A cláusula de “Ajuste de Preço” é uma das mais importantes nas operações de fusões e aquisições, porque muito dinheiro pode ser ganho (ou perdido), dependendo do tempo gasto para negociação e reflexão sobre seu mecanismo e modo como ele será regulado no contrato.
Frequentemente, porém, os analistas financeiros envolvidos na operação não entram em contato com a redação final dos contratos e os advogados, muitas vezes, não conhecem as consequências financeiras que o mecanismo de ajuste de preço pode gerar aos interessados.
Nos últimos anos, o “enterprise value” tornou-se o conceito central em tema de “valuation”, em operações de fusões e aquisições, e seu entendimento, em conexão com o “equity value/purchase price”, é fundamental na negociação do preço de compra e na elaboração do contrato de transferência de ações.
Durante o processo de venda, usualmente, o comprador faz uma proposta de compra (não vinculante) pelo “enterprise value” da empresa alvo, de cujo valor será deduzida a “dívida líquida” da empresa, o que resultará no “equity value” ou “purchase price”:
“Enterprise Value = Equity Value + Net Debt”
Imagine que você decida comprar uma casa por R$ 500 mil. Para adquiri-la, com recursos próprios você paga R$ 100 mil e financia R$ 400 mil no banco. O valor total da casa é R$ 500 mil – o que representa o “enterprise value”, enquanto o seu “equity” é de apenas R$ 100 mil. O resto (R$ 400 mil) é dívida.
Se, posteriormente, você recebe uma proposta de R$ 500 mil para vender essa mesma casa (“enterprise value”), você ficará com apenas R$ 100 mil (“equity”). Em outras palavras, R$ 100 mil pertencem à você (que equivale a contribuição do sócio) e os R$ 400 mil pertencem aos emprestadores de capital (aos bancos).
Diferente de uma casa, porém, uma empresa é um organismo vivo e dinâmico e o valor da dívida líquida pode variar substancialmente com o tempo. Por outro lado, entre a proposta inicial do comprador e o “closing”, muitos meses são consumidos, e a situação financeira da firma pode se alterar.
Por isso, o contrato de compra e venda de participações acionárias não pode estabelecer simplesmente que o preço de compra e venda das ações será calculado pela dedução da dívida líquida do “enterprise value”, porque isso permitiria a flutuação e manipulação do preço durante o processo de M&A.
Para evitar que flutuações da dívida líquida interfiram indevidamente no “equity” ou “purchase price”, a cláusula de ajuste de preço deve prever e regular, além dos conceitos acima mencionados, mecanismos de controle, apuração e definição do nível do capital de giro (normalizado) da empresa alvo.
Como se sabe, capital de giro é aquele necessário para financiar as operações ordinárias da empresa, como financiamento de clientes nas vendas a prazo, estoque e demais despesas operacionais. Quando a empresa compra a prazo, os fornecedores financiam o estoque, o que diminui a conta do capital de giro.
Pois bem, sem um mecanismo de regulamentação do capital de giro, o vendedor pode manipular o “purchase price”, por exemplo, reduzindo o estoque a níveis não usuais, prorrogando o prazo de pagamento dos fornecedores ou pagando grandes credores antes do vencimento da dívida.
Todas essas providências, eventualmente legítimas num outro contexto, num ambiente de M&A implicam na redução artificial da dívida líquida e, consequentemente, no aumento do “equity” ou do “purchase price”, alterando o status quo em que as negociações foram encetadas.
Por isso, no mecanismo de regulamentação do capital de giro, o vendedor deverá ser compensado – com o aumento do “purchase price”, correspondente ao valor que o capital de giro exceder ao pré-fixado pelas partes, considerando uma determinada data de corte. Se o capital de giro cair, ocorrerá o oposto.
Para isso, as partes deverão, previamente, determinar o nível de capital de giro em que o contrato basear-se-á, correspondente ao capital de giro normal, baseado numa média histórica, excluídas flutuações decorrentes de sazonalidades ou eventos extraordinários = capital de giro normalizado.
Será do interesse do vendedor que esse nível de capital de giro seja definido como o menor possível, enquanto ao comprador interessará que ele seja o mais alto possível. A compreensão do capital de giro da empresa alvo é item de grande importância na “due diligence” financeira para o comprador.
Frequentemente, a cláusula é assim redigida: O preço das ações será calculado com base num “enterprise value” de R$ 500.000, assumindo um nível de capital de giro igual ao capital de giro normalizado. O preço de compra será igual ao “enterprise value” menos (I) a dívida líquida na data do “closing” e (II) diferença do capital de giro líquido. O “Anexo X” inclui um modelo de cálculo do preço de compra.
Recomenda-se que as definições de dívida líquida e capital de giro líquido façam referência a específicos demonstrativos contábeis históricos da empresa alvo. Assim, nos ajustes do “closing”, bens e obrigações serão agrupados nas mesmas colunas historicamente ocupadas nas demonstrações contábeis.
É recomendável que, numa cláusula específica, reforçada por um anexo, as partes expressamente listem os itens que serão incluídos no cálculo do capital de giro normalizado, alocando-os conforme previamente negociado.
As definições e o cálculo do preço de compra também devem fazer referência aos princípios contábeis historicamente utilizados pela empresa alvo, com base nos quais as partes basearam suas discussões e negociações, embora isso possa ser negociado entre as partes, dependendo do caso concreto.
Além disso, o contrato deve prever cláusulas que obriguem o vendedor a manter o curso normal dos negócios desde os últimos demonstrativos contábeis e financeiros revisados pelos interessados até o ajuste final do fechamento do negócio, pagamento do preço e transferência das ações.