da nação hindu é a civilização que se desenvolve desde 2500 a.C. no vale do rio Indo, onde hoje fica o Paquistão. A região é conquistada em 1500 a.C. pelos arianos, que implantam uma sociedade baseada num sistema de castas. Sua religião é o hinduísmo. Após a invasão de Alexandre, o Grande, entre 327 a.C. e 325 a.C., forma-se em 274 a.C. o Reino de Asoka, que unifica a Índia sob o budismo. O hinduísmo retoma pouco depois sua posição dominante.

A cultura hindu atinge o apogeu no século IV com a dinastia Gupta. No século VII, o oeste da Índia é invadido pelos árabes, que trazem o islamismo. A nova fé conquista camadas importantes da população, que vêem no Islã - cuja premissa é a igualdade de todos diante de Deus - uma oportunidade de escapar da rigidez social do sistema de castas.

Domínio ocidental - O auge da hegemonia muçulmana, com a dinastia Mogul (1526 a 1707), coincide com a presença ocidental na Índia, impulsionada pelo comércio de especiarias. Em 1510, os portugueses completam a conquista de Goa, na costa oeste do país. Sucessivamente, ingleses, holandeses e franceses criam companhias de comércio com a Índia. Em 1690, os ingleses fundam Calcutá, mas só depois de uma guerra contra a França (1756-1763) o domínio do Reino Unido se consolida na região.

No século XIX, os ingleses reprimem várias rebeliões anticolonialistas. Paradoxalmente, a cultura britânica torna-se um fator de união entre os indianos, que, com o inglês, adquirem uma língua comum. A organização política que governaria a Índia independente, o Partido do Congresso, é fundada em 1885 por uma elite nativa de educação ocidental. Nos anos 20 cresce a luta nacionalista sob a liderança do advogado Mohandas Gandhi, conhecido como o Mahatma. Pacifista, Gandhi desencadeia um amplo movimento de desobediência civil que inclui o boicote aos produtos britânicos e a recusa ao pagamento de impostos.

Independência - A luta contra o colonialismo britânico termina com a independência, em 1947. Os líderes muçulmanos indianos decidem formar um Estado independente, o Paquistão, a oeste da Índia. A partilha, baseada em critérios religiosos, provoca o deslocamento de mais de 12 milhões de pessoas. Choques entre hindus e muçulmanos deixam 200 mil mortos. Gandhi, a contragosto, aceita a divisão do país e é assassinado por um fundamentalista hindu em 1948.

Guerras com o Paquistão - Índia e Paquistão travam uma guerra pelo controle da Caxemira que se estende até 1948, concluindo com a divisão da área entre os dois países. O conflito indiano-paquistanês se enquadra na Guerra Fria - a Índia tem o apoio soviético e o Paquistão, o respaldo dos EUA. O primeiro governante da Índia independente, o primeiro-ministro Jawaharlal Nehru, adota uma política estatizante de inspiração socialista. Nehru morre em 1964. Em 1966, a filha de Nehru, Indira Gandhi, assume o poder.

Índia e Paquistão entram mais uma vez em guerra, em 1971, quando o governo indiano apóia os separatistas bengalis da província do Paquistão Oriental, isolada do resto do Paquistão por quase 2 mil km. Os paquistaneses capitulam reconhecendo a criação de Bangladesh como país independente.

Conflitos étnicos - Em 1974, a Índia explode sua primeira bomba atômica. Indira Gandhi deixa o governo em 1977, mas retorna em 1980. Irrompem conflitos étnicos por todo o país. Os sikhs, grupo étnico e religioso, formam uma organização pela independência do estado do Punjab, onde são maioria. Uma série de atentados leva a primeira-ministra a ordenar, em 1984, a invasão do principal santuário sikh, o Templo Dourado de Amritsar. Centenas de sikhs morrem na ação. Em represália, os rebeldes assassinam Indira, causando outra onda de violência.

O novo primeiro-ministro é o filho de Indira, Rajiv Gandhi. Seu governo é marcado pela agitação étnica, por acusações de corrupção e pelo crescimento do partido fundamentalista hindu Bharatiya Janata (BJP), que se torna uma força importante no Parlamento nas eleições de 1989. O Partido do Congresso, por sua vez, perde a maioria parlamentar e Rajiv renuncia. Durante a campanha eleitoral de 1991, vencida pelo partido, Rajiv é morto por separatistas tâmeis do Sri Lanka.

Fundamentalismo hindu - A animosidade entre hinduístas e muçulmanos, insuflada pelo BJP, gera conflito em torno de uma antiga mesquita na cidade de Ayodhya, instalada onde, segundo a tradição hindu, nasceu o deus Brahma. O governo se omite e, em 1992, milhares de hinduístas destroem a mesquita, deflagrando uma onda de violência que deixa 1,2 mil mortos.

Em 1994, o Partido do Congresso perde as eleições locais, em geral para adversários nacionalistas. Dois anos depois explode o maior escândalo de corrupção da história do país, que envolve membros do Partido do Congresso e do BJP. Inicia-se uma fase marcada pela formação e queda de coalizões. O primeiro-ministro Narasimha Rao renuncia à chefia do governo em maio de 1996. No mês seguinte, o líder da aliança de centro-esquerda Frente Unida (FU), Deve Gowda, toma posse como primeiro-ministro, mas abdica em abril de 1997, após perder o apoio do Partido do Congresso. Em julho é empossado como presidente Kocheril Raman Narayanan, primeiro membro dos párias - grupo que não pertence a nenhuma casta da escala social hinduísta por ser considerado impuro - a ocupar a chefia de Estado.

Nacionalismo - O BJP é o partido mais votado nas eleições de fevereiro e março de 1998. Com o apoio de forças regionais e ultranacionalistas, obtém a maioria parlamentar e seu líder, Atal Behari Vajpayee, se torna primeiro-ministro. Pela primeira vez, os ultranacionalistas hindus assumem o poder no país. O BJP reverte as diretrizes econômicas de abertura ao capital estrangeiro e de privatização de empresas estatais, em curso no país desde 1993.

Testes nucleares - O governo indiano realiza cinco explosões nucleares subterrâneas no deserto do Rajastão, em maio de 1998, reprovadas com veemência pela comunidade internacional. Trata-se de uma demonstração de força perante o Paquistão, que responde com seis testes nucleares no final do mês. Recomeçam os combates na Caxemira.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS - A tensão entre Índia e Paquistão diminui com a assinatura, em fevereiro de 1999, de um acordo pelo qual os dois países se comprometem a avisar o vizinho antes de qualquer teste de mísseis. O gabinete de Vajpayee cai em abril em meio a uma crise na coalizão governista. Novas eleições são convocadas para setembro e outubro.

Aproveitando a crise no governo, guerrilheiros muçulmanos - apoiados pelo Paquistão - ocupam áreas estratégicas em Jammu e Caxemira. A Índia reage com uma grande ofensiva aérea e terrestre e os dois países travam o mais sério confronto na região em 30 anos, que deixa cerca de 1,2 mil mortos. Os guerrilheiros retiram-se em julho, após o Paquistão admitir - num ato inédito - que seus soldados participaram do ataque.

O triunfo militar garante a vitória eleitoral do BJP e partidos aliados, que conquistam 298 assentos - de um total de 543 - na Casa do Povo. O Partido do Congresso tem seu pior resultado desde a independência. Em outubro, Vajpayee é reconduzido à chefia de governo.

Terrorismo no ar - Na véspera do Natal, guerrilheiros separatistas da Caxemira seqüestram um Airbus da Indian Airlines após ter decolado de Katmandu, no Nepal, com destino a Nova Délhi. A aeronave faz escalas na Índia, no Paquistão e nos Emirados Árabes Unidos (onde o cadáver de um jovem indiano é entregue), até ser desviada para o Afeganistão. O drama dos mais de 150 passageiros a bordo só termina no dia 31, quando o governo indiano atende à reivindicação dos terroristas e liberta da prisão três rebeldes muçulmanos. Autoridades indianas acusam o Paquistão de envolvimento no seqüestro.

Choques étnicos e religiosos - O ano 2000 é marcado pelo aumento da violência. Conflitos entre hindus e imigrantes bengalis deixam cerca de 170 mortos, em maio, no estado de Tripura. Na Caxemira, centenas de hindus e muçulmanos, em sua maioria civis, morrem em combates nos primeiros meses do ano. O Hizbul Mujahidine, principal grupo separatista em Jammu e Caxemira, anuncia uma trégua unilateral em agosto. Pela primeira vez em 11 anos, o governo indiano suspende as operações militares na região. Mas a negociação fracassa, diante da negativa da Índia em aceitar a participação do governo paquistanês no processo de paz.

Vajpayee acelera a privatização de estatais e, em setembro de 1999, anuncia a criação de zonas econômicas especiais, livres de impostos, que funcionarão como pólos exportadores. O país torna-se o maior provedor mundial de softwares e também de cientistas e técnicos na área de tecnologia de informação. Entre 1998 e 1999, os EUA concedem cerca de 69 mil vistos de trabalho temporário a pesquisadores indianos. Desde o fim da Guerra Fria, os EUA ensaiam uma aproximação com a Índia. O presidente Bill Clinton visita o país em março de 2000, enquanto a Casa Branca lança críticas ao apoio que o Paquistão, seu tradicional aliado, dá aos separatistas muçulmanos. No dia 11 de maio de 2000, nasce em Nova Delhi a menina Astha Arora, escolhida simbolicamente como a cidadã indiana número 1 bilhão.

A EMBAIXADA DA ÍNDIA NO BRASIL, através do seu site na Internet (http://www.indianembassy.org.br) apresenta alguns dados históricos e fornece dados sobre o país:

Os abrigos de Bhimbetka, na forma de cavernas, situados na faixa central da Índia, apresentam a narrativa da história desde o período pré-histórico até o histórico. Uma das mais antigas civilizações do mundo se desenvolveu por volta de 3000 a.C. no vale fértil do rio Indu. As escavações feitas em Mohenjodaro e Harappa indicam a existência de uma civilização que vivia em cidades bem planejadas. Marcas, bem como a existência de estaleiros em Lothal parecem indicar um comércio marítimo com a Mesopotâmia. A presença ariana foi registrada por volta de 1.500 a.C. Além do cavalo, eles introduziram a adoração ao fogo.

De nômades a agricultores estabelecidos, os arianos desenvolveram aldeias comunitárias. O hinduísmo encontrava-se na sua fase inicial e o sânscrito, do qual derivam a maioria das escritas indianas do norte, era a língua prevalecente. As epopéias hindus, o Ramayana e o Mahabharata, são fruto deste período.

O fomento social e intelectual no século VI a.C., fez com que os pensadores como Mahavira e Gautama Buddha buscassem e oferecessem caminhos alternativos - o jainismo e o budismo.

Quanto Megathenes, Embaixador da Grécia visitou a Índia, no século III A.C., o norte foi consolidado num grande império subordinado à Chandragupta Maurya. Seu neto, Ashoka, O Grande (268-231 a.C.), porém é o mais conhecido. Profundamente angustiado, com o derramamento de sangue num campo de batalha, ele optou pela prática e a disseminação da filosofia budista de não-violência, tanto na Índia como no estrangeiro.

No sul, enquanto os governantes locais - os Cheras, Cholas e Pandyas, lutavam pela supremacia, o comércio marítimo com Roma floresceu. São Tomé veio à Índia no século I d.C. e estabeleceu, neste local, a comunidade cristã.

No período entre 320 e 480 d.C., conhecido por Era Dourada dos Guptas, a Índia vivenciou o desenvolvimento da arte, cultura, literatura e da ciência. Foram escritos tratados eruditos sobre assuntos desde a medicina e a matemática, a astronomia e, até mesmo, acerca do amor (o famoso Kamasutra).

Qutub-ud-din Aibak da dinastia escrava lançou a base do governo muçulmano na Índia no século XIII. Os Tughlaqs e os Lodis sucederam os Aibaks. No século XIV, Dabur estabeleceu neste local o reino Mugal. Akbar, seu neto (1562-1605) é visto até hoje como um governante progressivo, pois tentou de muitas formas - através de um sistema administrativo, artístico, cultural, e até religioso, amalgamar diferentes culturas. Também, fisicamente o reino dividido se tornou um império. Outro governante, o Shahjehan, famoso pelo Taj Mahal, sua criação imortal, conduziu o império Mugal para o auge da sua glória. Aurangzeb foi o último grande imperador da dinastia Mugal.

O século XVII trouxe os europeus: ingleses, holandeses e portugueses estabeleceram os seus postos comerciais. Logo, os interesses comerciais juntamente com as aspirações políticas (um processo no qual os governantes locais desenvolveram um papel importante) e a luta pelo poder começaram a serem sentidos. A Batalha de Plassey, em 1757 foi decisiva, durante o qual os ingleses ganharam supremacia em relação aos outros.

O governo britânico ofereceu à Índia uma rede ferroviária e o estabelecimento da burocracia. Porém, as aspirações nacionais e o desejo da autodeterminação da parte dos indianos resultou na Primeira Guerra da Independência em 1857. Embora, brutalmente oprimidos, marcou o início da luta na qual o Congresso Nacional Indiano, fundado em 1885, foi a espinha dorsal. Finalmente, em 15 de agosto de 1947 a Índia ganhou a sua independência. Em 26 de janeiro de 1950 ela se tornou uma república.

O POVO

Quatro grandes grupos raciais se encontraram e se desenvolveram nesta terra fértil, oferecendo uma grande diversidade à sua população. A diversidade racial influenciou os padrões de estilo de vida tanto quanto se pode observar.

Os estilos de vida, costumes, tradições e crenças religiosas variam. Na verdade, não há uma característica indiana limitada, mas uma rara catolicidade. As pessoas são unidas, aceitando estilos e crenças individuais. A maioria dos indianos são hindus, mas os muçulmanos, sikhs, cristãos e os judeus gozam de liberdade religiosas e festivais de religiões diferentes como o Holi (festival de cores), Diwali (festival de luzes), Id, Natal e Sexta-feira Santa são celebrados por todos com muito fervor.

Estilos sartoriais são também diversos, embora as mulheres usem sari no país inteiro. Igualmente diverso é o repertório da culinária, que varia de apimentado e condimentado, passando pelo sutil e chegando até o suave. Os estilos diferem de região para região bem como de estado para estado. O que muitos acham impressionante é o número de pratos vegetarianos existentes, utilizados sem qualquer dúvida por um grande número de indianos que são vegetarianos.

Hindi é a Língua nacional. O Inglês também foi mantido como língua oficial de comunicação. Existem 15 línguas principais e 844 dialetos que são falados em diferentes regiões do país.

A Índia segue um regime parlamentar, sendo a maior democracia do mundo. A constituição garante a liberdade, igualdade e justiça a todos. As eleições, com base no direito a voto para maiores de idade, acontecem a cada cinco anos. O Parlamento é constituído por duas Câmara - a Lok Sabha com membros eleitos pelo povo e a Rajya Sabha, onde os membros são nomeados e eleitos. Membros de ambas as Câmaras e as Assembléias Estatais elegem o Presidente para um tempo de cinco anos. O Presidente é o chefe do Estado e o Comandante Chefe das Forças Armadas. A pessoa que goza do apoio da maioria na Lok Sabha é nomeada Primeiro Ministro pelo Presidente. O Presidente nomeia outros Ministros aconselhado pelo Primeiro Ministro.

Há vinte e seis estados e seis territórios na União. Cada Estado tem um Governador na chefia, assistido por um Conselho de Ministros, sendo o Ministro Chefe seu líder.

O Judiciário, independente do executivo, é o guardião e o intérprete da Constituição. O Tribunal Supremo na Chefia do sistema Judiciário é o tribunal máximo do país.

2.2 - A ÍNDIA ATUAL

O ALMANAQUE ABRIL 2001 nos dá informações a respeito:

Além da diversidade de línguas e culturas, a Índia é a terra de origem do hinduísmo e do budismo. Essas religiões têm enorme importância no cotidiano do país e seus seguidores nem sempre convivem pacificamente. Violentos conflitos entre a maioria hinduísta e as minorias muçulmana e sikh levaram ao assassinato de Mahatma Gandhi, principal líder do movimento pela independência, da ex-primeira-ministra Indira Gandhi e de seu filho, Rajiv, e continuam a abalar o país. A Índia também vive um confronto latente com o vizinho Paquistão, a quem acusa de incentivar o separatismo na província de Jammu e Caxemira, de maioria muçulmana.

O território da Índia ocupa a maior parte de uma vasta planície que, isolada do resto da Ásia pela cordilheira do Himalaia, forma o Subcontinente Indiano. Desastres naturais, como tufões, ciclones e intensas ondas de calor, ocorrem com freqüência na região. O solo é fértil, há extensos recursos minerais e rios caudalosos, como o Ganges, considerado sagrado pelos hindus. Uma das principais economias agrícolas do mundo, a Índia lidera a produção de várias culturas. A maior parte se destina ao consumo de seus habitantes, dos quais 70% vivem da agricultura de subsistência. Ao lado das inúmeras aldeias rurais, existem grandes cidades, como Mombai - antiga Bombaim - e Calcutá.

O tamanho da população (1 bilhão) contribui para a existência de imensos contrastes: mesmo com o 11º maior PIB mundial, cerca de 600 milhões de indianos vivem na miséria. Segundo a ONU, em 2050 a Índia será o país mais populoso do mundo, superando a China. No extremo oposto, a considerável parcela dos indianos com acesso à educação garante ao país papel de destaque na produção científica - farmacêutica e informática. Em 1999, a Índia torna-se o maior exportador mundial de softwares, atividade que rende cerca de 4,2 bilhões de dólares anuais.

DADOS GERAIS

República da Índia (Bharat Juktarashtra).

CAPITAL - Nova Délhi.

NACIONALIDADE - indiana.

DATA NACIONAL - 26 de janeiro (Proclamação da República); 15 de agosto (Independência); 2 de outubro (aniversário de Gandhi).

GEOGRAFIA - Localização: centro-sul da Ásia. Hora local: +8h30. Área: 3 287 782 km2. Clima: de monção (maior parte), tropical, equatorial (S), árido tropical (NO), de montanha (N). Área de floresta: 650 mil km2 (1995). Cidades principais: Mumbai (ex-Bombaim) (aglomerado urbano: 15 725 000 em 1996; cidade: 9 925 891 em 1991), Calcutá (aglomerado urbano: 12 118 000 em 1996; cidade: 4 399 819 em 1991), Nova Délhi (aglomerado urbano: 10 298 000 em 1996; cidade: 7 206 704 em 1991); Madras (5 906 000), Bangalore (4 749 000) (aglomerados) (1995).

POPULAÇÃO - 1 bilhão (2000); composição: indo-arianos 72%, drávidas 25%, mongóis e outros 3% (1996). Idioma: hindi (oficial), línguas regionais (principais: telugu, bengali, marati, tâmil, urdu, gujarati). Religião: hinduísmo 80,3%, islamismo 11% (sunitas 8,2%, xiitas 2,8%), cristianismo 3,8% (católicos 1,7%, protestantes 1,9%, ortodoxos 0,2%), sikhismo 2%, budismo 0,7%, jainismo 0,5%, outras 1,7% (1991). Densidade: 308,32 hab./km2. População urbana: 28% (1998). Crescimento demográfico: 1,6% ao ano (1995-2000). Fecundidade: 3,13 filhos por mulher (1995-2000). Expectativa de vida M/F: 62/63 anos (1995-2000). Mortalidade infantil: 72‰ (1995-2000). Analfabetismo: 44,2% (2000). IDH (0-1): 0,563 (1998).

GOVERNO - República parlamentarista. Divisão administrativa: 25 estados. Chefe de Estado: presidente Kocheril Raman Narayanan (desde 1997). Chefe de governo: primeiro-ministro Atal Behari Vajpayee (BJP) (eleito em 1998, renuncia em abril de 1999 e volta ao cargo em outubro).

Principais partidos - do Congresso, do Povo Indiano (Bharatiya Janata) (BJP). Legislativo: bicameral - Conselho de Estado, com 245 membros (a maioria eleita pelas assembléias estaduais e o restante indicado pelo presidente) com mandato de 6 anos; Casa do Povo, com 545 membros (543 eleitos por voto direto e 2 nomeados pelo presidente) com mandato de 5 anos. Constituição em vigor: 1950.

ECONOMIA - Moeda: rúpia indiana; cotação para US$ 1: 44,38 (jul./2000). PIB: US$ 430 bilhões (1998). PIB agropecuária: 29%; PIB indústria: 25%; PIB serviços: 46% (1998). Crescimento do PIB: 6,1% ao ano (1990-1998). Renda per capita: US$ 440 (1998). Força de trabalho: 431 milhões (1998). Agricultura: algodão em pluma, arroz, chá, castanha de caju, juta, café, cana-de-açúcar, legumes e verduras, trigo, especiarias, feijão. Pecuária: bovinos, ovinos, caprinos, suínos, eqüinos, camelos, búfalos, aves. Pesca: 5,4 milhões t (1997). Mineração: minério de ferro, diamante, carvão, asfalto natural, cromita. Indústria: alimentícia, siderúrgica (ferro e aço), têxtil, química. Exportações: US$ 32,9 bilhões (1998). Importações: US$ 42,2 bilhões (1998). Parceiros comerciais: EUA, Japão, Reino Unido, Alemanha.

DEFESA - Efetivo total: 1,2 milhão (1998). Gastos: US$ 13,8 bilhões (1998).

RELAÇÕES EXTERIORES - Organizações: Banco Mundial, Comunidade Britânica, FMI, OMC, ONU.

2.3 - AS RELIGIÕES MAIS IMPORTANTES

Estudar a Índia sem abordar suas religiões seria como estudar Roma antiga sem o Direito Romano, ainda mais quando se trata de um estudo jurídico, sabendo-se da já mencionada bifurcação do Direito naquele país: Direito hindu (religioso) e Direito indiano (estatal).

Deve-se esclarecer que as religiões serão mencionadas na ordem decrescente de adeptos naquele país.

2.3.1 - O HINDUÍSMO

O ALMANAQUE ABRIL 2001 mostra um pouco do que seja o HINDUÍSMO:

Conjunto de princípios, doutrinas e práticas religiosas dominante na Índia, conhecido dos seguidores pelo nome sânscrito Sanatana Dharma, que significa a ordem permanente. Está fundamentado nos Vedas (conhecimento, em sânscrito), conjunto de textos sagrados compostos de hinos de louvor e ritos. Suas características principais são o politeísmo e a crença na reencarnação. O hinduísmo é a terceira religião do mundo em número de praticantes e seus preceitos influenciam fortemente a organização da sociedade indiana.

História e doutrina - A tradição védica nasce com os arianos, povos das estepes da Ásia central, que a levam para a região da Índia em 1500 a.C., ao invadir e conquistar os vales dos rios Indo e Ganges. Baseia-se em uma memória coletiva sobre deuses tribais e cósmicos transmitida oralmente e, posteriormente, registrada em livros sagrados, os Vedas. Esses livros são agrupados em quatro volumes durante o século X a.C e contêm as verdades eternas reveladas pelos deuses: a ordem (dharma universal) que rege as coisas e os seres, organizando-os em categorias, as castas ou varnas.

Segundo os Vedas, o ser humano está preso a um ciclo eterno de morte e renascimento, chamado samsara, pelo qual está fadado a reencarnar e a sofrer em infinitas vidas. As reencarnações, como ser humano ou animal, são regidas pelo carma, preceito segundo o qual a forma como renascemos em nossa vida atual foi definida na vida anterior, pelo estágio espiritual que alcançamos e os atos que nela praticamos. O hindu busca fundir-se a Brahman, a verdade suprema, espírito que rege o Universo. Isso só é possível libertando-se do samsara pela purificação de seus infinitos carmas, atingindo o estágio conhecido como nirvana, a sabedoria resultante do conhecimento de si mesmo e do universo. O caminho para o nirvana passa pelas práticas religiosas, pelas orações e pela ioga, mas muitos hindus adotam também dietas vegetarianas e o ascetismo (renúncia aos bens e prazeres materiais) para atingi-lo.

Do século IX ao XIV floresce o tantrismo, corrente que prega o aperfeiçoamento espiritual pelo domínio da mente e do corpo, incluindo hábitos e práticas sexuais. Em reação à expansão do islamismo na Índia, a partir do século VII, e ao domínio britânico, iniciado no século XVIII, surgem várias correntes no hinduísmo.

Textos sagrados - O hinduísmo possui extensa literatura com preceitos relativos à vida cotidiana e à organização social. Os mais antigos, os Vedas ou Conhecimento, reúnem ensinamentos anteriores ao século X a.C. Além desses, são importantes os Puranas (narrativas sobre a tríade divina Brahma, Shiva e Vishnu, as festas e condutas do hindu), o Mahabharata (O Grande Combate dos Bharata), poema que trata da luta do bem e do mal, dos cultos a Shiva e Vishnu e as lutas entre as tribos hindus; os Upanishads (aulas dos mestres), o Ramayana (poema sobre o amor de Rama por Sita) e o Código de Manu (normas, regras e práticas sociais hindus).

Preceitos na vida social - O hinduísmo distingue quatro metas na vida humana: kama (prazer físico), artha (prosperidade), dharma [2] (condutas e deveres morais definidos pela casta do indivíduo e pelo dharma universal) e moksha (iluminação). As quatro metas têm relação com quatro etapas da vida ou ashramas, do nascimento à morte: na infância, estudar os Vedas e preparar-se para a vida; depois, casar-se e constituir família; aposentar-se do trabalho e desligar-se das posses materiais; e, na velhice, concentrar-se na busca religiosa.

Essas metas e etapas têm, por sua vez, matizes definidos para os indivíduos segundo as quatro castas (varnas) às quais podem pertencer. A dos brâmanes [3], os sacerdotes, é a mais elevada. Seguem-na a dos guerreiros [4]; a dos lavradores, comerciantes e artesãos; e, finalmente, a dos sudras, servos e escravos. Um quinto grupo, o dos párias, não é considerado casta por terem seus membros desobedecido, no passado, às leis religiosas. Tradicionalmente, os párias não podiam viver nas cidades, ler os livros sagrados ou se banhar no rio Ganges.

Divindades – Há centenas de deuses e deusas hindus. Todos são parte de Brahman, a essência universal. Três deles se destacam e compõem uma tríade divina, a Trimurti:

Brahma, o princípio criador, Shiva, o princípio destruidor e libertador, e Vishnu, o princípio protetor e preservador. Sempre que o mundo está sob ameaça do mal, Vishnu aparece para protegê-lo através de uma de suas dez reencarnações ou avatares. São eles, pela ordem, Matsya (o peixe), Kurma (tartaruga), Varaha (javali), Narasimha (homem-leão), Vamana (anão) Parashurama (homem com machado), Rama (príncipe herói), Krishna (herói que matou o demônio Kamsa) e Buda. O décimo avatar, Kalki, ainda não surgiu na Terra e virá para extirpar todo o mal e iniciar uma era do bem.

Rituais e comemorações - O hindu costuma manter em casa um altar de devoção a seu deus, no qual queima incenso, coloca flores, velas e oferendas. Também freqüenta os templos que estão entre os de arquitetura mais exuberante do mundo. Cada altar possui sempre a estátua de seu deus, e nos templos as imagens são diariamente despertadas pela manhã, lavadas, vestidas e enfeitadas com flores pelos sacerdotes. Diante do altar, os hindus recitam mantras, fórmulas sagradas escritas nos Vedas que podem aproximá-los dos deus. Peregrinar para visitar os templos e lugares sagrados são práticas habituais. Algumas das celebrações hindus são o Festival das Luzes, comemorado em todo o país no outono com o acender de velas, o Festival das Nove Noites para a deusa Durga, em setembro ou outubro, o Festival da deusa Shiva, em março, e o Festival de Krishna, em agosto.

No seguinte endereço de Internet encontra-se uma abordagem sobre BRAMANISMO (outra denominação do HINDUÍSMO): http://www.geocities.com/Athens/Parthenon/4643/bramanismo.html:

Apesar da escassez de dados confiáveis para pesquisa, os historiadores citam a Índia como berço do Bramanismo, uma das mais antigas religiões. A doutrina bramânica, nos seus primórdios, compunha-se de postulados esparsos, sem qualquer ordenação e era transmitida oralmente através de cânticos. Cerca de 14 séculos a. C., um sábio brâmane recebeu o nome de Vyasa (compilador) por seu trabalho, e ordenou adequadamente a religião brâmane. A sua fixação, entretanto, só ocorreu por ocasião do surgimento da escrita na Índia, entre os séculos IX e VIII a. C. Os ensinamentos védicos, escritos em sânscrito, passaram a constituir os Vedas ou Livros do Conhecimento Sagrado, a obra religiosa mais antiga de que se tem notícia.

Rigveda, o mais conhecido dentre eles, consta de hinos de aparência simplesmente devocional, mas que encobrem o segredo da Criação. Apenas os sacerdotes e iniciados distinguiam a verdade escondida sob o véu das alegorias. O Bramanismo, também conhecido por Induísmo, exotericamente desenvolveu-se, sofreu modificações, foi adulterado e, com o passar dos tempos, entrou em decadência, como é usual acontecer com as religiões. A sua essência, no entanto, continua inalterada e preservada pelos Mistérios, em santuários da Índia. A doutrina original pode ser resumida em Cinco Princípios, dos quais decorrem as demais diretrizes:

1 - Um Deus Único com Tríplice Manifestação (Trindade Divina). " O Ser Supremo se imola a Si próprio e Se divide para produzir a Vida Universal".

2 - A Natureza Eterna do Mundo "Ele sempre foi e sempre será. O mundo e os seres saídos de Deus voltam a Ele por uma evolução constante".

3 - A Reencarnação "Há uma parte imortal do homem que é aquela, ó Agni, que cumpre aquecer com teus raios, inflamar com teus fogos. De onde nasceu a Alma? Umas vêm para nós e daqui partem, outras partem e tornam a voltar".

4 - O Carma "Se vos entregardes aos vossos desejos, só fareis condenar-vos a contrair, ao morrerdes, novas ligações com outros corpos e outros mundos".

5 - O Nirvana "Estado de não desejo". O mais puro e íntegro da alma, livrando-a em definitivo da roda das encarnações. Considerado o coroamento da Perfeição. As Escolas Iniciáticas demonstravam cabalmente, na teoria e na prática, a relevância de alcançar o Nirvana, para se chegar a Deus. Para atingir essa condição, o Ego precisa se libertar de todos os desejos, mesmo os originados de sentimentos bons e altruístas. O Nirvana é um estado de consciência tão íntegro que toda doação é prestada naturalmente e não em decorrência de inclinação sentimental.

As Castas

Supõe-se que não faziam parte do corpo doutrinário original. Apesar de ser um preceito bastante antigo, parece constituir um adendo incluído em remotas épocas, pela mão imperfeita do ser humano. Prega a divisão em castas como consequência do Carma, pela qual o indivíduo por comportamento de vidas anteriores, renasce em determinada posição social, sofrendo efeitos decorrentes dessa circuntância. Tal proposição, rejeitada pela maioria dos reformadores do bramanismo, conforma uma tese a ser discutida, demonstrando a pequenez do ser humano, razão pela qual deve ser extinta, pois existem inúmeras maneiras de a Lei ser exercida, sem o agravamento maior imposto pela sociedade. A aceitação da divisão em castas significaria o mesmo que aprovar a escravidão, já que seriam escravos apenas os que construíram, em vidas passadas, as causas que ocasionaram esse efeito. Fica exposta a tese para que cada um escolha a que mais lhe esteja de acordo.

Conforme ensinado sigilosamente nos santuários, Agni, o fogo, é o símbolo do Eterno Masculino ou Espírito Criador. Soma, o licor do sacrifício, é o símbolo do Eterno Feminino, Alma do Mundo, Substância Etérea. Em Sua união perfeita, esses dois Princípios Essenciais do Universo, essa dualidade, constituem o Ser Supremo - Zians, ou seja, Deus.

O céu, o inferno e o processo de vidas sucessivas, regulamentados pelas leis de Manu, constam do Manava-Darma-Sastra, ou Livro das Leis, com especial sistema de sanções. Nele, o inferno, denominado de Naraca, é apresentado como forma de planos, vinte e um dos quais são particularmente descritos. Para o povo, mostravam-no simbolicamente, como todas as religiões, como sendo local tenebroso de trevas e tormentos,onde o fogo que purifica,queimava os maus. O céu também é classificado em planos na doutrina secreta, e era designado por Svarga.

Como o inferno, consiste em estados de consciência, difícil de ser compreendido mesmo pelos maiores conhecedores do assunto. Porisso, popularmente explicavam-no como um jardim de delícias, com a luz brilhando perpetuamente, onde os bons gozavam de bem-aventurança. Esses simbolismos, como todos os outros, tomados ao pé da letra, desfiguraram o verdadeiro pensamento, mostrado exclusivamente nas Escolas Iniciáticas. A massa, familiarizada apenas com as exterioridades, manteve esses conceitos desvirtuados, forma com que chegaram aos tempos de hoje, vez que a Verdade sempre permaneceu no hermetismo da doutrina. Outros Livros Sagrados complementam o acervo religioso da Índia. Os Brâmanas, comentários sobre os Vedas, delineiam uma fase da modificação da primitiva doutrina. Os Upanixades, significando literalmente Sentar-se sob um Mestre, revelam período diverso de alteração dessa religião. Os ensinamentos neles contidos, antes de serem fixados pela escrita, eram transmitidos secreta e oralmente pelos sacerdotes que os consideravam demasiado sagrados para serem conhecidos por leigos. Posteriormente, quando transformados em Livros, continuaram reservados exclusivamente aos que tinham acesso aos Mistérios. Constituem a base da moderna filosofia hindu. Eis uma das mais poéticas pregações de Amor, contidas nos Vedas e repetida com outras palavras em todas as religiões: "Sê, para teu inimigo, o que é a terra que recompensa com fartas colheitas o lavrador que lhe rasga o seio. Sê, para aquele que te aflige, o que é o sândalo, que perfuma o machado do lenhador que o corta".

A Grande Renovação do Bramanismo

Quando os ensinamentos védicos foram completamente esquecidos pelo povo e, em seu lugar surgiram as grandes aviltações da idéia-mãe, um iniciado com o nome de Krishna, criado por ascetas que viviam retirados junto ao Himalaia, saindo de seu isolamento, renovou a religião primitiva. A história de sua vida e os princípios por ele defendidos são conservados até hoje em Livros Sagrados, nos santuários do sul do Industão. como Jesus, Krishna, acompanhado de discípulos, saiu a pregar pelas vilas e cidades, sacrificando-se para implantar a doutrina. Alguns historiadores atribuem a ele a autoria de dois Livros Sagrados da coleção religiosa da Índia: Ramaiana e Maabárata. Outros, por falta de comprovação efetiva, julgaram mais prudente reputá-los como de autor desconhecido. Ramaiana significa As Aventuras de Rama e relata em cerca de vinte e quatro mil estâncias, as façanhas do deus Vishnu, o Preservador, quando em sua sétima encarnação apareceu como o príncipe Rama, para salvar a humanidade. Maabárata, ou A Grande História dos Irmãos, narra os acontecimentos de outra encarnação de Vishnu, como Críxena. São de difícil entendimento, expondo tanto a doutrina, quanto acontecimentos históricos do país. O Maabárata ficou famoso e até hoje é consultado, mesmo fora da Índia, devido ao relato do 18º dia de uma batalha, durante o qual o general Arjuna discute com seu cocheiro Críxena o significado da vida e da morte. Tal narrativa é conhecida como Bhagavad-Gita, ou A Sublime Canção da Imortalidade. Mahatma Gandhi dizia que quando as decepções o avassalavam e não conseguia vislumbrar nenhum raio de luz, recorria ao Bhagavad-Gita, único bálsamo para suas desesperanças.

Krishna, além de renovar os princípíos védicos, emprestando-lhes uma cara nova, poética e mais atualizada para a ocasião, falava aos discípulos de sua missão, aconselhando-os a guardar silêncio sobre as Verdades aprendidas com ele: "Revelei-vos os grandes segredos. Não os digais senão àqueles que os podem compreender. Sois os meus eleitos: vedes o alvo; a multidão só descortina uma ponta do caminho." Por essas palavras fica compreendido que, desde então, já os Mestrespregavam simbolicamente ao povo, reservando a poucos escolhidos os segredos dos Mistérios. As pregações populares de Jesus se assemelham muito as de Krishna. Eis apenas duas delas, para mostrar tal similaridade: "Se conviveres com os bons, teus exemplos serão inúteis; não receeis habitar entre os maus, para os reconduzir ao bem". Quando so fariseus criticavam Jesus por comer com os publicanos e pecadores, Ele disse: " Não são os homens de boa saúde que necessitam de médico, mas sim os enfermos. Não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores." - "As obras inspiradas pelo amor de nossos semelhantes, são as que mais pesarão na balança celeste." Esta máxima representa o "Amai-vos uns aos outros", de Jesus. Todos os ensinamentos de Krishna traduzem nada mais do que os fundamentos védicos, e ponderados e meditados, podem trazer luz à alma, permitindo ao homem encontrar o caminho adequado para seu crescimento espiritual. Krishna forneceu a resposta mais sábia à pergunta constante e milenar dos que reclamam a elucidação da Essência e dos Desígnios de Deus: "Só o Infinito pode compreender o Infinito. Somente Deus pode compreender Deus". Selando sua Obra com o próprio sangue, deixou a Terra, legando à Índia a mais bela e verídica concepção do Universo e da Vida. Nesse ideal superior ela se manteve durante milhares de anos.

PANIKKAR (1977:324) fala da da remodelação do hinduísmo, mas esclarece que manteve-se ainda o Hinduísmo popular, como sempre acontece com todas as religiões:

O Hinduísmo popular continuou dividido em seitas que exigem de seus fiéis uma piedade simplista e o cumprimento de ritos quotidianos.

2.3.2 - O ISLAMISMO

O ALMANAQUE ABRIL 2001 mostra um pouco do que seja o ISLAMISMO:

Religião monoteísta baseada nos ensinamentos de Maomé (chamado O Profeta), contidos no livro sagrado islâmico, o Alcorão. A palavra islã significa submeter-se e exprime a obediência à lei e à vontade de Alá (Allah, Deus em árabe). Seus seguidores são chamados muçulmanos - muslim, em árabe, aquele que se subordina a Deus. Fundado na região da atual Arábia Saudita, o islamismo é a segunda maior religião do mundo. Perde apenas para o cristianismo em número de adeptos. Seus fiéis se concentram, sobretudo, no norte da África e na Ásia.

Maomé - O nome Maomé (570-632) é uma alteração hispânica de Muhammad, que significa digno de louvor. O Profeta nasce em Meca, numa família de mercadores. Começa sua pregação aos 40 anos, quando, segundo a tradição, tem uma visão do arcanjo Gabriel, que lhe revela a existência de um Deus único. Na época, as religiões da península Arábica são o cristianismo bizantino, o judaísmo e uma forma de politeísmo que venera vários deuses tribais. Maomé passa a pregar sua mensagem monoteísta e encontra grande oposição. Perseguido em Meca, é obrigado a emigrar para Medina, em 622. Esse fato, chamado Hégira, é o marco inicial do calendário muçulmano. Em Medina, ele é reconhecido como profeta e legislador, assume a autoridade espiritual e temporal, vence a oposição judaica e estabelece a paz entre as tribos árabes. Quase dez anos depois, Maomé e seu exército ocupam Meca, sede da Caaba, a pedra sagrada de 15 m de altura que é mantida coberta por um tecido negro, já então um centro de peregrinação. Maomé morre no ano 632 como líder de uma religião em expansão e de um Estado árabe que começa a se organizar politicamente.

Livros e doutrinas - O Alcorão (do árabe al-qur''ãn, leitura) é a coletânea das revelações divinas recebidas por Maomé de 610 a 632. É dividido em 114 suras (capítulos), ordenadas por tamanho. Seus principais ensinamentos são a onipotência de Deus e a necessidade de bondade, generosidade e justiça nas relações entre as pessoas. Neles estão incorporados elementos fundamentais do judaísmo e do cristianismo, além de antigas tradições religiosas árabes. O Alcorão inclui muitas das histórias do Antigo Testamento judaico e cristão, como a de Adão e Eva. Depois de desobedecer a Deus, Adão viajou e construiu a primeira Caaba. Após o dilúvio, Abraão, considerado o primeiro muçulmano, a reconstruiu. Do Novo Testamento, o Alcorão registra passagens da vida de Jesus Cristo, reverenciado pelos muçulmanos como um profeta que em sua religião só é sobrepujado em importância pelo próprio Maomé. Os muçulmanos acreditam na vida após a morte, na vinda do anti-Cristo e na volta de Jesus Cristo para vencê-lo, no Juízo Final e na ressurreição final de todos os mortos. A segunda fonte de doutrina do Islã, a Suna, é um conjunto de preceitos baseados nos ahadith (ditos e feitos do profeta).

Preceitos religiosos - A vida religiosa do muçulmano tem práticas definidas pela Sharia, o caminho que o muçulmano deve seguir na vida. A Sharia define normas de conduta, comportamento e alimentação, além dos chamados pilares da religião. O primeiro pilar é a shahada ou profissão de fé: Não há outro Deus a não ser Alá, e Maomé é seu profeta. Esse testemunho é a chave da entrada do fiel para o Islamismo. O segundo pilar são as cinco orações diárias comunitárias (slãts), durante as quais o fiel deve ficar ajoelhado e curvado em direção a Meca. Às sextas-feiras realiza-se um sermão de um verso do Alcorão, de conteúdo moral, social ou político. O terceiro pilar é uma taxa chamada zakat. Único tributo permanente ditado pelo Alcorão, é pago anualmente em grãos, gado ou dinheiro. É empregado no auxílio aos pobres e no resgate de muçulmanos presos em guerras. O quarto pilar consiste em cumprir o jejum completo nos dias do mês do Ramadã. O quinto pilar é o hajj ou a peregrinação a Meca, que precisa ser feita pelo menos uma vez na vida por todo muçulmano que tenha condições físicas e econômicas para realizá-la.

A esses cinco pilares, a seita khawarij adicionou o jihad. Traduzido comumente como Guerra Santa, significa a batalha para reformar o mundo, um dos objetivos do Islamismo. É permitido o uso dos exércitos nacionais como meio de difundir os princípios do islã. Segundo a doutrina muçulmana, as guerras, porém, não podem visar à expansão territorial nem a conversão forçada de pessoas. Por isso, o jihad não é aceito por toda a comunidade islâmica.

Festas e lugares sagrados - As principais comemorações são Eid el Fitr, Eid el Adha, Dia de Hégira (Ano-Novo) e a comemoração do nascimento de Maomé. Elas acontecem nessa ordem no decorrer do ano e são definidas segundo o calendário lunar, por isso têm datas móveis em relação ao calendário solar. Na Eid el Fitr é comemorado, com orações coletivas, o fim do Ramadã. Durante todo o nono mês lunar de cada ano, guarda-se o Ramadã, e, do amanhecer ao pôr-do-sol, o muçulmano celebra a revelação do Alcorão a Maomé e comemora sua primeira vitória militar contra Meca. Enquanto é dia, os fiéis não podem comer, beber, fumar ou manter relações sexuais, embora trabalhem normalmente. Mas as restrições não são mantidas durante as noites, e as ruas se enchem de pessoas que comemoram alegremente a revelação feita a seu profeta. A celebração do Eid el Adha lembra a disposição de Abraão em sacrificar a Alá seu próprio filho, Ismael (na tradição judaico-cristã o filho seria Isaque). Na época de Eid el Adha também acontece a peregrinação a Meca. O Ano-Novo islâmico é comemorado no Dia de Hégira, o 1º do mês Muharram. O marco é o ano de 622, quando Maomé deixa Meca. Os lugares mais sagrados do Islamismo são Meca, cidade onde fica a Caaba, Medina, lugar onde Maomé construiu a primeira Mesquita (templo), e Jerusalém, cidade onde o profeta ascendeu aos céus durante uma viagem noturna em que foi ao paraíso e se encontrou com Moisés e Jesus Cristo.

Divisões do Islamismo - Os muçulmanos se dividem em dois grandes grupos principais, os sunitas (da palavra suna, o caminho) e os xiitas. Os sunitas subdividem-se em quatro grupos principais, cada um deles com uma escola de interpretação da Sharia: hanafitas, malequitas, chafeitas e hambanitas. São os seguidores da tradição do Profeta, continuada por All-Abbas, seu tio. Calcula-se que 84% dos muçulmanos sejam sunitas. Para eles, a autoridade espiritual pertence à comunidade. Os xiitas (16% dos muçulmanos) também possuem sua própria interpretação da Sharia. Seu nome deriva da expressão "shi at Ali", partido de Ali, que foi marido de Fátima, filha de Maomé. Seus descendentes teriam a chave para interpretar os ensinamentos do Islã. A rivalidade entre sunitas e xiitas é exacerbada com a revolução no Irã, liderada pelo Aiatolá Khomeini, de linha xiíta.

Uma corrente das mais antigas, a sufista, surge no século IX e é a mais mística do Islamismo. Os sufistas enfatizam a relação pessoal com Deus e praticam rituais que incluem danças e exercícios de respiração para atingir um estado místico. São membros praticantes do sufismo os faquires, da Índia e outras regiões da Ásia, e os dervixes, da Turquia. Historicamente, o Islamismo tem sido marcado pelo surgimento de movimentos, grupos e correntes de maior ou menor envolvimento político, de linhas fundamentalista (conservadora) ou moderna.

2.3.3 - O CRISTIANISMO

O ALMANAQUE ABRIL 2001 mostra um pouco do que seja o CRISTIANISMO:

Religião dos seguidores de Jesus Cristo, iniciada por suas pregações e as de seus apóstolos em meados do século I, na região do atual Estado de Israel. Tem origem no judaísmo e é atualmente a religião mais difundida no mundo, sendo o credo predominante na Europa e nas Américas. Divide-se em três ramos principais: catolicismo (o mais antigo, datado do século IV), Igreja Ortodoxa (de tradição oriental, que surge no século XI ao se separar da tradição romana) e protestantismo (movimento do século XVI que dá origem a muitas denominações).

A doutrina - A fé cristã professa que o Deus criador, revelado a Abraão, a Moisés e aos profetas judeus, envia à Terra seu filho como Messias (Cristo, em grego), o salvador. Jesus é sacrificado em lugar dos homens, que perderam a graça de Deus e se distanciaram dele no início da criação do mundo. Após ter sido morto, ele ressuscita e oferece a dádiva da salvação e da vida eterna após a morte, a seu lado, no Céu, aos que se reaproximam de Deus, acreditam nele e seguem seus preceitos. Sua principal mensagem é da primazia do amor a Deus e aos demais seres humanos sobre todas as coisas e postulados. Para os cristãos, Deus é uma trindade, formada também por seu filho, Jesus Cristo, e pelo Espírito Santo.

A história do Messias - Segundo a tradição cristã, Jesus de Nazaré nasce em Belém, na Judéia, em uma família comum, no período em que a Palestina estava incorporada ao Império Romano. Ele é o Messias, anunciado no decorrer de mil anos ao povo judeu, que vem ao mundo para salvar os homens e anunciar a instauração do reinado de Deus. Aos 30 anos, ele inicia sua pregação, anunciando o amor e o perdão de Deus a todos os homens. Durante suas peregrinações ele realiza milagres, reúne discípulos e apóstolos. Considerado blasfemo pelos sacerdotes judeus, é preso pelas autoridades romanas, acusado de não reconhecer a divindade do imperador e conspirar contra Júlio César. É submetido a processo, condenado, crucificado e sepultado. Ressuscita três dias depois, aparece a seus discípulos e os encarrega de levar seus ensinamentos a todos os pontos do mundo. Para isso, eles são ungidos pelo Espírito Santo.

O livro sagrado - Os cristãos seguem a Bíblia, que se divide em duas partes, o Antigo e o Novo Testamento, num total de 73 livros, para os católicos, e 66 para os protestantes. O Antigo Testamento, chamado de Torá ou Torah pelos judeus, narra a criação do mundo, a história, leis e tradições judaicas, a vida dos profetas que anunciaram a vontade de Deus e a vinda do Messias. São particularmente importantes os primeiros cinco livros, chamados de Pentateuco, que inclui os Dez Mandamentos ditados por Deus a Moisés e que são a base ética e moral de todo o cristianismo. O Novo Testamento contém os textos posteriores à morte de Cristo, entre eles os quatro Evangelhos (Marcos, Mateus, Lucas e João), as principais fontes sobre a vida de Jesus. Os outros textos são os Atos dos Apóstolos, as Epístolas e o Apocalipse, todos de autoria dos apóstolos.

Expansão - O cristianismo organiza-se primeiro em Jerusalém, como um movimento dentro do judaísmo. Em vida, Jesus tem poucos seguidores. Após sua morte, seus apóstolos (enviados, em grego) peregrinam e espalham seus ensinamentos nas regiões do Mediterrâneo, fundando várias comunidades. Desde o início o cristianismo se organiza como Igreja (do grego ekklesia, reunião), sob a autoridade dos apóstolos e seus sucessores.

Os cristãos são perseguidos durante o Império Romano até 313 d.C, quando Constantino lhes concede liberdade de culto. Em 392, o cristianismo se torna a religião oficial do Império, e missionários são enviados a várias partes da Europa para fundar igrejas, ocupando todo o continente.

No final da Idade Média, a expansão marítima européia leva o cristianismo à América e à Ásia. A partir do século XIX, missionários chegam também à África e ao leste da Ásia, completando a difusão da religião no mundo.

Festas religiosas - As principais são o Natal - celebração do nascimento de Jesus Cristo, comemorado em 25 de dezembro pela maioria das igrejas; a Páscoa, que celebra a ressurreição de Cristo no domingo da primeira lua cheia do outono (hemisfério sul) e o Pentecostes, 50 dias após a Páscoa, data em que é recordada a descida e unção do Espírito Santo aos apóstolos. O calendário da Igreja Católica, a mais antiga entre as cristãs, inclui ainda outras celebrações.

Os Dez Mandamentos

Enunciados a Moisés e inscritos por Deus em fogo em duas tábuas de pedra. Versão resumida dos mandamentos, que podem ser lidos na Bíblia no livro de Exôdo, capítulo 20, e em Deuteronômio, capítulo 5.

1. Não terás outros deuses diante de mim.

2. Não farás para ti imagem de escultura, não te curvarás a elas, nem as servirás.

3. Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão.

4. Lembra-te do dia do sábado para o santificar. Seis dias trabalharás, mas o sétimo dia é o sábado do seu Senhor teu Deus, não farás nenhuma obra.

5. Honra o teu pai e tua mãe.

6. Não matarás.

7. Não adulterarás.

8. Não furtarás.

9. Não dirás falso testemunho, não mentirás.

10. Não cobiçarás a mulher do próximo, nem a sua casa e seus bens.

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2.3.4 - O SIKISMO

Em http://www.enjoyindia.net/NofotoReligion.htm#sikismo acha-se uma referência ao Sikismo:

O Sikismo foi fundado no século XV pelo guru Nanak, que pretendeu unificar o Hinduísmo e o Islamismo, conjugando o melhor de cada uma dessas religiões. São suas crenças básicas o monoteísmo, a negação das casta, a humildade e o serviço ao próximo.

A maioria dos sikhs se concentram na região do Punjab, onde se encontra seu centro mais sagrado: o Templo de Ouro de Amritsar.

2.3.5 - O BUDISMO

O ALMANAQUE ABRIL 2001 dá alguma idéia do que seja o BUDISMO:

Sistema ético, religioso e filosófico criado na região da Índia pelo príncipe hindu Sidarta Gautama (563? - 483 a.C.?), o Buda, por volta do século VI a.C. Buda é venerado como um guia espiritual e não um deus. Essa distinção é importante, pois permite a seus seguidores conviver com outras religiões e continuar seguindo os preceitos budistas. A origem do budismo está no hinduísmo, religião na qual Buda é considerado a nona encarnação ou avatar de Vishnu. O budismo tem sua expansão freada na Índia a partir do século VII, após a invasão muçulmana e o crescimento do islamismo. Mas expande-se intensamente por toda a Ásia. Ramifica-se em várias escolas, ganhando novos matizes e rituais quando é adotado por diversas culturas.

Princípios - Os ensinamentos do Buda têm como base o preceito hinduísta do samsara, segundo o qual o ser humano está condenado a reencarnar infinitamente após cada morte e a enfrentar os sofrimentos do mundo. Os atos praticados em cada reencarnação definem a condição de cada pessoa na vida futura, preceito conhecido como carma. Buda ensina a superar o sofrimento e atingir o nirvana, evolução e aprimoramento total do espírito que aniquila os fatores humanos e permite ao homem encerrar a corrente de reencarnações.

Sua doutrina é baseada em quatro verdades. As três primeiras são relacionadas entre si: a existência implica dor, a origem da dor é o desejo e a ignorância, a superação da dor só é possível com o fim do desejo e da ignorância. A quarta verdade prega que a remoção da dor pode ser alcançada por oito caminhos: compreensão correta, pensamento correto, palavra, ação, modo de vida, esforço, atenção e meditação corretos. Dos oito caminhos, a meditação é considerada chave para atingir o nirvana.

Buda também define cinco preceitos morais, chamados Panca Sila, essenciais para reger a vida atual e melhorar o carma da vida futura. O primeiro deles é não magoar os seres vivos, pois todos são reencarnações do espírito. Em razão desse preceito, muitos budistas se tornam pacifistas e adotam uma dieta vegetariana. Os demais são não roubar, evitar má conduta sexual, evitar declarações indignas, como mentir, caluniar ou difamar, evitar drogas e álcool.

O nascimento do Buda - O príncipe Sidarta nasce em uma família nobre do Nepal e é criado em confinamento no palácio. Aos 29 anos, fica chocado ao descobrir as doenças, a velhice e a morte. Parte, então, em busca de uma explicação para o sofrimento humano. Junta-se a um grupo de ascetas, jejua e medita durante seis anos. Sem encontrar as respostas que procura, separa-se do grupo. Um dia, sentado sob uma figueira, tem a revelação das quatro verdades. Passa a ser chamado de Buda (Iluminado, em sânscrito) pelos seguidores e decide pregar sua doutrina pela Índia. Seus ensinamentos ganham adeptos, atingem toda a Ásia e incorporam novos matizes e rituais em diversas culturas, dentro das duas grandes escolas de filosofia budista, a Hinayana e a Mahayana.

Budismo Hinayana (Pequeno Veículo) ou Theravada - É a forma mais antiga dessa religião, praticada principalmente nos países do sul da Ásia, como Sri Lanka, Mianmar, Camboja, Laos e Tailândia. Os seguidores dessa corrente acreditam na busca do nirvana dentro de uma ordem monástica e rejeitam o conceito de bodhisattva do Budismo Mahayana.

Budismo Mahayana (em sânscrito, Grande Veículo) - Surge no século II a.C como uma evolução da escola Hinayana. O Mahayana considera que, embora a aspiração final do ser humano seja o nirvana, o sábio que já o alcançou, chamado de bodhisattva (futuro Buda), pode e deve adiar sua morte e libertação do samsara, para dedicar-se a ensinar aos outros o caminho do nirvana, por compaixão aos demais seres humanos. Fazem parte dessa corrente duas das escolas budistas mais conhecidas no Ocidente, o budismo tibetano e o zen-budismo. O budismo tibetano surge no fim do século VIII, da fusão das tradições budista e hinduísta com a primitiva religião do Tibet. Seu chefe espiritual, o dalai-lama, é considerado um bodhisattva. O zen-budismo nasce na China, no século VI, e difunde-se, sobretudo, no Japão, a partir do final século XII. Baseia-se na prática da meditação e nos exercícios de postura e respiração. Acredita que o corpo é dotado de uma sabedoria própria que deve nortear a vida cotidiana.

2.3.6 - O JAINISMO

Em http://www.enjoyindia.net/NofotoReligion.htm#jainismo acha-se uma referência ao Jainismo:

Esta religião foi fundada uns 500 anos a. C. por Mahavira, curiosamente contemporâneo de Buda. Não ustrapassam os 3 milhões em toda a Índia (não há fiéia fora desse país), concentrando-se principalmente nos Estados de Rajasthan e Gujarat. Os jainistas são vegetarianosuma vez que não lhes é permitido prejudicar aos demais seres vivos (para eles os animais também têm alma). Inclusive muitos trazem a boca tapada por uma tela que lhes impede de ingerir insetos acidentalmente. Talvez sua doutrina da "não violência" nos lembre o Mahatma Gandhi e não é de estranhar uma vez que nasceu no Estado de Gujarat e, apesar de não Ter sido jainista, é induvidoso que foi influenciado por suas crenças.

Os jainistas, tanto quanto os hindus, acreditam na reencarnação, mas para eles o Universo é infinito e não foi criado por nenhum Deus.

O interior dos templos jainistas é de uma riqueza inigualável, não existindo nem um só resquício em que a pedra não haja sido primorosamente lavrada. Merecem ser visitados os templos do Monte Abu e os de Ranakpur, ambos no Estado de Rajasthan.

2.4 - O IDEALISMO INDIANO

País em que a pobreza é um dos temas mais relevantes, a Índia produziu na Economia um expoente como Amartya SEN, que conheceremos através de um texto de Charo QUESADA, publicado na Web em http://www.iadb.org/idbamerica/Portuguese/JUL01P/jul01p2.html intitulado AMARTYA SEN E AS MIL FACES DA POBREZA:

Que é a pobreza? Como se mede? Quem são os pobres? Por que são pobres? Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia, dedicou sua carreira a responder a essas perguntas, cujas respostas são fundamentais para o desenvolvimento.

Definir e medir a pobreza e calcular as porcentagens dos pobres de um país ou de uma região não é uma questão só de cifras e médias. Em 1998, a Real Academia da Suécia conferiu o prêmio Nobel de Economia ao Professor Amartya Sen "por devolver uma dimensão ética ao debate dos problemas econômicos vitais". Sen havia ultrapassado a teoria matemática para aplicar à economia uma visão social inovadora, mais realista e humana. Seu trabalho tenaz de muitos anos o ajudara a descobrir as múltiplas facetas da pobreza.

Segundo Sen, a pobreza é um mundo complexo e a descoberta de todas as suas dimensões exige uma análise clara. "Nós, seres humanos, somos fundamentalmente diversos", explicou o professor recentemente durante encontro da Rede de Redução da Pobreza, iniciativa do Banco Interamericano de Desenvolvimento. "Não se pode estabelecer uma linha de pobreza e aplicá-la rigidamente a todos da mesma forma, sem levar em conta as características e circunstâncias pessoais."

Certos fatores geográficos, biológicos e sociais multiplicam ou reduzem o impacto exercido pelos rendimentos sobre cada indivíduo. Entre os mais desfavorecidos faltam em geral determinados elementos, como instrução, acesso à terra, saúde e longevidade, justiça, apoio familiar e comunitário, crédito e outros recursos produtivos, voz ativa nas instituições e acesso a oportunidades.

Ser pobre, segundo Sen, não significa viver abaixo de uma linha imaginária de pobreza – por exemplo, auferir um rendimento igual ou inferior a US$2 por dia. Ser pobre é ter um nível de rendimento insuficiente para desenvolver determinadas funções básicas, levando em conta as circunstâncias e requisitos sociais circundantes, sem esquecer a interconexão de muitos fatores.

Em busca de exemplos, Sen se reporta ao mundo da mulher, campo no qual realizou estudos pioneiros, juntamente com seu trabalho sobre fome e liberdades e a economia da pobreza. A mulher com maior nível de instrução, explica, tende a ter um trabalho mais bem remunerado, mais controle sobre a própria fecundidade e um índice de saúde mais elevado para si própria e para seus filhos. Há muitos anos Sen defende a idéia de que a imagem da mulher como heroína relegada ao sacrifício pelo lar e pela família não a beneficiou em nada.

"Há disparidades sistemáticas entre o nível de liberdade de que desfruta o homem e a mulher em diferentes sociedades", diz Sen. "Além da disparidade no nível dos rendimentos ou recursos, há diferenças em outras esferas, como a divisão das tarefas no lar, o nível de instrução recebida ou o nível de liberdade de que desfrutam os vários membros de uma mesma família." A forma como um indivíduo deve apresentar-se para ser aceito em sociedade – a roupa que veste, a aparência que tem – limita e condiciona suas opções econômicas, fenômeno que Sen qualifica de "vergonha social".

Sen recomenda que, em vez de medir a pobreza pelo nível de renda, calcule-se o que o indivíduo pode realizar com essa renda a fim de se desenvolver, levando em conta que essas realizações variam de um indivíduo para outro e de um lugar para outro. De outra forma, não teria explicação a existência, nos países ricos, de bolsões de pobreza nos países ricos, entre pessoas de rendimentos médios. Nos bairros marginalizados dos Estados Unidos, o baixo nível de instrução, a precariedade dos serviços de saúde, a falta de serviços sociais e a ameaça do crime violento tornam a qualidade de vida (medida em termos de longevidade, mortalidade infantil, serviços de saúde e educação e índice de segurança) comparável ou até inferior à de muitos pobres do resto do mundo, mesmo para pessoas de rendimentos aceitáveis que vivem numa sociedade rica.

Sen nasceu no estado de Bengala Ocidental, na Índia. Seu país e a China foram os laboratórios onde estudou economia do desenvolvimento. Hoje, é professor na Universidade de Harvard e reitor do Trinity College da Universidade de Cambridge. Sua vasta experiência nas áreas do desenvolvimento e redução da pobreza resultou num cabedal de teorias e ensinamentos que, acredita, são aplicáveis à América Latina e ao Caribe.

"A análise da pobreza deve concentrar-se nas possibilidades que tem um indivíduo de funcionar, mais do que nos resultados obtidos com esse funcionamento", afirma Sen.

Outra realização de Amartya Sen foi abrandar o impacto do desenvolvimento. Com uma penada, aboliu o caminho regado a sangue, suor e lágrimas que se apontava às massas dos países subdesenvolvidos para alcançar o progresso. A velha teoria do sacrifício cedeu lugar à do êxito individual, que Sen subscreve sempre que exista uma rede de apoio social e uma democracia autêntica. Esta é a explicação de Sen para a grave crise financeira e social que em 1998 varreu a Ásia, região onde o esforço havia-se concentrado na produção e no êxito individual, mas que carecia de uma rede de apoio social e das liberdades próprias da democracia.

Acredita Sen que o problema da desigualdade tem muitas facetas, entre elas a pobreza. Ao longo de uma conversa plena de comentários sociais, aflorou, como era inevitável, o tema da globalização. Os protestos contra esse fenômeno, opina Sen, revigoraram um debate muito necessário sobre suas conseqüências. "A globalização não deve ser rechaçada sem discussão nem aceita sem uma crítica séria", ponderou. "É preciso verificar em que medida está beneficiando o mundo. Se a proporção for 90% para os ricos e 10% para os pobres, é uma coisa; se for 70-30 ou 60-40 é outra, muito diferente."

2.5 - A POBREZA

GONZÁLEZ-BALADO (1978:35-41) mostra a pobreza e as dificuldades da Índia no campo social:

Dos 14.000.000 de cegos que há no mundo, 5.000.000 vivem na Índia.

Na Índia, o déficit de moradias é de 84.000.000.

85% dos indianos vivem com menos de 10 cruzeiros por dia.

Na Índia existem 13.000.000 de anormais, em geral sem nenhuma assistência, visto que não se podem satisfazer nem mesmo as necessidades dos milhões de normais que precisam de assistência num país onde vive uma sétima parte da humanidade...

[...] A quantidade de calorias de um indiano, em média, é a mais pobre do mundo inteiro.

A fome é uma das conseqüências mais diretas desta situação.

[...] O indiano tem fome, mas não tem raiva.

Não existe, ou quase não existe, na Índia, o ódio entre ricos e pobres.

[...] O indiano é pacífico e resignado. Aceita sua pobreza e sua condição social.

É a condição que "mereceu". Por isso, não procura sair dela.

Esta resignação, que tem um fundo religioso muito marcante, acarreta notáveis implicações sociais.

[...] A situação socialmente subdesenvolvida da Índia não é sobretudo conseqüência de desorganização, de preguiça ou indolência.

É antes conseqüência de algumas crenças que acentuam os valores da contemplação, diminuindo os da ação.

[...] Esta convicção leva muitos a não causar o menor dano a um animal, a começar pelas vacas, animais sagrados por antonomásia.

[...] Quem viveu mal, por castigo, se reencarnará num animal ou numa casta inferior.

[...] há uma mendicidade abundantíssima. Talvez mais do que em qualquer outra parte do mundo.

[...] Pedem esmola, escavam nos escombros ou se prostituem para saciar a fome.

[...] Não faltam usurários que exploram a miséria alheia em favor de sua riqueza nunca suficiente.

Em http://www.geocities.com/Athens/Atrium/2423/india.htm vêem-se as seguintes informações atualizadas:

Uma grande proporção dos estudantes que são cerca de quatro milhões é viciada em drogas.

A AIDS tornou-se um grande problema em Bombaim e Calcutá. Em 1991 estimava-se em 500.000 os portadores do vírus HIV.

São 3,2 milhões os que sofrem de lepra, e o número de cegos chega a 10 milhões representando mais de um quarto do total mundial.

Em http://www.ajuris.org.br/fmundialj/preview/artigo26.html lê-se:

A maioria trabalhadora, 90% da população indiana, continua relegada à economia informal, carente de instrumentos de acesso aos mercados, ao crédito, à tecnologia e ao conhecimento. Existem muitas experiências bem-sucedidas de qualificação e dinamização de fragmentos dessa economia popular, empreendidas por governos locais e movimentos comunitários. A Índia [...] necessita de uma verdadeira parceria entre o Estado e as populações pobres.

2.6 - AS CASTAS

BATH (1994:59) afirma:

Há na Índia, talvez, oito mil subcastas, reunidas em quatro castas principais, e a mais importante é a dos brâmanes, a que pertencem os sacerdotes hindus.

PANIKKAR (1977:325) cita VIVEKANANDA:

Desde Buda até Ram Mohan Roy, todos cometeram o erro de considerar a casta uma instituição religiosa... Mas todas as divagações dos sacerdotes não impedirão a casta de ser a cristalização de uma instituição social que outrora foi útil, mas que hoje em dia empesta a atmosfera da Índia.

E logo em seguida comenta:

O sistema de castas, a família patriarcal, as modalidades de herança e as conseqüências que delas decorrem, todas essas características da sociedade indiana são instituições legais, e não religiosas. São instituições humanas que não podem de modo algum pretenderem uma origem divina ou uma sanção religiosa e cuja manutenção depende de leis humanas e não de uma Igreja ou de um clero.

SCHUON (2002:23-50) procura enxergar o sistema de castas de uma forma mais otimista:

Como todas as instituições sagradas, o sistema de castas se baseia na natureza das coisas, ou mais precisamente em um aspecto desta, portanto em uma realidade que não tem como não se manifestar em certas condições; a mesma observação vale para o aspecto oposto, o da igualdade dos homens diante de Deus. Em suma, para justificar o sistema de castas, basta levantar a seguinte questão: existem a diversidade das qualificações e a hereditariedade? Se sim, o sistema de castas é possível e legítimo. E o mesmo para a ausência das castas, onde ela se impõe tradicionalmente: os homens são iguais, não somente do ponto de vista da animalidade, que aqui não está em questão, mas do ponto de vista de seus fins últimos? Isto é certo, porque todo homem tem uma alma imortal; esta consideração pode, portanto, ter primazia, em determinada sociedade tradicional, sobre a da diversidade das qualificações. A imortalidade da alma é o postulado do "igualitarismo" religioso, como o caráter quase divino do Intelecto e, portanto, da elite intelectual é o postulado do sistema de castas.

Não seria possível imaginar maior divergência que aquela entre a hierarquização hindu e o nivelamento muçulmano, e, no entanto, não há aí senão uma diferença de acentuação, pois a verdade é una: de fato, se o Hinduísmo considera na natureza humana antes de mais nada as tendências fundamentais que dividem os homens em uma série de categorias hierarquizadas, ele não deixa por isso de realizar a igualdade na sobrecasta dos monges errantes (sanyâsís), na qual a origem social já não exerce nenhum papel; o caso do clero cristão é análogo, no sentido de que nele os títulos nobiliárquicos desaparecem: um campones não pode tornar-se príncipe, mas pode tornar-se papa e sagrar o imperador. Inversamente, a hierarquia se manifesta mesmo nas religiões mais "igualitárias": para o Islã, no qual cada um é seu próprio sacerdote, os xerifes, descendentes do Profeta, formam uma nobreza religiosa e se sobrepõem assim ao resto da sociedade, sem, contudo, assumir nela uma função exclusiva. No mundo cristão, pode acontecer que um burguês de nível seja "enobrecido", o que está totalmente excluído no sistema hindu; o objetivo das castas superiores é essencialmente o de "manter" uma perfeição primordial, e é o sentido "descendente" da génese das castas que explica que a casta pode ser perdida, mas não ganha;1 esta perspectiva da "manutenção hereditária" é a própria chave cio sistema de castas. E esta mesma perspectiva que explica, de resto, no Hinduísmo, o exclusivismo dos templos — que não são púlpitos de pregação —, e, de maneira mais geral, o papel preponderante das regras de pureza. A "obsessão" do Hinduísmo não é a conversão de "incrédulos", mas, ao contrário, a manutenção de uma pureza primordial, tanto intelectual como moral e ritual.

Ora, quais são as tendências fundamentais da natureza humana às quais as castas se referem mais ou menos diretamente? Poderíamos definir essas tendências como uma série de maneiras de considerar um "real" empírico: em outros termos, a tendência fundamental do homem está ligada ao seu "sentimento" — ou a sua "consciência" — de um "real". Para o bráhmana, — o tipo puramente intelectual, contemplativo, "sacerdotal" —, é o imutável, o transcendente, que é "real"; ele não "crê", em seu foro íntimo, nem na "vida" nem na "terra"; há algo nele que permanece alheio à mudança e à matéria; essa é, a grosso modo, sua disposição íntima, sua "vida imaginativa", se assim podemos dizer, sejam quais forem as fraquezas que a obscureçam. O kshatri)"a — o tipo "cavaleiresco" — tem uma inteligência aguda, mas voltada para a ação e para a análise mais que para a contemplação e a síntese; sua força reside sobretudo em seu caráter; ele compensa a agressividade de sua energia por sua generosidade, e sua natureza passional por sua nobreza, seu autodomínio, sua grandeza de alma; para este tipo humano, é o ato que é "real", pois é o ato que determina, modifica, ordena as coisas; sem o ato, não há nem virtude, nem honra, nem glória. Dito de outro modo, o kshatri)’a "crê" mais na eficácia do ato que na fatalidade de uma dada situação: ele despreza a servidão aos fatos e só pensa em determinar-lhes a ordem, em clarificar um caos, em cortar nós górdios. Portanto, do mesmo modo que para o bráhmana tudo é "cambiante" e irreal" a não ser o Eterno e o que a ele se liga — a verdade, o conhecimento, a contemplação, o rito, a via — para o kshatrijya tudo é incerto, periférico, a não ser as constantes de seu dharma: o ato, a honra, a virtude, a glória, a nobreza, das quais dependerão todos os outros valores. Esta perspectiva pode se transferir para o plano religioso sem mudar essencialmente de qualidade psicológica.

Para o vaishya — o mercador, o camponês, o artesão, ou seja, o homem uja atividade está diretamente ligada aos valores materiais, não de fato e por acidente, mas em virtude de sua natureza íntima — para o vaishya, é a riqueza, a segurança, a prosperidade, o "bem-estar" que são "reais"; os outros valores são secundários para sua vida instintiva, ele não "crê" neles em seu foro íntimo; sua imaginação se desabrocha no plano da estabilidade econômica, da perfeição material do trabalho e da produtividade, o que, transposto no plano religioso, tornar-se-á a perspectiva exclusiva da acumulação dos méritos em vista da segurança póstuma. Esta mentalidade apresenta uma analogia exterior com a dos brâhmanes por seu caráter estático e pacífico; mas ela se afasta da mentalidade do brâhmane e do kshatriya por uma certa "pequenez" da inteligência e da vontade; o vaishya é hábil, ele também tem bom-senso, mas carece de qualidades especificamente intelectuais e também de virtudes cavalheirescas, de "idealismo" em um sentido superior.

Sublinhemos que não falamos aqui de "classes", mas de "castas", ou mais precisamente de "castas naturais", dado que as instituições como tais, se retraçam a natureza, não são, contudo, jamais totalmente impermeáveis às imperfeições e vicissitudes de toda manifestação. Ninguém pertence a uma casta natural porque exerce determinada profissão ou porque tem determinados pais, mas uma pessoa exerce — ao menos em condições normais — determinada profissão porque pertence a tal casta, e isto é em grande parte — mas não de forma absoluta —garantido pela hereditariedade; esta garantia é ao menos suficiente para tomar possível o sistema hindu. Esse sistema não pôde jamais excluir exceções, que como tais "confirmam a regra"; o fato de que as exceções sejam mesmo o mais numerosas possível em nossa época de superpopulação e de "realização dos impossíveis" não poderia, de qualquer modo, abalar o princípio da hierarquia hereditária.

Poder-se-ia definir o homem "duas vezes nascido" (dwija, ou seja, as três castas de que acabamos de falar) como um espírito dotado de um corpo, e o shúdra — que representa a quarta casta — como um corpo dotado de uma consciência humana; de fato, o shúdra é o homem que só é qualificado realmente para trabalhos manuais mais ou menos quantitativos, não para trabalhos que exigem iniciativas e aptidões mais vastas e mais complexas; para esse tipo humano, que se separa dos tipos precedentes ainda mais do que o vaishya se separa das castas nobres, é o corporal que é "real"; é o comer e o beber que fazem, rigorosamente falando, a felicidade, com as concomitâncias psicológicas que a isso se ligam; em sua perspectiva inata, em "coração", tudo o que está fora das satisfações corporais aparece como um "luxo" ou mesmo uma "ilusão", ou em todo caso como algo que se situa "à parte" do que sua imaginação toma como realidade; é a satisfação das necessidades vitais imediatas. Poder-se-ia objetar que o tipo cavalheiresco é também um amante do prazer, mas isso não está em questão, pois trata-se aqui antes de tudo da função psicológica do gozo do prazer, de seu papel em um conjunto de compossíveis; o kshatriya é de bom grado poeta ou esteta, ele quase não põe o acento na matéria com tal.

O caráter central e ao mesmo tempo elementar que tem ô prazer na perspectiva inata do shúdra explica o caráter habitualmente despreocupado, dissipado e "instantâneo" deste último, caráter pelo qual ele reencontra, por uma curiosa analogia invertida, a despreocupação espiritual do que está "além das castas" (ativarnâshramí), o monge (sannyâsí), que, também ele, vive "no instante", não se preocupa com o dia seguinte e erra sem objetivo aparente; mas o shúdra é muito passivo diante da matéria para poder se governar a si mesmo, ele depende, por conseqüência, de um querer outro que não o seu; sua virtude é a fidelidade, ou uma espécie de retidão maciça, opaca, sem dúvida, mas simples e inteligível.

As qualidades dos vaishyas são freqüentemente confundidas com as dos brâhmanas ou inversamente, pela simples razão de que essas duas castas são pacíficas; do mesmo modo, ocorre de confundirem shúdras e kshatriyas por causa dos aspectos de violência próprios dessas duas castas; esses erros são tanto mais nefastos quanto vivemos em uma civilização meio-vaishya meio shüdra, cujos "valores" facilitam tais confusões. Em tal mundo, éimpossível compreender o brâhmane sem ter antes compreendido o kshatriya; é preciso, a fim de escapar de confusões por demais fáceis e das assimilações mais injustificadas, distinguir nitidamente e em todos os planos o superior do inferior, o consciente do inconsciente, o espiritual do material, o qualitativo do quantitativo. Resta-nos agora considerar o caso do homem "sem-casta"; é sempre o tipo natural, a tendência fundamental, que temos em vista, e não exclusivamente as categorias de fato do sistema hindu. Vimos que o shúdra nítido, por sua falta de interesse real por aquilo que supera sua vida corporal e pela falta de aptidões construtivas que disso resulta, opõe-se ao grupo das três castas superiores; de uma maneira análoga, o homem "fora das castas" se opõe, por seu caráter caótico, aos homens de caráter homogêneo. O "intocável" tem tendência a realizar as possibilidades psicológicas excluídas pelos outros homens, de onde sua tendência àtransgressão; ele encontra satisfação no que os outros rejeitam. Segundo a concepção hindu, o iinais baixo dos "intocáveis" — o chandâla — provém de um shúdra e de uma brâhmane a idéia fundamental é aqui a de que o máximo de "impureza"— ou seja, de dissonância psicológica em razão de incompatibilidades congênitas — é obtido por um máximo de distância entre as castas dos pais; o filho de pais shúdras é "puro" graças a sua homogeneidade mental, mas o filho da união de um shúdra e de uma mulher nobre é "impuro" na medida mesma em que a casta da mulher é superior à do marido. De resto, nos países cristãos como em toda parte, ou quase, o filho ilegítimo, "fruto do pecado", é praticamente visto como "impuro"; do ponto de vista hindu, que é centrado em uma espécie de pureza orgânica, esse pecado inicial é hereditário como o é entre nós a nobreza da espada, ou como o é o "pecado original". Em todo caso, o pária, e sejam quais forem sua origem étnica e sua ambiência cultural, constitui um tipo definido que vive normalmente à margem da sociedade e esgota as possibilidades nas quais nenhum outro quer tocar; ele tem comumente algo de ambíguo, de desequilibrado, por vezes de simiesco e de protéico quando tem dons, o que o torna capaz "de tudo e de nada", se assim podemos dizer; pode ser visto freqüentemente como limpa-fossas, saltimbanco, comediante, carrasco, sem falar das ocupações ilícitas; em uma palavra, ele tem tendência seja a exercer as atividades bizarras ou sinistras, seja simplesmente a negligenciar as regras estabelecidas, no que ele se assemelha a certos santos, mas por analogia inversa, está claro. No que se refere aos trabalhos "impuros" ou "desprezíveis", poder-se-ia considerar hipócrita deixar a certos homens atividades que não se quer para si mesmo e de que, não obstante, se tem necessidade, mas é preciso não esquecer que a sociedade tem o direito de se proteger contra as tendências que poderiam prejudicá-la, e de neutralizá-las exercendo-as por intermédio de homens que de certa forma as encarnam; a sociedade — enquanto "totalidade" — tem direitos "divinos" que o indivíduo — como tal, enquanto "parte" — não tem, e inversamente, conforme o caso. O indivíduo pode não condenar; a sociedade é obrigada a fazê-lo.

No entanto, mesmo as situações invariáveis podem-se atenuar pelo desgaste; a massa dos párias da Índia se beneficia da lei cósmica de compensação pelo fato de seu número, e da homogeneidade que daí resulta: o próprio número age como uma substância absorvente, pois a massa enquanto tal tem algo da inocência niveladora da terra; assim como, segundo o esoterismo muçulmano, as chamas do inferno terminarão por se resfriar, Deus sendo "essencialmente" bom — não "acidentalmente" —, do mesmo modo a transgressão congênita do pária, portanto sua "impureza", deve-se atenuar no fim dos tempos, e mesmo se reabsorver completamente em muitos casos, mas sem com isso abolir a hereditariedade, da qual o indivíduo continuará sendo o elo ou a parte. Para esses indivíduos, o fato de ser pária será um aspecto do karma — uma conseqüência de "ações anteriores" — exatamente como o é uma doença ou uma infelicidade qualquer para um membro de uma casta elevada; por outro lado, a "intocabilidade" —um pouco como a condição das viúvas — tem um valor religioso para os próprios párias, o que explica a recusa da maior parte deles de sair de sua condição abandonando o mundo hindu; como regra geral, todos são orgulhosos de pertencer a sua "casta" particular de pária, mesmo os chandálas.

A casta é o centro de gravidade da alma individual; o tipo pária puro não tem centro, ele vive, portanto, na periferia e na inversão; se ele tende para a transgressão, é porque ela lhe confere de certo modo o centro que ele não tem e assim o liberta ilusoriamente de sua natureza equivoca. O pária é uma subjetividade descentralizada, portanto centrífuga e sem limite; ele foge da lei, da norma, porque ela o remeteria ao centro do qual ele foge por sua própria natureza. O tipo shâdra também é "subjetivo", mas esta subjetividade é opaca e homogênea, ela é ligada ao como, que é uma realidade objetiva; o shúdra tem a qualidade — e o defeito — de ser "sólido". Poderíamos também nos exprimir da seguinte maneira: o brâhmane é "objetivo" e centrado no "espírito"; o kshatriya tende para o "espírito", mas de uma maneira "subjetiva"; o vaishya é "objetivo" no plano da "matéria"; quanto ao shúdra, ele é "subjetivo" no mesmo plano.

As três primeiras castas — os "duas vezes nascidos", no Hinduísmo — se distinguem, por conseqüência, dos shúdras seja pelo "espírito", seja pela "objetividade"; só o shúdra é "matéria" e "subjetividade" ao mesmo tempo. O vaishya é materialista como o shúdra, mas éum "materialismo" de interesse geral; o kshatriya é "idealista" como o brâhmane, mas e um idealismo" mais ou menos mundano ou egocêntrico.

Oinferior não somente não tem a mentalidade do superior, mas não pode mesmo concebê-la exatamente; assim, poucas coisas são mais penosas que as interpretações "psicológicas" que atribuem ao homem superior intenções que ele não pode ter em nenhum caso, e que não fazem senão refletir a pequenez de seus autores, como pode-se constatar à saciedade na "crítica histórica" ou na "ciência das religiões"; homens cuja alma é fragmentária e opaca querem nos ensinar sobre a "psicologia" da grandeza e do sagrado.

Dissemos que o sistema de castas reside na natureza das coisas, ou seja, em certas propriedades naturais do gênero humano, e é delas uma aplicação tradicional; ora, como acontece sempre em tais casos, o sistema tradicional "cria" — ou contribui para criar — aquilo de que ele é uma aplicação: o sistema hindu resulta das diferenças intelectuais ou espirituais, e ao mesmo tempo ele cria tipos tanto mais definidos; seja isso uma vantagem ou uma desvantagem, ou as duas coisas ao mesmo tempo, o fato existe e é inevitável. E o mesmo vale para a ausência tradicional das castas: esta perspectiva, não somente deriva da indiferenciação real dos homens, mas também a realiza, ou seja, elimina de certa maneira o que, na perspectiva oposta, dá lugar ao sistema de casta. No Islã, onde não há casta sacerdotal — nem hereditária nem vocacional — todo homem tem algo de sacerdote e nenhum é inteiramente "leigo", ou mesmo "desprezível"; para citar outro exemplo, diremos que, se todo muçulmano e um pouco sacerdote", todo pele-vermelha é "um pouco profeta", ao menos em certas condições determinadas e em razão da estrutura particular desta tradição, que reparte o profetismo por toda a coletividade, sem abolir com isso a função profética propriamente dita. Se se quisesse censurar ao Hinduísmo o "criar" o pária, poder—se—ia da mesma forma censurar ao Ocidente o "i" o pecado, pois que o conceito, aqui como em toda parte, contribui para realizar a coisa, em virtude de uma concomitância inevitável de toda cristalização formal.

Seja como for, se o ocidental tem dificuldade de compreender o sistema de castas, é antes de tudo porque ele subestima a lei da hereditariedade, e ele a subestima pela simples razão de que ela se tornou mais ou menos inoperante em um meio tão caótico como o Ocidente moderno, onde quase todo mundo aspira a ascender na escala social — se é que isso ainda existe — e onde quase ninguém exerce a profissão de seu pai; um ou dois séculos deste regime bastam para tornar a hereditariedade tanto mais precária e flutuante quanto ela não havia sido posta em ação antes por um sistema tão rigoroso quanto o das castas hindus; mas mesmo onde havia ofícios transmitidos de pai para filho, a hereditariedade foi praticamente abolida pelas máquinas. A isto é preciso acrescentar, por um lado, a eliminação da nobreza e, por outro lado, a criação de novas "elites": os elementos mais disparatados e mais "opacos" foram transmutados em "intelectuais", de modo que já quase ninguém "está em seu lugar", como diria Guénon; assim, não há nada de surpreendente no fato de a "metafísica" ser considerada doravante segundo a perspectiva do vaishya e do shúdra, o que nenhuma mixórdia de "cultura" poderia dissimular.

O problema das castas nos leva a abrir aqui um parêntese: como definir a posição ou a qualidade do trabalhador moderno?

Responderemos em primeiro o "mundo trabalhador" é uma criação totalmente artificial, devida à máquina e à vulgarização científica que a esta se liga; dito de outro modo, a máquina cria infalivelmente o tipo humano artificial que é o "proletário", ou antes, ela cria um "proletariado", pois se trata, em tal caso, essencialmente de uma coletividade quantitativa e não de uma "casta" natural, ou seja, tendo seu fundamento em determinada natureza individual. Se se pudesse suprimir as máquinas e reintroduzir o antigo artesanato com todos os seus aspectos de arte e de dignidade, o "problema do trabalhador" deixaria de existir; isto é verdadeiro mesmo para as funções puramente servis ou os ofícios mais ou menos quantitativos, pela simples razão de que a máquina é inumana e anti-espiritual em si. A máquina mata, não somente a alma do trabalhador, mas a alma como tal, portanto também a do explorador: o par explorador-trabalhador é inseparável do maquinismo, pois o artesanato impede esta alternativa grosseira por sua própria qualidade humana e espiritual, O universo maquinista é acima de tudo o triunfo da ferragem pesada e dissimulada; é a vitória do metal sobre a madeira, da matéria sobre o homem, da astúcia sobre a inteligência; expressões tais como "massa", "bloco", "choque", tão freqüentes no vocabulário do homem industrializado, são totalmente significativas para um mundo que está mais perto dos insetos do que dos humanos. Não há nada de surpreendente no fato de que o "mundo do trabalhador", com sua psicologia "maquinista-cienticista-materialista", seja particularmente impermeável às realidades espirituais, pois ele pressupõe uma "realidade ambiente" totalmente factícia: ele exige máquinas, portanto metal, bulício, forças ocultas e pérfidas, uma ambiência de pesadelo, do vaivém ininteligível, em uma palavra, uma vida de insetos na feiúra e na trivialidade; no interior de tal mundo, ou antes de tal "cenário", a realidade espiritual aparecerá como um ilusão patente ou um luxo desprezível. Em não importa qual ambiência tradicional, ao contrário, é o problematismo "trabalhador" — portanto maquinista — que não teria mais nenhuma força persuasiva; para torná-lo verossímil, é preciso portanto começar por criar um mundo de bastidores que lhe corresponda, e cujas formas mesmas sugerem a ausência de Deus; o Céu deve ser inverossímil, falar de Deus deve soar falso.

Quando o trabalhador diz que não tem "tempo para rezar", ele não está muito errado, pois não faz senão exprimir assim tudo o que sua condição tem de inumano, ou digamos de "infra-humano"; os antigos ofícios, por sua vez, eram eminentemente inteligíveis, e não privavam o homem de sua qualidade humana, a qual implica por definição a faculdade de pensar em Deus.

Alguns objetarão sem dúvida que a indústria é um "fato" e que é preciso aceitá-la como tal, como se esse caráter de fato tivesse primazia sobre a verdade; considera-se habitualmente como "coragem" e "realismo" o que é exatamente o contrário, ou seja: porque ninguém pode impedir determinada calamidade, ela é chamada de "bem" e é glorificada a incapacidade de se lhe escapar. O erro torna-se verdade porque ele "existe", o que está bem de acordo com o "dinamismo" — e com o "existencialismo" — da mentalidade maquinista; tudo o que existe pela cegueira dos homens se chama "nosso tempo", com uma nuance de "imperativo categórico". É por demais evidente que a impossibilidade de escapar de um mal não impede que este seja o que ele é; para encontrar um remédio, se a ocasião se apresenta, é preciso considerar o mal independentemente de nossas chances de escapar a ele ou de nosso desejo de não o ver, pois um bem não poderia se produzir de encontro à verdade.

E um erro comum — e característico para a mentalidade "positiva" ou "existencialista" de nossa época — crer que a constatação de um fato depende do conhecimento das causas ou dos remédios, conforme o caso, como se o homem não tivesse o direito de ver o que ele não pode nem explicar nem modificar; chama-se "crítica estéril" à indicação de um mal e esquece-se que o primeiro passo para uma eventual cura é a constatação da doença. Seja como for, toda situação oferece a possibilidade, senão de uma solução objetiva, ao menos de uma reação subjetiva, de uma libertação pelo espírito; quem compreende a verdadeira natureza do maquinismo, escapará por isso mesmo das servidões psicológicas da máquina, o que já é muito. Dizemos isto sem nenhum "otimismo", e sem perder de vista que o mundo atual é um "mal necessário" cuja raíz metafísica está, em última análise, na infinitude do Possível divino.

Mas há outra objeção que é preciso levar em conta: alguns dirão que sempre houve máquinas e que as do século XIX são simplesmente mais perfeitas que as outras, mas esse é um erro radical que se encontra sempre, sob diversas formas; é uma falta de senso das "dimensões" ou, dito de outro modo, é não saber distinguir entre diferenças qualitativas ou eminentes e diferenças quantitativas ou acidentais. Um antigo tear, por exemplo, por mais perfeito que seja, é uma espécie de revelação e um símbolo cuja inteligibilidade permite à alma "respirar", enquanto que a máquina é propriamente "sufocante"; a gênese do tear está ligada à vida espiritual — o que se percebe, aliás, em sua qualidade estética — enquanto uma máquina moderna pressupõe ao contrário um clima mental e um trabalho de investigação que são incompatíveis com a santidade, sem falar de seu aspecto de artrópodo gigante ou de caixa mágica, o qual também tem um valor de critério; um santo pode construir ou aperfeiçoar um moinho d’água ou de vento, mas nenhum santo pode inventar uma máquina, precisamente porque o progresso técnico implica uma mentalidade contrária à espiritualidade, critério que aparece com uma evidência brutal, como dissemos, nas próprias formas das construções mecânicas. Precisaremos que, no domínio das formas como no do espírito, é falso tudo o que não está de acordo nem com a natureza virgem, nem com um santuário; toda coisa legítima tem, por um lado, algo da natureza e, por outro, algo do sagrado. Uma característica surpreendente das maquinas e que elas devoram matérias — geralmente telúricas e tenebrosas —, em vez de serem postas em movimento pelo homem apenas ou por uma força natural tal como a água ou o vento; é-se obrigado a saquear a terra para fazê-las "viver", o que não é o menor aspecto de sua função de desequilíbrio. É preciso ser muito cego para não ver que nem a rapidez nem a superprodução são bens, sem falar da proletarização do povo e do afeamento do mundo;" mas o argumento de base contínua a ser o que enunciamos em primeiro lugar, a saber, que a técnica só pode nascer em um mundo sem Deus — um mundo no qual a astúcia substituiu a inteligência e a contemplação.

Mas voltemos, após esta digressão, a nosso tema fundamental: é fácil compreender, para um ocidental, como a igualdade dos homens diante de Deus resulta da natureza das coisas, tanto mais quanto as religiões monoteístas — como, de resto, o Budismo — neutralizam por sua própria estrutura os inconvenientes que podem resultar das desigualdades humanas; o fato de que elas aceitem estas desigualdades no plano "leigo" ou "mundano" e que, por outro lado, elas criem hierarquias religiosas não abala em nada sua perspectiva fundamental.

Alguns perguntarão por que, dado que tal "nivelamento" é espiritualmente possível, o Hinduísmo não poderia colocar-se no mesmo ponto de vista e abandonar as castas; ora, o Hinduísmo enquanto tal, ou seja, enquanto totalidade, não tem nem o direito nem o poder de fazer isto, pois é evidente que, se uma instituição sagrada existe, é porque ela é metafisicamente possível e portanto necessária, o que implica que ela apresenta vantagens que não poderiam ser realizadas de outra forma.

De fato, o caráter puro e direto da metafísica vedantina seria inconcebível sem o sistema de castas; a intelectualidade mais transcendente goza na Índia de uma liberdade total, enquanto que esta mesma intelectualidade deve-se acomodar, em outras tradições, com um esoterismo mais ou menos sibilino ou mesmo "tortuoso" em suas formulações, e geralmente também com certas coações sentimentais; é o preço da simplificação do quadro social. Nas religiões semíticas, o esoterismo é solidário do exoterismo, e inversamente; a ausência de castas obriga a certa uniformidade mental que não apresenta menos inconvenientes, do ponto de vista da metafísica pura, do que o sistema de castas apresenta do ponto de vista dos imponderáveis da natureza humana; o exoterismo invade habitualmente o terreno do esoterismo, de onde um movimento de pêndulo entre esses dois planos, ao qual um Omar Khayyam, súfi ortodoxo, respondeu pelo paradoxo e pela ironia. Onde há um exoterismo nítido, o esoterismo quase não pode-se impedir de andar com "pernas de pau" exotéricas, enquanto que na realidade ele representa a essência da verdade, a qual supera as formas e incidentemente as rompe; é o que mostra um caso como o de Al-Hallâj, "amante" de Deus que os hindus certamente não teriam condenado. É preciso não esquecer que a coletividade representa um princípio de espessamento e de complicação: ela atribui comumente um caráter absoluto a fatos, e é esta tendência que o dogmatismo religioso leva em conta a priori. Se o esoterismo pode infundir à massa algo de seu mistério e de suas graças, a massa lhe oferecerá em retorno — na medida em que ele se entrega a ela — suas tendências ao mesmo tempo "espessantes" e "dissipadoras", de onde uma simplificação doutrinal e uma necessidade de atividade exterior que estão nos antípodas da intelecção e da contemplação. Em suma, convém distinguir, no Islã, quatro planos: há em primeiro lugar o exoterismo (shâri’ah) como tal, que compreende as idéias e os meios próprios a sua natureza; depois há o esoterismo (haqiqah/taçawwul) no exoterismo, que comporta o que este pôde assimilar daquele, e que ele teve mesmo de assimilar, a separação entre os dois planos não sendo estanque; mas tal interferência é sempre coisa pessoal e mística e não afeta a Lei. Há em seguida a situação inversa, ou seja, a perspectiva exotérica infiltrando-se no esoterismo, pelo fato de uma vulgarização parcial, e historicamente inevitável: é uma perspectiva de atividade e de mérito, de temor e de zelo, combinada com idéias esotéricas; por fim, há o "esoterismo no esoterismo", se assim podemos dizer, que não é senão a gnose liberada, não, certamente, de toda forma, mas de todo formalismo interior e de todo absolutismo mitológico.

Quanto aos aspectos positivos do "nivelamento" muçulmano, o Islã não apenas neutralizou as diferenças de casta, ele aboliu também as oposições raciais; talvez nenhuma civilização tenha misturado tanto as raças como o Islã: o mulato aparece nele, em geral, como um elemento totalmente "puro" e honrável, e não como o pária que ele é na prática nos povos de origem cristã; poder-se-ia dizer que o turbante ou o fez está para o muçulmano como a pele branca está para o europeu. Para o Islã, as determinações da natureza são acidentes; a escravidão é um acidente, ela não tem, portanto, nenhuma relação com o sistema de castas; a humanidade original era sem castas e sem raças; é ela que o Islã quer restaurar, em conformidade com as condições de nosso milenar. O caso é análogo no Cristianismo e no Budismo; todo homem são de espírito pode tornar-se sacerdote ou monge; o clero corresponde a uma casta vocacional, não hereditária como a nobreza; a ausência desse caráter hereditário se acha compensada pelo celibato. Já indicamos que, sob esta condição, o Hinduísmo admitiria em princípio que um não-brâmane pudesse tomar-se brâmane em virtude de sua aptidão individual e de sua vocação — o risco de atavismos negativos sendo então afastado — e de fato há algo deste gênero no estado de ativamâshrami que se situa além das castas, mas com a condição de separar sua pessoa do corpo vivo da sociedade; o fato de haver ordens de sannyâsís que não admitem senão brâmaries não impede que todo homem possa tornar-se sannyásí fora dessas ordens. Notemos também que três avatáras de Vishnu, a saber, Râma, Krishna e o Buddha, eram kshatrias e não bráhmanas, apesar de que eles possuíam por definição a natureza bramânica no mais alto grau; é essa uma manifestação de universalidade ao mesmo tempo que uma compensação, pois Deus, em suas manifestações diretas e fulgurantes, não se submete a molduras preexistentes, derrogação que exige sua infinitude.

A fim de prevenir toda má interpretação, é interessante notar aqui que a ausência de castas propriamente ditas no Islã, ou mesmo na maior parte das outras tradições não-hindus, não tem nenhuma relação com uma preocupação de "humanitarismo" no sentido corrente do termo, pela simples razão de que o ponto de vista da tradição é o do interesse global — e não apenas da satisfação — do ser humano; ela não tem de praticar uma pseudocaridade que salva os corpos e que mata as almas. A tradição é centrada no que dá um sentido à vida, e não em um "bem-estar" imediato, parcial e efêmero, e concebido como um fim em si; ela não nega a legitimidade — relativa e condicional — do bem-estar, mas ela subordina todo valor aos fins últimos do homem. O bem-estar espiritual é infelizmente incompatível, para a maioria dos homens, com um bem-estar terrestre por demais absoluto; a natureza humana tem necessidade de "provações" tanto quanto de "consolações". Um determinado indivíduo, seja rico ou pobre, pode ser sóbrio e desapegado por sua própria vontade, mas uma coletividade não é um indivíduo e não tem vontade única; ela tem algo de uma avalanche contida e não se mantém em equilíbrio senão com a ajuda de coações, e, de fato, as virtudes hereditárias que podem nos espantar em tal ou qual grupo étnico se mantêm graças a uma luta constante, seja qual for o plano desta; esta luta também faz parte da felicidade, acima de tudo, contanto que ela se mantenha perto da natureza, que é maternal, e não se torne abstrata e pérfida. Não esqueçamos, por outro lado, que o "bem-estar" é coisa relativa por definição; quando o homem se coloca unicamente no ponto de vista material, ele destrói o equilíbrio normal entre o espírito e o corpo e desencadeia apetites que não têm em si mesmos nenhum limite. É este aspecto da natureza humana que os humanitaristas propriamente ditos negam ou ignoram de forma preconcebida; eles crêem que o homem é bom em si, portanto independente de Deus, e atribuem seus defeitos, arbitrariamente, a condições materiais desfavoráveis, como se a experiência não provasse, não somente que a malícia do homem pode não depender de nenhum fator exterior, mas também que esta malícia se desenvolve freqüentemente no "bem-estar" e ao abrigo das preocupações elementares; os desvios da "cultura" burguesa o mostram à saciedade. Para as religiões, a norma "econômica" é expressamente a pobreza, da qual os Fundadores, aliás, sempre deram o exemplo — trata-se de uma pobreza que se mantém perto da natureza, e não um desnudamento tornado ininteligível e enfeado pelas coações de um mundo artificial e irreligioso —, enquanto que a riqueza é tolerada, pois ela é um direito natural e não impede nem o desapego nem a sobriedade, mas ela não é o ideal como épraticamente o caso no mundo moderno.

O Hinduísmo é particularmente rigoroso sob este aspecto: segundo os Shâstras, o luxo propriamente dito — aquele que não visa senão o bem-estar físico e lhe acrescente novas necessidades —é um "roubo para com a natureza"; seu contrário, a simplicidade, não é, evidentemente, uma privação do necessário, mas uma recusa do supérfluo, sempre no que diz respeito à comodidade física, não à propriedade como tal; é verdade que esse estado de simplicidade foi ultrapassado, na própria Índia, já há séculos. Seja como for, as pessoas com muita freqüência englobam, hoje em dia, sob um denominador comum — o de "miséria" — a simplicidade ancestral da vida e a simples falta de víveres, confusão que não é desinteressada; a noção de "país subdesenvolvido", em sua cândida perfídia, é muito significativa sob este aspecto. Inventou-se um "padrão de vida" maquinista e cientista que se gostaria de impor a todos os povos, e a fortiari àqueles que são classificados como "atrasados", quer se trate de hindus ou de hotentotes; para os progressistas, a felicidade se identifica a uma multidão de complicações ruidosas e pesadas, próprias a esmagar muitos elementos de beleza e portanto de bem-estar; e, querendo abolir determinados "fanatismos" e "horrores", esquece-se que existem atrocidades no plano espiritual, atrocidades das quais a civilização dita humanitarista dos modernos está saturada.

Para julgar exatamente a qualidade de felicidade de um mundo passado, seria preciso poder se colocar no lugar dos homens que nele viveram e adotar sua maneira de avaliar as coisas, portanto também seus reflexos imaginativos e sentimentais; muitas coisas de que passamos a ter o hábito lhes apareceriam como coações intoleráveis às quais eles prefeririam todos os riscos de seu meio; a simples feiúra e a atmosfera de trivialidade do mundo atual lhes pareceriam o mais sombrio dos pesadelos. A história como tal não poderia dar conta plenamente da alma de uma época longínqua: ela registra sobretudo as calamidades e deixa de lado todos os fatores estáticos da felicidade; já se disse que a felicidade não tem história, e isto é profundamente verdadeiro. As guerras e as epidemias — não mais que certos costumes — não refletem, evidentemente, os aspectos felizes da vida de nossos ancestrais, como o fazem, em compensação, as obras artísticas e literárias; a supor que a história não possa nada nos dizer sobre a felicidade da Idade Média, as catedrais e todas as outras manifestações artísticas do mundo medieval são um testemunho irrecusável neste sentido, ou seja, elas não dão a impressão de uma humanidade mais infeliz que a atual, para dizer o mínimo; como os orientais de antigamente, nossos ancestrais prefeririam sem dúvida, se tivessem a escolha, ser infelizes à sua maneira a ser felizes à nossa. Não há nada de humano que não seja um mal sob algum ponto de vista: mesmo a tradição é um "mal" sob certos aspectos, pois ela deve entrar em contato com os males humanos e os males humanos a invadem, mas ela é então um "mal menor" ou um "mal necessário"; seria evidentemente menos falso dizer que ela é um "bem", humanamente falando. A verdade pura, é que "só Deus é bom", e que toda coisa terrestre tem um lado ambíguo.

Alguns dirão, sem dúvida, que o humanitarismo, longe de ser materialista por definição, pretende reformar a natureza humana pela educação e pela legislação; ora, é contraditório querer reformar o humano independentemente do divino, este sendo a essência daquele; tentar fazê-lo é provocar no fim das contas misérias bem piores que aquelas às quais tentava-se escapar. O humanitarismo filosófico subestima a alma imortal pelo fato mesmo de que superestima o animal humano; ele obriga um pouco a enegrecer os santos para melhor poder branquear os criminosos, pois uma coisa não vai sem a outra. Resulta daí a opressão dos contemplativos desde sua tenra infância: em nome do igualitarismo humanitário, vocações são trituradas, gênios são dilapidados pela escola em particular e pela mundanidade oficial em geral; todo elemento espiritual é banido da vida profissional e pública, o que equivale a privar a vida de uma boa parte de seu conteúdo e a condenar a religião à morte lenta. O nivelamento moderno, "democrático" se quiserem, está nos antípodas da igualdade teocrática das religiões monoteístas, pois ele se baseia, não no teomorfismo do homem, mas em sua animalidade e sua revolta.

A tese do progresso indefinido se choca, de resto, com a seguinte contradição: se o homem pôde sobreviver durante milênios sob o império de erros e de tolices — supondo que as tradições não sejam mais do que isto, e então o erro e a tolice seriam quase incomensuráveis — a imensidão deste engano seria incompatível com a inteligência que se atribui ao homem como tal e que se está obrigad6 a lhe atribuir; dito de outro modo, se o homem é suficientemente inteligente para chegar ao "progresso" que nossa época encarna — supondo que isso seja uma realidade — ele é a priori inteligente demais para ter estado enganado, durante milênios, por erros tão ridículos quanto os que o progressismo lhe atribui; mas se, ao contrário, o homem é suficientemente tolo para poder ter acreditado nisso por tão longo tempo, ele é também por demais tolo para lhe escapar. Ou então: se os homens atuais tivessem enfim chegado à verdade, eles deveriam ser superiores em proporção aos homens de outrora, e esta proporção seria quase absoluta; ora, o mínimo que se pode dizer é que o homem antigo — medieval ou da Antigüidade — não era nem menos inteligente nem menos virtuoso que o homem moderno, longe disso. A ideologia do progresso é um desses absurdos que chocam pela falta de imaginação, bem como pela falta do senso das proporções; é, de resto, essencialmente uma ilusão de vaishya, um pouco como a "cultura", que não é senão uma "intelectualidade" sem inteligência.

Mas voltemos à questão das castas: a ausência de castas exteriores — pois as castas naturais só poderiam ser abolidas na santidade, ao menos sob certo aspecto — exige condições que neutralizam os inconvenientes possíveis desta indiferenciação social; ela exige particularmente uma civilidade que salvaguarde a liberdade espiritual de cada um; entendemos com isso não a liberdade para o erro, que evidentemente não tem nada de espiritual, mas a liberdade para a vida em Deus. Essa civilidade é a própria negação de todo achatamento igualitário, pois ela diz respeito ao que há de mais elevado em nós: os homens estão obrigados à dignidade, eles devem tratar-se uns aos outros como santos virtuais; inclinar-se diante do próximo, é ver Deus em toda parte, e é abrir-se a si mesmo a Deus. A atitude contrária éa camaradagem", que nega ao próximo todo o mistério e mesmo todo direito ao mistério: é colocar-se no plano da animalidade humana e reduzir o próximo ao mesmo nível, obrigá-lo a um achatamento sufocante e desumano. A indiferenciação social só pode ter uma base religiosa: ela só pode se produzir pelo alto, em primeiro lugar religando o homem a Deus, depois reconhecendo Deus no homem. Em uma civilização como o Islã, não há "meios sociais" propriamente ditos; as regras de comportamento fazem parte da religião, basta ser piedoso para conhecê-las, de modo que o pobre se sentirá à vontade entre os ricos tanto mais quanto a religião está "de seu lado", visto que a pobreza enquanto estado é uma perfeição; o rico não ficará chocado, entre os pobres, por uma falta de educação ou de "cultura", pois não há "cultura" fora da tradição, cujo ponto de vista, aliás, não é nunca quantitativo. Dito de outro modo, o pobre pode ser "aristocrata" sob andrajos, enquanto que no Ocidente é a própria "civilização" que lho impede; é verdade que pode-se encontrar camponeses aristocratas na própria Europa, particularmente nos países mediterrâneos, mas eles são como sobreviventes de uma outra era; o nivelamento moderno destruiu em toda parte as belezas da igualdade religiosa, pois, sendo sua caricatura, ele é incompatível com ela.

A casta, como a entendemos, tem essencialmente dois aspectos, a saber, o do "grau e o do "modo" da inteligência, distinção que é devida, não à essência do intelecto, mas aos acidentes de sua manifestação. A inteligência pode ser contemplativa ou escrutadora, intuitiva ou discursiva, direta ou indireta; ela pode ser simplesmente inventiva ou construtiva, ou mesmo reduzir-se ao bom-senso elementar; em cada um desses modos há graus, de modo que um homem pode ser mais "inteligente" que outro ao mesmo tempo em que lhe é inferior do ponto de vista do modo. Em outros termos, a inteligência pode ser centrada no intelecto, que é transcendente e infalível em sua essência, ou na razão, que não tem nenhuma percepção direta das realidades transcendentes e não poderia ser garantia, por conseqüência, contra a intrusão do elemento passional no pensamento; a razão pode ser determinada em maior ou menor medida pelo intelecto, mas ela pode também limitar-se às coisas da vida prática, ou mesmo aos aspectos mais imediatos e mais rudimentares desta. Ora, o sistema de castas, como dissemos, resulta essencialmente de uma perspectiva da inteligência, portanto da intelectualidade ou da metafísica, de onde o espírito de exclusividade ou de pureza tão característico para a tradição hindu.

A igualdade — ou antes a indiferenciação — realizada pelo Budismo, pelo Islã e por outras tradições se refere ao pólo "existência" mais que ao pólo "inteligência"; a existência, o ser das coisas, neutraliza e une, enquanto que a inteligência discerne e separa. Em contrapartida, a existência é por sua natureza (exsistere, ex-stare) "saída" da Unidade, ela é portanto o plano da separação, enquanto que a inteligência, sendo Unidade por sua natureza intrínseca, é o raio que remete ao Princípio; a existência e a inteligência unem e dividem, mas cada uma sob um aspecto diferente, de modo que a inteligência divide onde a existência une, e inversamente. Poderíamos nos exprimir também da maneira seguinte: para o Budismo — que não nega" expres-samente as castas, mas antes as "ignora" — todos os homens sao um, em primeiro lugar no sofrimento, e depois na via que liberta; para o Cristianismo, todos são "um", em primeiro lugar pelo pecado original, e depois pelo batismo, penhor da Redenção; para o Islã, todos são "um", em primeiro lugar porque criados de pó, e depois pela fé unitária; mas para o Hinduísmo, que parte do Conhecimento e não do homem, é antes de tudo o Conhecimento — que e um e os homens são diversos por seus graus de participação no Conhecimento, portanto também por seus graus de ignorância; poder-se-ia dizer que eles são "um" no Conhecimento, mas este só é acessível, em sua pureza integral, a uma elite, de onde o exclusivismo dos brâmanes.

A expressão individual da inteligência é o discernimento; a expressão individual da existência é a vontade. A perspectiva que dá nascimento às castas, como vimos, baseia-se no aspecto intelectual do homem: para ela, o homem é a inteligência, o discernimento; por outro lado, a perspectiva da indiferenciação social — que se refere ao póio "existência" — parte da idéia de que o homem é a vontade, e ela distinguirá na vontade uma tendência espiritual e uma tendência mundana, como a perspectiva do intelecto e das castas distingue os diversos graus de inteligência ou de ignorância. Isto permite compreender porque a bhakti ignora praticamente as castas e pode permitir iniciar mesmo párias: porque ela vê no homem a priori a vontade, o amor, e não a inteligência, a intelecção; por conseqüência, há, ao lado das castas baseadas no "conhecer", uma outra hierarquia baseada no "querer", de modo que as categorias humanas se entrecruzam como os fios de um tecido, ainda que o "querer" espiritual se encontre muito mais freqüentemente lá onde está o "conhecer".

Psicologicamente falando, a casta natural é um cosmos; os homens vivem em cosmos diferentes, conforme o "real" no qual são centrados; é impossível ao inferior compreender realmente o quem compreende realmente, "e o que ele com— superior, pois preende. Por outro lado, pode-se dizer que todas essas categorias humanas se reencontram de certa maneira, ainda que seja muito indireta e totalmente simbólica, não somente em cada uma das ditas categorias, mas também em todo homem; há ainda uma certa analogia entre as castas e as idades, no sentido de que os tipos inferiores se reencontram em certos aspectos da infância, enquanto que o tipo passional e ativo será representado pelo adulto, e o tipo contemplativo e sereno pelo velho; é verdade que o processo é em geral o inverso no homem rústico, que não guarda, após as ilusões da juventude, nada mais que o materialismo e que identifica com estas ilusões o pouco de nobreza que a juventude lhe havia dado. Mas não esqueçamos que cada um destes tipos fundamentais possui virtudes que o caracterizam, de modo que os tipos não-bramânicos não têm somente uma significação puramente privativa: o kshatri)’a tem a nobreza e a energia, o vaishya a honestidade e a habilidade, o shúdra tem a fidelidade a a diligência; a contemplatividade e o desapego bramânico contêm eminentemente todas essas qualidades.

O princípio das castas se reflete não somente nas idades, mas também, de outra maneira, nos sexos: a mulher se opõe ao homem, em certo sentido, como o tipo cavalheiresco se opõe ao tipo sacerdotal, ou ainda, sob outro aspecto, como o tipo "prático" se opõe ao tipo "idealista", se assim podemos dizer. Mas, do mesmo modo que o indivíduo não está absolutamente vinculado pela casta, ele não poderia estar vinculado de uma maneira absoluta pelo sexo: a subordinação metafísica, cosmológica, psicológica e fisiológica da mulher é evidente, mas a mulher é não obstante igual ao homem do ponto de vista da condição humana e, portanto, também do da imortalidade; ela é igual sob o aspecto da santidade, mas não sob o das funções espirituais: nenhum homem pode ser mais santo que a Virgem Santíssima e, no entanto, o último dos padres pode rezar a missa ou pregar em público, enquanto que ela fez o podia fazer. Por outro lado, a mulher assume, em face do homem, um aspecto de Divindade: sua nobreza, feita de beleza e de virtude, é para o homem como uma revelação de sua própria essência infinita, portanto do que ele "quer ser" porque ele o "é".

Gostaríamos de mencionar, por fim, uma certa relação entre a actualização das castas e o sedentarismo: é um fato inegável que os tipos inferiores são menos freqüentes entre os nômades guerreiros que entre os sedentários; o nomadismo aventuroso e heróico faz com que as diferenças qualitativas se encontrem como que submersas em uma espécie de nobreza geral; o tipü materialista-servil pouco aparece e, por compensação, o tipo sacerdotal não se separa completamente do tipo cavalheiresco. Segundo a concepção desses povos, a qualidade humana — a "nobreza" — é mantida pelo gênero de vida combativo: não há virtude sem atividade viril, portanto perigosa; o homem se avilta quando não encara de frente o sofrimento e a morte; é a impassibilidade que faz o homem; é o acontecimento, a aventura, se se quiser, que faz a vida. Esta perspectiva explica o apego desses povos — os beduínos, os tuaregues, os peles-vermelhas, os antigos mongóis — a seu nomadismo ou semi-nomadismo ancestral, e também seu desprezo pelos sedentários, sobretudo os citadinos; de fato, os males mais profundos de que a humanidade sofre vieram das grandes aglomerações urbanas, não da natureza virgem.

No cosmo, tudo oferece ao mesmo tempo um aspecto de simplicidade e de complexidade, e há em todo domínio perspectivas que se referem a um ou outro desses aspectos; a síntese e a análise estão na natureza das coisas, e isto é verdadeiro para as sociedades humanas como para outros domínios; é, portanto, impossível que não haja castas em parte alguma, ou que elas não estejam ausentes em lugar nenhum. O Hinduísmo não tem, a rigor, "dogmas", visto que nele todo conceito pode ser negado, com a condição de que o argumento seja intrinsecamente verdadeiro; mas esta ausência de dogmas propriamente ditos, ou seja, "inamovíveis", impede ao mesmo tempo a unificação social. O que a torna possível, particularmente nas religiões monoteístas, é precisamente o dogma, que desempenha o papel de um Conhecimento transcendente acessível a todos; o Conhecimento enquanto tal é inacessível à maioria, mas ele se impõe a todo homem sob a forma da fé, de modo que o "crente" é algo como um brâmane "virtual" ou "simbólico". O exclusivismo do brâmane em relação às outras castas se repete, mutatis mutandis, no exclusivismo do "crente" em relação aos "incrédulos" ou "infiéis", nos dois casos, é o "Conhecimento" que exclui, quer se trate da aptidão hereditária ao Conhecimento puro, ou do fato de um conhecimento simbólico e virtual, ou seja, de uma crença religiosa. Mas, na fé revelada como na casta instituída, a exclusão — que écondicional e "ofensiva" no primeiro caso, e incondicional e "defensiva" no segundo — não pode ser mais que "formal", não "essencial", pois todo santo é "crente", seja qual for a sua religião, ou "brâmane", seja qual for a sua casta. Seria preciso talvez detalhar, no que diz respeito à questão dos dogmas, que os pilares doutrinais do Hinduísmo são em parte "dogmas móveis", ou seja, que perdem sua absolutez em planos superiores ao mesmo tempo em que a guardam inabalavelmente no plano ao qual eles se referem, fazendo-se abstração das divergências legítimas de perspectiva; mas em tudo isto não há nenhuma porta aberta para o erro intrínseco, sem o que a tradição perderia sua razão de ser. A partir do momento em que discernimos entre o verdadeiro e o falso, a "heresia" torna-se possível, seja qual for nossa reação a seu respeito; ela é, no plano das idéias, o que o erro material é no plano dos fatos.

A casta, em seu sentido espiritual, é a "lei" (dharma) que rege determinada categoria de homens em conformidade com suas qualificações; é neste sentido — e neste sentido apenas — que a Bhagavad-Gítâ diz: "Mais vale para cada um sua própria lei de ação, mesmo imperfeita, que a lei de outro, mesmo bem aplicada. Mais vale perecer na própria lei; é perigoso seguir a lei de outro" (III, 35) 22 E do mesmo modo o Mánava-Dharma-Shástra: "Mais vale cumprir suas próprias funções de uma maneira defeituosa do que realizar perfeitamente as de outro; pois aquele que vive no cumprimento dos deveres de outra casta perde imediatamente a sua" (X, 97).

2.7 - A "INTOCABILIDADE" (SITUAÇÃO DOS PÁRIAS)

GONZÁLEZ-BALADO (1978:38-39) mostra as desigualdades sociais na Índia:

Quem viveu mal, por castigo, se reencarnará num animal ou numa casta inferior.

Quem viveu bem, recebe como prêmio a reencarnação em uma casta social mais elevada.

Na Índia, as castas são quatro: brâmanes, guerreiros, comerciantes e lavradores.

Sobra uma quinta categoria de pessoas - de muitos milhões - que não pertence a casta alguma: são os párias.

Eles não têm direitos. Não podem ser tocados nem admitidos no trato social, por causa do risco de contágio.

Os brâmanes gozam do privilégio de terem vivido bem em existências precedentes; esta é a convicção religiosa comum.

Os párias sofrem o castigo por terem vivido mal nas existências anteriores.

GANDHI (1998) fala sobre a "intocabilidade":

Considero a "intocabilidade" a maior mácula do hinduísmo. (p. 24)

[...] mesmo na época eu acreditava que a "intocabilidade" não fazia parte do hinduísmo; e que, se fizesse, esse hinduísmo não era para mim. (p. 49)

[...] do fundo do coração, odeio o repugnante sistema da "intocabilidade" pelo qual milhões de hindus se tornaram responsáveis. (p. 70)

Não quero renascer. Mas se precisar nascer de novo, gostaria de nascer um "intocável", para poder partilhar as tristezas, os sofrimentos e as afrontas que lhes são impostos e para que eu possa me esforçar para libertar a mim e a eles dessa miserável condição. (p. 93)

NOOTEN (2002) fala nas "castas dos "intocáveis":

Fora do sistema de castas, havia as "castas dos "intocáveis": os povos tribais das montanhas, como os Kiratas, os persas e os gregos bactrianos.

MEHTA (1998:144) mostra as conquistas atuais dos "intocáveis":

Hoje, os 200 milhões de indianos pertencentes às castas inferiores possuem seu próprio partido político, e têm representações impressionantes nos outros partidos.

Em http://www.an.com.br/2000/jul/07/0mun.htm lemos o seguinte texto sobre os dalits (párias):

Pobres reagem à discriminação na Índia

Vítimas do sistema de castas que domina o país, os assim chamados dalits, vivem como uns fantasmas

Carla POWER. Newsweek

Após séculos de discriminação, os dalits da Índia estão revidando - usando o voto e a desobediência civil para reivindicar seus direitos.

No papel, os moradores da favela Estrada Lodi, de Nova Délhi, nem existem. Os dalits, (literalmente, "gente arruinada", conforme os membros da casta dos "intocáveis" são chamados), não aparecem nas listas eleitorais, nos cartões de distribuição de alimentos ou nas contas d'água.

Amontoadas à sombra da Corporação de Habitação e Urbanismo da Índia, as cabanas da favela são feitas de barro, papelão e sacos plásticos. Crianças brincam com porcos na lama; mães lavam roupas em água de esgoto.

Esses "kabariwallahs", ou caça-restos, selecionam lixo ou carregam esterco humano para ganhar algumas rúpias. As crianças pedem esmolas no semáforo próximo. Ninguém vai à escola. Conforme diz Om Prakash, caça-restos que vive ali há 40 anos, "temos direito à vida". É o que muita "gente quebrada" da Índia tem.

Sua Índia não é a que o presidente americano Bill Clinton viu durante a viagem que fez no início deste ano - terra de gurus dos softwares e classe média em rápido crescimento. Os dalits podem viver no país democrático mais populoso do mundo, mas suas vidas são moldadas por um sistema de apartheid (segregação) consagrado. Há 3.500 anos o sistema indiano de castas classifica as pessoas dentro de uma hierarquia rigorosa segundo a classe e o emprego.

As castas "intocáveis", que fazem o trabalho "sujo" da sociedade, estão bem na base da estrutura social. Vilas estão divididas em aldeias de dalits e de castas superiores. Nas aldeias, os proscritos não têm acesso aos templos hindus. Nas zonas rurais, os dalits são com freqüência vítimas de assédio, estupro e outras formas de violência dos senhores pertencentes a classes mais altas.

No mês passado, um contingente de milicianos no Estado de Bihar invadiu a cidade de Miapur e matou a tiros 35 aldeãos de classe inferior, oito dos quais eram dalits. O massacre foi o oitavo grande ataque relacionado com castas em Bihar, nos últimos seis meses.

Há muito tempo a constituição indiana proibiu a discriminação contra os dalits. A Índia tem um presidente dalit e mais de 100 dalits no Parlamento.

Mas, apesar dos sistemas de cotas de empregos no serviço público e na educação, membros das castas superiores como brâmanes e xátrias têm o monopólio do poder; controlam os negócios, a mídia e o governo.

Após séculos de tamanha discriminação, os dalits começam a revidar.

Iniciaram a luta pelos seus direitos civis, motivados pelas campanhas de libertação dos negros americanos e dos sul-africanos. Essa nova disposição de ânimo irrita os poderosos e provoca uma luta cada vez mais sangrenta.

Segundo o Movimento de Educação dos Direitos Humanos da Índia, organização não-governamental com sede em Madras, a cada hora dois dalits são agredidos, três mulheres dalits são estupradas, dois dalits são assassinados e duas casas de dalits são incendiadas.

O movimento dalit é novo e fragmentado. Até o termo "dalit" abrange várias subcastas e tribos, muitas das quais falam línguas diferentes. Ao contrário do apartheid racial na África ou da discriminação dos sexos no mundo muçulmano, o movimento contra o privilégio das castas não atraiu a atenção do Ocidente - por enquanto. Há sintomas de mudança. No começo deste ano, a Campanha Nacional pelos Direitos Humanos dos Dalits pediu que a Conferência da ONU sobre Racismo, no próximo ano, inclua o combate aos privilégios de casta em sua agenda.

Um parlamentar dalit, Buta Singh, diz: "Se a Índia pôde tornar-se independente da Inglaterra, por que os dalits não podem ser independentes desse povo preocupado com castas?" Mas mudar um sistema consagrado pelos textos religiosos indianos vai ser difícil. Milhões de dalits tentaram escapar do sistema convertendo-se ao islamismo, cristianismo ou budismo. Acontece que o sistema está tão enraizado na sociedade do Sul da Ásia que as castas persistem nas comunidades cristãs e muçulmanas.

Além do mais, o movimento dalit ameaça os privilégios das classes superiores. Poucas pessoas destas castas se interessam em alterar uma ordem social que lhes fornece mão-de-obra barata e posição social. Alguns membros das classes superiores reagiram aos dalits com "atrocidades", como os crimes motivados pelo ódio são chamados na Índia.

Os menores gestos de afirmação de direitos - um dalit que concorre à câmara municipal, um menino dalit que se apaixona por uma menina de casta superior, um dalit que consome água de quem pertence a casta mais alta - podem provocar violência. Informa-se que líderes das castas superiores e até policiais estupraram mulheres dalits para dar a seus maridos e irmãos "lições" sobre o perigo de exigir salário mínimo ou reclamar a devolução de terras perdidas, segundo o Relatório do Human Rights Watch de 1999.

"O aumento das atrocidades é uma conseqüência da reivindicação de direitos das castas inferiores", comenta Dipankar Gupta, professor de sociologia na Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Délhi. "Nas gerações anteriores, dalits não eram espancados porque ''conheciam o seu lugar''". Já não é esse o caso. As bases ganham força. Talvez o movimento mais radical seja o dos Panteras Dalit, uma organização de resistência tâmil nadu que se baseia nos Panteras Negras afro-americanos.

Liderados por Thirumal Valavan, de 34 anos, cujos emocionantes discursos de duas horas em comícios o transformam numa figura venerada na região, os Panteras não pregam abertamente a violência. Mas o grupo incentiva os dalits a proteger seus direitos por todos os meios necessários.

No final do ano passado, Valavan concorreu ao Parlamento e perdeu. O legado de sua tentativa de se eleger foi a destruição. Para assustar eleitores dalits, bandos das classes superiores incendiaram 21 aldeias no distrito Cuddalore, destruindo mil cabanas. Atacaram 60 homens dalits, matando um. Valavan, que raramente sai de casa sem seus cinco guarda-costas, recebe com freqüência ameaças de morte. "Recebi uma recentemente que dizia: ''Vamos decepar sua cabeça dentro de um mês por lutar contra pessoas das classes superiores''", contou.

Apesar do perigo, os dalits assumem riscos para se livrar das tradições rurais. Têm entrado em casas de chá e quebrado xícaras do sistema de "duas xícaras", que obriga os dalits a beberem em recipientes separados. Invadem templos, violando a multicentenária proibição do ingresso de dalits nos lugares sagrados hindus das castas altas. Noivos hindus vão a cavalo à cerimônia de seu casamento - mas patrulheiros das classes superiores atacam dalits por tentarem fazer o mesmo.

Em junho do ano passado no Rajastão, um noivo dalit fez o percurso num cavalo pela primeira vez, protegido por 400 policiais, ambulâncias e equipes de médicos.

Os dalits não têm líder nacional, mas uma nova geração de ativistas surgiu. No Estado sulino de Karnataka, o casal M. C. e Jyothi Raj está organizando dalits em 300 vilas por meio da Sociedade para o Desenvolvimento da Educação Rural (REDS), mantida por alemães. Na última década, a campanha da REDS pelos direitos dos dalits ganhou força. No início desde ano, depois que uma multidão de castas superiores matou sete dalits carbonizados, a REDS mobilizou milhares de dalits que bloquearam dez rodovias federais, forçando o governo a fornecer abrigo e indenização às famílias das vítimas.

Em janeiro, o casal Raj lançou a Era Ambedkar - um ano de promoção do orgulho dalit. Em Tumkur, M. C. Raj falou a uma multidão de 40 mil dalits, contando-lhes como seu povo fora o habitante inicial da Índia antes da invasão dos indianos arianos. Muitos dos ouvintes não se haviam considerado mais que simples proscritos da sociedade indiana.

"Pensávamos que ser um dalit significava ser inferior", diz Thippeswany, um dalit. "Então por que devíamos fazer trabalho de escravo para essa gente? Temos nosso lado humano, merecemos igualdade." Os poucos dalits que tiveram a sorte de conseguir serviço de escritório ou burocrático concordam.

Até nos corredores do poder, profissionais dalits encontram discriminação. Dois anos atrás, quando o juiz de um tribunal superior em Uttar Pradesh assumiu o posto antes ocupado por um dalit, receou tanto ser maculado por seu antecessor de casta inferior que mandou "purificar" os gabinetes com água do sagrado Rio Ganges.

Alguns indianos de casta superior são contra a ação afirmativa do governo, que diz garantir emprego em excesso para gente de casta inferior - em detrimento das outras castas. Pela constituição, existem "reservas", ou cotas, para os dalits: cerca de 23% dos empregos governamentais e vagas em universidades são reservados a "castas e tribos específicas". Ativistas dalits argumentam que até o ano passado mais de 1 milhão de empregos "reservados" não tinham sido preenchidos, evidentemente por não haver dalits com qualificação profissional para preenchê-los.

O governo da Índia está insistindo numa revisão constitucional, e os dalits receiam que venham a perder suas cotas. "Conversa fiada", replica Maneka Gandhi, ministra de Justiça e Emancipação Social. Ela diz que o objetivo da revisão é "verificar o que precisamos fazer para melhorar as coisas".

Muitos dalits receiam que o recente avanço da Índia para a economia privatizada, aberta ao investimento estrangeiro, venha a prejudicar as castas inferiores. A indústria privada não tem cotas. "Assim que o setor privado se tornar o mais forte", diz Ambrose Pinto, chefe do Instituto Social Indiano, com sede em Nova Délhi, "os dalits não terão nenhuma chance." Mas outros dizem que uma economia aberta vai trazer exatamente o oposto - oportunidades, pois investidores estrangeiros não se preocupam com castas.

Nas eleições à câmara municipal de Tumkur no início do ano, houve candidatos dalits pela primeira vez. Um dalit chamado Ramesh K., a exemplo de outros 300 dalits no mesmo distrito eleitoral, venceu. Sua mãe encarquilhada, Lakshmamma, diz que está notando uma mudança histórica.

2.8 - TRADIÇÃO VERSUS MODERNIDADE

BOUGLÉ (1993:88) mostra como a presença inglesa acabou introduzindo uma mentalidade mais livre de preconceitos e passando por cima de tradições retrógradas:

É enfim a administração que oferece mudanças inesperadas: torna-se agente, funcionário, recebedor, controlador: numerosos brâmanes tornam-se policiais e carregam sem escândalo - que diriam seus ancestrais! - cintos de couro. A ambição indígena não se restringe em princípio aos degraus inferiores do funcionalismo: nada impede "a priori" que um hindu das mais baixas castas, que tenha passado com sucesso nas provas dos concursos regulamentares, se eleve na escala do "civil service" aos postos de direção.

Compreende-se por aí que não sejam somente as profissões que mudaram, mas também as situações sociais: ao mesmo tempo que a especialização, a hierarquia tradicional foi modificada substancialmente. Uma espécie desconhecida, parece, da Índia antiga - o "selfmade man", o homem novo, - vai surgir. Se um membro de uma casta inferior se encontra, conforme a exigênciai dos concursos, em igualdade de condições, investido de uma parte do poder público, como o respeito não seria desviado dos setores tradicionais? Os efeitos dessas mudanças de valor se farão sentir até sobre os casamentos: bem-sucedidos e diplomados começam, diz-se, a alcançar destaque em determinados meios, mesmo sem pureza genealógica.

Gita MEHTA tem escrito muitas coisas interessantes sobre a Índia, mostrando os apectos positivos do seu país aos estrangeiros, contrabalançando a imagem do país conhecida pelos não-indianos, que ali acreditam existir a fome, a pobreza e o analfabetismo.

Em um de seus livros (Escadas e Serpentes) encontramos um artigo que merece ser transcrito e só não o fazemos quanto a outros para não transcrevermos quase seu livro inteiro.

O texto chama-se ESCRITURAS e tem muito a ver com a luta que se trava entre o tradicionalismo, representado por muitos dos 80,3% de hinduístas, e a modernidade, alavancada pelos outros hinduístas progressistas e os demais segmentos religiosos ou não, continuadores diretos ou indiretos de Gandhi e Ambedkar.

Na década de 1890, quando a terrível crueldade do sistema de castas ainda negava educação a milhões de indianos, o soberano de Baroda, um dos maiores reinos da Índia, franqueou a educação para todas as castas.

Na Índia antiga as castas haviam sido um pouco como as corporações medievais, servindo simplesmente para descrever a ocupação das pessoas. Embora pertencesse à casta mais baixa, o sábio vyasa o poema épico-religioso da Índia, o "Mahabhata", e o filho de uma mulher de casta inferior criara o glorioso império maurya. Com efeito, quando seu neto, o imperador Asoka, converteu-se ao budismo, as grandes universidades por ele criadas disseminaram os ensinamentos de Buda e com o tempo eles se tornaram a religião da ásia.

Mas ao longo dos milênios o sistema de castas foi degenerando, até que a ocupação das pessoas se transformou num fato imutável de nascença. Os membros da casta mais baixa, dos lixeiros e catadores de lixo, eram tratados como anãtema, poluindo as demais castas com a sua mera sombra. Eram os chamados "intocáveis".

A morte era o castigo para um "intocável" que pretendesse instruir-se. As Leis de Manu, seguidas pelos hinduístas ortodoxos, determinavam a forma de execução. Se algum "intocável" chegasse a ouvir palavras em sânscrito, a linguagem dos livros sagrados, era executado mediante o derramamento de chumbo derretido nos ouvidos.

Em Baroda, finalmente autorizado a instruir-se, um jovem "intocável" estudou com tal afinco que conseguiu obter o grau de bacharel na Universidade de Bombaim. Em seguida ganhou uma bolsa de estudo para a Universidade de Colúmbia, em Nova York. Deixando os estados unidos já como PhD, foi para a Universidade de Londres e obteve o grau de doutor em Ciências.

Duas vezes o menino "intocável" realizara o impossível. Viria a ser o Dr. Ambedkar.

Na Índia, o Mahatma Gandhi insistia para que os "intocáveis" fossem chamados "harijans", filhos de Deus. Mas o Dr. Ambedkar sabia que mesmo com outro nome os "intocáveis" continuariam sendo o detrito de uma religião, o inferno em vida do qual os hinduístas buscavam libertar-se mediante boas ações, a serem reconhecidas em futuros renascimentos, ao longo da escalada da reencarnação.

Decidido a modificar um vasto continente no qual quase um terço da população era explorado pela discriminação de casta, o Dr. Ambedkar obteve novo grau em londres, desta vez em Direito.

Em 1946 formou-se uma comissão para redigir a Constituição da Índia, e em 1947 o Dr. Ambedkar passou a presidi-la.

Durante os quatro longos anos necessários à redação da Constituição, o subcontinente foi sacudido pela mudança. Os britânicos partiam. Quinhentos soberanos independentes reuniam seus domínios para formar a Índia e o Paquistão, e as metades ocidental e oriental do Paquistão estavam separadas uma da outra por 1500 quilômetros de Índia. No dia seguinte ao da libertação das duas novas nações - Índia e Paquistão -, a Grã-Bretanha anunciou a temida partição e o subcontinente explodiu em carnificinas. Hinduístas, muçulmanos e sikhs abandonaram suas terras ancestrais em uma das maiores migrações da história humana - uma migração que em apenas um ano deixaria 1 milhão de mortos e mais de 7 milhões de desabrigados.

Ao longo de toda essa devastadora turbulência, o trabalho de redigir a Constituição prosseguia.

Para assessorá-lo na redação, o Dr. Ambedkar dispunha não somente das Constituições do mondo ocidental, como também da grande obra indiana sobre a ciência do governo - o "Arhya Shastra", atribuído a Kautilya, ministro da corte do império maurya.

A História também estava à sua disposição.

Na terceira e última leitura da lei que instituiu a Constituição da Índia, o Dr. Ambedkar disse:

"Não se pode dizer que a Índia não saiba o que é a Democracia. Houve um tempo em que havia inúmeras repúblicas na Índia.

Não se pode dizer que a Índia não conheça os parlamentos, ou os procedimentos parlamentares. Os Shangas [ordens monásticas budistas] possuíam regras sobre a distribuição dos assentos, sobre as moções, resoluções, quorum, lideranças, contagem de votos, votação, moções de censura, regularização, res judicata etc. [...], retiradas das assembléias políticas que funcionavam à época.

A Índia perdeu esse sistema democrático, teremos de perdê-lo uma segunda vez?

Se desejarmos manter a democracia não apenas na forma, mas também de fato [...] devemos observar a cautela que John Stuart Mill recomendou a todos os interessados na permanência da democracia, isto é, não entregar suas liberdades nem mesmo a um grande homem, nem dar-lhe poderes que lhe permitam subverter as instituições.

O culto do herói é o caminho seguro para a degradação e, mais adiante, para a ditadura."

A República Soberana da Índia foi proclamada formalmente em 26 de janeiro de 1950, governada por uma Constituição que garante que:

O Estado não negará a nenhuma pessoa igualdade diante da lei;

O Estado não discriminará nenhum cidadão por motivo de religião, raça, casta ou sexo;

A "intocabilidade" fica abolida, e sua prática, sob qualquer forma, é proibida.

A Índia estava preparada para ir às urnas para a primeira eleição geral.

Naquela grande ocasião o advogado "intocável" que redigira a com stituição do país recordava ao povo da Índia que ela seria apenas um pedaço de papel enquanto não ficasse inscrita no coração dos cidadãos.

Apesar de esforços progressistas ainda se vêem situações estranhas: http://www.vaticanradio.org/portuguese/brasarchi/2002/RV33_2002/02_33_33.htm

MULTIPLICAM-SE CASOS DE PERSEGUIÇÃO A CATÓLICOS NA ÍNDIA

Cidade do Vaticano, 16 de agosto (RV)

Recentemente, foi apresentado na Índia, um informe sobre a situação em que vive a comunidade cristã nesse país. O documento apresentado por Pe. George Plackapilly, Secretário-executivo para a educação e a cultura, da Conferência Episcopal da Índia recordou que o artigo 30 da Constituição da Índia, garante às minorias religiosas o direito de estabelecer e administrar livremente seus próprios institutos escolares.

Entretanto, o sacerdote advertiu aos 22 congressistas católicos do país, que existe uma estratégia de grupos "antiminorias" para abolir ou interpretar equivocadamente aquele artigo da Constituição. Isso ocorre num contexto no qual se multiplicam os casos de perseguição religiosa aos católicos na Índia.

No último 18 de julho, uma religiosa foi detida pela Polícia de Ambikapur no Estado de Chattisgarh, Índia central _ e condenada a seis meses de prisão, sob a acusação de ter feito com que alguns hindus se convertessem à fé cristã. (SP)

Em http://utopia.com.br/anistia/noticias/not00_05.html#2 lê-se:

Defensores dos Direitos Humanos comunicam à AI os riscos que enfrentam

Os defensores dos Direitos Humanos, na Índia, trabalham em vários aspectos de toda a estrutura dos direitos, enfrentando enormes desafios. Em Madhya Pradesh, em 8 de março de 2000, cerca de 200 mulheres estavam entre as várias centenas de pessoas que protestavam pacificamente, e que foram espancadas pela polícia e arrastadas para fora do local de protesto. A demonstração era contra a construção da represa de Maheshwar, que ameaça deslocar essas pessoas e suas famílias. No dia anterior, as autoridades tinham proibido reuniões na área - ordem usada com freqüência na Índia, para banir protestos pacíficos.

O dia seguinte assinalava o quarto aniversário do seqüestro, pela polícia de segurança, de Jalil Andrabi, defensor de Direitos Humanos, no estado indiano de Jammu e Cachemira. Seu corpo foi encontrado 19 dias após o seqüestro. Em 9 de março de 2000, foi adiada a audiência do caso contra os responsáveis, retardando, uma vez mais, o processo de prestação contas sobre a morte de Jalil.

Os riscos enfrentados pelos defensores dos Direitos Humanos das comunidades dalit (grupo em desvantagem, devido à hierarquia de castas) aliam-se à discriminação que enfrentam na sociedade. Em julho de 1998, um ativista dalit do distrito de Jalma, em Maharashtra, foi atacado e morto por membros da casta superior de sua aldeia, quando ele voltava, no meio da noite, para visitar a esposa e o filho recém-nascido. Ele fora banido do distrito por dois anos, por lhe terem sido atribuídos vários delitos criminosos pela polícia (supostamente instigada por um dono de fábrica local, que se opunha às atividades de conscientização da comunidade dalit sobre seus direitos). Acredita-se que a língua, os braços e as pernas do ativista tenham sido cortados, antes de seu corpo ter sido queimado.

Em 1999, como parte do Projeto dos Defensores dos Direitos Humanos no Sul da Ásia da AI, os defensores de Direitos Humanos de toda a Índia foram contatados, para que falassem das dificuldades que enfrentam, inclusive a prisão de manifestantes pacíficos, torturas, maus tratos, ameaças, hostilidades, acusações falsas, "desaparecimentos" e execuções extrajudiciais. Estas preocupações são abordadas em um novo relatório: Perseguidos por desafiarem a injustiça - defensores dos Direitos Humanos na Índia (ASA 20/08/00)

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marques

juiz de Direito em Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Luiz Guilherme. A Justiça e o Direito da Índia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 164, 13 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4552. Acesso em: 28 mar. 2024.

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