O contrato como instrumento para desenvolvimento do agronegócio

28/12/2015 às 22:02
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O artigo dispõe sobre a importância do contrato para o desenvolvimento do agronegócio, abarcando o contrato de integração e sugerindo o que se denomina de contrato integrado.

Caio Mário da Silva Pereira bem definiu o contrato como ´´um acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos´´[1], cabendo destacar que o Direito Contratual ganhou contornos bem sólidos e hoje se ampara no princípio da autonomia da vontade, no princípio do consensualismo, no princípio da força obrigatória dos contratos, princípio da boa-fé, no princípio do equilíbrio econômico do contrato e no princípio da função social do contrato.

Em relação ao agronegócio, ao se levar em consideração as ideias de Theodore Shults – para quem os agricultores são capitalistas, racionais, independentemente do tamanho da propriedade, nível de educação, localização ou atividade produtiva desenvolvida – o contrato se mostra como instrumento voltado àqueles inseridos no agronegócio contemporâneo, os quais integram cada vez mais um sistema produtivo voltado para o consumidor final, o que exige a participação direta de uma ou mais cadeias produtivas do agronegócio.

As atividades de plantar e criar desenvolvidas pelos produtores rurais não se satisfazem mais somente com o gerenciamento técnico e produtivo, sendo necessário, nos tempos atuais, a capacitação na gestão comercial, financeira e jurídica.

Em razão da agricultura estar numa constante integração aos mercados mundiais e pela crescente importância da visão sistêmica que passou a englobar no sistema agroindustrial os setores denominados de "antes da porteira" (fornecedores de insumos) e os setores "depois da porteira" (atividades agropecuárias propriamente ditas), além do setor "pós-porteira" (armazenamento, beneficiamento, industrialização, embalagem, distribuição) a gestão jurídica ganha relevância no campo para possibilitar que os produtores e todos os demais integrantes do sistema possam tomar decisões de acordo com os riscos da atividade agroindustrial.

No modelo de economia atual, não se pode conceber a atividade agroindustrial de forma isolada, uma vez que predomina a essencialidade daquilo que se denomina de "relações estabelecidas entre os entes que atuam no mercado.".[2]

Todo o sistema agroindustrial atua e o faz principalmente por meio dos contratos, devendo ser destacado que a abertura do sistema para o ambiente institucional em que se encontra é tão relevante a ponto de se concluir que os modernos complexos produtivos ultrapassam a simples atividade dentro do sistema agroindustrial para alcançar o que se ousa denominar de "redes contratuais".

Assim, essa relação havida entre os integrantes do sistema agroindustrial e seus agentes tem relevância para o direito na medida em que gera contratos e, consequentemente, constantes relações jurídicas.

Nota-se que o agronegócio se identifica com um emaranhado de relações contratuais, tecido pelos agentes econômicos, e, dessa maneira, na economia moderna, é o contrato, acima de tudo, que mobiliza a riquezas.

Logo, é seguro afirmar que formas organizacionais mais eficientes consubstanciadas em suas vertentes voltadas à eficiência dos contratos reduzem sistematicamente os custos de produção e os custos de transação, além de possibilitar maior flexibilidade e rapidez para promover ajustes às mudanças ambientais.

Os contratos mercantis têm por tradição serem escritos e por característica a troca de declarações de vontade entre as partes que contratam.

Ocorre que os contratos voltados ao sistema agroindustrial, ao agronegócio, decorrente do direito agrário, merece destaque e diferenciação em sua estrutura, cabendo destacar que nessa seara as partes não contratam pelo mero prazer de trocar declarações de vontade, ou seja, ao se vincularem, as partes que integram o sistema agroindustrial têm em vista determinado escopo, que se mescla com a função que esperam que o negócio desempenhe, razão pela qual se pode afirmar que, nesse caso, também, o negócio tem sua função econômica.

Não obstante o ato que leva à contratação exigir justificação objetiva que tenha por consequência o lançamento da fria letra ao instrumento da avença, nada impede que se adote uma perspectiva dinâmica da autonomia privada da vontade, deixando de se considerar somente a letra fria aposta no contrato para passar a admitir que as partes, valendo-se da autonomia privada, lancem mão dos contratos para a consecução de certos fins que ultrapassam a sua dimensão escrita para alcançar a concreção dos escopos que buscam as partes quando negociam e contratam.

Assim, salutar a lição de Renato M. Buranello ao dispor que "As partes, quando negociam e contratam, não tomam confortavelmente assento diante de um código e escolhem, entre fórmulas tipificadas, aquela que mais lhe apraz. Os contratos empresariais nascem da prática dos comerciantes e raramente de tipos normativos preconcebidos por autoridades exógenas ao mercado.".[3]

Portanto, os contratos ligados ao sistema agroindustrial nascem justamente da prática do campo, dos negócios que se desenvolvem no campo e se entrelaçam ao consumidor final através de um elo que deve ser regido justamente por uma "cadeia de contratos".

No momento da avença contratual as partes não contam com uma gama de informações relevantes para o contrato, razão pela qual o contrato não pode ser engessado de modo a impossibilitar a adequação do sistema de regras lançado no bojo do contrato à prática social necessária para que o negócio jurídico seja entendido de acordo com uma visão interdisciplinar, sempre levando em consideração o ambiente que o circunda.

No que se referente ao agronegócio, inegável que os contratos permitem e favorecem a circulação dos bens que são objeto de propriedade, cabendo destacar que o progresso, as inovações tecnológicas e as necessidades socioeconômicas, além da globalização, exigiram dos operadores do direito a lapidação de várias espécies de contratos, muitos sem a prévia regulamentação, o que denota que, em muitos casos, a liberdade de contratar antecedeu ao princípio da autonomia da vontade, o que acabou por revolucionar o contratualismo por possibilitar o afastamento daquele formalismo exacerbado herdado dos costumes romanos.

É no campo que surge a necessidade de contratos cada vez mais complexos, isso em decorrência do progresso do agronegócio e de seus agentes econômicos que se entrelaçam cada vez mais entre si numa rede cada vez mais organizada, o que faz surgir uma gama enorme de interesses.

Ocorre que o legislador não consegue acompanhar o ritmo de desenvolvimento do agronegócio e de todo o sistema agroindustrial, surgindo daí novas formas de contratos, não reguladas pelo direito e que decorre justamente da aproximação entre agentes produtores e agentes financiadores do agronegócio, o que tem exigido do operador do direito a necessidade de constante atualização, adequação e, principalmente, inovação quanto às formas contratuais e sua verticalização através de cadeias contratuais.

A importância do contrato para o sistema agroindustrial fez multiplicar no Brasil os contratos de integração vertical, os quais decorrem da necessidade de especialização e profissionalização da produção voltada para o mercado, fazendo, assim, com que esse tipo de contrato tenha um viés preponderantemente econômico consubstanciado na necessidade de manutenção de um fluxo contínuo de produção.

É justamente na constante mutação e complexidade dos contratos atípicos e as variadas formas que podem assumir que faz com que os acordos não só sejam regulados em lei de maneira geral, mas que também tenham instrumentos para possibilitar o cumprimento e o amparo da manifestação de vontade externada pelas partes quando da consolidação do contrato.

Ocorre que não há operador do direito que possa fazer constar no corpo do contrato todas as questões e especificidades que envolvem o negócio jurídico, principalmente aquelas ligadas ao agronegócio, e é justamente nas lacunas da fria letra do contrato que se abrem as brechas para o posterior descumprimento daquilo que pode não ter constado no contrato, mas certamente fez parte da manifestação de vontade das partes e que, por descuido ou impossibilidade de especificação contratual, acabou por não ser positivado no corpo do contrato.

Assim, pela importância do contrato para o desenvolvimento da agroindústria, do agronegócio e do sistema agroindustrial, há a necessidade crescente de que ocorra uma integração ao que está escrito no contrato e que se ousa, no presente trabalho, denominar de "contrato integrado", ou seja, aquele contrato que integra outros meios de recursos (áudio, vídeo, correspondências eletrônicas, mensagens diversas em redes sociais etc.) ao que nele está escrito, positivado.

Impende destacar que o contrato integrado tem por finalidade dar maior ênfase à fase extrajudicial de solução de conflitos, ou seja, não se considera os recursos integrativos somente como meios de prova judicial, mas como parte integrante do próprio contrato e que se voltam a estabelecer um liame jurídico e legal entre o que está escrito no contrato e aquilo que decorreu da manifestação de vontade das partes durante todo o processo para se estabelecer o vínculo contratual.

O Brasil perde muito em investimentos e desenvolvimento em decorrência da insegurança jurídica causada pelas lacunas sempre presentes nos contratos e na peculiar morosidade do Poder Judiciário para dar respostas rápidas para um setor tão sensível da economia, cabendo destacar que uma maior segurança aos contratos ligados ao agronegócio e ao sistema agroindustrial ocasionaria, por consequência, a busca de alternativas para a solução de possíveis conflitos de interesses e o incentivo ao cumprimento integral não só daquilo que está escrito no contrato, mas, principalmente, da manifestação de vontades verificada por meio dos mais diversos recursos tecnológicos e que passaram a integrar o corpo do contrato.

Dessa forma, o que impede que o contrato seja finalizado com a cláusula de que todos os recursos utilizados para as tratativas e manifestação de vontades serão a ele incorporado e integrado de forma a consolidar o seu integral cumprimento?

Insta salientar que, na maioria das vezes, as partes buscam o Poder Judiciário justamente para preencher uma lacuna contratual, o que certamente seria evitado caso essas lacunas fossem previamente preenchidas por meio da integração ao contrato de recursos diferentes da simples escrita, o que faria com que esses recursos (áudio, vídeo, mensagens de textos etc.) não servissem somente para a fase processual como meio de prova, haja vista que integrariam o corpo do próprio contrato.

Veja-se o caso do emblemático processo número 109026-13.2014.8.09.0002 (Audelino Carmo de Souza e Outros X Cantagalo General Grains e Outros), em que o que se discute é justamente o fato de ter sido entabulado pelas partes um contrato de confissão de dívida com dação em pagamento (escrito) condicionado a um arrendamento rural (verbal). Aqui o litígio se deu pelo fato de ter sido formalizada a confissão de dívida com dação em pagamento, mas sem a necessária formalização do arrendamento rural, fato este que acabou por causar aos produtores rurais prejuízos incomensuráveis.  Nota-se a grande celeuma que se criou sobre um caso de simples solução, caso as partes e o próprio Poder Judiciário tivessem em mente a figura do "contrato integrado", uma vez que pela análise do caso se constata que houve uma fase anterior de troca de correspondências eletrônicas que poderia ser utilizada como recurso a ser integrado ao contrato de confissão de dívida com dação em pagamento e, assim, possibilitar o reconhecimento do arrendamento rural como parte inseparável da dação em pagamento.

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No caso em questão, todas as partes dirigiram suas vontades para um objetivo comum, sendo que após a formalização do reconhecimento de dívida com dação em pagamento, houve a desistência da formalização do contrato de arrendamento rural com cláusula de recompra. Ocorre que essa desistência, caso o contrato fosse entendido como uma junção de vontades mediante a utilização de vários recursos que não somente a escrita (áudio, vídeo, correspondências eletrônicas etc.), não teria o condão de tornar possível prejudicar a parte que se manteve no seu liame volutivo desde o início da avença contratual. Impende destacar que, sem entrar em detalhes do caso, uma das partes restou prejudicada, não só as partes, pois o inadimplemento contratual, a inexistência de coerência entre as vontades externadas na fase pré-contratual e aquilo que se busca depois de formalizado o contrato causa desgaste e prejuízos para todos aqueles que estão inseridos no sistema agroindustrial e para o agronegócio em geral.

Desse modo, a utilização de recursos para mitigar o inadimplemento contratual e até mesmo a contestação de suas cláusulas perante o Poder Judiciário é tarefa do operador do direito, a quem cabe integrar ao contrato recursos distintos da mera escrita em cláusulas engessadas e que só têm o condão de beneficiar aqueles que pretendem se valer das lacunas contratuais para fins de contestar o cumprimento daquilo que decorreu da manifestação da própria vontade.

Assim, não pode o Poder Judiciário servir de instrumento para aqueles que têm suas expectativas voltadas para sentenças que sejam fundadas em inserir nos corpos dos contratos artigos de lei sem que sejam observados os princípios gerais do direito e, principalmente, o ato volitivo das partes em todo o processo para formalização do negócio jurídico.

Ademais, nada impede que os próprios advogados induzam a utilização de recursos outros como meio de integrar a forma escrita do contrato, tudo para fins de dar maior segurança e efetividade àquilo que está escrito no contrato.

Portanto, o contrato, em toda amplitude, é de suma importância para o desenvolvimento do agronegócio, haja vista que é o meio utilizado para mobilizar riquezas, razão pela qual se mostra crescente a necessidade de meios para minimizar o inadimplemento ou até mesmo o litígio que envolva os contratos agrários.


Notas

[1] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituição de Direito Civil. V.II, 10. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

[2] FORGIONI, Paula A. Teoria Geral dos Contratos Empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. P.23.

[3] BURANELLO, Rafael M. Direito do Agronegócio: Mercado, Regulação, Tributação e Meio Ambiente. São Paulo: Ed. Quartier Latin do Brasil. 2013, pag. 205.

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Sobre o autor
Luiz Cesar Barbosa Lopes

Superintendente do Ibama no Estado do Ceará de 05/2021 a 12/2022; Secretário Executivo da Controladoria Geral do Município de Goiânia de 01/2023 a 07/2023; Mestre em Administração Pública pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, Ensino e Pesquisa - IDP; Pós-Graduado em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC/Minas; Consultor Político e Eleitoral; Pós-graduado em Direito Penal; Especialista em Direito Eleitoral.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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