Do tratamento da prescrição dentro do Direito Civil Brasileiro

05/01/2016 às 14:03
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Breve análise de como o instituto da Prescrição é abordado dentro do Código Civil de 2002.

1. Noções Preliminares

Dentro do Direito, é notório que, desde a concepção do ser humano, o tempo influi nas relações jurídicas que o individuo participa.

Desta forma, tem-se tanto a prescrição quanto a decadência como institutos que irão regular a influencia do elemento tempo no âmbito da ciência jurídica.

Cumpre considerar que o tempo irá interferir nas relações jurídicas seja na aquisição ou na extinção de um direito, tendo-se assim as duas formas existentes de prescrição:

No tocante a aquisição de um direito, tem o legislador deferindo a pessoa que, após o desfruto por certo período de tempo, em regra extenso, a prerrogativa de incorpora-lo ao seu patrimônio, sendo isto a chamada Prescrição Aquisitiva. (RODRIGUES, 2007, p. 323).

No outro extremo, no que concerne a perda/extinção de um direito, vemos agora a determinação legal de que o individuo que longamente deixou de exercer uma ação que resguardava em seu direito subjetivo, perca a prerrogativa de utiliza-la, tendo neste caso, a ocorrência da Prescrição Extintiva. (RODRIGUES, 2007, p. 323).

Em linhas mais simples podemos conceitua-las da seguinte maneira: a Prescrição Aquisitiva é a aquisição de um direito real pelo decurso de tempo, sendo mais conhecida por Usucapião, enquanto que a Prescrição Extintiva, entendida como a prescrição propriamente dita conduz a perda de um direito de ação por seu titular negligente, a fim de certo lapso de tempo, e pode ser encarada como força destrutiva. (RODRIGUES, 2007, p. 323).

Ainda com relação às formas como a prescrição se manifesta, ensina Silvio de Salvo Venosa (2004, p. 630) que muito embora ambos os institutos tenham como ponto de contato o tempo, eles possuem finalidades diversas: enquanto na prescrição extintiva tem por finalidade social fazer desaparecer direitos em face da inércia do titular, a prescrição aquisitiva tem o condão de fazer nascer um direito, em decorrência da posse continua de uma coisa. Ainda, ensina o Doutrinador, que a prescrição extintiva aplica-se a todos os direitos, estando por isso desde os tempos do antigo Código Civil de 1916 e até hoje no vigente Código Civil de 2002 estruturada na Parte Geral, enquanto a prescrição aquisitiva ou simplesmente usucapião, tem sua aplicação adstrita ao Direito das Coisas, visto que é uma forma de aquisição de direitos reais, estando por isso seu funcionamento regulado dentro da Parte Especial do Código Civil, tanto no de 1916 quanto no atual de 2002.

2. Da diferença entre a Prescrição e a Decadência

Maria Helena Diniz (2012, p. 467), traz Sete itens que permitem uma clara diferenciação entre os institutos:

  • A decadência extingue o direito e indiretamente a ação; a prescrição extingue a pretensão e, por via obliqua, o direito.
  • O prazo decadencial e estabelecido por lei ou por vontade unilateral ou bilateral; o prazo prescricional somente por lei.
  • A prescrição supõe uma ação (em sentido material) cuja origem seria diversa da do direito; a decadência requer uma ação cuja origem e idêntica a do direito.
  • A decadência corre contra todos, exceto nos casos do art. 198, I, do Código Civil (arts. 207 e 208 do CC) e do art. 26, § 2E, da Lei 8.078/90; a prescrição não corre contra aqueles que estiverem sob a égide das causas de interrupção ou suspensão previstas em lei.
  • A decadência decorrente de prazo legal pode ser julgada, de oficio, pelo juiz, independentemente de arguição do interessado; a prescrição das ações patrimoniais pode ser ex officio, decretada pelo magistrado.
  • A decadência resultante de prazo legal não pode ser renunciada; a prescrição, apos sua consumação, pode sê-lo pelo prescribente.
  • Só as ações (em sentido material) condenatórias sofrem os efeitos da prescrição; a decadência só atinge
  • Direitos sem prestação que tendem a modificação do estado jurídico existente.

3. Requisitos e Formas para sua ocorrência

A prescrição é entendida como a extinção de uma ação judicial, ação esta que é exercida a um direito, devido à inercia de seu titular por um dado espaço de tempo.

Além disso, cumpre lembrar que ordenamento jurídico brasileiro, trata da prescrição como ela sendo uma punição ao titular do direito que se mantem omisso ou inerte por um longo tempo. Diante desta negligencia, torna-se evidente o desinteresse por parte do titular da pretensão jurídica.

Porém para que sua ocorrência reste configurada, é necessário o preenchimento de alguns requisitos. Para Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 514), após o advento do vigente Código Civil de 2002, seriam Três os requisitos a serem preenchidos:

  • A violação de um direito, fazendo, com isso, nascer uma pretensão.
  • A inercia do titular
  • Decurso do tempo fixado em lei

Já na metodologia de Câmara Leal (1978, p. 11-12 apud DINIZ, 2012, p. 434), tais requisitos seriam Quatro:

  • Existência de uma pretensão, que possa ser alegada em juízo por meio de uma ação exercitável, sendo este seu objeto.
  • Inércia do titular da ação, pelo seu não exercício, sendo esta sua causa eficiente.
  • Continuidade desta inercia durante certo lapso de tempo, sendo este seu fator operante.
  • Ausência de um fato ou ato que a lei que a lei confere eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional, sendo este seu fator neutralizante.

Com relação às formas como se opera estas já foram mencionadas, sendo elas a aquisitiva e a extintiva. A prescrição extintiva atinge qualquer ação (no sentido material) com fundamento na inércia do titular em exercer seu direito a pretensão e no tempo prolongado e ininterrupto, enquanto a prescrição aquisitiva, por sua vez, visa à propriedade ou a outro direito real, tendo fulcro na posse e no tempo, sendo também conhecida como usucapião. Além disso, vale lembrar que a Prescrição extintiva tem incidência sobre todos os direitos, enquanto a prescrição aquisitiva atinge somente os direitos reais, sendo por isso tratado em um capitulo dentro do direito das coisas.

4. Prazos da Prescrição

Com relação aos prazos prescricionais, estes sempre estarão previstos na lei, sendo este mais um diferenciador deste instituto com relação à decadência. Por ser um instituto muito amplo, tendo incidência em diversos ramos do direito, não somente o Código Civil trará prazos prescricionais, porém outras legislações especiais também tratarão de tais prazos.

Dentro do diploma legal supracitado, vale citar Dois artigos que trazem tais prazos: o Artigo 205, que traz o prazo prescricional geral máximo de 10 anos, que conforme ensina Maria Helena Diniz (2012, p. 447) configura a prescrição ordinária, sendo um prazo subsidiário aplicável quando a lei não estabelecer prazo menor para a pretensão ou exceção:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

O outro dispositivo é o Artigo 206, que estabelece os prazos prescricionais especiais, sendo estes variando de um a até cinco anos:

Art. 206. Prescreve:

§ 1o Em um ano:

I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o pagamento da hospedagem ou dos alimentos;

II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos, custas e honorários;

IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que entraram para a formação do capital de sociedade anônima, contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo;

V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata de encerramento da liquidação da sociedade.

§ 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.

§ 3o Em três anos:

I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;

II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas temporárias ou vitalícias;

III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de um ano, com capitalização ou sem ela;

IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;

V - a pretensão de reparação civil;

VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi deliberada a distribuição;

VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:

a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da sociedade anônima;

b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação tenha sido praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela deva tomar conhecimento;

c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior à violação;

VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;

IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.

§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da data da aprovação das contas.

§ 5o Em cinco anos:

I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;

II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato;

III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que despendeu em juízo.

Ainda falando dos prazos, temos uma importante regra contida no Artigo 2028 do vigente Código Civil, conhecida também como Regra Intertemporal de Direito: ele estipula que com a transição da vigência do código anterior de 1916 para a sua em 2003, os prazos prescricionais previstos no código anterior deverão ser respeitados caso, na data de sua entrada em vigência já tiverem transcorrido mais da metade do tempo:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

5. Regras Gerais de Aplicação

Maria Helena Diniz (2012, p. 441-446), apresenta um rol contendo 11 regras que traduzem a aplicação deste instituto:

  • Somente depois de consumada a prescrição, desde que não haja prejuízo a terceiro, é que pode haver a renúncia expressa ou tácita por parte do interessado.
  • A prescrição poderá ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita ou indiretamente.
  • Tanto as pessoas naturais quanto as jurídicas sujeitam-se aos efeitos da prescrição, ativa e passivamente.
  • As pessoas arroladas pela lei como relativamente incapazes e as pessoas jurídicas tem ação contra seus assistentes ou representantes legais, quando estes derem causa a prescrição ou não a alegarem oportunamente.
  • A prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o seu sucessor
  • O juiz pode de oficio, pronunciar a prescrição.
  • Somente as partes interessadas podem alega-la, mas se não a invocarem, pessoalmente, poderá fazê-lo o representante do Ministério Público.
  • Com o principal prescrevem os direitos acessórios
  • A prescrição em curso não origina direito adquirida, podendo ser seu prazo aumentado ou diminuído por norma posterior.
  • As partes não podem restringir, nem aumentar o prazo prescricional fixado por lei, mesmo que se trate de direito patrimonial.
  • Deve-se determinar o momento exato em que a prescrição começa a correr para que se calcule corretamente o prazo.

6. Das Pretensões Imprescritíveis

Assevera Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 514-515) que, analisando a primeiras vistas nosso Código Civil de 2002, sugestiona a seu operador que não existem, pretensões imprescritíveis, porém é unanime dentre a doutrina a existência de várias pretensões imprescritíveis, inclusive o mencionado autor cita o ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira (2002, p. 439 apud GONÇALVES, 2014, p. 514-515) em sua obra, que diz que a prescritibilidade é a regra, enquanto a imprescritibilidade é a exceção.

O autor (2014, p. 515) elenca o seguinte rol de pretensões que são imprescritíveis:

  • As que protegem os direitos da personalidade, por exemplo, direito a vida, honra ás obras literária, artísticas ou cientificas, dentre outros:
  • As relativas ao estado das pessoas, aí entendido estado de filiação, qualidade de cidadania, condição conjugal.
  • As de exercício facultativo, também conhecidas como potestativas, em que não existe direito violado, como, por exemplo, a ação de dissolução de condomínio.
  • As referentes a bens públicos de qualquer natureza
  • As que protegem o direito de propriedade, as chamadas ações reivindicatórias.
  • As pretensões de reaver bens confiados a guarda de outrem, a título de depósito, penhor ou mandato.
  • As destinadas a anular a inscrição do nome empresarial feita com violação de lei ou do contrato.

7. Das Causas Impeditivas, Suspensivas e Interruptivas da Prescrição.

O Atual Código Civil de 2002, não faz distinção entre as causas que impedem ou suspendem a prescrição, trazendo-as nos seus artigos 197 a 199, muito embora constem dos artigos 200 e 201 mais hipóteses de suspensão. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 525-526), tal agrupamento ocorre, já que no diploma legal supracitado, há o entendimento de estas causas estão subordinadas a uma unidade fundamental, com isso, uma mesma causa, pode ser motivo de interrupção ou suspenção do prazo prescricional, dependendo do momento em que ocorram.

Basicamente a diferença entre as causas impeditivas e suspensivas, se encontra no momento em que elas se operam: enquanto a causa impeditiva ocorre antes de iniciar o prazo prescricional, uma vez que esta tem o condão de obstar o inicio do prazo enquanto perdurar, a causa suspensiva, por sua vez, se opera após ter iniciado o prazo prescricional, tendo o efeito de paralisar o prazo que já está correndo. (DINIZ, 2012, p. 437).

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Já as causas interruptivas são aquelas que, quando ocorrem no inicio do prazo prescricional, faz recomeçar do zero a sua contagem, de acordo com a regra do parágrafo único do Artigo 202 do código civil. Tais causas são tratadas no mencionado artigo e são exemplos seus o protesto judicial ou cambial, a notificação judicial, despacho do juiz que ordenar a citação, etc. Vale lembrar que não somente este dispositivo dispensa tratamento a estas causas, sendo também encontrados dentro de outros artigos dentro do mesmo diploma legal, artigos 203 e 204, bem como em outros instrumentos normativos, como o vigente Código de Processo Civil, que em seu parágrafo 1° de seu artigo 219, dispensa um tratamento a interrupção da prescrição ao enunciar que “a interrupção da prescrição retroagirá a data da propositura da ação” (DINIZ, 2012, p. 438-440).

8. Da Prescrição Intercorrente

 Conforme mencionado, sabe-se que a prescrição, aqui entendida em seu sentido estrito ou extintivo, é a perda de um direito de ação por seu titular negligente, a fim de certo lapso de tempo.

Já a prescrição intercorrente, seria esta modalidade de aplicação ocorrida dentro de um processo em curso, ou seja, havendo um processo em andamento e seu autor deixa de dar andamento a ele injustificadamente, deixando-o paralisado sem justa causa, pelo prazo da prescrição, em decorrência dessa sua falta de interesse, a prescrição se consumara, mesmo o processo já tendo sido proposto.

Ou de forma melhor, como ensina Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 514):“Configura-se a prescrição intercorrente quando o autor de processo já iniciado permanece inerte, de forma continuada e ininterrupta, durante lapso temporal suficiente para a perda da pretensão”.

Em outras linhas, essa modalidade de prescrição, que aplicada dentro do processo, é uma forma de se respeitar um principio constitucional atinente ao processo, seja ele civil, penal, dentre outras formas da Razoável Duração do Processo, ou seja, o processo não pode sofrer um prolongamento excessivo por causa do desinteresse de uma das partes em exercer o contraditório e do próprio juiz de realizar a atividade jurisdicional, na medida em que o direito constitucional à jurisdição pressupõe que tal atividade estatal seja prestada de forma eficiente, o que inclui que o processo, meio pelo qual tal atividade é exercida, se de em um tempo razoável (SILVA, 2013).

REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 1: teoria geral do Direito Civil. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1: parte geral. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, parte geral, volume 1. 34 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

SILVA, Diogo Henrique Dias da. Prescrição intercorrente no processo civil e duração razoável do processoJus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3516, 15 fev. 2013. Disponível em:. Acesso em: 10 dez. 2014.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, Parte Geral, volume 1. 4 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.

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Sobre o autor
Renan Buhnemann Martins

Advogado (OAB/SP 376.997). Bacharel em Direito pela Universidade São Judas Tadeu. Diretor do Departamento Jurídico da ACAAPESP - Associação dos Consultores, Assessores e Articuladores Políticos do Estado de São Paulo

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