Prescindibilidade do advogado no processo administrativo disciplinar.

Uma análise sob a óptica da Súmula Vinculante nº 5

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30/01/2016 às 18:28
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3. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

No âmbito federal o Estatuto dos Servidores Públicos se traduz na Lei nº 8.112/90, e esse diploma legal serviu de modelo para confecção dos demais estatutos dos servidores nos Estados membros da Federação, inclusive no tocante à regulamentação do Regime Jurídico dos servidores municipais.

Nesse instrumento jurídico normativo, tem-se o conceito de processo administrativo disciplinar, bem como a sua finalidade, in verbis:

Art. 148. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

De modo geral, subsidiariamente às disposições da Lei nº 8.112/90, aplicam-se no que couber as normas estatuídas na Lei nº 9.784/99, norma geral, que trata do Processo Administrativo na esfera do Poder Executivo Federal.

De acordo com Gasparini (2012, p. 1103), a denominação de processo administrativo disciplinar diferencia-se de inquérito administrativo, conforme pode-se perceber, ipsi literis:

Entre os processos administrativos de punição merece tratamento separado o que, na prática, é chamado de processo administrativo disciplinar. O destaque tem fundamento no fato de ser grandemente utilizado pela Administração Pública na apuração da falta e punição dos agentes públicos, na sua necessária utilização para a demissão do servidor estável e nas peculiaridades que encerra. É também chamado de processo disciplinar e de inquérito administrativo, sendo esta denominação a mais imprópria, já que nada tem de inquisitório.

Segundo Araújo (1994, p. 128), embora seja distinto o entendimento entre processo e procedimento, no campo específico do ilícito administrativo e seu processo, prefere-se denominar processo aquele procedimento que prevê, em sua estrutura, o diálogo manifestado pelo contraditório […] e a possibilidade de impugná-los.

Por sua vez, seriam procedimentos as formalizações de passos encadeados em sequência lógica, em direção ao objetivo final visado, sem a previsão do contraditório na respectiva estrutura, conforme ensinamento no seguinte entendimento doutrinário:

Pode-se definir a sindicância como o processo sumário de elucidação de irregularidades no serviço público, para bem caracterizá-las ou para determinar seus autores, para a posterior instauração do competente processo administrativo, sendo que essa definição não inclui a sindicância instituída na Lei do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/90). Na esfera federal, a sindicância é, na realidade, processo administrativo disciplinar, uma vez que, nos termos do artigo 143 da Lei do Regime Jurídico Único dos servidores da União, presta-se para promover a apuração de irregularidades no serviço público, assegurada ao acusado ampla defesa. Ademais e segundo o artigo 146 dessa lei, o processo administrativo disciplinar somente é obrigatório sempre que o ato do servidor ensejar a imposição de pena de suspensão por mais de trinta dias, de demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão. De sorte que para a aplicação das demais penas (advertência, suspensão por tempo inferior a 30 dias e destituição de função comissionada) pode ser utilizada a sindicância, dado o regime de processo administrativo que essa lei lhe atribuiu. (GASPARINI, 2012, p. 1116 e 1117)

A Sindicância Investigativa visa apurar possível irregularidade ante as determinações contidas na lei como obrigação, mas ocorre em função de um processo administrativo regido pelos artigos 151 e 152 da Lei nº 8.112/90, conforme pode ser observado no seguinte ensinamento doutrinário:

Sindicância administrativa, ou, abreviadamente, sindicância é o meio sumário de que se utiliza a Administração do Brasil para sigilosa o publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para a imediata abertura de processo administrativo contra o funcionário responsável. (ARAÚJO, 1994, p. 130)

Existem várias modalidades de Sindicância (investigativa ou punitiva) e Procedimentos Administrativos - PAD a serem utilizados, tendo em vista a indicação da materialidade e autoria conhecidos, ou não, tendo vista à correção das condutas, posto que, ao final do procedimento, pode-se chegar à conclusão de inocência pela improcedência das alegações apuradas ou, do contrário, a Administração poderá aplicar uma das possíveis penalidades previstas em lei.

Esses procedimentos visam a higidez e ao bom funcionamento da máquina pública, além de proteger o corpo funcional posto que a pena tem uma finalidade educativa, preventiva e corretiva, servindo ainda para fins de desestimular condutas socialmente inaceitáveis que podem levar à demissão do servidor dos quadros do serviço público, conforme ensinamento (FIGUEIREDO, 1994, p. 288) no seguinte excerto:

Nos primeiros, nos disciplinares, a Administração visaria a apurar fatos reputados como faltas administrativas funcionais, que poderiam levar até à demissão. Nos segundos, os sancionatórios, a Administração visaria a apurar infrações administrativas para aplicar punições. […] Não poderá a Administração agravar as penas, mercê dos recursos. […] Claro está que nesses procedimentos – disciplinares e sancionatórios – vão viger os mesmos princípios do processo penal. De conseguinte, ampla defesa, o direito de estar presente, de ser assistido por advogado. Deve um defensor dativo, se a parte não tiver um advogado, não como imposição, mas, como direito. […] nos procedimentos administrativos não se obriga a representação por advogado. Faculta-se ao administrado defensor. Não se impede de recorrer por não ter advogado. Todavia a nomeação de advogado a essas espécies de procedimento faz-se de importância exatamente para o exercício da ampla defesa. (Grifo nosso)

Dessa forma, os servidores públicos devem sempre se pautar pela ética e moral, com vistas a garantir a credibilidade dos administrados junto às respectivas instituições, sendo-lhes facultada a contratação de advogado para lhe ofertar uma defesa técnica de qualidade, sob pena de se ter uma defesa precária, o que pode ser considerada uma não defesa, e com isso ser considerado indefeso, o que geraria prejuízo ao princípio da ampla defesa e do contraditório, o que por consequência poderia acarretar nulidades, além de outros prejuízos ao processo administrativo e ao jus puniendi estatal.


4. ANÁLISE DA SÚMULA VINCULANTE Nº 05 SOB O PONTO DE VISTA DO CONTRADITÓRIO A DA AMPLA DEFESA

A Constituição Federal de 1988 informa no seu artigo 5º, inciso LV, da garantia do “devido processo legal” tanto nos processos judiciais quanto nos administrativos, como segue:

“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”; (Constituição 1988. Brasil. 2012. p. 16).

Levando em consideração a assertiva constitucional acima mencionada, deve-se observar o teor da Súmula Vinculante nº 05, in verbis:

“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a constituição”. (Grifo nosso)

Ora, o Processo Administrativo Disciplinar se presta para fins de apuração de faltas disciplinares ou violação de deveres funcionais, bem como para a imposição de sanções administrativas a servidores públicos. Seu objeto, pois, é a averiguação de infrações administrativas e a aplicação das correspondentes punições aos agentes responsáveis. (Barreto, 2006, p. 387)

A violação de deveres funcionais nada mais é do que um ilícito administrativo, entretanto, muitas vezes esses ilícitos correspondem a uma figura típica prevista no Direito Penal, portanto, a conduta materializada no campo administrativo pode ter um correspondente no campo do Direito Penal, de acordo com Araújo (1994, p. 233), in verbis:

Embora o ilícito administrativo seja ontologicamente diverso do ilícito penal, no caso do ilícito administrativo puro; ou mesmo não ontologicamente distinto, diferenciando-se apenas em grau, quando o ilícito administrativo é também configurado como crime, a verdade é que os dois institutos diferenciam-se sensivelmente e de forma relevante no que respeita à aplicabilidade do princípio nullum crimem, nulla poena sine lege, e da regra jurídica non bis in idem, largamente aceitos no Direito Penal.

Levando em consideração que as infrações administrativas cometidas por funcionários públicos ou servidores ligados ao Regime Jurídico Único, portanto, estatutários, podem ser de tamanha complexidade que possam envolver figura típica penal, entende-se relevante a defesa técnica feita por advogado no âmbito do processo administrativo disciplinar.

Tal entendimento é justificado por força do artigo 156 da lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990, que estabelece:

“É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial”. (Grifo nosso)

Observe-se que, embora seja uma faculdade concedida pela lei que rege o funcionalismo federal, tal texto foi copiado por quase todas as leis que regem o funcionalismo estadual em cada Estado membro da federação.

De outro modo, observa-se que a defesa técnica efetuada por uma pessoa sem conhecimento técnico jurídico é uma defesa fraca, assemelhando-se à inexistência de defesa.

A esse respeito pode-se observar o teor da súmula 523 do STF:

“No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

Portanto, observa-se que até antes da edição da Súmula Vinculante nº 05, qualquer processo administrativo que implicasse em defesa penal deveria ser obrigatória a presença do advogado.

Isso se vislumbra pelo julgado do STJ, o qual se mostra favorável à obrigatoriedade da defesa técnica no PAD, como requisito de validade do processo administrativo disciplinar, como segue:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. DEFESA TÉCNICA CONSTITUÍDA APENAS NA FASE FINAL DO PROCEDIMENTO. INSTRUÇÃO REALIZADA SEM A PRESENÇA DO ACUSADO. INEXISTÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL INOBSERVADOS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO EVIDENCIADO. 1. Apesar de não haver qualquer disposição legal que determine a nomeação de defensor dativo para o acompanhamento das oitivas de testemunhas e demais diligências, no caso de o acusado não comparecer aos respectivos atos, tampouco seu advogado constituído - como existe no âmbito do processo penal -, não se pode vislumbrar a formação de uma relação jurídica válida sem a presença, ainda que meramente potencial, da defesa técnica. 2. A constituição de advogado ou de defensor dativo é, também no âmbito do processo disciplinar, elementar à essência da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. 3. O princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar se materializa, nesse particular, não apenas com a oportunização ao acusado de fazer-se representar por advogado legalmente constituído desde a instauração do processo, mas com a efetiva constituição de defensor durante todo o seu desenvolvimento, garantia que não foi devidamente observada pela Autoridade Impetrada, a evidenciar a existência de direito líquido e certo a ser amparado pela via mandamental. Precedentes. 4. Mandado de segurança concedido para declarar a nulidade do processo administrativo desde o início da fase instrutória e, por conseqüência, da penalidade aplicada”2. (Grifo nosso)

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Vários juristas defendem a atuação do advogado em defesas administrativas, haja vista a falta de entendimento técnico por parte daquele que está sendo investigado, por meio de palavras técnicas que fazem parte da atividade advocatícia, bem como por ser um direito fundamental do cidadão, auxiliando na produção e colheita de provas, no desenvolvimento de teses argumentativas, na interposição de recursos, na sustentação oral, tarefas essas realizadas por um profissional devidamente habilitado, sob um avançado e técnico estudo do tema, proporcionando assim, a garantia constitucional à ampla defesa e, ainda, assegura a não ocorrência do cerceamento de defesa.

Nesse sentido, colaciona-se o entendimento do renomado jurista TOLENTINO, que assim se expressa:

“Liberdade no exercício de direitos fundamentais é assegurada pelo princípio constitucional da ampla defesa, com vistas a possibilitar a irrestrita participação e fiscalização eficazes de qualquer um do povo na atuação construtiva do ordenamento jurídico, verificando-se, assim, a amplitude da livre defesa de direitos.

O princípio da ampla defesa assegura às partes, que debatem procedimentalmente em contraditório, a otimização do desenvolvimento de teses argumentativas, de produção e análise de provas, bem como da interposição de recursos, nos limites do tempo legal. Todavia, para que seja observada a ampla defesa de direitos, faz-se necessária a participação do advogado. Esse profissional, levando-se em consideração seus conhecimentos jurídicos. (TOLENTINO, 2007, p. 107)

Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça chegou a editar uma súmula, no ano de 2007, no sentido de proporcionar a ampla defesa em processo administrativo exigindo-se a presença do advogado. Tal enunciado foi sumulado no seguinte entendimento:

Súmula 343. É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar.

Entretanto, diante do confronto de ideias de juristas acerca do tema, com a dúvida da indispensabilidade da presença do advogado na defesa de processos administrativos, o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição da República Federativa do Brasil, pacificou o entendimento ao editar uma súmula que encerrou definitivamente a discussão sobre a matéria, no sentido de que é facultativa a defesa técnica pelo advogado nos processos da esfera administrativa.

Com efeito, o STF entendeu não haver violação ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal de 1988, tendo em vista a não obrigatoriedade de defesa técnica nos processos administrativos disciplinares.

Tal entendimento sumulado pelo STF deu-se por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004, com a edição da Súmula Vinculante nº 5, na qual pacificou a discussão sobre o tema em tela.

No intuito de justificar tal entendimento, o STF emitiu jurisprudências a respeito do tema, conforme se observa abaixo:

"Na espécie, o único elemento apontado pelo acórdão recorrido como incompatível com o direito de ampla defesa consiste na ausência de defesa técnica na instrução do processo administrativo disciplinar em questão. Ora, se devidamente garantido o direito (i) à informação, (ii) à manifestação e (iii) à consideração dos argumentos manifestados, a ampla defesa foi exercida em sua plenitude, inexistindo ofensa ao art. 5º, LV, da Constituição Federal. (...) Nesses pronunciamentos, o Tribunal reafirmou que a disposição do art. 133 da CF não é absoluta, tendo em vista que a própria Carta Maior confere o direito de postular em juízo a outras pessoas."

RE 434.059, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 7.5.2008, DJe de 12.9.2008. (Grifo nosso).

Não obstante esse entendimento jurisprudencial, tem-se que:

Certo é que, a fragilidade jurídica da Súmula nº 5 compromete a aplicação dos princípios constitucionais no processo administrativo disciplinar, visto que a ausência de advogado no trâmite processual culmina em desvirtuar a economia processual face às inúmeras nulidades provocadas justamente em razão da inexistência da técnica jurídica. A inobservância do devido processo legal provoca nulidades e afronta o direito de defesa do acusado. As nulidades podem ser arguidas quando resultantes de vícios de competência, relativos à citação, cumprimento de prazos, diligências, produção de provas, entre outros que requerem uma visão técnica para sua demonstração e cabimento. (Op. cit)

Em decorrência do acima exposto, está evidente a necessidade premente do advogado nos processos administrativos disciplinares com vistas a dar maior resguardo aos interesses do administrado em face da defesa técnica com qualidade.

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Sobre a autora
Andréa Jaques de Oliveira

Possui graduação em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (2008). Pos graduada em Direito do Estado e Direito Penal Militar. Pós Graduanda em Direito Processual Civil. Trabalhou como advogada para a ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DOS SARGENTOS E SUBTENENTES DA POLÍCIA MILITAR E CORPO DE BOMBEIROS MILITARES DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL -MS. Atua na seara do Direito com ênfase em Direito Penal Militar, bem como,em Direito Cível e Administrativo (Público).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Conclusão de curso de Pós Graduação em Direito do Estado pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB.

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