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Como combater eficazmente a corrupção (e a cleptocracia)?

Big Bang Theory

23/02/2016 às 12:32
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Uma das “receitas” mais impressionantes e pregnantes para se combater a chaga da corrupção sistêmica na sociedade, assim como a praga da cleptocracia no Estado, foi desenvolvida pelo sociólogo sueco Bo Rothstein, que é o criador da Teoria do Big Bang.

CAROS internautas que queiram nos honrar com a leitura deste artigo: sou do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e recrimino todos os políticos comprovadamente desonestos, assim como sou radicalmente contra a corrupção cleptocrata de todos os agentes públicos (mancomunados com agentes privados), que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público. Todos os partidos e agentes inequivocamente envolvidos com a corrupção (PT, PMDB, PSDB, PP, PTB, DEM, Solidariedade, PSB etc.), além de ladrões, foram ou são fisiológicos (toma lá dá cá) e ultraconservadores não do bem, mas, sim, dos interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado. Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e ainda imoralmente os defendem. 

Uma das “receitas” mais impressionantes e pregnantes para se combater a chaga da corrupção sistêmica na sociedade, assim como a praga da cleptocracia no Estado (dominado e governado por setores, grupos, frações ou classes que só pensam nos seus interesses privados) foi desenvolvida pelo sociólogo sueco Bo Rothstein, que é o criador da “Teoria do Big Bang” (2007)[1]. Essencialmente ele sustenta o seguinte[2]:

Regra 1 – Todo mundo sabe que a corrupção é errada[3]: “os corruptos sabem que essa prática é imoral e danosa para a sociedade. Mas isso não é suficiente para evitá-la; não basta internalizar os efeitos malignos para a sociedade de uma prática; impõe-se criar os incentivos (e obstáculos) adequados para que as pessoas não se envolvam nela”;

Regra 2 – Julgamos inútil ser o único honesto na sociedade: “os corruptos sabem também que, pela teoria dos jogos, numa sociedade altamente corrompida, não faz sentido ser a única pessoa honesta na cidade”; “mesmo as pessoas que acham que a corrupção é moralmente errada são suscetíveis de participar dela, quando elas não veem nenhum motivo para fazer de outra forma”;

Regra 3 – Medidas setoriais (isoladas) não resolvem: “a corrupção não é nunca controlada apenas com algumas medidas setoriais”; “são necessárias várias medidas [repressão, prevenção, recuperação de dinheiro, mudança no sistema eleitoral etc.] em várias áreas [Justiça, polícia, órgãos administrativos de controle, educação pública obrigatória, convivência social ética etc.] e todas devem ser adotadas num curto espaço de tempo (nisso consiste a “Big Bang Theory”)”;

Regra 4 – Várias medidas conjuntas em curto espaço de tempo funcionam: foi isso que ocorreu na Suécia do século XIX, assim como, mais recentemente (a partir dos anos 50/60), em Singapura e Hong Kong;

Regra 5 – A corrupção sistêmica aciona a “armadilha social” da desconfiança: “a corrupção generalizada [como é o caso do Brasil] é uma “armadilha social”[4] (“situação em que os indivíduos, grupos ou organizações são incapazes de cooperar devido à desconfiança mútua e falta de capital social  – falta de boas expectativas em relação às outras pessoas”);

Regra 6 – A desconfiança leva à incapacidade de cooperação: “Mesmo quando a cooperação seja benéfica para todos, a desconfiança na democracia, no capitalismo, na Justiça e na capacidade de organização da sociedade civil incrementa a prática da corrupção [assim como da cleptocracia]”. [Em outras palavras, a desconfiança incentiva a evasão de divisas, como no caso do envio de bilhões de dólares para o HSBC da Suíça, sonegação sistêmica de impostos, pagamento de propinas etc.];

Regra 7 – Como escapar das armadilhas sociais? O controle da corrupção exige “pequenas interações estratégicas”, a começar pela consciência dos humanos de que eles “não são perfeitamente racionais nem plenamente informados sobre o mundo em que vivem”;

Regra 8 – A corrupção descontrolada corrói o capital social:  A corrupção sistêmica elimina as boas expectativas em relação às outras pessoas; nosso comportamento especular (refletido) depende muito do que pensamos sobre como os outros vão se comportar;

Regra 9 – O passado nos condena (mas não para sempre): Criamos expectativas comportamentais a partir do que sabemos do passado (da tradição, da história) das outras pessoas ou de um determinado povo [mas nosso passado não é infalível nem determinista];

Regra 10 – A necessidade de acreditarmos que os outros não são corruptos: Quando a corrupção é sistêmica, seu combate é ineficiente até que se generalize a crença de que as outras pessoas não são corruptas;

Regra 11 – A corrupção é pegajosa, mas não é inevitável: A corrupção sistêmica é “pegajosa” e isso somente muda quando a generalidade “dos jogadores” (dos agentes) se convence de que o melhor é não pagar ou receber subornos ou propinas;

Regra 12 – É preciso que todos (ou a maioria absoluta) mudem o comportamento: A prática da corrupção não cessa enquanto os comportamentos alheios não mudam (ninguém quer ser o único honesto da cidade);

Regra 13 – Uma maçã sadia não altera o saco cheio de maçãs podres: Não faz sentido [do ponto de vista racional] ser o único jogador honesto em um jogo podre, porque isso não vai mudar o jogo;

Regra 14 – O combate à corrupção exige uma liderança forte: A implicação prática dessa visão é que um sistema corrupto endêmico dificilmente é alterado “de baixo para cima”, ou seja, é preciso uma liderança forte (o que não significa ditadura) que imponha legalmente e faça cumprir as novas regras do jogo (“de cima para baixo”);

Regra 15 – Experiências ditatoriais não são o único caminho: Singapura e Hong Kong passaram, desde 1970, com muito sucesso, por esse processo (efetivo controle da corrupção vindo “de cima”); mas tudo foi feito “sem democracia” (o que não significa que esse seja o único caminho para se alcançar tal desideratum); o crescimento econômico depois que a casa ficou em ordem foi impressionante;

Regra 16 – A democracia (ou redemocratização) não garantem o fim da corrupção: A democracia ou a redemocratização, de qualquer modo, não é uma garantia da ausência de corrupção sistêmica (toda América Latina, com Sarney, Collor de Mello, Fugimori, Menen, privatizações fraudulentas, lulopetismo etc. constituem exemplos disso);

Regra 17 – A repressão é necessária, mas sozinha não resolve: Não se pode perder de vista que a dura repressão contra a corrupção, para ser eficaz, deve fazer parte de um leque imenso de mudanças culturais, educacionais e comportamentais;

Regra 18 – Combater a corrupção é enfrentar muita pressão: As lideranças do combate à corrupção (que devem acontecer dentro do Estado de Direito) devem saber enfrentar a pressão dos interesses contrariados (há muita gente e empresas que adotaram a corrupção ou a sonegação fiscal ou a evasão de divisas como estilo de vida; mudança de vida e de hábitos não se consegue sem sacrifícios e perdas; os que têm a ganhar mais com a corrupção nunca vão concordar com seu combate);

Regra 19 – Não existe determinismo cultural: A corrupção não está “culturalmente determinada” (não há determinismo cultural, pelo menos nessa área, ou seja, as pessoas e os países, mesmo que sistemicamente corruptos, podem mudar); a qualidade das instituições políticas e jurídicas [diga-se a mesma coisa das instituições econômicas e sociais], de outro lado, não é imutável; em tudo pode haver progressos ou retrocessos [não é porque a América Latina seja endemicamente corrupta que o Brasil – ou qualquer outro país latino-americano – não possa mudar];

Regra 20 – O controle da corrupção em um país não se estende automaticamente para outros: O progresso de um país não beneficia outros países automaticamente (Singapura e Hong Kong mudaram; mas Malásia, Indonésia e China continuam com altíssimos índices de corrupção); em uma região bastante corrupta, no entanto, podem existir ilhas anticorruptivas;

Regra 21 – Mesmo as pessoas “comuns” sabem que a corrupção é errada: Até mesmo as “pessoas comuns” (leia-se: mesmo não sendo empresário, profissional liberal, funcionário público concursado etc.) em sistemas endemicamente corruptos (como o Brasil) não internalizam as práticas corruptas como atos moralmente legítimos (sabem que é errado);

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Regra 22 – Quem joga a culpa no “sistema” perpetua o jogo corrupto: mas em lugar de mudarem o comportamento [ou desenvolverem incentivos para isso], tanto elas como as pessoas não comuns (profissionais liberais, empresários, políticos, altos funcionários, intelectuais etc.) costumam condenar a corrupção como moralmente errada (participando até mesmo de passeatas e mobilizações sociais, algumas vezes), mas colocam a culpa no “sistema” [na cultura do País, na sua História, na sua tradição, no funcionamento do Estado, nos governos fisiológicos do toma lá dá cá]; dessa forma encontram “justificação” para continuarem participando do “jogo corrupto” (que lhes é favorável) [a culpa da corrupção é do “sistema”; eles “justificam”, com a tolerância, a continuação do “jogo corrupto”];

Regra 23 – Quando confiamos no “jogo limpo” caímos fora da corrupção: Se por acaso esses indivíduos comuns (vistos como bons pais de família, integrados na sociedade) estivessem confiantes de que a maioria dos outros agentes não participaria de práticas corruptas, a sua principal preferência seria a de não receber ou oferecer subornos (comportamento especular, refletido);

Regra 24 – Quem é honrado deve cuidar desse patrimônio: A decisão do indivíduo de participar da corrupção não deve ser entendida como resultante daquilo que ele pensa sobre sua própria orientação moral (ou seja, se ele acredita que a maioria das outras pessoas é honesta), ou de sua própria função de utilidade, mas também sobre o que ele acredita que as outras pessoas pensam sobre sua confiabilidade (e sobre a de todas as outras pessoas);

Regra 25 – As boas expectativas mútuas são as chaves da solução: “O que determina o resultado de interações sociais e econômicas é o que o contexto cotidiano construiu sobre as expectativas mútuas, ou seja, a expectativa de saber se os outros agentes vão participar de um ato de corrupção ou não”; sem o capital social das expectativas mútuas não haverá crescimento econômico;

Regra 26 – O combate à corrupção é inócuo quando liderado por quem não quer o seu fim: “o combate à corrupção é totalmente ineficaz quando as medidas acabam sendo colocadas em prática por pessoas que não têm interesse real em eliminar esse mal da sociedade, como é o caso, por exemplo, de alguns governos”[5].

Os mantras do senso comum (“as instituições brasileiras estão funcionando bem”; “as investigações da Lava Jato não poupam ninguém, sejam políticos, empreiteiros ou banqueiros”; “está havendo melhora”; “o país vai ser passado a limpo”; “a corrupção vai diminuir”) são insuficientes para o efetivo combate à corrupção. Medidas isoladas ajudam, mas não resolvem. Muitas medidas devem ser tomadas em conjunto e, ao mesmo tempo, sob uma liderança sincera, que tenha pulso suficiente para enfrentar as pressões dos contrariados (que se beneficiam da corrupção).

Que a Operação Lava Jato seja absolutamente imprescindível para começar a desmantelar a roubalheira e a pilhagem cleptocratas, promovidas por agentes econômicos e financeiros (setores do mercado), políticos, partidos e altos funcionários estatais, não há nenhuma dúvida. O erro consiste em hiperdimensioná-la e supor que ela sozinha (ou preponderantemente) seja a solução para o problema da corrupção. Ela é necessária, mas não suficiente.

Por si só, a Lava Jato (por melhores que sejam seus resultados) não fará o milagre da mudança radical que a sociedade brasileira necessita. Não que seja impossível alterar rapidamente uma cultura de corrupção sistêmica (como a brasileira). Mas, para que isso ocorra, muitos fatores devem ocorrer concomitantemente. Os exemplos históricos (EUA no fim do século XIX, Inglaterra na passagem do século XIX para o século XX, Suécia em meados do século XIX, Singapura e Hong Kong nos anos 50/60 etc.) mostram que as mudanças culturais frente à corrupção podem acontecer.


Notas

[1] Ver http://www.pol.gu.se/digitalAssets/1350/1350652_2007_3_rothstein.pdf, consultado em 30/12/15.

[2] Ver também SCHWARTSMAN, Helio: http://rota2014.blogspot.com.br/2015/11/big-bang-theory-por-helio-schwartsman.html

[3] A divisão e numeração das regras assim como seus títulos são de responsabilidade exclusiva nossa (não do autor da “Big Bang Theory”).

[4] Ver http://www.pol.gu.se/digitalAssets/1350/1350652_2007_3_rothstein.pdf, consultado em 30/12/15.

[5] Para ver todas essas ideias detalhadas compreender a pesquisa elaborada por Bo Rothstein cf. http://www.pol.gu.se/digitalAssets/1350/1350652_2007_3_rothstein.pdf

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Como combater eficazmente a corrupção (e a cleptocracia)?: Big Bang Theory. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4619, 23 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46290. Acesso em: 26 dez. 2024.

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