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A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade

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15/12/2003 às 00:00

Resumo:


  • O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece a responsabilização penal do adolescente infrator por meio de medidas socioeducativas, que visam à reeducação e não são punitivas no sentido tradicional.

  • Ao contrário do que muitos pensam, influenciados pela mídia e pela herança da Doutrina da Situação Irregular, o adolescente infrator não está imune à responsabilização; ele é submetido a um sistema de garantias que inclui diversas medidas proporcionais à infração cometida e à sua condição de pessoa em desenvolvimento.

  • Os mitos do hiperdimensionamento do problema, da periculosidade do adolescente infrator e da impunidade são desmistificados por pesquisas e estatísticas, que mostram que a maioria dos atos infracionais cometidos por adolescentes são contra o patrimônio e que o índice de atos infracionais é relativamente baixo, não justificando a percepção de alta periculosidade ou impunidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. A ILUSÃO DE IMPUNIDADE

A delinqüência juvenil vem se mostrando um tema angustiante, porque a maioria das pessoas desconhece o amplo sistema de garantias do ECA e acredita que o adolescente infrator, por ser inimputável, acaba não sendo responsabilizado pelos seus atos, o que não é verdade, conforme se demonstrou, vez que a responsabilização penal do adolescente se dá através das medidas sócio-educativas, como sintetiza Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 100):

O Estatuto da Criança e do Adolescente não incorporou em seus dispositivos o sentido da acusação. Apesar de não ocultar a necessidade de responsabilização social do adolescente infrator, no entanto, esta não resulta em pena. Ser-lhe-á aplicada uma medida sócio-educativa – art. 112 -, que poderá ser a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços comunitários, a imposição da liberdade assistida, e a internação em estabelecimento educacional, a qual será sempre breve e de caráter excepcional – art. 227, parágrafo 3º, V da CF.

Na verdade, a opinião pública é baseada nas informações passadas pela mídia [67], que com freqüência alerta para o aumento da violência, tentando fazer crer que os adolescentes infratores são os responsáveis pelo aumento desses índices, bem como que nada acontece para os adolescentes que cometem ato infracional, formando uma visão preconceituosa e reacionária contra o adolescente em confronto com a lei.

Como alerta Karina Sposato [68] (2001, p. 54), que realizou uma pesquisa sobre a relação entre a criminalidade e a televisão, o grau de violência com que a opinião pública vai atuar está relacionado com a importância com que as pessoas atribuem a determinado acontecimento.

É preciso considerar também que, além da influência dos meios de comunicação, a ilusão de impunidade foi herdada da Doutrina da Situação Irregular, que ainda se faz presente no imaginário coletivo, como aduz João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 31):

A expressão com menor não dá nada, de vezo discriminatório e preconceituoso, ainda se faz presente no inconsciente coletivo, decorrente de uma apreensão equivocada da legislação. Percepção distorcida, que se faz produto da antiga doutrina da situação irregular, montada sobre a idéia fundante de que o infrator necessitava de um certo tratamento, como se portador de uma moléstia.

Assim, os meios de comunicação veiculam diariamente informações sem respaldo em dados concretos, tentando disseminar diversos mitos, que podem ser classificados, de acordo com Mário Volpi (apud SARAIVA, 2002 b, p. 33), em três categorias, quais sejam: mito do hiperdimensionamento do problema, mito da periculosidade do adolescente, e o mito da impunidade, que serão analisados individualmente, adiante.

- 3.1 Mito do Hiperdimensionamento do Problema

O mito do hiperdimensionamento do problema resulta de uma manipulação de informações, por parte da mídia, que passa à opinião pública a falsa idéia de que há cada vez mais adolescentes envolvidos com a criminalidade.

Esse mito atinge a sociedade dentro da perspectiva do medo, através de um conjunto de hipóteses segundo as quais efetivamente há um elevado número de adolescentes cometendo delitos, elevando assim a insegurança.

No entanto, não há qualquer dado que autorize afirmar o crescimento da delinqüência juvenil, como concluiu Mário Volpi (apud SARAIVA, 2002 b, p. 34), analisando informações extraídas do Censo Penitenciário Brasileiro, do Ministério da Justiça, concluindo que para cada 88 presos adultos, existem apenas 3 adolescentes internados:

Em 1994, havia 88 presos (adultos) para cada cem mil habitantes no Brasil, enquanto a proporção para adolescentes privados de liberdade era de 3 para os mesmos cem mil habitantes. A proporção entre delitos por adultos e delitos por adolescentes se manteve inalterada três anos depois, pelos dados obtidos oficialmente em 1997.

No mesmo sentido é o entendimento de Cláudio Augusto Vieira da Silva (2001, p. 14), que explica que dos crimes praticados no país, apenas 10% são cometidos por adolescentes infratores, sendo que 90% são delitos contra o patrimônio:

Sob o aspecto do enfrentamento aos absurdos índices de violência com os quais somos obrigados a conviver, é sabida a ineficácia de tal iniciativa. Dos delitos praticados no país, em torno de 10% são atribuídos a adolescentes e, destes, cerca de 90% são delitos contra o patrimônio e não contra a vida.

De acordo com a pesquisa realizada por Karina Sposato (2001, p. 54) analisando durante uma semana a programação dos canais abertos da televisão brasileira, os telespectadores assistiram a 1211 cenas de crimes, sendo que o furto apareceu 0,4%, apesar de ser o crime mais praticado no Brasil, enquanto o tráfico de drogas, o seqüestro e o estupro foram super representados, aparecendo dez vezes mais na televisão do que o número de vezes em que eles ocorreram de fato. A conclusão foi que:

Então, a primeira constatação é que as emissoras optam pela divulgação de determinados crimes em detrimento de outros, e, nos parece, a preferência é pelos de mais clamor e apelo popular, como os crimes sexuais, tráfico de drogas, seqüestro e crimes contra o patrimônio, cuja veiculação exagerada acaba gerando uma sensação generalizada de insegurança, o que a gente chama de síndrome do mundo perigoso. Em função desta síndrome, todo mundo que assiste a tais programações da TV fica com medo de ser assassinado, estuprado, ou seqüestrado.

Ou seja, embora os adolescentes também sejam responsáveis pelo aumento da violência no Brasil, é preciso considerar que o índice dos atos infracionais cometidos é baixo, como comprovaram as pesquisas realizadas, não havendo assim fundamento para o mito do hiperdimensionamento do problema.

3.2 Mito da Periculosidade do Adolescente Infrator

A outra idéia que se passa para a sociedade, através dos meios de comunicação e da persistência da Doutrina da Situação Irregular, no imaginário coletivo, é de que os atos infracionais praticados por adolescentes revestem-se cada vez mais de intensa violência, incutindo assim o mito da periculosidade do adolescente infrator.

É claro que há casos em que adolescentes infratores envolvem-se em crimes bárbaros, porém, de acordo com as pesquisas realizadas, não há que se falar em alta periculosidade com relação ao adolescente infrator, pois dos 20 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,1% está envolvido na prática de atos infracionais, como explica Joacir Della Giustina (2001, p. 36):

Segundo o último Censo, os adolescentes brasileiros são 20 milhões. Deste total, 20 mil estão envolvidos com atos infracionais, isto é, 0,1% daquele total. Destes 20 mil, cerca de 6 mil estão com a medida sócio-educativa da internação, compreendendo-se assim que 14 mil não detêm a denominada "alta periculosidade".

João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 35) partilha do mesmo pensamento, alertando ainda que os delitos graves (homicídios, estupros e latrocínios) constituem apenas 19% dos delitos praticados pelos adolescentes infratores, ou seja, menos de 2% dos delitos.

O ato infracional típico da adolescência em conflito com a lei é o furto. Homicídios, latrocínios, estupros ocorrem, mas o percentual destes dados não se fazem impressionantes, tanto que delito com violência praticado por adolescente (felizmente) ainda dá manchete de jornal, ante a banalização da violência (SARAIVA b, 2002, p. 37).

Em Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 45) chegou à mesma conclusão, tendo sido o furto praticado em 51,33% dos casos analisados.

Além disso, para agravar o mito da periculosidade do adolescente infrator, os meios de comunicação divulgam dados inverídicos sobre os atos infracionais cometidos, apenas relacionados ao momento da consumação, privando o telespectador de informações sobre o prosseguimento do feito, a instrução e a sentença, o que induz a sociedade a imaginar que está vivendo em um caos, onde aparentemente os crimes não estão sendo julgados, nem seus autores condenados, como comprovou Karina Sposato (2001, p. 55):

Contudo, a proporcionalidade dos crimes mostrada na TV não é a real. A segunda constatação é que a cobertura dos telejornais dos canais de TV aberta se concentra muito mais no momento do crime. A descoberta da autoria é negligenciada, assim como toda a fase de instrução e julgamento dos processos pela justiça, o que induz falsamente a sociedade pensar que nós estamos vivendo um caos, pois muitos crimes aparentemente não estão sendo desvendados e seus autores devidamente julgados e condenados. Assim, à sensação de insegurança soma-se também a sensação de impunidade.

Conclui-se assim que a maioria dos atos infracionais cometidos pelos adolescentes são os delitos contra o patrimônio, em especial o furto. Ou seja, não se revestem de grave ameaça, ou violência, não havendo sentido no mito da periculosidade do adolescente em conflito com a lei.

3.3 Mito da Impunidade

A ilusão de impunidade, além de ser ocasionada pela mídia, é uma das principais heranças da Doutrina da Situação Irregular. Fundamenta-se na falsa idéia que o adolescente infrator não é responsabilizado pelos seus atos, provocando assim no sistema de atendimento aos adolescentes uma presunção de inidoneidade, até porque, como ensina Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA b, 2002, p. 43), é suficiente que "um problema seja definido como um mal para passar a tornar-se mal".

No entanto, é preciso considerar que essa argumento está mal focado, pois como restou demonstrado no capítulo anterior, o ECA prevê um amplo sistema de medidas sócio-educativas que são aplicadas aos adolescentes, quando praticam atos infracionais, compatíveis com sua condição de pessoa em desenvolvimento e ao fato delituoso em que se envolveu, como aduz João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 48):

Ignora-se, por exemplo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no país um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um sistema de sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo

A idéia da impunidade decorre de uma apreensão equivocada da Lei, como prossegue o autor, fundamentalmente da ignorância e desconhecimento de que o ECA é um instrumento de responsabilidade do Estado, da sociedade, da família e do próprio adolescente, complementando que os meios de comunicação, por não conhecerem a diferença entre impunidade e inimputabilidade [69], induzem em erro a opinião pública, distorcendo os fatos.

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VIEIRA (1999, p. 21) lembra que vigora na sociedade a idéia de que as entidades de internação seriam ‘pré-escolas’ para o crime, e que a passagem pela Justiça da Infância e da Juventude antecede a prisão quando o adolescente torna-se imputável penalmente. Contudo, essa idéia é falsa, como comprovou em sua pesquisa, constatando que o índice de reincidência, após alcançar a maioridade penal, é de 8,86%:

Verifica-se [...] que apenas 8,86% dos cidadãos recolhidos nas penitenciárias e presídios catarinenses que prestaram as informações solicitadas, tiveram passagem pela Justiça da Infância e Juventude, quando adolescentes [...] Na verdade, o número de presos que tiveram passagem pela Justiça da Infância e Juventude, enquanto adolescentes, é relativamente baixo, contrariando o pensamento generalizado de que a delinqüência juvenil leva obrigatoriamente ao crime (VIEIRA, 1999, p.21).

Ou seja, o resultado da pesquisa demonstra que as medidas sócio-educativas possuem eficácia, pois estando apoiadas em caráter pedagógico, afastam o adolescente infrator da prática de novos crimes.

Para aqueles que acreditam que as medidas sócio-educativas são apenas paliativas, é importante considerar que, do ponto de vista das sanções previstas no Código Penal, há medidas previstas no ECA com a mesma correspondência, como a prestação de serviços à comunidade. Inclusive, a Internação possui caráter aflitivo, vez que priva a liberdade do adolescente, ou seja, não há fundamento na idéia de que nada acontece ao adolescente, ou que a medida apenas abranda a situação.

Na realidade, o ECA disponibiliza um aparato de caráter retributivo e pedagógico, para o enfrentamento da delinqüência juvenil, apto a, como explica João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 50), "trazer a resposta que a sociedade almeja enquanto instrumento de segurança pública, bem como propondo paralelamente, a construção de políticas básicas fundamentais de caráter preventivo."

3.3.1 Redução da idade penal

A violência urbana, com seus reflexos em todos os segmentos do país, produzem um sem-número de proposições para o enfrentamento da questão. Na esteira do mito da impunidade, a primeira solução encontrada para aqueles que desconhecem o amplo sistema de garantias previstos no ECA é a redução da idade penal.

João Batista Costa Saraiva (2003, p. 70) afirma que no debate, posicionam-se em um extremo os partidários da Doutrina do Direito Penal Máximo, e no outro extremo, os seguidores da idéia do Abolicionismo Penal.

O autor complementa que a Doutrina do Direito Penal Máximo, baseada no movimento Lei e Ordem, propugna que com que mais rigor, mais pena e mais cadeia, ou seja, com mais repressão em todos os níveis, haverá mais segurança.

De outro lado, o Abolicionismo Penal sugere que o direito Penal faliu, e que a questão da segurança é essencialmente social, preconizando a necessidade de um direito tutelar.

De acordo com Dalmo de Abreu Dallari (2001, p. 24), desconhecendo o que dispõe a legislação sobre o adolescente, de vez em quando um parlamentar propõe a redução da inimputabilidade, de 18 anos para 16 anos.

O autor complementa que, pela importância do assunto e pelo grande interesse da população, é necessário esclarecer alguns pontos fundamentais, a partir dos aspectos jurídicos envolvidos, pois qualquer proposta de mudança da legislação visando a redução da idade de responsabilidade penal deverá, antes de tudo, estar de acordo com a Constituição Federal.

Conforme o art. 60, § 4º [70], da Constituição Federal, não poderá ser objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir garantias individuais. Ou seja, qualquer proposta de alterar a legislação, e aplicar as sanções previstas no Código Penal aos menores de 18 anos representará o fim do tratamento diferenciado, sendo portanto inconstitucional.

De outro lado, de uma forma geral, os partidários da redução da idade penal argumentam que o indivíduo maior de 16 anos, na sociedade atual, já é perfeitamente capaz de entender o caráter ilícito da sua conduta, tanto que inclusive possui direitos políticos, como o voto, por exemplo.

Contudo, é preciso ter em mente que a quantidade de informações a que o adolescente tem acesso atualmente não significa que as informações sejam de qualidade, pois a constante exposição a cenas de violência não conscientiza o adolescente a não ser violento, mas sim o contrário, ele acaba repetindo o que vê pela televisão, não podendo assim ser considerado mais responsável do que no passado.

Ademais, pensando nas conseqüências de uma eventual alteração da legislação, urge considerar que os adolescentes seriam enviados para os presídios, locais super-lotados, e que não garantem recuperação, nem ressocialização, ao contrário das medidas sócio-educativas, como lembra Cláudio Augusto Vieira da Silva (ABONG, 2001, p. 16):

Ainda cabe lembrar a histórica e aguda falência do nosso sistema penal, que hoje em dia conta com um déficit significativo de vagas para os que já lá se encontram, estima-se em 80.000, sem contar os inúmeros mandados de prisão que estão sem execução, o que tornaria este sistema ainda mais abarrotado de gente

Assim, a redução da idade penal, além de ser inconstitucional, é uma solução injusta, pois vai afastar os adolescentes de todos os programas de reeducação e ressocialização, acabando com a chance que eles possuem de integrar-se na sociedade, e não na "vida do crime", o que com certeza os presídios brasileiros não vão conseguir evitar.

3.4 Propostas para a Implementação do ECA

As medidas sócio-educativas, se forem adequadamente colocadas em funcionamento, revelam-se eficazes diante dos atos infracionais praticados, contudo, para a implementação, é preciso a operacionalização dos órgãos relacionados, bem como a criação de todo um aparato, afinal, o ECA ensina o que fazer, e não como fazer.

Tendo-se por base que o adolescente é considerado pela lei como sujeito de direitos e em peculiar condição de desenvolvimento, bem como cidadão capaz de ser responsabilizado pelos seus atos, urge considerar que as medidas sócio-educativas dependem de uma aplicação correta, para alcançar plena efetividade.

No caso da mediada sócio-educativa de internação, é preciso fugir da lógica dos internatos do sistema anterior, bem como de diversas entidades de internações, as quais persistem sendo orientadas em meios de correção com violência.

O problema da delinqüência juvenil, embora grave, como alerta Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 17) talvez possa ser enfrentado com poucos recursos materiais, caso haja conhecimento adequado, reflexão e vontade política. A autora conclui que: "De uma tomada plena de consciência sobre a importância deste tema depende, em parte, o futuro de nossa democracia.

3.4.1 Educação

Antes de falar em reeducação, que é o objetivo principal das medidas sócio-educativas, é preciso falar de educação, afinal, é impossível reeducar adolescentes que nunca receberam educação, bem como é improvável obter êxito em ressocializar adolescentes que sempre foram marginalizados.

De acordo com Maria Stela Santos Graziani (2002, p. 187), o fracasso institucional escolar tem raízes históricas, citando como causas o acesso não democratizado à escola, a falta de qualidade do ensino e a inadequação na formação do educador.

A verdade é que vários anos de deterioração do ensino público conduziram a grandes disparidades, entre as escolas públicas e as particulares.

Conforme os dados expressos nas Diretrizes Nacionais para a política de atenção à infância e à adolescência (2001/2005, p. 24), cerca de 46,7% dos alunos do ensino fundamental apresentam distorção idade-série. Na educação infantil, apenas 33% da população de crianças de 4 a 6 anos recebem atendimento na pré-escola e 5% de zero a 3 anos têm acesso a creches.

Que as crianças e adolescentes brasileiros precisam de educação, não é novidade, mas a proposta para efetivação do ECA é um sistema educativo capaz de instruir e prevenir a delinqüência juvenil, e no caso da prática do crime, garantir que não voltará a delinqüir.

Dentre os direitos fundamentais consagrados à infância e juventude, como lembra Olympio de Sá Sotto Maior Neto (2001, p. 58), avulta em significado a educação, considerando-se que o sistema educacional, ao lado da família, constitui-se em importante meio de socialização do ser humano.

De acordo com o art. 205 [71] da Constituição Federal, a educação destina-se ao pleno desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho, e principalmente, o preparo para o exercício da cidadania.

Para a efetivação do ECA, são necessárias atividades direcionadas à garantia da Educação Infantil, além de ingresso, permanência e sucesso no Ensino Fundamental, bem como programas suplementares de material didático-escolar, transporte e alimentação.

De acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 25), em Santa Catarina, dos adolescentes infratores entrevistados, 59,18% não estavam estudando quando da prática do ato infracional, o que demonstra que a ausência de instrução é uma das causas da delinqüência juvenil. A autora complementa que:

Analisando as razões que fazem com que o adolescente abandone os estudos, mantendo os índices de evasão escolar em patamares preocupantes, precisamos refletir sobre a qualidade das escolas públicas, sobre as condições que estas dispõem para proporcionar o conhecimento adequado e, ao mesmo tempo, sobre os atrativos existentes para criar e conservar o necessário interesse.

É preciso que os professores recebam uma formação especializada, e saibam identificar os sinais de desvio de comportamento nas crianças e adolescentes, e procedam a um encaminhamento, dando curso assim a uma dinâmica de recuperação.

Na verdade, a escola precisa compensar a desestrutura familiar da criança, criando uma espécie de proteção, que vai ser importante na redução da violência, inclusive nos finais de semana.

No entanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais publicados a partir de 1996, a criação do Fundo de manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, e a ampliação do Programa de Distribuição Gratuita de livros didáticos são exemplos de iniciativas para a melhoria do ensino público.

Como estratégias para reverter o atual quadro, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) elenca, nas Diretrizes Nacionais para a política de atenção à infância e à adolescência (2001/2005, p. 25) as seguintes metas: a necessidade da valorização do profissional da educação, por meio da capacitação e da justa remuneração; promover a integração escola-família-comunidade; estimular a implantação da escola de tempo integral, e assegurar um aumento progressivo dos investimentos em educação, atingindo 10% do PIB até 2009.

3.4.2 Mídia

De acordo com Karina Sposato (2001, p. 55), um levantamento da UNESCO concluiu que no Brasil há 210 televisores para cada 1000 habitantes, ou seja, a televisão alcança grande parte da população, em uma velocidade espantosa, favorecendo assim a construção de um imaginário, nem sempre de acordo com a realidade.

O art. 247 [72], do ECA, prevê que não é permitida a divulgação do nome do adolescente que esteja envolvido em ato infracional, no entanto, através da televisão é possível tomar conhecimento da cidade, da rua, dos nomes dos pais, enfim, de todos os dados referentes aos adolescentes infratores, ou seja, nas matérias divulgadas as emissoras não se preocupam com os efeitos que essa divulgação pode trazer.

Essa situação demonstra que os meios de comunicação tem a obrigação de checar melhor as informações antes de publicá-las, e retificar as informações anteriormente divulgadas.

A pesquisadora propõe que sejam criados novos mecanismos legais restritivos para esse tipo de distorção, como também sejam utilizados os mecanismos já disponíveis.

Até porque, conforme o art. 17 [73] da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, cada país signatário tem o compromisso de não só encorajar programas educativos e que respeitem a situação de desenvolvimento peculiar do adolescente e da criança, mas também de zelar pela integridade e por esse desenvolvimento.

Por outro lado, já que os meios de comunicação são responsáveis pela disseminação de diversos mitos, que ocasionam a ilusão de impunidade, percebe-se a necessidade de utilizar esse espaço tão abrangente para instruir de forma ética e cultural a sociedade sobre o assunto, como explica Marcos Colares (ABONG, 2001, p. 169).

Através de parcerias com emissoras de rádio, televisão, jornais e empresas de marketing, podem ser realizadas campanhas publicitárias, para socializar o conhecimento sobre a responsabilidade penal do adolescente infrator, bem como que a miséria não corresponde necessariamente à prática de ato infracionais.

3.4.3 Lei de execução das medidas sócio-educativas

Considerando que o ECA não prevê a execução das medidas sócio-educativas, há necessidade de uma regulamentação, ou seja, de uma lei de execução das medidas sócio-educativas, definindo procedimentos e estabelecendo com clareza os limites de responsabilidade, para que as medidas sócio-educativas sejam eficazes, como adverte João Batista Costa Saraiva (2003, p. 87):

Do ponto de vista normativo, há necessidade que imediatamente seja regulamentado por lei o processo de execução das medidas socioeducativas, face o que se fez lacônico o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Desta lacuna legislativa tem resultado o avanço da discricionariedade e do arbítrio na execução das medidas sócioeducativas.

Inclusive, em junho de 2001 a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude criou uma proposta de anteprojeto de lei, objetivando dar forma procedimental à execução das medidas sócio-educativas, que está no Anexo A desta monografia.

O anteprojeto possui oito títulos, desmembrados em capítulos. O Título I (Disposições Gerais), estabelece o critério da municipalização das medidas, a exigência da proposta pedagógica e a prevalência sobre o caráter sancionatório, dispondo em seu art. 1º que:

A presente Lei destina-se a regular a aplicação das medidas socioeducativas previstas no art. 112, da Lei 8.069/90, bem como disciplinar sua execução, estabelecendo suas diretrizes.

O Título II (Da formação do título executivo) prevê a forma do início da execução e os documentos que devem acompanhar a peça de encaminhamento. O art. 12 prevê que:

A aplicação de medida socioeducativa não privativa de liberdade em sede de remissão pressupõe a concordância expressa do adolescente, na presença de defensor nomeado ou constituído, devendo no termo respectivo constar a advertência de que o não cumprimento da medida ajustada poderá importar em sua regressão, na forma do disposto no art. 122, inciso III e § 1º da Lei n° 8.069/90.

O Título III (Das atribuições dos operadores do sistema), disciplina sobre os órgãos e execução das medidas, estabelecendo-os no art. 18:

São órgãos da execução das medidas socioeducativas: I – o Juízo da Execução; II – O Ministério Público; III – A Defensoria Pública; IV – As Entidades de Execução de Medidas em Meio Aberto; V – As Entidades de Execução de Medidas Privativas de Liberdade.

O Título IV (Do processo de execução) propõe um plano individual para a execução, com características personalíssimas para o seu adequado cumprimento. De acordo com o art. 38:

A individualização da execução socioeducativa dependerá de um plano individual para o cumprimento da respectiva medida, devendo os programas socioeducativos conter, fundamentalmente, a proposta pedagógica que os oriente.

O Título V (Das medidas sócio-educativas) trata sobre casa uma delas. O Título VI estabelece as regras sobre os incidentes da execução, o Título VII fica o recurso cabível para as decisões do Juiz da execução e por fim, o Título VIII (Disposições Finais e Transitórias), conclui as regras básicas.

3.4.4 Perfil dos operadores

De acordo com João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 83), a partir da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, estabeleceu-se um novo paradigma relativamente à questão da Infância e da Juventude, compreendidos todos os operadores deste sistema e considerado o seu conteúdo interdiciplinar.

É que como o procedimento da apuração de ato infracional é diferenciado dos outros procedimentos, os operadores convergem, ou devem convergir, em favor do adolescente infrator, como alerta Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 101):

Todas as figuras que atuam no processo de apuração de ato infracional praticado por adolescente, seja o juiz, o advogado, o promotor de justiça (este último é o responsável pela representação), todos convergem ou devem convergir em favor deste adolescente infrator, na busca da melhor medida a ser aplicada, levando em consideração as circunstâncias em que ocorreu o ato delituoso e as condições do agente (biológicas, psíquicas e sociais).

É preciso que todos os operadores, desde o policial que surpreende o adolescente cometendo o crime, até o monitor da entidade de internação, comprometam-se com a Doutrina da Proteção Integral e com as normas previstas no ECA.

Como alertou Cláudio Augusto Vieira da Costa (ABONG, 2001, p. 20), isso envolve todo o sistema previsto no Estatuto, desde aquele que em primeiro lugar entra em contado com o adolescente, passando pelo Sistema Judiciário, pelo Ministério Público, pelas Unidades Executoras, assim como todos os profissionais envolvidos.

Até porque, em uma entidade de internação, todos os funcionários têm papel fundamental na efetivação da medida sócio-educativa, através das atividades pedagógicas e terapêuticas, articulando as experiências pelo contexto institucional.

Na pesquisa realizada no Rio de Janeiro pelas psicólogas Simone Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino [74], constatou-se que metade das jovens entrevistadas relatou ter sofrido agressão por parte dos policiais.

A adolescente ‘Úrsula’ relatou que:

Eles me arrastaram, pegaram um pedaço de pau daqueles grossos, aí começaram a me bater, começaram a me arrastar, enrolaram o meu cabelo assim, me arrastaram na lama. Enfiavam minha cabeça na poça d’água até eu perder o fôlego. Falava: quando quiser falar, levanta a mão que eu tiro. Eu levantava a mão, ele tirava a minha cabeça, eu pegava um ar, aí começava de novo [...] Jogava minha cabeça na parede, pegava o fio, me enforcava [...] Nossa, eu sofri muito, muita paulada nas costa (sic).

Assim, é essencial que a polícia seja capacitada para lidar com as especificidades do universo adolescente, recebendo treinamento para enfrentar com respeito, e ser punida quando praticar violência. Como lembram Simone Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino (2001, p. 269), trata-se de uma questão de treinamento e de capacitação, que pode ser prioridade para o Ministério da Justiça e para a Secretaria de Segurança Pública.

Com relação aos profissionais que trabalham nas entidades de internação, é preciso que sejam treinados para dar apoio aos adolescentes. De acordo com Cláudio Augusto Vieira da Silva (2001, p. 20), nas entidades de internação são comuns funcionários terceirizados, duas ou três formas de contratação, salários aviltantes, pouco investimento em formação ou descontinuidade no contrato de trabalho, o que provoca uma rotatividade desnecessária e o desperdício dos investimentos feitos na formação, situação que precisa ser revertida.

Por exemplo, a contratação de funcionários pode ocorrer por processo de seleção pública, com critérios rigorosos, que avaliem a capacidade dos funcionários de trabalharem na reeducação do adolescente.

Outro ponto interessante é a necessidade da defesa técnica por advogado, no procedimento de apuração do ato infracional, uma vez que além de ser um primado de ordem constitucional, conforme o art. 133 [75] da Constituição Federal, não só em procedimento judicial, mas também na audiência preliminar de apresentação, e muito embora o art. 186, § 2º, do ECA, sugira a necessidade da nomeação de defensor somente em caso de infração grave.

Ademais, é importante que o advogado seja uma pessoa preparada para atuar nesta área específica, como diz Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 101):

Indiscutivelmente, o profissional que atuar nesta área específica terá que ser uma pessoa preparada, pois os processos de apuração de ato infracional praticado pelo adolescente não podem ter o mesmo enfoque que é dado pelo advogado que tem seu campo de atuação na esfera criminal. Cuide-se, por exemplo, que o interrogatório não possui perguntas prontas: são interrogados, também, os pais ou responsável do infrator; na audiência o defensor não pedirá a absolvição se deu cliente, pois o que lhe será aplicado são medidas sócio-educativas, lembrando-se que não há condenação.

Por fim, como adverte Mário Volpi (1999, p. 18), é necessária a integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e Assistência social, preferencialmente no mesmo local, para efeito de agilização do atendimento e garantia dos direitos processuais ao adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional.

3.4.5 Acompanhamento de egressos

De acordo com o art. 94 [76], inciso XVIII, do ECA, as entidades que desenvolvem programas de internação devem manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos, o que significa que após cumprir o prazo de internação e ser colocado em liberdade, o adolescente deve receber um acompanhamento pela entidade, a fim de assegurar a ressocialização.

Através do acompanhamento dos adolescentes que cumpriram a medida sócio-educativa de internação, será promovido o processo do retorno à sociedade, com vistas a reduzir a reincidência no cometimento do ato infracional e o reingresso no programa.

Até porque, a maneira como se procede o desligamento do jovem é fundamental para que ele possa dar encaminhamento a sua vida, como adverte Sônia Altoé (2002, p. 296):

Se isto não ocorrer, será fácil ver toda a tentativa de trabalho de atendimento no internato ser pouco útil, e a chance de que este indivíduo repita atos infracionais será enorme. Este serviço deve também levar em conta a possibilidade de egressos voltarem e requisitarem algum tipo de apoio. Sempre que possível, deve ser encorajada ao egresso a possibilidade de apoio e acompanhamento que o programa puder oferecer para auxiliá-lo a enfrentar as dificuldades com que provavelmente se defrontará ao sair do internato.

Como idéia, os projetos poderiam possibilitar a formação e inserção no mercado de trabalho dos jovens egressos, fortalecendo assim a identidade e a auto-estima dos mesmos, como prevê o Programa de Execução de Medidas Sócio-Educativas de Internação e Semiliberdade do Rio Grande do Sul (PEMSEIS) [77]:

É necessário, portanto, reforçar e ressignificar o objetivo de inserção social dos adolescentes privados de liberdade [...] a inclusão em espaços da comunidade, por sua vez, não visa somente à não-reincidência, mas à conquista da cidadania, a qual contempla a crença no futuro, a autonomia e a emancipação destes jovens (PEMSEIS, 2001, p. 162).

Na verdade, a efetividade dessa proposta depende de uma co-responsabilização, por parte da família, da comunidade e dos órgãos de atendimento, desde o período da internação até o desligamento.

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Sobre a autora
Carla Fornari Colpani

Acadêmica de Direito – UNIPLAC – Universidade do Planalto Catarinense em Lages/SC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLPANI, Carla Fornari. A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 162, 15 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4600. Acesso em: 23 dez. 2024.

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