Muitas vezes, os interessados em participar de licitações se deparam com exigências estranhas, sequer previstas em lei, as quais somente servem para restringir a apresentação de propostas e tornar a habilitação ou a classificação dos licitantes em algo praticamente impossível, ou, como leciona a doutrina consagrada, em um verdadeiro “concurso de destreza”.
Lamentavelmente, ainda é possível observar a reiterada prática das entidades governamentais de fazer exigências que extrapolam os ditames legais, justificadas pelo descabido argumento de se resguardar o ente licitante de eventual fraude documental ou de ampliar a segurança da futura contratação.
Contudo, tais premissas, além de serem insubsistentes, possuem efeito contrário, uma vez que, ao tornar a participação na licitação em algo praticamente inviável - tamanha a burocracia imposta -, apenas se desestimula o interesse de diversas empresas idôneas de acudirem aos certames licitatórios.
Em primeiro lugar, não se pode partir do pressuposto simplista de que as empresas que participam de licitações irão apresentar documentos falsos, razão pela qual se justificaria a inserção de exigências adicionais burocráticas e sem previsão legal apenas para garantir a veracidade das informações apresentadas pelos proponentes.
A Administração Pública possui os meios adequados e próprios para certificar a idoneidade das empresas, não sendo concebível obrigar que o interessado em participar de uma licitação, a cada edital, tenha que cumprir particularidades e requisitos que extrapolam aquilo que já se encontra determinado em norma.
Um clássico exemplo de requisito que ultrapassa os limites legais para fins de participação em licitações é o das exigências quanto à qualificação técnica, mais notadamente o atestado de capacidade técnica, documento este comprobatório da experiência do licitante na execução de serviços/fornecimentos compatíveis com o objeto a ser licitado em características, quantidades e prazos.
Em muitas oportunidades, não é incomum observar exigências absurdas, como a da cópia do contrato que deu origem aos serviços/fornecimentos atestados, firma reconhecida daquele que assinou o atestado e, até mesmo, as cópias autenticadas das notas fiscais/faturas alusivas, tudo para se comprovar a veracidade do conteúdo firmado no atestado de capacidade técnica apresentado pelo licitante.
Em suma, o interessado em uma determinada licitação, ainda que detenha uma grande quantidade de atestados de capacidade técnica obtida ao longo dos anos, o que já seria plenamente suficiente para cumprir os requisitos legais exigíveis e demonstrar sua experiência, será obrigado a atender requisitos desnecessários para comprovar o que já estaria comprovado de acordo com a norma. Com efeito, além de tais requisitos ilegais demandarem custos adicionais e desnecessários, implicarão, na maior parte dos casos, na inviabilidade ou na desistência da participação diante das dificuldades criadas ao atendimento de tais requisitos em tempo hábil.
Para se fazer uma análise adequada da legalidade ou não de tais exigências, deve-se verificar o que diz a Lei nº 8.666/93 sobre os requisitos de qualificação técnica para a fase de habilitação, dentre os quais encontra-se inserido o atestado de capacidade técnica:
“Art. 30 - A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;
II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização, do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;
III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;
IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.”
Pelo exposto, nota-se que a norma federal claramente limitou as exigências quanto à qualificação técnica dos licitantes, proibindo a fixação de requisitos não dispostos nela expressamente e desnecessários aos fins da licitação e da execução do objeto licitado.
Por isso, ao incluir no rol de documentação de habilitação comprovação que não aquela expressamente disposta na lei, o agente público afronta o Princípio da Legalidade (art. 3º da Lei nº 8.666/93 e art. 37 da Constituição da República).
É inadmissível que se demande aos licitantes exigência de qualificação técnica não prevista em Lei. Demandar como obrigatória a juntada de cópias autenticadas de contratos ou notas fiscais para comprovação daquilo que já foi previamente atestado por uma entidade pública ou privada não possui qualquer fundamento, revelando uma insegurança injustificada do Administrador Público.
É dever do ente responsável pela licitação demandar aos participantes apenas os documentos e requisitos permitidos em lei.
Vale a pena verificar o disposto no § 1º, do artigo 3º, da Lei nº 8.666/93:
“§ 1º - É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar nos atos de convocação, cláusulas que comprometam restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato”
Não há, neste caso, como se alegar que tal exigência surgiria da necessidade de se dar maior confiabilidade ao atestado apresentado pelo licitante, baseada na existência de uma suposta facilidade em se obter uma declaração de capacidade técnica sem que tenha existido efetivamente a prestação de serviço ou fornecimento.
Entretanto, isso não faz qualquer sentido na medida em que a lei não faculta ao Administrador impor exigências técnicas de acordo com sua conveniência e sem previsão normativa.
A própria Lei nº 8.666/93 proíbe, expressamente, no § 5º de seu artigo 30 a exigência de quaisquer comprovações de atividade ou de aptidão técnica que não se encontrem nela previstas:
“Parágrafo Quinto do artigo 30 - É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta lei, que inibam a participação na licitação.”
A lei não faculta ao Administrador escolher as exigências técnicas de habilitação de acordo com sua conveniência. Enfim, ou se cumpre o que está previsto na norma ou então o instrumento convocatório estará em rota de iminente anulação por ilegalidade.
Evidentemente que, caso a Comissão de Licitação ou o Pregoeiro responsável tenham dúvidas acerca das informações contidas em determinado documento juntado pelo licitante em sua documentação de habilitação, deverá promover diligência perante o responsável pela emissão dos atestados, utilizando-se para isso da prerrogativa disponibilizada pelo § 5º, do artigo 43, da Lei nº 8.666/93. Segundo tal comando normativo, em qualquer fase da licitação, é autorizada a promoção de diligências destinadas a esclarecer ou a complementar a instrução do processo, vedando-se, evidentemente, a inclusão posterior de documento ou informação que já deveria constar originariamente dos documentos apresentados pelo licitante.
Na diligência, poderá o condutor da licitação solicitar, por exemplo, do emissor do atestado de capacidade técnica, o encaminhamento de documentos adicionais para fins de esclarecer se houve de fato a prestação daquilo que foi declarado como executado. Não pode, no entanto, obrigar o licitante a obter ou juntar tais documentos como condição de habilitação no certame.
Se há alguma dúvida quanto ao conteúdo de algum documento apresentado na licitação é dever e responsabilidade exclusiva do ente licitante buscar, junto às autoridades competentes ou aos entes privados emissores, os devidos esclarecimentos.
Já se viu caso, por exemplo, em que o órgão promotor da licitação exigiu, na fase de habilitação, o atestado de capacidade técnica dos participantes e, após a abertura dos envelopes, demandou a apresentação, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, o envio das cópias de contratos, notas fiscais e, ainda, declaração dos entes emissores dos atestados para comprovar a veracidade dos mesmos.
Enfim, embora não tenha exigido do licitante, na fase de habilitação, documentos não requeridos em lei, durante o curso do procedimento assim o fez e o mais grave: sem previsão no edital de tal prazo de 48 (quarenta e oito) horas fixado como limite para cumprimento da diligência (e, ainda que existisse, a mesma seria ilegal).
No exemplo dado, o licitante, apesar de ser empresa idônea e de ter apresentado documentos legítimos, foi forçada pelo ente licitante a recorrer aos órgãos públicos emissores dos atestados de capacidade técnica para obter, às pressas, os documentos comprobatórios exigidos. Pior ainda, viu sua solicitação naufragar diante da recusa das entidades em fornecer documentos em tão curto prazo.
Por tudo isso, a diligência esclarecedora prevista em lei deve ser realizada e buscada pelo órgão responsável pelo procedimento licitatório. Nada justifica impor tal ônus ao licitante, ainda mais se este apresentou toda a documentação exigida pelo edital e em conformidade com as normas.
Se há, realmente, a necessidade de esclarecimento da veracidade das informações, cabe ao condutor da licitação tomar as providências nesse sentido, e, sempre que possível, evitar a paralisação do certame licitatório. Isso porque, ainda que habilitado ou classificado, caso, posteriormente, comprovada a falsidade do documento apresentado, o pretenso licitante e todos os envolvidos na fraude serão alvos de penalidades duríssimas (cíveis e criminais) e, caso firmada a contratação, com a rescisão imediata do ajuste e devolução dos recursos financeiros que eventualmente tenham recebido.