Crise hídrica.

Um enfoque na problemática da água na região da Serra da Ibiapaba e suas implicações jurídicas

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4. DO PROBLEMA HÍDRICO NA REGIÃO DA IBIAPABA

A FUNCEME, órgão que acompanha e monitora os dados metereológicos do Estado do Ceará, bem como os inúmeros reservatórios espalhado pelo estado, previu que 2016 teremos mais um ano de estiagem ou de poucas precipitações na região Ibiapabana.

Segundo o presidente da Funceme, Eduardo Martins “as projeções indicam uma probabilidade de 85% de que ocorrerá novamente o fenômeno El Niño e perdurará até o fim deste ano e início do próximo ano”. (BRASIL, 2015)

O maior reservatório da região, o Açude Jaburu I com capacidade de armazenamento de água na ordem de 141,00 hm3, desde a sua inauguração em 1983 nunca tinha se deparado com uma situação semelhante. Os dados da Funceme no mês de novembro de 2015 apontam para um déficit de capacidade hídrica na ordem de 81,89%, restando apenas 18,11%. (CEARÁ, 2015).

Antes de adentrarmos no problema propriamente dito, convém traçar um perfil histórico, geográfico e econômico da região objetivando orientar melhor o leitor.

4.1 CONTEXTOS HISTÓRICO, GEOGRÁFICO E ECONÔMICO DA REGIÃO

A Região da Serra da Ibiapaba tem seu nome oriundo de línguas nativas dos povos indígenas que significa Terra Talhada. Composta de uma arquitetura íngreme, com vegetação frondosa, localiza-se em meio ao semiárido nordestino, mais precisamente a noroeste do estado do Ceará, é considerada por muitos que ali visita um verdadeiro oásis do sertão.

A Serra da Ibiapaba, Planalto da Ibiapaba ou Serra Grande como é popularmente conhecida, constitui-se, sob o aspecto político-geográfico, numa faixa montanhosa que vai a 40 km do litoral estendendo-se por 110 km a ocidente dentro do território cearense envolvendo as cidades de Croatá, Guaraciaba do Norte, Carnaubal, São Benedito, Ibiapina, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará. Possui uma altitude aproximadamente de 800m acima do nível do mar. É formada por um conjunto morfológico natural que apresenta uma cobertura vegetal de características de floresta úmida, no sentido norte-sul, com uma mudança gradativa da cobertura vegetal conhecida por “carrasco”, composto por caatingas, cerrados e matas secas. (COSTA Filho, apud MAIA, 2010 p.18)

Antes da chegada dos portugueses, a região já era amplamente habitada por diversos povos indígenas, nos quais se destacam as tribos Tabajaras, Tapuia, Anacé, Aconguaçú e Reriú do tronco linguístico Tupi.

Sua colonização data mais 300 anos, se deu pelas entradas dos jesuítas no interior da colônia portuguesa haja vista a política expansionista do império seguindo a lógica que tanto homens como espaços deveriam ser dominados e conquistados para servirem a Coroa.

A política indigenista adotada para a região ou por intermédio de aldeias ou através de vilas, era a realidade imposta aos índios fazendo que estes se integrassem de maneira que não se passasse a ideia de dominação. O processo utilizado era a ação catequética dos jesuítas que, segundo Serafim Leite, aconteceu em seis períodos históricos distintos ou simultâneos, a saber:

  • 1607-1608 – com os padres Francisco Pinto e Luiz Figueira que teve com desfecho a morte do padre Francisco Pinto e o retorno do padre Luiz Figueira a Pernambuco;

  • 1656-1662 – com os padres Pedro de Pedrosa, Antônio Ribeiro e Gonçalo Veras sob a supervisão do padre Antônio Vieira que teve como resultado prático a fundação da Missão de Ibiapaba;

  • 1662-1671 – com os padres Jacob Cócleo e outros, cujas ações desdobravam-se entre o forte (depois cidade de Fortaleza), Prangaba, Camocim e Ibiapaba;

  • 1691-1759 – com a retomada da Ibiapaba e fundação da Aldeia de Nossa Senhora da Assunção, com os padres Ascenso Gago e Manuel Pedroso;

  • 1723-1759 – com a fundação do Hospício do Ceará sob a direção do padre João Guedes;

  • 1741 – 1759 – com os padres jesuítas na administração das aldeias de Parangaba, Paupina, Caucaia e dos índios Paiacu.

(MAIA, 2010 p.23)

Após esse período, com a expulsão dos jesuítas, implantou-se a política do diretório em que a antiga aldeia dos índios seria elevada à categoria de “vila de índios”, e posteriormente Vila Viçosa Real da América. Esse novo modelo, de caráter laico, era administrado por um diretor, geralmente um militar indicado pelo governador geral de Pernambuco, em parceria com a câmara local e coordenação espiritual de padres seculares.

A consequência mais importante para a região da nova ordem instaurada está imputada na distribuição das terras outrora usufruídas de forma coletiva, que passaram a ser loteadas individualmente através de pagamentos de dízimos a Coroa e a entrada de moradores não índios advindos de pagamentos de aforamentos para a câmara. (MAIA, 2010 p.22)

Em 1882, com a aprovação do projeto apresentado pelo deputado provincial Lamartine Nogueira, a Vila Viçosa Real elevou-se a categoria de cidade com o topônimo simplificado para Viçosa do Ceará sendo gradativamente desmembrado em diversos municípios que atualmente compõem a Serra da Ibiapaba. (IBGE, 2013)

Voltando a contextualização geográfica. A Serra da Ibiapaba está categorizada na condição de microrregião que envolve os municípios supracitados no início deste capítulo. Possui uma população estimada em 299.447 habitantes e uma área total de 5.071.142km2, densidade demográfica de 56,2 hab./ km2, PIB R$ 551.946.315,00, PIB per capta R$ 2.025,44 tendo como microrregiões limítrofes o litoral de Camocim e Acaraú ao norte, Ipu ao sul, Sobral e Coreaú a leste e com o estado do Piauí a oeste. (IBGE,.2009)

A economia da região gira basicamente em torno da agricultura, do comércio e do turismo. Esse último justifica-se pelos diversos pontos turísticos espalhados ao longo de seu território como o Parque Nacional de Ubajara, a Igreja do Céu em viçosa do Ceará e o Santuário de Nossa Senhora de Fátima em São Benedito.

No que pertine a atividade comercial a abrangência é local, principalmente voltado aos itens de primeiras necessidades1, bares e restaurantes.

Já agricultura é potencialmente ativa, o que interessa diretamente aos levantamentos que serão questionados nesse trabalho, pois sua abrangência é de caráter local, regional, interestadual e de exportação.

A produção de hortifrutigranjeiros da Ibiapaba varia da produção de frutas como maracujá, abacate, banana, maçã, mamão, morango passando por vegetais como cenoura, beterraba, couve-flor, alface, quiabo, pepino chegando até a produção de acerola e flores tipo exportação.

Os primeiros abastecem semanalmente os mercados CEASA2 de Tianguá, Fortaleza e Teresina – PI e quando há excedentes de produção se estende para os Estados do Maranhão, Pernambuco, Bahia dentre outros.

Os últimos, flores e acerola, a produção de flores destinam-se tanto aos mercados nacionais quanto ao europeu e o americano, e a acerola destina-se à indústria farmacêutica mundial no tocante a extração e comercialização da vitamina C desenvolvida por uma empresa multinacional instalada no município de Ubajara.

É importante enfatizar esse aspecto dimensional da produção agrícola, pois a atividade necessita de uma grande quantidade de água para desenvolver-se de forma que chega a comprometer tanto abastecimento da população local quanto a própria atividade agrícola.

4.2 PRINCIPAIS MANANCIAIS

A Serra da Ibiapaba é banhada por diversos rios temporários de pequeno porte, barragens e açudes, sendo que um conjunto destes rios forma a Bacia Hidrográfica da Serra da Ibiapaba.

Esse complexo hidrográfico possui uma área de 5.987, 75 km2, compreendendo as redes de drenagem dos Rios Pejuaba, Arabê, Jaburu, Catarina, Jacaraí. Pirangí, Riacho da Volta, Riacho do Pinga e Inhunçu. (CEARÁ, 2013)

A bacia abrange dez municípios: Carnaubal, Croatá, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, Ipueiras, Poranga, São Benedito, Tianguá, Ubajara, Viçosa do Ceará. Apresenta uma capacidade de acúmulo de águas superficiais na ordem de 210 milhões de m3 em um açude monitorado pela COGERH3, o Açude Jaburu I.

O Açude Jaburu I é o principal reservatório de águas da região. É o responsável pelo abastecimento d´água de toda a Serra da Ibiapaba bem como cidades do sertão como Mucambo, Pacujá e Graça.

Esse reservatório foi construído no ano de 1979, quando o então governador Virgílio Távora incluiu a obra em seu plano de metas. Aproveitou alguns estudos do Departamento Nacional de Obras contra as Secas – DNOCS, e com recursos de empréstimos externos, resolveu bancar a sua construção.

Inaugurado em 1983, o açude barra o Rio Jaburu que pertence ao conjunto de nove pequenas bacias independentes que fazem parte da parcela cearense de 2.510 km2 da bacia principal do Rio Longá, por sua vez afluente do sistema do Parnaíba, no Piauí. Desde 1996 as águas são liberadas para o município de Piracuruca (PI) e comunidades ribeirinhas. (Ceará, 2013, disponível em portal.cogerh.com.br, acesso em 23/08/2015)

O complexo do Jaburu possui dois objetivos principais: suprir o abastecimento d´agua local e fomentar o desenvolvimento da região, sobretudo o potencial agrícola, e é nesse ramo de atividade que a região hoje enfrenta um grande desafio a ser superado, que é o uso racional dos recursos hídricos evitando a degradação do ecossistema local bem como o colapso do sistema de abastecimento d´água da região. (CEARÁ, 2013)

4.3 FATORES QUE INFLUENCIAM A ESCASSEZ DOS RECURSOS HÍDRICOS E A POLUIÇÃO AMBIENTAL

Como mencionado anteriormente é na agricultura da região que se vislumbra o eldorado da economia. A atividade proporciona o desenvolvimento da região e a coloca em destaque no cenário nordestino como sendo detentora de forte potencial produtivo ao lado do Vale do São Francisco, Baixo Acaraú, Vale do Jaguaribe dentre outros.

Mesmo com todo esse destaque a atividade é desenvolvida de forma desordenada, sem um critério lógico que racionalize os meios produtivos principalmente no tocante ao cerne da temática desse trabalho, que é o uso racional da água.

Para termos uma ideia, os meios de irrigação utilizados na atividade ora se deparam com técnicas muito rudimentares de produção como as queimadas, a irrigação manual e uso de pivores centrais, ora se está diante de tecnologias inovadoras, avançadas como a hidroponia, o gotejamento, a microasperção.

Porém, no geral, o que se observa é o uso indiscriminado dos recursos hídricos e a grande contaminação do solo e da água principalmente pelo abusivo uso de defensivos agrícolas, herbicidas, fungicidas e inseticidas.

A Lei nº 9433 de 1997, que trata da Política Nacional dos Recursos Hídricos, no seu artigo 2º evidencia o desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos. O inciso I, trata de assegurar para a atual e para as futuras gerações a necessária disponibilidade de água, de qualidade adequada aos seus respectivos usos. Já o inciso II prega como objetivo a utilização racional e integrada desses recursos.

Como se vê há um descompasso entre a norma legal e a efetiva utilização da água na região, pois, sendo os recursos hídricos passíveis de contaminação e usados de maneira desordenada, é obvio que não se está cumprindo o que determina o artigo supramencionado.

Ademais, é notório reforçar o entendimento do art. 225 da CF de 1988, que dispõe sobre a obrigação de haver o uso sustentável dos recursos naturais.

Dessa forma, quando o uso da água estiver de forma inadequada, que descumpra os preceitos constitucionais e infraconstitucionais, deve-se invocar a tutela jurisdicional para se fazer valer o direito de ter disponível os recursos hídricos ao alcance de todos.

Outros aspectos relativos à problemática é o baixo investimento em políticas públicas no âmbito educacional e aprimoramento do manejo agrícola local, já que, falta a disponibilização por parte do Estado de suporte técnico aos pequenos produtores relativos ao uso sustentável do solo e da água. Aliado a esses fatores temos também a pouca conscientização da população para o uso controlado da água, a inoperância dos órgãos de gestão hídrica e a apatia do Estado no tocante à fiscalização e a aplicabilidade das leis ambientais que tem por escopo proteger os recursos hídricos e o meio ambiente como um todo quer seja natural, artificial, cultural e do trabalho.

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Quando se fala em conscientização por parte da população é importante entendermos que esse problema é gerado, na maioria das vezes, por parte do Estado quando não se mobiliza adequadamente para instruir, informar os cidadãos a respeito dos problemas atinentes ao uso dos recursos hídricos.

A Lei nº 9433 de 1997, que trata da Política Nacional dos Recursos Hídricos, no seu artigo 26, inciso III define como princípio básico o acesso a dados e informações para toda a sociedade sobre tais recursos.

Na mesma esteira o artigo 27, inciso I, da referida Lei afirma que um dos objetivos principais do Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos é reunir, dar consistência e divulgar os dados e informações sobre a situação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos no Brasil.

O Estado do Ceará por sua vez, através da Lei nº 14.844 de 2010, no art. 2º, inciso II e III, assegura o gerenciamento dos recursos hídricos de forma integrada, descentralizada e participativa sem a dissociação dos aspectos qualitativos e quantitativos, considerando o ciclo hidrológico em todas suas formas, quais sejam: aérea, superficial e subterrânea.

O aspecto participativo de que fala o artigo inclui o caráter informativo já que sem a devida informação não há como se falar em conscientização da população.

Podemos apontar também como um fator agravante do problema hídrico da região é o barramento de água ao longo do curso dos rios que formam a bacia hidrográfica da Ibiapaba. Essa forma de armazenamento d´água tem sido amplamente utilizada principalmente para suprir as necessidades hídricas dos irrigantes da região e também de pequenos núcleos familiares ocasionando a diminuição do fluxo de água para o seu reservatório principal, o açude Jaburu.

No título III da Lei 9433/97 que trata das infrações e penalidades, no Art. 49, I e II é definido que:

Art. 49. Constitui infração das normas de utilização de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos:

I - derivar ou utilizar recursos hídricos para qualquer finalidade, sem a respectiva outorga de direito de uso;

II - iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a derivação ou a utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que implique alterações no regime, quantidade ou qualidade dos mesmos, sem autorização dos órgãos ou entidades competentes;

A outorga de uso é o meio pelo qual se assegura o controle qualitativo e quantitativo dos usos da água bem como o direito efetivo ao seu acesso. (Sirvinskas, 2015 p. 420). Esse instrumento disposto no art. 5º da Lei 9433/97 é concedido de forma onerosa para qualquer tipo de captação de água quer seja superficial ou subterrânea. É também um ato administrativo, na modalidade autorização administrativa, concedido por tempo determinado não ultrapassando 35 anos podendo ser renovado, conforme o art. 16 da Lei 9433/97. (SIRVINSKAS, 2015 p. 421)

Vale mencionar os objetivos na Lei 9433/97 que delineiam a cobrança pelo uso dos recursos hídricos:

Art. 19. A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva:

I - reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor;

II - incentivar a racionalização do uso da água;

III - obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

Segundo a COGERH, dos 18 grandes irrigantes que utilizam os recursos hídricos da bacia hidrográfica do Jaburu, 55,5% não tem outorga de uso o que torna a situação preocupante.

Quanto às penalidades que podem vir a sofrer que infringe tal dispositivo vai desde a advertência por escrito, até o embargo definitivo com a revogação da outorga, passando por multas simples ou diária dependendo da gravidade da infração não observado a ordem enumerada no art. 50 da Lei 9433/97.

É imperioso mencionar o §1º do art. 12 da Lei 9433/97 que dispõe sobre os usos insignificantes dos recursos. Esse dispositivo contempla às pessoas que vivem em pequenos núcleos populacionais distribuídos em meio rural, as derivações, captações, lançamentos e acúmulos considerados insignificantes.

Dentro do contexto geográfico que serve como objeto desse estudo, há um significativo número de agrupamentos populacionais que fazem o uso do barramento de pequenas quantidades de água destinadas a atender suas necessidades básicas como também para a produção de pequenas lavouras de caráter de subsistência.

Compete a ANA – Agência Nacional de Águas, conforme a Lei 9984/00, conferir a outorga para corpos de água de domínio da União. Quando os corpos hídricos são de domínio dos Estados ou do Distrito Federal, a solicitação deverá ser feita ao órgão gestor estadual dos recursos hídricos.

No Estado do Ceará, a outorga é concedida por intermédio da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado (SRH), através da Coordenadoria de Recursos Hídricos (CGERH).

Com o crescente aumento da frota de veículos que circulam na região, cresce também o número de lava jatos. A atividade, na maioria das vezes, é exercida de forma clandestina e como não há rigor fiscalizatório, o uso inconsciente de água potável, tratada, que deveria ser utilizada nas residências, é destinado a esse fim o que agrava mais ainda a crise hídrica local.

Em situações em que haja a necessidade de controlar o uso dos recursos hídricos, como no momento que estamos atravessando, é inaceitável tal atitude.

A Lei 9433/97 bem como a Lei estadual 14.844/10 não deixam dúvidas sobre a ilegalidade desse procedimento. A primeira evidencia no seu art. 1º, inciso III que em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais.

A segunda, a Lei 14.844/10 toca no tema no art.3º, VIII, como sendo um princípio a ser seguido com se observa no texto:

Art. 3º A Política Estadual de Recursos Hídricos atenderá aos seguintes princípios:

[...]

VIII - o uso prioritário dos recursos hídricos, em situações de escassez, é o consumo humano e a dessedentação de animais;

Outro ponto relevante que podemos mencionar é a perfuração indiscriminada de poços profundos. Essa atividade também não sofre qualquer controle pelas autoridades para emissão de autorizações ou outorgas de uso, muito pelo contrário, alguns gestores municipais na tentativa de solucionar o problema da água contratam empresas para perfurarem esses poços sem a observância das leis ambientais, o que pode acarretar sérios riscos à saúde da população e ao meio ambiente.

Tal ilegalidade é demonstrada quando se infringe o dispositivo legal da Lei 9433/97, art. Art. 49. Em que estabelece que “Constitui infração das normas de utilização de recursos hídricos superficiais ou subterrâneos: V - perfurar poços para extração de água subterrânea ou operá-los sem a devida autorização”.

Na Lei 14.844/10, o capítulo VI, é todo dedicado às águas subterrâneas em que os poços estão configurados no seu contexto. Alguns dispositivos merecem destaque, dentre eles:

Art. 32. As águas subterrâneas deverão ser gerenciadas de forma integrada com as águas superficiais e estarão sujeitas, permanentemente, às ações de conservação e proteção, visando ao seu uso sustentável, cabendo ao órgão gestor, dentre outras ações: I - restringir as vazões exploradas por poços e por outras formas de captação, com base nos dados da outorga; II - estabelecer distâncias mínimas entre poços; III - apoiar ou executar projetos de recarga dos aquíferos; IV - propor ao órgão ambiental competente a criação de áreas de proteção de aquíferos.

Art. 33. Nas outorgas de direito de uso de águas subterrâneas deverão ser considerados critérios que assegurem a gestão integrada das águas e que evitem o comprometimento qualitativo e quantitativo dos aquíferos, cabendo ao órgão gestor: [...]

II - realizar e manter atualizado o cadastro de poços tubulares e outras captações;

III - realizar e manter atualizado o cadastro de empresas de construção de poços;

[...]

VII - garantir a fiscalização das obras de captação de águas subterrâneas.

Art. 35. A exploração de águas subterrâneas, que represente riscos para o aquífero, demandará do órgão gestor, dentre outras providências:

I - a suspensão da outorga de direito de uso nos termos do art. 11, inciso VI desta Lei;

II - a restrição do regime de operação outorgado, com respeito à vazão e/ou ao tempo de bombeamento;

III - a determinação para o lacramento e/ou obstrução de poços.

Parágrafo único. As medidas de que trata o caput vigorarão até que sejam restabelecidos os níveis de segurança de exploração, não gerando direito de indenização ao outorgado.

Art. 36. As captações de águas subterrâneas serão obrigatoriamente dotadas de proteção sanitária, medidores de vazão, tubos guia e/ou outros dispositivos para monitoramento de níveis d'água.

Parágrafo único. Os poços temporariamente paralisados e outras obras de captação de águas subterrâneas, realizadas para diversos usos, deverão ser lacrados de forma a evitar acidentes, contaminação ou poluição dos aquíferos.

4.4 MEDIDAS PREVENTIVAS E COERCITIVAS PARA O USO E CONTROLE DOS RECURSOS HÍDRICOS DA IBIAPABA

Como vem sendo demonstrado ao longo desse trabalho, são diversos fatores que influenciam a origem do problema hídrico em toda a região, sendo necessária a aplicação de medidas de ordem preventiva e de ordem coercitivas fundamentadas na lei vigente que possam garantir o uso racional e o controle dos recursos hídricos da Ibiapaba.

As medidas preventivas são aquelas de caráter informativo, educacional e antecipatória das causas e feitos que possam trazer uma possível redução no volume de água disponível para as pessoas físicas e jurídicas, de forma que possam garantir a segurança hídrica daqueles que a utilizam.

As medidas coercitivas é definida como a atuação efetiva do estado exercendo seu poder de polícia com vista a limitar ou cessar o uso dos recursos hídricos inadequados para os tempos de escassez hídrica. É o estado aplicando a supremacia do interesse público sobre o particular, mas não de forma arbitrária, mas usando dos mecanismos legais disponíveis para fazer valer o uso sustentável dos recursos aplicando penalidades àqueles que infringirem tais determinações.

Diante do problema específico na região da Serra da Ibiapaba, após diversas audiências públicas em que se tratou do tema e também de análises dos órgãos de gestão do Estado do Ceará e dos municípios compreendidos na área atingida pelo problema da escassez, definiu-se uma série de medidas para se pôr em prática em curto, médio e longo prazo.

A primeira é a redução gradativa da irrigação de hortifrutigranjeiros que é de longe o maior consumidor dos recursos hídricos local. Essa redução está hoje na ordem de 40% com foco nos grandes irrigantes que estão catalogados em dezoito empreendimentos do agronegócio que juntos consomem água cinco vezes mais que toda a população da Ibiapaba reunida.

Dessa forma, na medida em que os volumes da capacidade dos reservatórios diminuem deverá ser reduzido também a disponibilização da água, podendo chegar a 100% caso o uso comprometa ainda mais o abastecimento humano e de animais.

A fundamentação jurídica desta medida está na Lei nº 9433/1997, art. 1º, III e Lei nº 14.844/2010, art. 3º, VIII, em que ambos os dispositivos asseveram que “em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais”.

Seguindo o mesmo raciocínio esses dispositivos legais devem servir como referência para regular as atividades dos lava jatos e das construções civis. Como vimos anteriormente tais atividades devem dar prioridade ao abastecimento humano e de animais.

Para não comprometer por completo as atividades supramencionadas, o controle aos lava jatos deve ser direcionado ao não uso de água tratada vindo do sistema de captação do açude jaburu e para as construções civis, a utilização de águas de reuso advindas das lagoas de estabilização do sistema de tratamento de esgoto existente na região.

Quanto ao citado sobre o barramento de água ao longo do curso dos rios que formam a bacia hidrográfica da Ibiapaba e o acentuado uso de agrotóxicos nas lavouras, apontamos como medidas preventivas o reflorestamento das matas ciliares de forma que impeça o cultivo de forma permanente nas margens dos rios. Além do reflorestamento faz-se necessário a autuação pelos órgãos fiscalizatórios para aqueles que impedirem o curso normal dos rios e os que poluírem o solo e a água com a emissão de produtos tóxicos no meio ambiente.

O reflorestamento das matas ciliares está amparado na Lei nº 12.651/12, denominada Novo Código Florestal, em que a incluiu na categoria de áreas de preservação permanente de forma que toda cobertura vegetal ou não presente ao longo das margens dos rios e ao redor das nascentes e de reservatórios deve ser preservados.

De acordo com o art. 4º da referida, Lei a depender da largura do curso d´água é que se dimensiona a área que é obrigatoriamente objeto de preservação. No caso da região Ibiapabana, os mananciais de água possuem menos de 10m de largura, portanto, a faixa mínima de preservação é de 30m em cada margem.

A importância do reflorestamento se dá porque as matas ciliares funcionam como filtros, retendo defensivos agrícolas, poluentes e sedimentos, que poderiam ser levados para os cursos d´água causando significativos danos ao meio ambiente e ao homem.

O barramento que impede o curso normal dos rios, que é feito sem autorização do poder público, viola a Lei nº 12.651/12 como pode ser observado:

Art 5º Na implantação de reservatório d’água artificial destinado a geração de energia ou abastecimento público, é obrigatória a aquisição, desapropriação ou instituição de servidão administrativa pelo empreendedor das Áreas de Preservação Permanente criadas em seu entorno, conforme estabelecido no licenciamento ambiental, observando-se a faixa mínima de 30 (trinta) metros e máxima de 100 (cem) metros em área rural, e a faixa mínima de 15 (quinze) metros e máxima de 30 (trinta) metros em área urbana

[...]

§ 1º Na implantação de reservatórios d’água artificiais de que trata o caput, o empreendedor, no âmbito do licenciamento ambiental, elaborará Plano Ambiental de Conservação e Uso do Entorno do Reservatório, em conformidade com termo de referência expedido pelo órgão competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente - Sisnama, não podendo o uso exceder a 10% (dez por cento) do total da Área de Preservação Permanente. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012)..

O uso de agrotóxico está regulamentado na Lei nº 7.802/89, que legitima também os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a legislarem sobre o uso de agrotóxico, conforme os artigos que se seguem:

Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno.

Art. 11. Cabe ao Município legislar supletivamente sobre o uso e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins.

Art. 12. A União, através dos órgãos competentes, prestará o apoio necessário às ações de controle e fiscalização, à Unidade da Federação que não dispuser dos meios necessários. (Redação dada pela Lei nº 7.802/89, de 1989).

No âmbito da Lei Federal, é importante mencionar sobre a responsabilidade dos danos causados pelo uso de agrotóxicos disposto no art. 14:

Art. 14. As responsabilidades administrativa, civil e penal pelos danos causados à saúde das pessoas e ao meio ambiente, quando a produção, comercialização, utilização, transporte e destinação de embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, não cumprirem o disposto na legislação pertinente, cabem: (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

a) ao profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida;

b) ao usuário ou ao prestador de serviços, quando proceder em desacordo com o receituário ou as recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais; (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

c) ao comerciante, quando efetuar venda sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita ou recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais; (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

d) ao registrante que, por dolo ou por culpa, omitir informações ou fornecer informações incorretas;

e) ao produtor, quando produzir mercadorias em desacordo com as especificações constantes do registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda, ou não der destinação às embalagens vazias em conformidade com a legislação pertinente; (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

f) ao empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção dos equipamentos adequados à proteção da saúde dos trabalhadores ou dos equipamentos na produção, distribuição e aplicação dos produtos. (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

O artigo 6º, § 2º da Lei também merece destaque, pois trata da logística reversa, ou seja, do destino final das embalagens de agrotóxicos:

Art. 6º As embalagens dos agrotóxicos e afins deverão atender, entre outros, aos seguintes requisitos:

[...]

§ 2º Os usuários de agrotóxicos, seus componentes e afins deverão efetuar a devolução das embalagens vazias dos produtos aos estabelecimentos comerciais em que foram adquiridos, de acordo com as instruções previstas nas respectivas bulas, no prazo de até um ano, contado da data de compra, ou prazo superior, se autorizado pelo órgão registrante, podendo a devolução ser intermediada por postos ou centros de recolhimento, desde que autorizados e fiscalizados pelo órgão competente (Redação dada pela Lei nº 9.974, de 2000)

No Estado do Ceará a Lei nº 12.228/1993 regulamenta o uso dos agrotóxicos. Dentro os dispositivos legais trazidos por esta lei, vale destacar o art. 20 definindo que “É proibido o despejo dos excedentes de agrotóxicos, seus componentes e afins e a lavagem dos materiais de aplicação ou das embalagens nos mananciais”. Outros artigos que merecem destaque são os que tratam das responsabilidades pelos danos causados ao meio ambiente, como se mostra a seguir:

Art. 36 - As responsabilidades administrativas, civil e penal pelos danos causados à saúde das pessoas e ao meio ambiente, quando à produção, à comercialização e ao transporte não cumprirem o disposto nesta Lei, na sua regulamentação e nas Legislações Municipais, cabem:

a ) Ao profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida;

b ) Ao usuário ou ao prestador de serviços, quando em desacordo com o receituário;

c) Ao comerciante, quando efetuar venda sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita;

d) Ao registrante que, por dolo ou por culpa, emitir informações incorretas;

e) Ao produtor que produzir mercadorias em desacordo com as especificações constantes do registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda;

f) Ao empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção dos equipamentos adequados à proteção da saúde dos trabalhadores e dos equipamentos na produção, distribuição e aplicação dos produtos.

Art. 37 - Sem prejuízo das responsabilidades civil e penal cabíveis a infração de disposições desta Lei acarretará, isolada ou cumulativa, nos termos previstos em regulamento, independente das medidas cautelares de embargo do estabelecimento e apreensão do produto ou alimentos contaminados, a aplicação das seguintes sanções:

I . Advertência;

II. Multa de até 20 (vinte) vezes unidades fiscais do Estado, aplicáveis em dobro em caso de reincidência, segundo os parâmetros fixados na regulamentação desta Lei;

III. Condenação do produto;

IV. Interdição do produto;

V . Inutilização do produto;

VI. Suspensão de autorização, registro ou licença;

VII. Cancelamento de autorização, registro ou licença;

VIII. Interdição temporária ou definitiva de estabelecimentos;

IX. Destruição de vegetais, partes de vegetais e de alimentos nos quais tenham havido aplicação de agrotóxicos de uso não autorizado, a critérios do órgão competente.

X . Destruição de vegetais, partes de vegetais e alimentos, com resíduos acima do permitido.

Parágrafo Único - A autoridade fiscalizadora fará a divulgação das sanções impostas aos infratores desta Lei.

Art. 38 - Após a conclusão do processo administrativo, os agrotóxicos e afins apreendidos, como resultado da ação fiscalizadora, serão inutilizados ou poderão ter outro destino, a critério da autoridade competente, observada a Legislação Ambiental em vigor.

Parágrafo Único - Os custos referentes a quaisquer dos procedimentos mencionados neste artigo correrão por conta de infrator. (Redação dada pela Lei nº 12.228, de 1993)

No tocante as competências dos Municípios Ibiapabanos, por não disporem de meios necessários e adequados para as ações de controle e fiscalização, recebem apoio de órgãos competente tanto no âmbito Federal como Estadual conforme dispõe o art. 12 da Lei 7.802/89.

Uma medida preventiva de fundamental importância é a intensificação de campanhas de conscientização da população, para alertar sobre as causas e os efeitos da má utilização dos recursos hídricos. Essas campanhas devem partir do poder público Federal, Estadual e Municipal, da sociedade civil como entidades de classe, associações de moradores, estabelecimentos de ensino, igrejas, rádios, jornais, mídias televisivas e redes sociais que têm o condão de informar e esclarecer o quanto é grave a situação hídrica local.

O direito a informação é assegurado no art. 26, III da Lei 9433/ 1997. Há previsão legal também na lei estadual da política de recursos hídricos no seu artigo 46, quando trata das competências dos comitês de bacias hidrográficas que permite, no inciso primeiro, a promoção do debate de questões relacionadas a recursos hídricos e articulação das entidades interessadas no tocante a fornecer subsídios para elaboração do relatório anual sobre a situação dos recursos hídricos da bacia hidrográfica.

Do pertinente a escavação de poços profundos a prioridade é seguir o que define as leis que tratam do assunto, aplicando o art. 49, V da Lei 9433/97 e todos os artigos do capítulo VI da Lei 18.844/10 que proíbem a perfuração de poços profundos para extração de águas subterrâneas sem a devida autorização, bem como a forma de gerenciamento, conservação e proteção, normatizando as ações aplicáveis pra o requerimento de autorizações/licenças para o uso destes.

Como exemplo discorreremos como ocorre o procedimento para o requerimento da autorização para a escavação de poços profundos: a autorização deverá ser na forma de licença e conter o título da propriedade, prova da posse regular ou autorização de uso da área de terra abrangida pela obra ou serviço a ser licenciado e o projeto da obra ou serviço de oferta hídrica, compreendendo o objetivo, localização, características física da área como geologia regional, dimensões da bacia, relevo, solos para irrigação, benefícios para a população além de estudos hidrogeológicos, quando se situar em zonas de formação sedimentar ou em aquíferos estratégicos.

É importante salientar que os interessados em executar qualquer obra de oferta hídrica, antes de requerer a licença, poderá protocolizar carta consulta à Secretaria de Recursos Hídricos para fazer um exame preliminar de possíveis impedimentos ou limitações ao projeto.

A secretaria tem um prazo de 60 dias para emitir um parecer e em caso de denegação do pedido de licença, poderá recorrer ao CONERH – Conselho de Recursos Hídricos do Ceará, em última instância, no prazo de cinco dias contados da ciência.

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Sobre o autor
Carlos César Araujo Rodrigues

Bacharel em Direito pela Faculdade Luciano Feijão (FLF).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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